No final de sua vida
o neurocientista norte-americano Thimoty Leary (considerado o guru do LSD nos
anos 60) já acreditava que os softwares dos computadores iriam substituir o LSD
como meio indutor a estados alterados de consciência. Para ele, a
televirtualidade era a palavra chave: com capacete e luvas de velcro, smart
drugs na cabeça e programas que convertam na tela as ideias presentes
no cérebro teríamos a libertação psíquica onde cada indivíduo criaria sua
própria realidade.
Não é mera
coincidência acompanharmos o crescimento das smart drugs paralelo
ao desenvolvimento das tecnologias computacionais e virtuais, dos espaços
multisensoriais de entretenimento (das danceterias habituais às raves) e da
música eletrônica cujos artistas fazem constantes associações entre o som,
transe e esoterismo new age.
Essa parece ser a
essência da tecnognose: por meio do desenvolvimento de uma tecnologia que busca
aprimorar a derradeira interface (as conexões entre as redes neuronais e redes
eletrônicas), criar uma espécie de atalho para a aspiração sagrada por transcendência.
Sob o pretexto de que as tecnologias oferecem um canal mais “limpo” e menos
“químico” do que as drogas lisérgicas, a tecnognose cria as condições para o
solipsismo (onde cada indivíduo cria seu próprio horizonte narcísico de
experiências) e, ao mesmo tempo, favorece o controle por meio de sistemas de
vigilância.
Essa ambição
tecnognóstica criaria um sujeito facilmente permeável definido pelos
pesquisadores como fractal: conectado virtualmente (e no futuro
neurologicamente) às redes digitais passa a se adaptar mimeticamente ao entorno
para sobreviver. Tal qual o fracta da geometria
(objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais
semelhantes ao objeto original), é um sujeito que se torna um nódulo que apenas
ratifica o que lhe é externo.
Materialidade das Imagens
Todas as tecnologias
de produção de imagens, do cinema ao audiovisual, irão acompanhar esse
movimento de materialização da experiência do místico e do sagrado. Por
exemplo, no cinema acompanhamos uma profunda alteração no próprio dispositivo
cinematográfico.
Com a evolução dos
recursos digitais, croma key etc., progressivamente o cinema ou a própria
câmera estão se desconectando da realidade. Se no passado, o dispositivo
cinematográfico partia do objeto real (atores, cenografia, iluminação etc.),
hoje, cada vez mais, prescinde de um referencial “realista”. Todos os recursos
digitais de edição, montagem, efeitos especiais, na medida em que se
virtualizam, estão cada vez mais materializando o imaginário (mitologia, fantasias
etc.). O espectador tem, à sua frente, a transformação em imagens de todos os
mitos, sonhos e fantasias.
Recursos tecnológicos
aprimorados como o 3D ajudam a materializar todo um universo arquetípico do
nosso inconsciente coletivo. Se no passado, era necessário a ascese, a
disciplina da meditação, o domínio de técnicas e filosofias herméticas ou a
indução a experiências místicas por meio de drogas pesadas, agora tudo o que
buscávamos por meio desses instrumentos se materializa diante de nossos olhos
numa tela.
Enquanto nossos
corpos jazem inertes na poltrona confortável de um multiplex, nossos olhos veem
a materialização das nossas aspirações arquetípicas.
O destino do Sagrado e da
transcendência
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No final da vida Thimoty Leary via nos computadores o substituto das experiências lisérgicas químicas |
Portanto, qual o
destino de toda a dimensão metafísica do sagrado e da transcendência num
contexto tecnológico multimídia? Se testemunhamos uma era neo-platônica onde
toda a metafísica se materializa não só para nossos olhos, mas,
cinestesicamente, para todos os sentidos, qual o destino da experiência do
místico e do sagrado?
Toda a euforia de
Thimoty Leary, que via nas tecnologias computacionais uma estrada de libertação
psíquica, o fazia desprezar um importante detalhe: as grandes corporações que,
afinal, detém o monopólio tecnológico do desenvolvimento e fabricação dos
softwares e hardwares.
Se o futuro do cinema
aponta para o fim do próprio suporte (a película) substituído por arquivos
digitais transmitidos em streaming para as salas de projeção
(realizando a convergência de todas as mídias às tecnologias computacionais),
temos, então, a perigosa tendência da concentração midiática em poucos gigantes
corporativos.