quarta-feira, outubro 30, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Portais interdimensionais têm uma má fama no cinema: em uma longa lista de filmes como “Stargate”, “Quero Ser John Malkovich”, “Monstros S/A”, “Alice no País das Maravilhas”, “Bandidos do Tempo”, “Donnie Darko”, “Os Vingadores” etc. portais são aberturas para mundos estranhos, desequilíbrios cósmicos e passagem através da qual demiurgos tentam invadir nosso mundo. “Portals” (2019) traz inovação ao tema: é uma antologia não episódica de curtas sci-fi e terror cujas narrativas correm em paralelo e se conectam no mesmo tema – o primeiro buraco negro artificial foi criado, provocando um apagão energético global e o aparecimento de misteriosos portais que podem surgir em qualquer lugar a qualquer momento: no meio de um Call Center, num estacionamento subterrâneo de shopping center e no meio de uma estrada. A Ciência tenta compreender as leis últimas da realidade. Mas pode se deparar com o elemento que participa da Criação desde o início: o Mal. Mais uma sugestão do nosso colaborador Felipe Resende.
Certa vez o roqueiro Ray Manzarek, tecladista da lendária banda The Doors de Jim Morrison, disse: “Há coisas que você não sabe, e coisas que sabe... e no meio estão portas”, explicando o significado do nome da banda.
E o que há do outro lado desses portais? Essa é a pergunta do filme Portals (2019), uma antologia de ficção científica e terror (uma coleção de curtas-metragens relacionados por tema) com uma recorrente atmosfera da série clássica Além da Imaginação.
A primeira surpresa é que não é um filme de antologia comum: temos quatro diretores com diferentes plots narrativos (“Call Center”, “The Other Side”, “Sarah”). Porém, a novidade que as histórias não são sequências como episódios. Elas se interpenetram em flashbacks e flashforwards em minutos ou meses em torno de um evento global: um misterioso blackout, efeito colateral resultante de experiência mal sucedida em um acelerador de partículas em um laboratório de algum lugar do planeta – o resultado foi a criação do primeiro buraco negro artificial criado pelo homem.
São diretores bem conhecidos no gênero como Eduardo Sanchez e Gregg Hale (“Call Center”), produtores e diretores de A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999)
A segunda surpresa tem a ver com a frase de Ray Manzarek: outro misterioso efeito colateral foi o surgimento de inúmeros portais em todo o planeta, com um design muito parecido com o monólito negro de 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Para onde nos levam esses portais? Mundos alternativos? Versões melhores das nossas vidas? Segundas chances? Recuperar aquilo que perdemos?
É algo que de início Portals sugere: revisitar o velho lugar-comum do mito da segunda chance - a busca de uma segunda oportunidade na qual pudéssemos consertar nossos erros ou recuperar alguém querido que perdemos.
Mas as coisas vão se tornando mais complexas e sombrias, como espelhos distorcidos de nós mesmos. Mas também há algum tipo de inteligência interdimensional. Seres com algum tipo de experimento amoral no qual podemos ser meras cobaias.
O resultado dessa antologia não-episódica é desigual, com altos e baixos que vai do horror psicológico ao mais puro gore com sangue e cabeças explodindo. Mas Portals é uma experiência intrigante pois há dois temas gnósticos que unificam as micro-narrativas: a inconsistência da realidade como uma espécie de constructo cujo tecido pode romper a qualquer momento, revelando outras realidade; e, justamente por isso, a instabilidade da Ciência – como ela lida com uma realidade quântica (instável, repleta de porosidades e intercambialidades), torna-se igualmente incerta. Ela pode abrir portas que jamais deveriam ser abertas. Abrir-se para uma realidade que não é nada benevolente. Pode revelar o Mal, intrínseco à criação do nosso cosmos.
O Filme
Em 5 de agosto de 2020, um centro de pesquisa em algum lugar do planeta criou o primeiro buraco negro artificial e ativo. Imediatamente depois, criou algum tipo de ruptura cósmica, desencadeando uma série de apagões em todo o planeta. Além da convulsão social nas grandes metrópoles e a explosão da violência, milhares de portais negros surgem em diversas partes.
O fenômeno é aleatório e imprevisível, produzindo misteriosas anomalias comportamentais – os portais parecem estabelecer algum tipo de comunicação em alta frequência que provoca bizarras mudanças comportamentais violentas. Algumas pessoas parecem ser atraídas a atravessarem para alguma outra dimensão.
O filme abre com o curta “Other Side”, dirigido por Liam O’Donnell. Acompanhamos uma família que organizam as malas para fugirem de carro do caos urbano. Que sobreveio ao apagão.
Adam (Neil Hopkins) é o pai que dirige o carro por uma estrada numa paisagem desértica. “Desde que eu possa ver seu rosto, estamos seguro”, diz para a pequena filha no banco de trás para ao virar-se ser pego de surpresa por um portal que apareceu repentinamente no meio da pista.
A cena é impactante, para ser cortada para o outro curta da antologia: “Call Center”. A sequência ocorre em um centro de um Disque 911 de emergências. No exato momento que é atingido pelo apagão global. As ligações acumulam-se, mas sem GPS é impossível localizar qualquer ocorrência.
Até surgir repentinamente, no meio do escritório, um dos misteriosos portais negros. Os atendentes entram em pânico. Um deles, o mais psicologicamente vulnerável e paranoico, acredita que o portal se comunica com ele. Pega um revólver e tenta obrigar a todos a passarem pelo portal que brilha emitindo sons dolorosos.
O próximo curta é “Sarah” (dirigido por Timo Tjahjanto), sobre duas irmãs em Jacarta, na Indonésia, discutindo no interior um enorme estacionamento subterrâneo de um shopping. As luzes apagam e um portal aparece. Jill (Nastasha Gott) está grávida (enquanto a irmã Sarah – Salvita Decorte - perdeu uma gravidez recentemente) e é estranhamente atraída para o portal, junto com outras pessoas que passam a caminharem com zumbis na direção do misterioso objeto.
Sarah tenta desesperadamente impedi-la, enquanto um grupo zumbi age com violência para permitir que Jill entre no portal.
O Portal e o Mal
Os três curtas alternam-se em montagem paralela, mas todos estão unidos pela mesma questão: qual a natureza dos portais? Qual o propósito da inteligência por trás deles? Esses portais nos conduzem aos nossos sonhos? Recuperar tudo aquilo que perdemos ou desejamos?
O curioso é o papel da Ciência em Portals. Desde o início, tudo foge do controle: o experimento do buraco negro artificial, as teorias propostas por dois físicos no início do filme e a aplicação final da hipótese.
Portals começa como um mockumentary: uma dupla de físicos descreve os eventos que ocasionaram todo o caos planetário.
O filme comprova que portais no cinema sempre tiveram má fama: sempre resultam em aberturas para estranhos mundos, desequilíbrios cósmicos e passagem que demiurgos malignos encontram para invadirem nosso mundo – Stargate, Quero Ser John Malkovich, Monstros S/A, Harry Porter, Alice no País das Maravilhas, Bandidos do Tempo, Donnie Darko, The Final Countdown, Vingadores e uma longa lista de filmes com portais traiçoeiros e catastróficos.
Magia, forças fantásticas, poderes de super-heróis e até mesmos experimentos científicos estão no ranking dos elementos que abrem portas para outros mundos. Mas Portals explora a “ciência dura” – aceleradores de partículas, física quântica, ondas e frequências.
A Ciência acredita que poderá encontrar as leis últimas da Natureza para melhor controla-la, como tentam a dupla de estoicos cientistas em Portals. Mas poderão revelar a o elemento último que participa da Criação desde o início: o Mal.
Ficha Técnica
Título: Portals
Diretor: Gregg Hale, Liam O’Donnell, Eduardo Sánches, Timo Tjahjanto
Roteiro:Sebastian Bendix, Liam O’Donnell, Timo Tjahjanto, Christopher White
Elenco:Salvita Decorte, Natasha Gott, Neil Hopkins, Keith Hudson, Paul Mcarthy
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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