Figuras fantasmagóricas se movimentam em telas dentro de ambientes escuros como imagens passadas de um esporte que já não mais existe. O Museu do Futebol parece um requiém da indústria do entretenimento a um esporte que ela mesma ajudou a transformar, destruindo tudo aquilo exposto e celebrado pela Exposição. Um exemplo da ironia da "reversibilidade simbólica" onde a linguagem destrói tudo aquilo que ela tenta representar:" a mais alta pressão por informação corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real".
Visitei o Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, aqui em São Paulo.
Enquanto caminhava pelas instalações high
tech (multimídias, interativas etc.) insistentemente vinha à mente a tese
do pensador francês Jean Baudrillard de que "a mais alta pressão por informação corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real": quando a mídia se erotiza, é porque o sexo deixou de existir; quando se fala muito de
informação, é porque esta também deixou de existir, e assim por diante. Todas
as coisas parecem perder a sua existência semiológica a partir do momento em
que tentamos representá-las. A fotografia e a câmera apenas representam aquilo
que já passou. O signo só pode representar a própria coisa a posteriori, depois que ela deixou de
existir. Tudo o que conseguimos é sempre a presença de uma ausência.
Por isso para Baudrillard, o signo só pode ser, desde o início, um simulacro daquilo que já não mais existe. Essa natureza secreta e perversa do signo Baudrillard referia-se à “reversibilidade simbólica” ou à própria presença do Mal na linguagem e no conhecimento. Inspirado em referenciais gnósticos cátaros e maniqueos, (em diversas entrevistas Baudrillard confirmou essa matriz gnóstica do seu pensamento – veja links abaixo) Baudrillard acreditava que a realidade, desde o início, já havia sido seduzida pela ilusão e que, por isso, todo conhecimento é fonte de erro para o espírito que acaba aprisionado na cadeia de significantes. Isto é, uma cadeia de signos que já não detém nenhuma transitividade com o real.
Por isso para Baudrillard, o signo só pode ser, desde o início, um simulacro daquilo que já não mais existe. Essa natureza secreta e perversa do signo Baudrillard referia-se à “reversibilidade simbólica” ou à própria presença do Mal na linguagem e no conhecimento. Inspirado em referenciais gnósticos cátaros e maniqueos, (em diversas entrevistas Baudrillard confirmou essa matriz gnóstica do seu pensamento – veja links abaixo) Baudrillard acreditava que a realidade, desde o início, já havia sido seduzida pela ilusão e que, por isso, todo conhecimento é fonte de erro para o espírito que acaba aprisionado na cadeia de significantes. Isto é, uma cadeia de signos que já não detém nenhuma transitividade com o real.
Formas-pensamento sem mais a energia vital do passado |
O Museu do Futebol nos mostra a idolatria, fanatismo de uma época lúdica que já
não existe mais não só no futebol como em qualquer esporte. Não importa se o
Museu do Futebol deixa de ser estático como nos Museus tradicionais. Não
importa se ele é animado multimidiaticamente com alta tecnologia audiovisual. É
como se, naquelas telas transparentes, nas imagens projetadas em superfícies de
vidro ou nas imagens que saltam por meio de óculos 3 D, observássemos
fantasmas, formas-pensamento sem mais a energia vital de outrora.
Signos
ou simulacros sem mais existência semiológica, porque representam algo que não
mais existe, ironicamente instalado abaixo das arquibancadas de um estádio onde
se realizam jogos onde a presença do público é o menos importante, já que o
evento futebolístico tornou-se um espetáculo televisivo por excelência.
Talvez,
o público que frequenta o Museu do Futebol seja maior do que o dos próprios
jogos realizados no próprio estádio do Pacaembu. O museu temático atrai muito
mais público do que o próprio evento real o qual pretende homenagear e
eternizar.
É a
ironia de toda reversibilidade simbólica ou do Mal: o simulacro destrói a
existência do próprio objeto que pretende simular.
Religião e futebol
Para
mim, duas instalações me chamaram a atenção dentro da longa caminhada pela
exposição: uma pequena sala sobre o tema religião e futebol e uma instalação
que tenta captar a energia das torcidas nas arquibancadas de um estádio.
Numa
pequena sala entramos e vemos sobre uma daquelas antigas mesinhas de canto de
sala com um aparelho de rádio igualmente muito antigo. Ao lado, o sincretismo
religioso do jogador brasileiro: rosário, fitas de Nosso Senhor do Bonfim,
pequenas estátuas e imagens de santos católicos, figas, miçangas e patuás
enrolados e dependurados em torno de um vaso com flores etc. Novamente, signos
vazios de um tempo que deixou de existir.
O Museu homenageia as torcidas, afastadas dos estádios pelos horários e segurança. |
Hoje, cada vez mais, os jogadores de
futebol são evangélicos, bons moços adeptos de igrejas de uma religiosidade
midiática, com pastores e bispos em púlpitos televisivos.
Igrejas
que se relacionam com jogadores para criar uma simbiose por visibilidade
midiática: jogadores com camisetas escritas “100% Cristo” correndo na
comemoração do gol e igrejas evangélicas promovidas por craques que chegam à
seleção brasileira.
O folclore do sincretismo religioso futebolístico
(imortalizado em imagens de torcedores segurando velas e galinhas pretas nas
gerais do Maracanã no antigo cinejornal Canal 100) dá lugar uma espécie de
pragmatismo evangélico-promocional.
Mas o
mais arrepiante foi a instalação que simula que estamos no centro de uma
torcida organizada, com todo o barulho e a agitação das arquibancadas. Sobe-se
uma escada rolante e, aos poucos, somos que remetidos para dentro de uma massa
de torcedores: são projetadas diversas imagens que vão se sobrepondo com
torcidas organizadas entoando hinos, gritos de guerra, bandeiras desfraldadas e
muito espocar de fogos de artifício e rojões. O design sonoro e a acústica são
impressionantes. Todos os visitantes ficam em pé, hipnotizados e apoiados em
colunas ou corrimões, já que a instalação fica em meio as estruturas de
sustentação das arquibancadas do estádio do Pacaembu e as imagens projetadas no próprio
concreto do estádio.
Um
ambiente escuro, novamente com imagens fantasmagóricas com uma energia que não
mais existe, a não ser nos recursos televisivos para tentar ampliar o som nos
estádios vazios. Ficamos em pé como que bestificados diante de algo que não
mais existe: bandeiras, fogos e torcidas organizadas afastados dos estádios por
motivos de segurança. Quanto à torcida, sistematicamente afastada com horários
de conveniência televisiva (22h de quarta-feira ou 18h30 dos domingos),
dificuldade de aquisição de ingressos e crescentes setores de estádios
pertencentes a empresas de cartão de crédito que reservam lotes de ingressos
para empresas e clientes.
Para
mim, a longa caminhada pelo interior das instalações no Museu do Futebol foi
tão triste e melancólica como num velório: adultos relembrando antigas copas do
mundo e revivendo imagens de um esporte que não mais existe. Somente as
crianças pulavam e se divertiam eletrizadas com os recursos interativos da
exposição, certamente inocentes por ainda não terem consciência do que foi
perdido.
E, ao
final, ironia das ironias, tudo concebido e realizado pela Fundação Roberto
Marinho das Organizações Globo. Uma organização midiática presta homenagem
àquilo que ela própria ajudou a destruir. Porque para a indústria do
entretenimento não basta apenas transmitir um evento. Mais do que isso, ela
deve ser a dona e a artífice do evento, assim como um Demiurgo capaz de criar
um cosmos segundo suas próprias regras.
Postagens Relacionadas