Em uma das suas
intermináveis lutas na franquia Homem-Aranha, o super-herói, cansado e perplexo
depois de mais uma batalha contra vilões bizarros, desabafa: “de onde vem toda
essa gente?”. Diante das manifestações Anti-Dilma as esquerdas parecem tentar
responder à mesma pergunta perplexa do Homem-Aranha:de onde vêm os manifestantes? Eleitores do Aécio?
Classe média branca? Conspiração de magnatas do petróleo dos EUA de olho no
pré-sal? Há um “elemento de auto derrota” histórico nas esquerdas, como afirmava
o filósofo Herbert Marcuse – o pragmatismo e o economicismo que ignoram a base
imaginária e psíquica do funcionamento das ideologias. Enquanto isso, a Direita
sabe “de onde vem toda essa gente”: ouve a sociedade profunda por meio de
pesquisas etnográficas que perscrutam os novos perfis psicográficos chocados
pelo neodesenvolvimentismo do PT.
Depois
de enfrentar o Homem-Areia que tentava roubar o dinheiro de um carro-forte, o
Homem-Aranha dispara sua teia e salta para um topo de um prédio. Exausto, tira
sua máscara e as botas cheias de areia depois de ter sido obrigado a se
engalfinhar com o vilão. E então, o herói desabafa: “de onde vem toda essa
gente?...”.
Essa
é uma sequência do filme Homem-Aranha 3,
mas o estado de espírito do herói ao mesmo tempo cansado e perplexo guarda suas
analogias com as reações das esquerdas ao ver a escalada neoconservadora que
culminou com os protestos anti-Dilma do dia 15 de março.
Homem-Aranha: "De onde vem toda essa gente?" |
E o
principal deles, na avenida Paulista em São Paulo, onde milhares de
manifestantes revelaram uma bizarra combinação de tipos humanos: militantes da
TFP (Tradição, Família e Propriedade - organização católica tradicionalista) recolhendo assinaturas em defesa da Família Brasileira; pessoas dando
parabéns a policiais militares e pedindo a eles que dessem um golpe na
presidenta Dilma; famílias que entre alguns gritos de slogans raivosos davam um
tempo para selfies como se estivessem em algum parque temático político; jovens que em conversas confundiam os
conceitos políticos de Direita e Esquerda (dislexia política?); outros
protestavam contra a ameaça da “ditadura comunista” e da “ditadura gay” (o que
deve ter chamado a atenção dos militantes da TFP, sempre ávidos por mais
assinaturas para seu abaixo-assinado), um manifestante carregando uma bandeira
do movimento integralista pedia o fim dos partidos e sindicatos...
O elemento de auto derrota
De
onde vem toda essa gente? Talvez a primeira pista esteja na fala do filósofo
Paulo Arantes, durante o encontro dos seminários da FFLCH-USP. Remetendo a uma
tese clássica da esquerda europeia dos anos 30 de que o fascismo é uma
expressão da derrota da esquerda, afirmou: “Se você tem uma massa revoltada,
proletária e que vai te massacrar é porque você perdeu. A outra coisa que nos
dá medo é o que nós perdemos”.
Isso
lembra as reflexões de outro filósofo, Hebert Marcuse, que em seu livro Eros e Civilização de 1966 apontava para
um “elemento de auto derrota” em todos os movimentos revolucionários que
tentaram abolir formas de dominação e exploração: “Em todas as revoluções
parece ter havido um momento histórico em que a luta contra a dominação poderia
ter saído vitoriosa... mas o momento passou. Um elemento de auto derrota parece
estar em jogo nessa dinâmica. Nesse sentido, todas as revoluções foram
revoluções traídas” – MARCUSE, Herbert, Eros
e Civilização, Zahar Editores, 6a edição, 1975, p.92.
Antes de entender esse “elemento de auto derrota”, as
esquerdas buscam rapidamente racionalizações para, talvez no íntimo, encontrarem
explicações tranquilizadoras para uma derrota anunciada.
Segredos de polichinelo: magnatas do petróleo de olho no pré-sal - conspirações como álibi da auto derrota |
Por exemplo, nas denúncias de que os magnatas do petróleo e
da extrema-direita dos EUA, os irmãos Koch, poderiam estar bancando os
“Estudantes Pela Liberdade”(EPL) ou as denúncias das supostas conexões do
empresário Rogério Chequer, líder do grupo “Vem Pra Rua”, com empresários brasileiros e com nomes do setor
financeiro dos EUA.
Magnatas do petróleo de olho no pré-sal e empresários
financiando movimentos golpistas? Ahh!!! Vááá!!!! Segredos de polichinelo que
surgem como denúncias bombásticas para encontrar um álibi racionalizador que
esconda esse “elemento de auto derrota” - auto-piedade e auto-indulgência que
parecem sempre assombrar as esquerdas nos momentos decisivos de tentar
consolidar projetos ou vitórias.
A instituição imaginária da sociedade
Mas o que é esse “elemento de auto derrota”?. Acredito que a
resposta esteja conectada com a reposta da pergunta que faz o perplexo Homem-Aranha:
de onde vem essa gente? Poderíamos então acrescentar: Qual serpente chocou os
ovos de onde veio toda essa gente?
Cornelius Castoriadis |
Marcuse, assim como outro filósofo chamado Cornelius
Castoriadis (1922-1997), apontavam para displicência das esquerdas em relação à
necessidade de compreender do funcionamento imaginário da sociedade: presos que
estão ao pragmatismo da ação política e do economicismo, ignoram as bases
simbólicas ou psíquicas do funcionamento das ideologias nas quais se fundamentam
a instituição imaginária da sociedade.
Por exemplo, Castoriadis lembrava que a aplicação da chamada
administração científica e dos métodos fordistas na Rússia pós-revolução
bolchevique para acelerar o desenvolvimento econômico reproduziram as estruturas
verticais de poder burguesas, contaminando a experiência socialista soviética,
levando-a à ditadura stalinista – veja CASTORIADIS, Cornelius, A Instituição Imaginária da Sociedade,
Paz e Terra.
Da mesma forma, a estratégia economicista ou neodesenvolvimentista
dos governos petistas com a inclusão de
grande parte dos brasileiros na sociedade de consumo resultou nos ovos chocados
pela serpente cujos filhotes agora armam o bote. Acreditava-se que, por si
mesmo, a inclusão na sociedade de consumo significaria inclusão social e desenvolvimento
da consciência de cidadania.
Novos perfis psicográficos
Bem diferente disso, a última década mostrou o surgimento de
uma variedade de novos perfis psicográficos ou tipos-ideais que esse humilde
blogueiro vem mapeando em postagens recentes: - simples descolados, coxinhas, coxinhas 2.0, novos tradicionalistas,
rinocerontes etc. – sobre esses tipos-ideais clique
aqui e aqui.
A Direita compreende os novos perfis psicográficos |
O crédito público educativo do FIES colocou milhares de
brasileiros em faculdades privadas. Se por um lado proporcionou a oportunidade
de inclusão e melhoria de vida, por outro permitiu que fossem, durante quatro
anos de curso, diariamente doutrinados nas salas de aulas dentro da ideologia
da meritocracia e empreendedorismo - a percepção de que o sucesso é puramente
individual, ignorando de que também é o resultado de um investimento da
sociedade no indivíduo.
Todos aqueles que nessa última década ascenderam em processos
seletivos como vestibulares, concursos públicos ou entrevistas dos RHs de
empresas creditaram seu sucesso muito mais ao esforço pessoal do que a uma
conjuntura sócio-econômica favorável através de políticas públicas.
É essa a percepção moldada subliminarmente pelas TVs, revistas
ou portais de Internet por meio de filmes publicitários, reality shows,
telenovelas e matérias de telejornais sobre start ups e jovens empreendedores
bem sucedidos.
“Meninos do golpe” ouvem a sociedade profunda
Um reality chamado Food Truck – A Batalha (o raio
gourmetizador combinado com dicas para construir um negócio de sucesso) do
canal GNT faz muito mais estrago no imaginário social do que todos os milhões
de dólares dos magnatas do petróleo gringos que supostamente turbinam as
manifestações Anti-Dilma na Avenida Paulista.
Jamais os chamados “meninos do golpe” por trás de lideranças
como “Estudantes Pela Liberdade”, “Vem Pra Rua” ou “Movimento Brasil Livre”
seriam bem sucedidos se não encontrassem “toda essa gente” que foi diariamente
lapidada nos bancos das universidades graças aos créditos educativos governamentais
e pelas mídias privadas regidas sob a lei da concessão pública dos meios de
comunicação.
Os governos petistas cumpriram a missão histórica de inclusão
na sociedade de consumo de amplas parcelas da população que no passado eram
excluídas. Mas recorreram no mesmo elemento de auto derrota – o economicismo e o
pragmatismo.
Uma batalha de food trucks na TV faz mais estragos do que conspirações de magnatas do petróleo |
Enquanto a Esquerda acredita que poderá conquistar corações e
mentes através do Marketing e da Propaganda (vocação histórica, já que o Lênin
teria inventado o Marketing – sobre isso clique
aqui), a Direita investe nas pesquisas etnográficas (entrevistas
domiciliares, intercept interview,
entrevistas etnográficas e focus groups)
que conseguem perscrutar as profundezas do imaginário e do inconsciente social.
A Esquerda ainda espera que o amadurecimento das condições
econômicas ideais abra por si só o caminho para a consciência de classe e a
revolução. E slogans e palavras de ordem cimentariam a vitória. Enquanto isso,
a Direita maquiavelicamente prospecta os perfis psicográficos em grupos de discussões nas salas espelhadas
em cada empresa de pesquisa de mercado. A Direita ouve a sociedade profunda.
Mais do que ninguém, os “meninos do golpe” sabem de onde vem
toda essa gente. E as esquerdas repetem o cansaço e a perplexidade do Homem-Aranha.