segunda-feira, março 11, 2013

Em Observação: "Black Mirror" (2011-2013)


Nosso leitor Nelson Job indicou a série inglesa exibida no Channel 4 “Black Mirror”. Com duas temporadas compostas por três episódios cada, nos apresenta as potencialidades sombrias de tecnologias já existentes como biochips, Internet e mídias sociais. Criada pelo jornalista e roteirista Charlie Brooker (notável pela sua crítica ácida aos formatos televisivos como em “Dead Set” onde zumbis invadem um reality show) “Black Mirror” está “Em Observação” pelo Blog por dois motivos: primeiro: por fazer uma crítica midiática-política-social de tecnologias portáteis atuais (aplicativos, widgets, apps etc.) que querem fazer nossa identidade e, segundo, a irônica condição dessa série: feita por uma produtora que pertence ao grupo Endemol, notória pela criação de games televisivos e reality shows como o “Big Brother”, formatos criticados pela própria série.



Série “Black Mirror” (2011-2013)

Criador: Charlie Brooker

Plot: Primeira temporada (2011):

  • The National Anthem: o dilema que o primeiro ministro passa quando um membro da família real britânica (uma princesa popular semelhante à Lady Di) é sequestrado e um vídeo no You Tube, que alcança audiência recorde,  pede como resgate para ele se humilhar publicamente. O sequestro e a decisão do ministro é acompanhado pela população em tempo real via Televisão, Twitter e YouTube.
  • Fifteen Million Merits: Em um futuro distante (ou em uma realidade paralela) encontramos parte da raça humana (ou toda ela, não sabemos exatamente) vivendo em instalações informatizadas onde a única coisa que se tem para fazer na vida é pedalar em uma bicicleta ergométrica para gerar energia e, por sua vez, ganhar créditos. Com estes créditos as pessoas as pessoas conseguem alimento, divertimento ou pagar o ingresso para o desejo máximo dessa sociedade: participar de um reality show de talentos.
  • The Entire Story of You: Os críticos consideram o melhor episódio de todos. Voltamos ao futuro onde os seres humanos têm a opção de registrar, mediante um chip colocado atrás da orelha, todos os seus atos e revivê-los mais tarde em um vídeo onde e quando quiser. Liam é um advogado que suspeita que sua esposa o traia com Jonas. Suas suspeitas são confirmadas e força o casal de adúlteros a mostrar a ele seus bancos de memória dos chips e forçando-os a apagá-los...

Segunda Temporada (2013):
  • Be Right Back: Martha fica arrasada quando seu companheiro Ash morre em um acidente de trânsito no dia em que eles se mudavam para uma casa de campo. No funeral uma amiga de Martha, Sarah, diz a ela de um novo serviço que permite que as pessoas se comuniquem com seus entes queridos falecidos por meio de tecnologia on-line. Um dia Martha recebe uma mensagem do Ash e percebe que Sarah havia assinado o serviço para ela. Ela não gosta nada disso, mas ao descobrir que está grávida acaba cedendo.
  • White Bear: Victoria acorda com dor de cabeça, pulsos enfaixados e pílulas espalhadas pelo chão. Um sinal estranho está piscando na TV. Ela não consegue lembrar de nada. Victoria conhece Jem, uma jovem que explica que o sinal na TV vem da emissora “Urso Branco”. A maioria da população tornou-se voyeur que nada faz a não ser ver filmes na TV. Uma elite assassina de caçadores matam as pessoas afetadas pelo sinal transmitido pela TV, como Victoria e Jem. Fugindo dos caçadores chegam à emissora Urso Branco com a intenção de destruí-la.
  • The Waldo Moment: O comediante Jamie Slater empresta sua voz a Waldo, um urso azul personagem de desenho animado que entrevista políticos em uma sátira onde geralmente humilha-os. O produtor do programa, Jack Napier, sugere que o personagem Waldo se candidate nas próximas eleições contra o pomposo Liam Monroe, uma das suas vítimas em seu programa de entrevistas.

Charlie Brooker, criador da série "Black Mirror"
Por que está “Em Observação”? Biochips, tecnologias on line, Internet, receptores de TV, reality shows, redes sociais etc. A série inglesa do Channel 4 aborda as potencialidades sombrias de tecnologias que já existem, o que tornam os episódios ainda mais atraentes: sob o pretexto de fazer sci fi, na verdade está realizando uma crítica contundente ao desenvolvimento do potencial tecnológico atual. Em postagens passadas discutíamos uma particular característica da ficção científica pós-moderna: a de ser “atópica”. 

Se na utopia traçávamos futuros a partir do esforço coletivo da espécie humana (por exemplo, “A Máquina do Tempo” de H.G. Wells) e na distopia mostrávamos como esse esforço pode se reverter contra os próprios seres humanos (“Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley), na atopia não há futuro. Na verdade temos uma espécie de “futuro do passado” onde o futuro é uma projeção das mazelas do presente.

Numa época em que vivemos de tecnologias portáteis como gadgets e aplicativos para celulares e laptops que parecem definir nossa própria identidade (veja o livro de Jaron Lanier “Você Não é um Aplicativo”), cada vez mais nos aproximamos de um Eu permeável, sempre online e sensível a compartilhamentos, memes, boatos etc. Como a tecnologia muda, então, as nossas relações com o Outro e a alteridade? Como ficariam os tradicionais problemas das relações humanas (ciúmes, incompreensões, ambições etc.). Eles se transformariam ou seriam amplificados como frias obsessões?

"Não ajuste a tela. Ajuste o futuro que está
quebrado em "Black Mirror"
(The Guardian, 08/03/2013)
Outro ponto que interessa ao Blog é a sutil ironia por trás dessa série: quem a produz é a Zeppotron, produtora que pertence ao grupo da Endemol, criadora de formatos que tem mudado a face da cultura pop com seus games televisivos e reality shows como o “Big Brother”. A mesma ironia presente no título “Big Brother” (personagem autoritário da obra máxima distópica de George Orwell “1984”) do produto da Endemol também está nessa série, principalmente no segundo episódio da primeira temporada (“Fifteen Millions Merits”): um mundo repressivamente tolerante onde a própria crítica contundente ao seu sistema transforma-se em show televisivo. Poderia a série “Black Mirror”, produto do grupo Endemol responsável por formatos e tecnologias que o próprio grupo alardeia e explora comercialmente, ser enquadrada nessa tolerância repressiva? Como explicar as críticas tão contundentes às tecnologias feitas por uma série produzida por empresa de um grupo que explora comercialmente esses mesmos formatos e tecnologias criticados?

O que promete?Charlie Broker, criador da série “Black Mirror”, é bem conhecido por este blog. Já analisamos outra série de sua autoria (“Dead Set”, 2008 – clique aqui para ler), uma paródia do gênero reality show onde o estúdio do programa da versão inglesa do “Big Brother” é invadido por zumbis. Brooker é um crítico cultural do jornal “The Guardian” célebre pelo seu cáustico pessimismo, humorista, produtor, roteirista e apresentador de shows de TV como “Newswipe”e Weekly Wipe, além de diretor de criação da produtora Zeppotron.

Essas credenciais já são suficientes para esperarmos um experimento televisivo com narrativa contundente, uma bem levada incorreção política e abrasiva críticamediática-política-social. Um produto audiovisual redondo com temporadas de apenas três episódios de 50 minutos, todos autoconclusivos e com histórias independentes.

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