domingo, dezembro 01, 2019
Curta da Semana: "Black Friday": como salvar-se do Marketing do Apocalipse?
domingo, dezembro 01, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Amélie é uma ex-funcionária de uma rede de varejo chamada New Price. Ela é assombrada pelas lembranças da última Black Friday, quando retorna à cena traumática. Esse é o curta-metragem canadense “Black Friday” (2018), inspirado na história de um funcionário da rede Wal-Mart que morreu pisoteado em 2008 na abertura das portas de uma loja na Black Friday. Do discurso motivacional do gerente da loja aos funcionários análogo a um culto religioso, à corrida selvagem de consumidores invadindo a loja como zumbis no filme “Amanhecer dos Mortos”, tudo nos conduz a uma estranha relação com as mercadorias no Capitalismo pós-crash de 1929 – a salvação do sistema de produção-consumo através de uma espécie de “Marketing do Apocalipse”: todo dia é o última dia para a Salvação. Há muito o consumo abandonou o valor de uso para se esgueirar pelo imaginário da moralidade e da religião. Se o consumo em si é moralmente bom, então temos que consumir sua inutilidade como forma de merecermos a aprovação “divina”. É sincrônico que a Black Friday ocorra no mesmo mês do histórico crash da Bolsa de Nova York e um dia após o feriado religioso de Ação de Graças.
sábado, novembro 30, 2019
A tecnologia toma o lugar do sobrenatural no gótico norte-americano em "The Room"
sábado, novembro 30, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O gênero Gótico tem suas origens no Velho Mundo europeu com seus castelos e masmorras de sociedades que desapareceram. Já o gótico norte-americano é um interessante subgênero originado numa sociedade puritana que produziu ficções em torno de culpa, pecado original, abominações humanas decorrentes da miscigenação racial, incesto etc. E ainda mais interessante quando um filme desse subgênero é escrito e dirigido por um olhar europeu. Esse é o filme franco-belga “The Room” (2019): cansado de viver em Nova York, um jovem casal muda-se para um casarão vitoriano no interior de New Hampshire. Lá encontrarão não o sobrenatural, mas o horror produzido por uma misteriosa tecnologia por trás das paredes daquele casarão, capaz de materializar qualquer desejo que for dito. Mas, como em todo conto fantástico há um alerta: “A única coisa mais perigosa do que alguém que não consegue o que quer, é uma pessoa que possa ter tudo o que quiser”. Filme sugerido pelo nosso colaborador Felipe Resende.
quarta-feira, novembro 27, 2019
O Chile é aqui: Bolsonaro e grande mídia inflam o balão de ensaio da esquerda nas ruas
quarta-feira, novembro 27, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Esquerda pode pegar nas armas”... “alguma resposta terá que ser dada”... “se a esquerda radicalizar?”... “novo AI-5”... Mas quem falou que as esquerdas secretamente planejam tomar as ruas? Logo agora que os movimentos sociais estão enfraquecidos e desorganizados? Logo agora que a esquerda está dividida e o povo apático, apenas de olho nos aplicativos para fazer seus corres e ver se o ano termina? O clã Bolsonaro e o super ministro Paulo Guedes se dizem preocupados com uma possível contaminação do Brasil pelos protestos do Chile, Equador e Colômbia. Mas na verdade estão morrendo de inveja: simplesmente, a inércia, passividade e a incapacidade da esquerda em mobilizar as ruas estão incomodando Bolsonaro. Ele precisa urgentemente de um oponente, uma crise, uma situação de urgência para mobilizar seu núcleo duro de fundamentalistas. Principalmente quando o dólar dispara e a grana dos fundos de investimentos estrangeiros fogem do País. Por isso a grande mídia começa a inflar o balão de ensaio dos Bolsonaros – eles anseiam um incêndio do Reichstag que justifique o punho de ferro sobre as instituições democráticas. É a economia, estúpido!
segunda-feira, novembro 25, 2019
Temporada final de "The Man in The High Castle": a banalidade do Mal e os mundos quânticos
segunda-feira, novembro 25, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mundos paralelos quânticos nos quais encontramos as melhores versões de nós mesmos e a permanência da estrutura que reproduz a banalidade do Mal, não importa o mundo ou o governo que ocupe o Estado. Com esses temas a série da Amazon “The Man in The High Castle” amarra a narrativas das três temporadas anteriores e encerra com o episódio final “Fire from the Gods”. Baseada no livro homônimo no escritor gnóstico sci-fi Philip K. Dick, a série figura um mundo alternativo no qual o Terceiro Reich e o Império Japonês ganharam a Segunda Guerra Mundial e mudaram a face da História. Mas há um fantasma que assusta os vencedores e inspira a Resistência: a descoberta da existência de mundos quânticos paralelos onde a História foi diferente e encontramos nossas próprias versões alternativas que tomaram decisões diferentes. Mas há algo que permanece: nossas almas permanecem prisioneiras na banalidade do Mal.
quarta-feira, novembro 20, 2019
Curta da Semana: "Animal Behaviour" - animais humanizados, sociedade animalizada
quarta-feira, novembro 20, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Estamos em mais uma sessão semanal de psicoterapia. Só que ao invés de humanos, encontramos animais atormentados por obsessões, compulsões, culpa, agressividade e ansiedade. E o terapeuta é o Dr. Clement, um cão que conseguiu sublimar muitos impulsos instintivos como, por exemplo, cheirar o traseiro de outros cachorros. Até que chega um novo paciente: um macaco agressivo e antissocial que irá inverter todos os papéis daquela sessão. Esse é o curta de animação, indicado ao Oscar desse ano, “Animal Behaviour” (2018) – uma narrativa em tom adulto de uma fórmula que o selo Disney/Pixar explora costumeiramente em suas animações: a antropomorfização dos animais. Porém aqui os animais funcionam como o nosso reflexo invertido: enquanto humanizamos os animais, animalizamos os distúrbios psíquicos na sociedade.
sábado, novembro 16, 2019
Bike elétrica é a resposta neoliberal à resistência do ciclismo
sábado, novembro 16, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Inconformismo, revolta, veículos de libertação da tediosa rotina diária, liberdade... Essas são as representações mais comuns que o cinema faz sobre as bicicletas. Principalmente porque as bikes andaram, por assim dizer, na contramão da modernidade industrial: recusou-se a ser transformada em máquina, mantendo-se como ferramenta cuja fonte de energia e equilíbrio é exclusivamente o corpo humano. As bikes resistem à queda de braço do controle do Tempo entre Capital e Trabalho. Porém, vemos agora bikes elétricas circulando por ruas e ciclovias. Com a expansão da solução ciclística como resposta à crise neoliberal urbana (concessão privada dos transportes e colapso do transporte individual automobilístico), o neoliberalismo contra-ataca ao se apropriar de um veículo que resistia ao imaginário maquínico – com a motorização elétrica, as bicicletas se rendem ao ritmo do trabalho, ao sedentarismo e parasitismo humano tecnológico, ao mito da energia limpa ecologicamente correta e ao consumo bárbaro como símbolo de distinção e prestígio social.
quinta-feira, novembro 14, 2019
O que Roland Barthes diria sobre Lula versus Bolsonaro?
quinta-feira, novembro 14, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dentro da guerra simbólica, a libertação de Lula foi semioticamente perfeita: refez de maneira inversa o trajeto que o levou à prisão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo a Curitiba no ano passado. Mas enquanto Lula falava para os convertidos, a grande mídia começou a contra-atacar para a maioria silenciosa, no seu habitual modo alarme: analistas começaram a alertar para os perigos da “radicalização” e “polarização” que representa a volta de Lula ao jogo. Está no início a criação de uma cilada simbólica que o semiólogo francês Roland Barthes chamava de “mitologia da crítica Nem-nem” ou “ninismo”. Colocar Bolsonaro e Lula num mecanismo de dupla exclusão – reduzir a realidade histórica a uma polaridade simples, quantificar o qualitativo em uma dualidade e equilibrar um com o outro, de modo a rejeitar os dois. Qualificar ambos através de palavras com culpabilidade prévia. Mas também está em início uma revolução semântica nos telejornais para despolitizar a política, preparando a chegada da conclusão do silogismo “Nem-nem”, depois que as premissas Bolsonaro e Lula mutuamente se excluírem: o paradigma Luciano Huck.
quarta-feira, novembro 13, 2019
O estranho mundo crepuscular que envolve os vivos em "O Fantasma da Sicília"
quarta-feira, novembro 13, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em 1993 um jovem de 14 anos foi sequestrado pela Máfia siciliana como resposta ao seu pai, ex-membro da organização criminosa, que passou a delatar companheiros para a polícia. “O Fantasma da Sicília” (“Sicilian Ghost Story”, 2017) traz ao cinema essa história de uma forma inusitada, misturando a realidade brutal com fantasia onírica: elementos de romance adolescente, psicodrama gótico, fantástico e suspense político. A namorada do jovem estranha porque todos naquele vilarejo (da polícia local aos colegas de escola) são complacentes com o sequestro. Então ela passa a procura-lo não só no mundo físico, mas também com os olhos da mente. “O Fantasma da Sicília” abre para o espectador um estranho mundo crepuscular que envolve o mundo dos vivos: onde o mundo onírico se encontra com o plano astral.
domingo, novembro 10, 2019
O "lixo branco" Ocidental na série "The End of the F***ing World"
domingo, novembro 10, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Filmes e series cada vez mais estão escolhendo o “White Crap” Ocidental como anti-herois: o “lixo branco” – depois de negros, hispânicos e imigrantes terem sido explorados até o bagaço, agora é a vez dos brancos caucasianos, filhos de uma classe média que acreditou no sonho que deu errado. São niilistas, ressentidos e cheios de raiva. Esperando apenas que o mundo acabe ou que apareça algum tipo de botão “eject”. Essa é a série Netflix “The End of the F***ing World” (2017-): um jovem tem certeza de que é um psicopata. E escolhe como vítima de estreia uma garota da escola, tão ou mais niilista e cínica que ele. Também à espera do fim do mundo para acabar com uma vida suburbana medíocre. Surge uma improvável estória de amor. Uma espécie de Romeu e Julieta pós-moderna que evolui para Bonnie e Clyde, com assassinatos e fugas. Jovens que vivem numa espécie de “Nowhere” psíquico sem um plano: não querem ficar onde estão, e muito menos chegar a parte alguma.
sábado, novembro 09, 2019
Irrealidade midiática cotidiana: onda de protestos no mundo e o fiasco do leilão que deu certo
sábado, novembro 09, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dois didáticos episódios para dissecar as operações semióticas do atual jornalismo corporativo: a cobertura dos protestos no Chile e do megaleilão do pré-sal. No primeiro, tenta-se encaixar a grave crise social chilena no script da “onda de protestos pelo mundo”: Hong Kong, Jordânia, Líbano e... Quito, Chile. Propositalmente misturando Revolução Popular Híbrida (RPH) com protestos genuínos – operação semiótica de “naturalização” para dissimular o significado politico bem diferente dos protestos sul-americanos. E o megaleilão do pré-sal: de um lado, a esquerda e mercado petroleiro falando em “fiasco”; e do outro a grande mídia falando em sucesso do “maior leilão do mundo”. Um “fiasco” muito bem-sucedido dentro da guerra semiótica criptografada: jogar com informações dissonantes para esconder o objetivo mais sombrio do mercado internacional que financiou a guerra híbrida brasileira: não colocar mais um centavo no País para, pacientemente, esperar a hora da xepa.
quarta-feira, novembro 06, 2019
Os sinistros arquétipos dos hospitais em "Fratura"
quarta-feira, novembro 06, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao lado de parques de parques de diversões, hospitais e suas variações (asilos, manicômios e enfermarias) são um dos principais “locus” de ação nos filmes de terror ou thrillers. Assim como os parques de diversões, hospitais também perpetuam arquétipos das suas origens medievais brutais e violentas. A produção Netflix “Fratura” (Fractured, 2019) é mais um filme que renova essa mitologia, acrescentando a paranoia contemporânea, típico traço das sociedades burocratizadas cujos propósitos fogem do nosso controle. Pais desesperados levam sua pequena filha com suspeita de fratura a um hospital. Lá, mãe e filha desaparecem. Ninguém lembra da entrada delas no hospital enquanto o pai suspeita de que está ocorrendo algum tipo de conspiração. Ou ele está enlouquecendo? Mais uma sugestão do nosso onisciente colaborador Felipe Resende.
domingo, novembro 03, 2019
O terror e o mal vêm de nós mesmos em "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite"
domingo, novembro 03, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um relacionamento que se desintegra em dor, culpa e ressentimento no meio de um festival pagão de nove dias de sagração ao solstício do verão e à fertilidade, num vilarejo remoto no interior da Suécia. Como o terror se manifestaria em meio a tanto sol, brilho e cores de um campo aberto com flores campestres alucinógenas, festa, dança com homens e mulheres em túnicas brancas de linho cantando e tocando flautas? Esse é o “terror pastoral” (“folk terror”) do diretor e escritor Ari Aster ("Hereditário") no seu novo filme “Midsommar: O Mal Não Espera a Noite”, 2019. A ambição de Aster é criar um novo subgênero no terror: o Mal que vem à tona de dentro de nós mesmos, na incomunicabilidade dos relacionamentos, fazendo aflorar o nosso mal-estar diante da própria civilização, da morte, alteridade e do outro. E, quando determinados eventos convergem, encontramos o horror.
quinta-feira, outubro 31, 2019
Operação Psicológica: Globo e Bolsonaro querem criar a conspiração perfeita
quinta-feira, outubro 31, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O timing de uma sequência narrativa análoga às ficcionais: a perfeita marcação de cena dos atores, um teaser, o thriller, a live action e, no final, a “escada” perfeita do ator coadjuvante para o sucesso final do esquete... Estamos falando do timing da sequência desses eventos: o vídeo das hienas inimigas simbólicas do Rei Leão Bolsonaro seguida pelo depoimento-bomba do porteiro do condomínio do presidente no JN da Globo, a live action paródia de Bruno Ganz no filme “A Queda” perpetrada por um presidente indignado na Arábia, finalizado pelo rabo entre as pernas da Globo em respostas protocolares. A denúncia-escada do JN não passou de um conjunto de ilações, a participação numa operação psicológica ao estilo de uma “false flag” típica das agências de inteligência – “Operação bandeira falsa” ou “inside job”, espécie de auto-terrorismo onde atentados são criados pelo próprio Estado para justificar uma agenda política. Típica operação militar de guerra híbrida para criar a Conspiração Perfeita: protestos no Chile, virada à esquerda argentina, Lula solto, Globo sacaneando, "PSL traindo", ecoterrorismo de ONGs no Nordeste. Códigos para a criação do cenário perfeito para um golpe dentro do golpe.
quarta-feira, outubro 30, 2019
O buraco negro e o Mal no filme "Portals"
quarta-feira, outubro 30, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Portais interdimensionais têm uma má fama no cinema: em uma longa lista de filmes como “Stargate”, “Quero Ser John Malkovich”, “Monstros S/A”, “Alice no País das Maravilhas”, “Bandidos do Tempo”, “Donnie Darko”, “Os Vingadores” etc. portais são aberturas para mundos estranhos, desequilíbrios cósmicos e passagem através da qual demiurgos tentam invadir nosso mundo. “Portals” (2019) traz inovação ao tema: é uma antologia não episódica de curtas sci-fi e terror cujas narrativas correm em paralelo e se conectam no mesmo tema – o primeiro buraco negro artificial foi criado, provocando um apagão energético global e o aparecimento de misteriosos portais que podem surgir em qualquer lugar a qualquer momento: no meio de um Call Center, num estacionamento subterrâneo de shopping center e no meio de uma estrada. A Ciência tenta compreender as leis últimas da realidade. Mas pode se deparar com o elemento que participa da Criação desde o início: o Mal. Mais uma sugestão do nosso colaborador Felipe Resende.
domingo, outubro 27, 2019
Jornalismo volta ao modo Alarme: as saias justas dos protestos no Chile e óleo no Nordeste
domingo, outubro 27, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Era uma vez uma grande mídia vitoriosa após os anos de jornalismo de guerra quando, finalmente, conseguiu engrenar a agenda liberal das privatizações e reformas pós-impeachment. Depois do modo Alarme, agora era chegada hora da autorregulação tranquila, com operações semióticas de naturalização de eventos eventualmente negativos como, por exemplo, as bizarrices da guerra criptografada de Bolsonaro. Mas os violentos conflitos no Chile e o agravamento da catástrofe ambiental do óleo nas costas do Nordeste fizeram o jornalismo corporativo entrar numa saia justa e acender o sinal amarelo: voltar ao modo Alarme - abre seu kit semiótico de manipulação de fotos, imagens e vídeos: contaminações metonímicas, dessimbolização e uma novidade apontada pelo jornalista Ricardo Kotscho: o “jornalismo drone”.
sábado, outubro 26, 2019
"A Garota na Névoa" nos coloca entre Civilização ou Barbárie, Justiça ou Mídia
sábado, outubro 26, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma menina desaparece na neblina em uma pequena vila nos Alpes italianos. Um investigador da polícia, famoso por casos de repercussão midiática, surge para resolver o mistério. Mas ele quer qualquer coisa, menos encontrar a verdade. Sua estratégia de investigação consiste em nada mais do que vazar deliberadamente informações para jornalistas, a fim de pressionar suspeitos pelo escândalo. Forçando delações e denúncias contra um professor do ensino médio: a vítima perfeita pelo appeal midiático que busca culpados de primeira hora para o linchamento pela opinião pública. Será que esse plot não lembra alguma coisa da atual história brasileira? Esse é o filme italiano “A Garota na Névoa” (“La Ragazza nella Nebbia”, 2017) baseado no romance policial best seller de Donato Carrisi. Uma alegoria da promiscuidade entre mídia e Justiça promovida pela “Operação Mão Limpas” italiana, modelo para a “Lava Jato” brasileira. Promiscuidade que se alimenta dos impulsos mais regressivos da sociedade, colocando-nos numa encruzilhada: Civilização ou Barbárie? Filme sugerido pelo nosso colaborador Felipe Resende.
quinta-feira, outubro 24, 2019
A adaptação esquizofrênica numa sociedade pós-moderna em "Greener Grass"
quinta-feira, outubro 24, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Freud acreditava que a
civilização cobrava um preço ao indivíduo: o mal-estar, a neurose. Ele e toda a
sociologia clássica temiam a “anomia”, o momento em que o mal-estar explodiria
contra a civilização. Mas a sátira do filme “Greener Grass” (2019), da dupla de
humor de improvisação stand up, Jocelyn DeBoer e Dawn Luebbe, mostra que no
mundo pós-moderno paradoxalmente o mal-estar e alienação se tornam ferramentas
de adaptação. Em um típico condomínio suburbano de classe média (algo como o
sonho americano dos anos 1950 que caiu no Instagram do século XXI) temos uma
visão maluca e surreal do tédio da vida suburbana kitsch e brega, vivendo um
estilo de vida esquizoide: sentimentos confusos que tentam conciliar interações
sociais competitivas com uma polidez politicamente correta neurótica. O
resultado é uma sociedade à beira da depressão e, por isso, mais adaptada pela
incapacidade de ousar.
terça-feira, outubro 22, 2019
Show midiático criptografado continua: óleo no Nordeste e reality show da crise do PSL
terça-feira, outubro 22, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“A situação é teratológica. Fico com a sensação que é tudo combinado”, tuitou a conhecida “musa do impeachment”, a jurista Janaina Paschoal, deputada estadual pelo PSL. As palavras da indefectível jurista talvez expressem muito mais do que espanto diante da suposta crise do partido. A chamada crise de Bolsonaro com o PSL ocupa a pauta midiática junto com a catástrofe ambiental do derramamento de óleo cru na costa do Nordeste, coincidentemente a poucos dias do megaleilão da cessão onerosa do gigantesco Pré-sal. A “situação teratológica” é a guerra semiótica criptografada, a ópera bufa para entreter o respeitável público – de um lado, uma crise fabricada com mentidos e desmentidos para ocupar a pauta de analistas e colunistas; do outro, colocar a culpa na Venezuela pelas manchas de óleo depois de um silêncio obsequioso da mídia por um mês. Tática diversionista para blindar o megaleilão do Pré-sal e toda a agenda neoliberal com muito thriller político e reality show. Afinal, para quê valeu todo o esforço organizacional da guerra híbrida brasileira cujo ápice foi o impeachment?
domingo, outubro 20, 2019
Curta da Semana: "Garden Party" - Sapos, semiótica e humor negro
domingo, outubro 20, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um sapo pula em uma piscina cheia de detritos. Logo se juntam outros sapos que exploram uma mansão aparentemente abandonada. Enquanto acompanhamos os batráquios curiosos explorando a cozinha, quartos e jardim, percebemos que há algo mais: por todos os lados há indícios de que algo sinistro aconteceu ali. O curta de animação indicado ao Oscar de 2018, “Garden Party” (2017) foi um trabalho de conclusão de curso de uma escola de cinema francesa. Produção surpreendente: hilária e com refinado humor negro – incita o raciocínio semiótico indutivo do espectador além do argumento se inspirar na simbologia arquetípica dos sapos: a grande cadeia simbólica água-noite.
quarta-feira, outubro 16, 2019
Capitalismo gore: o diálogo necessário entre "O Clube dos Canibais" e "Bacurau"
quarta-feira, outubro 16, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme cearense “O Clube dos Canibais” (2018), de Guto Parente, facilmente dialoga com o celebrado “Bacurau” – são produções nordestinas que, além de incursionarem no cinema de gênero, refletem o atual cenário de crise política e social brasileira. Mas diferem-se pela utilização da fórmula do maniqueísmo, essencial no gênero fílmico gore e exploitation. Se em Bacurau a luta de classes cede lugar a figura do político como inimigo de uma comunidade e que facilita as coisas para o necroturismo, em “O Clube dos Canibais” temos a luta de classes no próprio cotidiano de trabalho e sobrevivência dos subalternos – o dia a dia de dominação e exploração pode terminar no pior: o explorado servir de prato do dia na mesa dos ricos. Um clube exclusivo formado por capitães da indústria, empresários de finanças e donos de empresas de segurança transforma a exploração e a desigualdade na sua literalidade: explorar significa conjugar de inúmeras maneiras e sentidos o verbo comer.
terça-feira, outubro 15, 2019
Filme "Coringa": cultura cosplay e copycat gerou o Palhaço do Crime
terça-feira, outubro 15, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para muitos pesquisadores em Sincromisticismo, desde que o Coringa surgiu em 1940 nas HQs, o personagem transformou-se em uma forma-pensamento autônoma, um arquétipo que paira sobre o tempo. Mas como produto da indústria do entretenimento, ele também reflete o espírito de cada época, do Coringa bufão de Cesar Romero nos anos 1960 psicodélicos à inteligência sinistra do Coringa de Heath Ledger. Em “Coringa” (Joker, 2019) o Príncipe Palhaço do Crime ganha uma atualização, dessa vez um “spin off”: as origens do Coringa numa Gotham City vintage, mas que pode muito bem ser o espelho da nossa época. O Coringa de Joaquim Phoenix (numa interpretação assustadora onde, mais uma vez, um ator pagou o preço psíquico para encarnar o personagem) reflete a atual onda de ódio e ressentimento articulados pela Deep Web, fóruns e chans na Internet e pelo populismo de direita. Coringa é a persona da cultura copycat e cosplay atual dominada por um ciclo de feedback de identificações equivocadas que fogem do controle.
sábado, outubro 12, 2019
Filme "Bacurau" perde no cabo de guerra forma versus conteúdo
sábado, outubro 12, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
De um lado as atrizes Sonia Braga e Bárbara Colen. E do outro Udo Kier, ator notório nos gêneros gore e nazi-exploitation. De um lado a urgência da dupla de diretores Mendonça e Dornelles em expressar a atual crise sócio-política brasileira. Do outro, as demandas dos cânones do gênero para o mercado internacional. O aclamado filme “Bacurau” (2019) já foi suficientemente analisado, dissecado e, principalmente, sobrecodificado como um libelo libertário em tempos de obscurantismo. Porém, é necessário ver “Bacurau” por ele mesmo, como narrativa fílmica. E, principalmente, como o público não-intelectualizado interpreta o filme. Por isso, este “Cinegnose” preferiu assistir ao filme no circuito Spcine em um CEU de São Paulo, com um público não-cinéfilo. E o público refletiu a tensão entre forma (os cânones do gênero) e conteúdo (a crise brasileira) – a derrota no cabo de guerra forma X conteúdo para o maniqueísmo e soluções mágicas do gênero fílmico. Catarse da punição dos “políticos corruptos”, desvalorização da política e a “pílula mágica” que faria o povo sair da letargia é o que ficou na recepção de “Bacurau” para o distinto público. Para dialogar com o filme “Bacurau” é necessário também assistir ao filme cearense “O Clube dos Canibais”, produção que venceu esse cabo de guerra: luta de classes e “capitalismo gore”.
terça-feira, outubro 08, 2019
Metástase do envenenamento psíquico nacional: os efeitos midiáticos "Copycat" e "Heisenberg"
terça-feira, outubro 08, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O atentado de um procurador da Fazenda Federal contra uma juíza do TRF-3 em São Paulo revela a existência de um mundo crepuscular de sinais e símbolos (“formas-pensamento”) do qual o Bolsonarismo e a direita alternativa se nutrem – uma psico-esfera nacional psiquicamente envenenada resultante da guerra híbrida e anos de “Efeito Copycat” e “Efeito Heisenberg”. Efeitos midiáticos da saturação do discurso anticorrupção que, de tão ambíguo ou polissêmico, criou um perverso “acontecimento comunicacional”: o encontro da narrativa midiática com a jornada pessoal de receptores - todo um subconjunto de pessoas vulneráveis, homicidas e suicidas em um nível inconsciente quem podem infectar a população em geral a acreditar que a “meganhagem” e “justiçamento” são o paradigma tanto para as soluções nacionais como para as mazelas pessoais afetivas, emocionais e familiares.
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