Explosão
populacional, antropologia criminal do século XIX, o hype dos assexuados,
fantasmas vermelhos soviéticos e a fantástica revelação de que a Terra é plana
e que há uma conspiração para esconder de todos essa verdade extraordinária.
Prepare-se! O futuro poderá ser construído a partir de ideias que supostamente
teriam sido superadas pelo progresso científico, processo civilizatório ou
simplesmente pelas transformações políticas e sociais das últimas décadas.
Ideias conservadoras que no passado foram criadas para deter mudanças ou revoluções, hoje são resgatadas pela mentalidade neoconservadora sob uma
nova roupagem high tech, nova nomenclatura e o charme das teorias
conspiratórias. O “Cinegnose” fez uma lista dos 10 principais renascimentos de
ideias antigas e até sinistras que parecem encontrar o fértil terreno no
radicalismo e fundamentalismo atuais.
10. Neomalthusianos, Second Life e suicídio
Para os neoconservadores
o grande responsável pelos problemas humanos é o próprio homem. Mais
precisamente, homens pobres que insistem em se reproduzir. No passado, quando o
pensador inglês Thomas Malthus (1766-1834) argumentou que a quantidade de
habitantes no mundo é desproporcional à quantidade de alimentos e recursos
naturais, o problema demográfico restringia-se a uma questão econômica.
No
campo econômico o malthusianismo seria facilmente desconstruído pela evidência
das contradições das leis de mercado e distribuição desigual da riqueza – o
problema não é de produção mas de distribuição desigual pelo mercado.
Agora
os neomalthusianos associam a questão à qualidade de vida e ecologia – ter
muitos filhos não é autossustentável: destrói mananciais, seca represas, produz
lixo...
Por
isso os neomalthusianos se modernizam e se aliam a soluções high techs e
fundamentalismos religiosos bizarros. Por exemplo, o cientista chefe da NASA,
Dennis Bushnell, propõe despachar os seres humanos (ou pelo menos suas
consciências) para redes eletrônicas conectadas às neuronais. Para ele, a única
solução para alterações climáticas e limitação dos recursos naturais é eliminar
a ação danosa humana, mandando suas consciências para um mundo virtual.
Viveríamos uma espécie de Second Life, mantendo inerte nossos corpos – sobre
isso clique aqui.
Fundada
em Massachusetts, a Church of Euthanasia
afirma: “Salve o planeta, mate-se”. Para a igreja, suicídio, aborto,
canibalismo e sodomia seriam formas legítimas de evitar a procriação humana,
considerada um parasitismo no planeta Terra.
9. Genes e Seleção natural: de volta à selva
Desde
a derrota dos nazistas e de toda a sua ideologia da raça pura e eugenia na II
Guerra Mundial, o paradigma dos determinismo biológicos (raça, sangue,
hereditariedade, darwinismo social etc.) caiu em desgraça. Principalmente
porque o desenvolvimento das Ciências Sociais, Psicanálise e Linguística
demonstraram que a sociedade é uma instituição simbólica e o homem um ser antes
de tudo cultural.
Freud
encontrara uma dimensão entre as funções corporais e a alma: o psiquismo; e a
Linguística de Saussure a Roland Barthes descobrira que as instituições sociais
são entidades semiológicas.
Mas
a descoberta do DNA nos anos 1950 marcaram a transição para a genética
molecular: o DNA como parte de cromossomos que contém os genes. O que faltava
para Mendel (o pai da moderna genética, 1822-1884), Galton (o inventor da
Eugenia, 1822-1911) e todos os geneticistas nazis fora descoberto: um código
que poderia explicar o comportamento humano, o passado e o futuro. E, mais
importante, poderia ser manipulado.
Tudo
já está escrito na natureza: o gene hetero, o gene gay, genes defeituosos que
produziriam do câncer à esquizofrenia etc. O que fizeram o Darwinismo social (a
seleção natural das selvas trazida para a sociedade) e a Eugenia, retornam
disfarçadas em uma roupagem high tech.
Por
exemplo, para Steve Rud (O Gay e a
Biologia) o
gay é uma invenção da natureza para acelerar ou desacelerar o crescimento
populacional. Com a atual “ameaça de superpopulação” o instinto genético de
sobrevivência inibiria a heterossexualidade.
Os
neomalthusianos do item anterior passam a ter um surpreendente grande aliado na
genética molecular. Se tudo é seleção natural e instinto de sobrevivência da
espécie, temos uma perigosa matriz de raciocínio que poderá ser extrapolada
para qualquer área da sociedade... genes e instintos são mais poderosos do que
o livre arbítrio.
8. A gloriosa volta de Lombroso
Quem
assistiu ao filme Minority Report – A
Nova Lei (2002) ficou impressionado com uma polícia do futuro capaz de
prender criminosos antes que eles pudessem cometer o delito: a Divisão
Pré-Crime da Polícia de Washington DC, com ajuda dos pré-cogs (espécie de
videntes), antecipava os crimes e gravavam premonições nos computadores, como
provas para a prisão do futuro criminoso.
Pois
no século XIX, Cesare Lombroso (médico e criminalista italiano, 1835-1909),
acreditava que isso seria possível, mas não com ajuda de videntes mas com a
ciência de Darwin – criar a identidade do criminoso através de aspectos
físicos: formação craniana, mandíbula, forma de andar, cor, raça etc. Se o
crime é uma patologia, deveria haver um tratamento preventivo pelo enquadramento
dos criminosos potenciais.
Com a evolução das Ciências Sociais e Antropologia, esses
estudos foram rebatidos no Direito e Criminologia como racistas e
preconceituosos: os aspectos físicos foram substituídos pelos sociais no estudo
da criminalidade.
Mas os neoconservadores são capazes de ressuscitar Lombroso e
torna-lo relevante para o século XXI. Em sites jurídicos brasileiros como o
“Universo Jurídico”, textos como “Onda
de Crimes Ressuscita Lombroso para o Direito Penal” de um jurista
descreve como “Lombroso retorna com vigor” graças à “escalada de corrupção,
violência e criminalidade que varre o País”.
Cuidado! A Divisão Pré-Crime pode estar de olho em você!
7. Assexuados, Românticos, Hetero-românticos
Esqueça a Revolução sexual trazida pela pílula anticoncepcional
nos anos 1960, o esforço das pesquisas de Freud a Wilhelm Reich para desvendar
os mecanismos repressivos da sociedade contra o sexo e o prazer, a luta das
feminista pelo amor livre, Simone De Beauvoir e o ativismo de Bete Friedan.
De repente a mídia transforma em um hype a curiosidade pelos
assexuados: jovens que não sentem atração sexual. O sociólogo Mark Carrigan,
por exemplo, fala em assexuados românticos e não românticos – em alguns casos
haveria atração, mas não íntima fisicamente. Apenas para “dividir coisas”. São
os “hetero-românticos” – sobre isso clique
aqui.
Ao mesmo tempo, com o retorno dos fundamentalismo religiosos
(na política com o terrorismo internacional e na cultura como resposta ao
relativismo dos valores) , virgindade ou “guardar o coração” passa a ser
considerada “uma benção”.
Agora procuram não mais se basear em noções como pecado,
castigo ou culpa, mas em pesquisas supostamente científicas (sempre as
“pesquisas”, capazes de justificar até impeachments contra presidentes eleitos)
como a Family Psychology de que
pessoas que esperam para fazer sexo depois do casamento são “mais satisfeitos”.
Com a suposta “escalada de corrupção, violência e
criminalidade que varre o País” que justifica a volta gloriosa de Lombroso no
item 8, muitos começam a clamar por um retorno “constitucional” dos militares
ao poder no Brasil. Se no passado tudo foi feito através de um golpe trágico e supostamente
necessário já que os comunistas “ameaçavam” o País, agora tudo será
“constitucional” e fundamentado nas “pesquisas” (sempre as pesquisas!) de
insatisfação popular contra a presidenta Dilma.
Para além da evidente falta de lógica da proposta (é
constitucional substituir o sufrágio universal por pesquisas por amostragem?) a
proposta reflete a mentalidade esquizoide do neoconservadorismo: em um governo
de exceção sem partidos, sindicatos ou Congresso, haveriam pesquisas ou
manifestações de rua como aquelas que pedem um golpe militar?
O mais curioso é que jovens bem abonados (“coxinhas”) que
apreciam drogas e baladas contraditoriamente apoiam ardorosamente um golpe
militar. Se soubessem o que foi a ditadura militar nos anos 1970, saberiam que por suas
práticas, por assim dizer “notívagas”, seriam enquadradas como suspeitas de
“práticas comunistas”.
Segundo o historiador francês Philippe Ariès no livro clássico
História Social da Infância e da Família,
nos séculos XVI e XVII a infância era ignorada. Crianças eram tratadas com
liberdades grosseiras e brincadeiras indecentes. Não havia sentimento de
respeito e nem se acreditava na inocência delas. Vestiam-se como fossem
pequenos adultos eram qualificados como enfants
– aqueles que não sabem falar.
O avanço civilizatório das Ciências Sociais, Psicologia e
Pedagogia faria ver nelas uma fase da vida diversa do adulto que deveria ser
cercada de cuidados e atenção garantir o futuro delas e da própria sociedade.
A redução da maioridade penal para os 16 anos quer tornar o
adolescente um criminoso qualquer. Mas pela fúria punitiva dos neoconservadores
e protofascistas, o correto para muitos seria a punição se estender à própria
infância, como demonstram as reações à morte do menino Eduardo, baleado por
fuzil da polícia no Morro do Alemão (RJ): fotos nas redes sociais de crianças
exploradas pelo tráfico, portando armas de forma desafiadora – a polícia “faria
um favor” em eliminar esses “futuros traficantes”, dizem postagens mais
exaltadas nas redes sociais.
Parece ser esse o “espírito da lei” por trás da redução da
maioridade penal: o retorno ao Código Hamurabi. No fundo, esse item conecta-se
ao item 8 da gloriosa volta de Lombroso – poderíamos antever nas
características físicas da criança seus futuros crimes?
Com exceção das experiência com ratinhos em laboratórios, o
comportamentalismo (a crença de que o comportamento humano pode ser
condicionado de forma instintiva, assim como os animais) de Pavlov (1849-1936)
e Skinner (1904-1990) tinha sido soterrado pelo humanismo da pedagogia
piagetiana e pelos estudos do inconsciente e psiquismo da Psicanálise: o homem
não é o simples resultado mecânico dos estímulos do meio – ele possui uma vida
psíquica interior própria com impulsos, desejos e fantasias.
Por isso, desde as Escola de Relações Humanas, passando pela
Teoria do Capital Humano e da Gestão do Conhecimento até chegar aos taoísmos da
gestão e os paradigmas holísticos, todas acreditavam que capital e
produtividade não eram apenas o suficiente para a criação de valor na empresa:
era necessário o “capital do conhecimento” e a “iniciativa individual”.
A globalização e os tempos bicudos pós-crise das bolhas da
Internet em 2000 e do mercado imobiliário em 2008 e o derretimento da Zona do
Euro mandaram às favas esse viés humanista. Voltamos à natureza selvagem do
capital com a terceirização e a irresponsabilidade social com o fim dos
direitos trabalhistas.
E o “capital humano”? Vire-se com a psicologia motivacional,
literatura de autoajuda e Programação Neurolinguística (PNL). Todos com um quê
dos velhos Pavlov e Skinner, só que dessa vez com um novo vocabulário:
reprogramação mental, força da mente, foco em objetivos e assim por diante.
No mar revolto da mão-de-obra autônoma e sem direitos, só
restará se agarrar a essas boias furadas motivacionais. Afinal, olhe sempre
para o lado brilhante da vida, quer dizer, no “reforço positivo” dos ossinhos
que o treinador dá ao cachorro obediente.
Há mais de um século os comunistas assombram o mundo
ocidental, desde que o governos dos EUA enquadraram Hollywood com o Código Hays
em 1930 com regras restritivas aos conteúdos dos filmes, com medo de que
comunistas estivessem infiltrados na indústria cinematográfica com a sinistra
intenção de envenenar os corações e mentes americanas.
Não adiantou a Queda do Muro, a Perestroika de Gorbachev, a
União Soviética ser desmantelada e a máfia russa dominar o Estado outrora
comunista. O fantasma vermelho continua assombrando a mente neoconservadora –
talvez porque na sua falta de identidade social ou nacional, necessite de algum
tipo de inimigo externo para manter o ego unificado.
Pois agora o “marxismo soviético” (Isso mesmo! Alguns mais
exaltados em manifestações de rua falam dele...) se transformou em bolivarianismo:
União Soviética, Simón Bolívar, ouro de Cuba de outro high lander (Fidel Castro) alimentando o PT, o fantasma também
imortal de Hugo Chaves... Será que os Iluminatis também são soviéticos?
Esse é o lema de campanhas educativas para que cada cidadão faça a “sua parte” e economize água. Por trás desse slogan esconde-se
o estranho retorno da filosofia positivista de Auguste Comte (1798-1857) do
século XIX. Para o positivismo a sociedade funcionaria por meio de um mecanismo
newtoniano: causa e efeito e eventos que se acumulam (1+1+1...) até formar um
Todo.
Através do estudo de cada parte chegaríamos ao Todo por
adição. Desde Hegel (“A verdade é o Todo”) até chegar à fenomenologia e a
psicologia Gestalt descobriu-se que, na verdade, o Todo não é a soma das
partes. Confirmado pela Teoria do Caos na Física, constatou-se que a dinâmica é
complexa, caótica, com saltos qualitativos (a velha dialética de Hegel) e
atratores estranhos semelhante à mecânica dos fluidos.
Isso significa que as mudanças sociais não ocorrem com ações
aditivas, mas por quebras de ordens e paradigmas.
Mas a má consciência neoconservadora, culpada por se sentir
alienada, esconde-se nas pequenas ações que supostamente transformariam o
mundo. “Cada um faz a sua parte”, é o mantra neoconservador da ideologia da
sustentabilidade: se cada um reciclar seu lixo, economizar água e energia,
plantar uma árvore etc., o mundo magicamente se transformará.
Entre o indivíduo e o Todo não haveriam estruturas, ordens ou
paradigmas que resistem e se defendem para não serem quebradas. Para o
neoconservador, a sociedade é a mera soma de indivíduos isolados.
E agora a cereja do bolo, a chave de ouro de todo esse revival de ideias conservadoras que
acreditávamos superadas: a incrível revelação de que na verdade a Terra é
plana. Os membros da Sociedade Internacional Terra Plana de Pesquisas (IFERS)
localizada em Dove (Reino Unido), liderado pelo carismático pintor
hiperrrealista e fotógrafo canadense Matt Boylan, na verdade ressuscitam as
ideias de uma Zetetic Society fundada em 1883 na Inglaterra (que por sua vez se
fundamentava em concepções esotéricas antiquíssimas) que propunha o “método
científico Zetético” e uma “astronomia Zetética” .
Certamente é a mãe de todas as teorias das conspirações.
Essencialmente é assim: a Terra é um disco coberto por uma cúpula e rodeado por
uma parede de gelo que mantem os oceanos cerrados. O Sol e a Lua são apenas
estrelas errantes. O programa espacial é uma farsa e não existem satélites. Os
testes nucleares em grande altitude que EUA e URSS fizeram no final da década
de 1950 foram tentativas de fazer furos na cúpula, mas não obtiveram sucesso. A
gravidade zero não existe – tudo o que vimos foram simulações em aviões a
grande altitude.
Esqueça Ptolomeu na Antiguidade, a circunavegação de Fernão
de Magalhães em 1552 ou as soluções de Newton e Einstein para o conceito de
gravidade. Por alguma intenção conspiratória sinistra, os poderes mundiais
querem esconder de todos a verdade.
Segundo informações, o movimento cresce arrebanhando por ano
200 novas almas – a maioria britânicos e norte-americanos.
Certamente é uma ideia exótica e bizarra depois de séculos de
progresso científico, assim como a Igreja da Euthanásia do item 10. Mas esse
top 10 do bestiário neoconservador é preocupante por ser um evidente sintoma de
que há algo de errado na Cultura nesse início de novo século.
Lembre-se que os Nazis na
II Guerra Mundial acreditavam na convicção esotérica de que a Terra era oca, de
onde saiam discos voadores e os deuses da Hyperborea... – sobre isso leia o
livro O Despertar dos Mágicos dos
historiadores franceses Louis Pawells e Jacques Bergier.
Postagens
Relacionadas
|
|
|
|
|