sábado, abril 04, 2015
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Hollywood tem
uma tradição de filmes que mostra a cidade dos sonhos como um inferno de
ganância, narcisismo e perversões. A crítica especializada tem considerado
“Mapas para as Estrelas” de David Cronenberg como mais um filme com esse viés
moralista sobre a indústria do cinema. Porém, ao lado do roteirista Bruce
Wagner, Cronenberg foi muito além disso: conseguiu criar uma pequena galeria de
personagens que consegue sintetizar os principais arquétipos que dão vida aos
nossos sonhos: Viajantes, Detetives e Estrangeiros. E também a fragilidade
emocional por trás de profissionais bem pagos para produzir o nosso
entretenimento: a busca desesperada por amor, adoração e aceitação
incondicional. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Cronenberg
sempre foi fascinado pelas metáforas da invasão do corpo e a fragilidade da
carne diante da tecnologia em filmes como Videodrome,
Scanners, Crash ou eXistenZ. Seus filmes até podem sugerir
cenas de horror, mas na verdade o diretor transita entre a comédia, o humor
negro e o drama. Cronenberg está menos interessado em sangue, e muito mais na
natureza monstruosa das nossas obsessões e desejos, na dificuldade de
escaparmos de nós mesmos e como a sociedade cruelmente explora esse ponto fraco
humano.
Guerra
psíquica (Scanners), o domínio mental
da TV (Videodrome) e games digitais
mortais (eXistenZ) são algumas
amostras dessa temática recorrente de como a sociedade é capaz de criar
sistemas que envolvem tanto a carne como a alma. Mapas para as Estrelas é mais um filme desse veio crítico de
Cronenberg. E dessa vez é o alvo é Hollywood, tal como descrito pelo roteiro de
Bruce Wagner: um inferno de ganância, narcisismo e perversidade sexual.
Mas
como Cronemberg vem afirmando nas entrevistas, o diretor não pretendeu fazer
mais um filme sobre os podres de Hollywood, já muito bem representado em uma
série de filmes – O Jogador (1992), Sunset Boulevard (1950), Barton Fink (1991), A Star is Born (1954), Mulholland
Drive (2001) entre muitos. “Não é sobre Hollywood, é um comentário sobre a
condição humana que podemos encontrar em qualquer outro lugar”, diz Cronenberg
para aqueles que acreditam que o filme é apenas
mais uma crítica a indústria do cinema.
De
fato, a crítica impiedosa à fauna que habita os bastidores de Hollywood é o
ponto de partida de Mapas para as Estrelas.
Mas Cronenberg conseguiu algo mais: fez um conto atemporal sobre os arquétipos
da condição humana atual a partir de três tipos de personagens que a indústria
do entretenimento irradia para todo o mundo - Viajantes, Detetives e Estrangeiros – sobre esses personagens arquetípicos
clique
aqui.
A
atmosfera noir e, ao mesmo tempo, com uma luz do sol radiante e sinistra faz
lembrar o diretor xará David Lynch, mas também cria esse cenário atemporal onde
só assim foi possível para o diretor desenvolver esses três personagens
arquetípicos que são um pedaço de cada um de nós.
Gurus
espirituais, atrizes decadentes, duplas personalidades, fantasmas do passado,
projeções vingativas formam uma galeria de personagens que, no fundo, são
animados por esses três arquétipos da condição humana que são diariamente
irradiados para todo o planeta por Hollywood. E o filme de Cronenberg é mais um
exemplo disso. Como veremos, dessa maneira Mapas para as Estrelas é também um filme metalinguístico sobre a própria
indústria do cinema.
O Filme
Hollywood
é uma cidade governada pela fantasia e superstição – e como mostra o filme, as
pessoas parecem não perceber a diferença. É um lugar estranhamente obcecado com
sua própria história. Grande parte do setor imobiliário é assombrado por
memórias de estrelas e escândalos do passado.
O
filme abre com Agatha (Mia Wasikowska) chegando a Hollywood como fosse mais uma
turista fazendo um tour pela cidade na limusine de Jerome (Robert Pattinson),
um dublê de motorista e guia que conta as histórias sobre as casas das
celebridades locais. Mas aos poucos percebemos que ela é outra coisa: é o primeiro
fantasma do passado – a irmã que foi banida de uma família que retorna em busca
de algum tipo de perdão.
Agatha
é o arquétipo do Viajante: aquele que
vem do nada e parte para lugar nenhum. Traz um mistério do passado (seus rosto
e partes do corpo tem marcas de queimaduras) que pode definitivamente mudar a
vida de todos. Busca a liberdade final, um estado de suspensão (a morte?) que
possa ser a fuga de todos os males.
Julianne
Moore é Havana Segrand, uma atriz assombrada pelo medo da decadência e pelo
fantasma da sua mãe, atriz mais famosa que morreu jovem em um incêndio.
Perpetuamente em busca reconhecimento e
do amor de todos ao redor e sempre à beira de um colapso emocional. Moore cai
de cabeça em um personagem insano e sem limites – a atriz até se permite
interpretar uma cena defecando no banheiro enquanto discute com sua assistente
Agatha.
Havana
é o arquétipo do Estrangeiro: tudo
parece familiar para ela – os amigos, os empresários, os agentes, a profissão.
Mas sente-se como uma estrangeira dentro da sua própria cidade, em um
permanente estado de alienação. Faz terapia com um guru de autoajuda (Stafford
Weiss – John Cusack), um escritor best-seller que vive da mistura californiana
massagem-budismo-freudismo.
Mas
Weiss também tem seus fantasmas: é Agatha, sua filha “Viajante” que vem do
passado ameaçando estragar o lançamento de seu novo livro com um escândalo.
Seu
outro filho, Beije (Evan Bird), é uma estrela infantil arrogante e detestável.
Enquanto faz mais um filme, preocupa-se que outros atores não roubem suas
cenas. Sua família é uma perfeita estufa de sociopatia e tentam esconder a
chegada da sua irmã Agatha na cidade. Bieje também é perseguido por um fantasma:
uma fã falecida.
O arquétipo transversal do Detetive
Paradoxalmente
os fantasmas perseguem pessoas que não creem no sobrenatural: são materialistas
e apegados demais a suas carreiras para se preocuparem com questões
metafísicas. Por isso, os fantasmas criam loucura e paranoia – para todos há um
passado que envolveu incesto, abuso sexual ou assassinato. Por isso, o
arquétipo do Detetive é transversal
na narrativa.
Assim
como nos clássicos do cinema noir onde os detetives procuravam resolver
mistérios que, inadvertidamente, relacionavam-se com segredos bem guardados do seu próprio passado, também em Mapas para as Estrelas os personagens
lidam com problemas que sem saberem vai remeter a passados obscuros.
Cronenberg
e o roteirista Bruce Wagner conseguiram resumir no filme os três personagens
arquetípicos que representam a constituição da subjetividade contemporânea.
Viajantes, Detetives e Estrangeiros estão presentes em cada filme, vídeo clip
ou minissérie produzida pela indústria do entretenimento.
Arquétipos
são símbolos do inconsciente coletivo que dão às narrativas ficcionais do
cinema o componente espiritual que dá vida e verossimilhança aos filmes. Sem
isso, Hollywood seria apenas uma mera produtora de contos.
Metalinguagem
Por
isso, Mapas para as Estrelas faz uma poderosa metalinguagem sobre a maquinaria
de Hollywood. O fato de Cronenberg ter colocado o astro Robert Pattison como um
motorista de limusine que nas horas vagas é ator de filmes B e aspirante a
roteirista é uma dessas picardias sobre a indústria do cinema.
Ao
lado do astro infantil Beije, que retrata as consequências de crianças que
perdem a infância nos sets de filmagem, Cronenberg mostra que tudo em Hollywood
parece ser abuso sobre atores que são frágeis e instáveis. São as metáforas da
invasão do corpo pelas tecnologias, tema recorrente na obra do diretor.
Com
isso, Cronenberg nos mostra que toda a indústria dos nossos sonhos é feita por
seres frágeis que por trás da busca do luxo e da fama, na verdade buscam
adoração, amor e a aceitação incondicional de todos.
Todos
seriam viajantes, detetives e estrangeiros vagando em uma cidade que confunde
fantasia e superstição e transforma isso em diversão para todo o planeta.
Ficha
Técnica
Título: Mapa
para as Estrelas
Diretor:
David Cronenberg
Roteiro:
Bruce Wagner
Elenco: Julianne
Moore, Mia Wasikowska, Robert Pattinson, John Cusack, Evan Bird, Olivia
Willians
Produção:
Prospero Pictures, Sentient Entertainment
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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