sábado, novembro 19, 2011
O Western Espiritual "Dead Man"
sábado, novembro 19, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
De todos os subgêneros
e revisionismos criados a partir do western clássico, o que mais chama a
atenção é o “acid western” pelo seu caráter “underground” místico e messiânico:
todos os personagens do gênero estão lá (caçadores de recompensas, prostitutas,
cowboys errantes etc.), porém eles não lutam mais por vingança, conquista ou
justiça: buscam a iluminação espiritual. “Dead Man” (1995) do diretor Jim
Jarmuch se insere nesse subgênero ao rechear as linhas de diálogos com inúmeras
referências ao poeta e pintor inglês místico e herético William Blake e construir uma narrativa
hipnótica como um mantra ao som da guitarra de Neil Young.
O gênero western é um produto tipicamente norte-americano
que passou por uma série de renovações, sempre com a preocupação da indústria
do entretenimento universalizá-lo para torná-lo um produto com um mercado
globalizado: do western clássico desde a era do cinema mudo que retrata a luta
do homem para conquistar a natureza infestada por índios e animais selvagens,
passando pelo diretor John Ford (culturalmente mais neutro onde os nativos
passam a ter um melhor tratamento) que vai construir aprofundamentos
psicológicos em toda a galeria dos personagens do gênero (caçadores de
recompensas, cowboys errantes etc.) até chegar a autoconsciência paródica do
chamado “spaghetti western”de Sérgio Leone e o revisionismo de Sam Peckinpah
onde pretendia arrancar poesia da violência representada em câmera lenta.
Para além dessa trajetória “mainstream”, o crítico de cinema
Jonathan Rosenbaun aponta para um subgênero underground: o “acid western”subgênero
que se inicia com o filme “El Topo” (The Mole, 1970), um western místico Cult recheado
de referências ao tarot, messianismo e referências bíblicas em linguagem
lisérgica. “Dead Man” de Jim Jarmuch se insere claramente nessa linha ao criar
um protagonista que não busca mais conquista, vingança ou justiça, mas
iluminação espiritual através de uma “poesia escrita com sangue”.
É a estória de um jovem homem que realiza uma jornada espiritual em uma
terra estranha para ele, nas fronteiras extremas do oeste americano, em algum
momento da segunda metade do século XIX. William Blake (Johnny Deep) é um
contador que recebe convite para trabalhar em uma metalúrgica em uma cidade
chamada Machine. Em seus bolsos alguns dólares e a carta de promessa de emprego
na metalúrgica. Chegando lá, descobre que outro homem já ocupava a vaga de
contador e que ele, Blake, chegou com um mês de atraso.
Deprimido, vai para um saloon, onde encontra com uma mulher,
ex-prostituta, Thel (Mili Avital). Defende-a da agressividade dos homens do
local, sendo convidado por ela para ir até seu quarto. Lá, ambos são flagrados
pelo noivo Charlie Dickinson (Gabriel Byrne) que dispara um revólver, atingindo
os dois. Em legítima defesa, Blake o mata e foge, depois de constatar que Thel
estava morta. A partir desse ponto, começa o purgatório de Blake: Charlie era,
na verdade, filho do proprietário da metalúrgica, que contrata três pistoleiros
para matá-lo em vingança.
sábado, novembro 12, 2011
Editor do Blog “Cinema Secreto: Cinegnose” sofre acidente
sábado, novembro 12, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Vejam o estado do capacete |
Esse blog ficará temporariamente sem atualizações devido a
acidente ciclístico sofrido por mim neste último domingo. Treinava, como de
rotina, no Rodoanel aqui da Grande São Paulo. Na saída de um túnel que dá
acesso ao Rodoanel Sul e a Régis Bittencourt fui pego de surpresa com um
desnível entre as placas de concreto do pavimento (alías, placas que estão
progressivamente se deteriorando com o peso dos caminhões, em todo Rodoanel). A
roda dianteira travou e fui projetado para frente em cambalhota.
Um dia após a cirurgia, internado |
Resultado: uma fratura grave na coluna sob risco de ficar
paraplégico. Fui submetido a cirurgia ontem (11/11) no Hospital Leforte, em São
Paulo. A cirurgia foi um sucesso e estou no quarto onde digito essas mal
traçadas linhas.
Portanto, leitores e seguidores, as atividades do blog estão
temporariamente suspensas. Segundo o prognóstico da junta médica, uma semana;
Abraços e até a volta, porque o pior já passou.
quinta-feira, novembro 03, 2011
A Ilusão do Mundo e o Mundo da Ilusão no filme "O Fundo do Coração"
quinta-feira, novembro 03, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
À época do seu lançamento o filme "O Fundo do Coração" (One From the Heart, 1982) foi fracasso de crítica e de público e a falência do diretor Coppola. Ninguém entendeu nada. Não é para menos, pois o filme estava à frente da sua época: um musical romântico hiper-estilizado e metalinguístico reproduzindo Las Vegas em estúdio com um assombroso número de cenários antevia a sensibilidade atual onde, com a proliferação das tecnologias das imagens e virtualização do real, passamos a conviver com a suspeita de que o mundo possa ser uma ilusão fabricada, como um gigantesco estúdio. Parece que Coppola anteviu "Show de Truman" e "Matrix".
segunda-feira, outubro 31, 2011
Confirme o Seu Exemplar do Livro "Cinegnose"
segunda-feira, outubro 31, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Esses são os nossos leitores que receberão um exemplar do livro "Cinegnose":
01- Cristiano Ferreira
02- Fabrício Franco
03- Victor de Oliveira Iemini
04- Thiago Lima
05- Felipe Monteiro Vazami
06- Conrado Moreno
07- Fábio Hofnik
08- Henrique A. Conti
No formulário abaixo de envio de comentários insira os dados de destinatário para o envio do exemplar do livro e... VALEU PELA PARTICIPAÇÃO!
Enviaremos o livro pelo correio em até 7 dias úteis.
Sorteio de Aniversário: 10 exemplares do livro "Cinegnose" para nossos Seguidores
segunda-feira, outubro 31, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Bom Ano Novo para nossos seguidores e leitores!!!
Para comemorar o segundo aniversário do “Cinema Secreto:
Cinegnose” e mais um ano que se inicia estamos lançando o sorteio de 10 exemplares do livro “Cinegnose: A Recorrência de
Elementos Gnósticos na Recente Produção Cinematográfica Norte-americana 1995 a
2005” da Livrus Editora (clique aqui para um resumo e conteúdo do livro).
Essas são as regras de participação do sorteio:
Essas são as regras de participação do sorteio:
1 - Os exemplares serão entregues pelo correio em até 7 dias úteis após o sorteio que será realizado às 18h do dia 17 de janeiro
de 2012;
2 - Poderão participar do sorteio somente os seguidores do blog. Portanto, participe blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e torne-se um seguidor (clique no botão "participar desse site" na segunda coluna do blog, aí ao lado desse post);
3 – Para o seguidor iniciar a participação, faça um comentário no formulário deste
post de divulgação do sorteio deixando seu nome e e-mail de contato;
4 - As inscrições poderão ser realizadas até as 12h da
data do sorteio (17/01/2012). Após este horário todas as inscrições serão descartadas;
5 - Cada participante receberá um numero em ordem
crescente de comentários e o sorteio será realizado pelo gerador online de
sorteio RANDON ORG. Oportunamente será divulgada a lista de participantes e seus números correspondentes para o sorteio;
6 - Cada participante poderá realizar apenas uma
inscrição. Comentários duplicados serão excluídos;
7 - Após a realização do sorteio o ganhador terá 3 dias
para recorrer ao prêmio, realizando um comentário no post de divulgação do
resultado do sorteio, para que todos vejam que ele recorreu ao prêmio dentro do
prazo estipulado. Caso o mesmo não entre em contato no tempo
estipulado realizaremos novo sorteio entre as pessoas inscritas.
sexta-feira, outubro 28, 2011
Um Manual de Manipulação no Filme "Como Fazer Carreira em Publicidade"
sexta-feira, outubro 28, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em plena era triunfal do Neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, o filme "Como Fazer Carreira em Publicidade" (How to Get Ahead in Advertising, 1989) foi muito mais do que uma voz dissonante. Apresenta de forma didática um verdadeiro manual de táticas de manipulação e de engenharia de opinião pública.“Porque sou aquele que tira o fedor de tudo, exceto da merda”. Essa é uma das definições dadas para a Publicidade nessa provocadora comédia de humor negro. Um filme obrigatório para ser visto e discutido em qualquer curso de Comunicação Social.
sábado, outubro 22, 2011
A mitologia pop de aliens, sexo, drogas e euforia no filme "Liquid Sky"
sábado, outubro 22, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em meio a euforia da onda Punk e New Wave no mundo da Moda do começo dos anos 1980, turbinada pela heroína e cocaína, um pequeno disco voador pousa na cobertura de um prédio em Nova York. Aliens invisíveis estão em busca de uma substância única liberada pelo cérebro humano durante a euforia lisérgica. Mas descobriram que a mente humana também produz a mesma substância durante o orgasmo. Sexo torna-se mortal naquele pequeno mundo de artistas e modelos. Após cinco anos nos EUA, o russo Slava Tsukerman decidiu fazer um filme independente que explorasse a mitologia pop contemporânea sobre sexo, euforia, drogas e alienígenas do espaço sideral. É "Liquid Sky" (1982), um filme sobre exilados e estrangeiros, assim como ele. Um olhar sobre a condição humana contemporânea dominada pelo sentimento de desamparo e alienação em um mundo governado por novos Demiurgos: alienígenas e a indústria do entretenimento.
quarta-feira, outubro 19, 2011
China proíbe "Viagem no Tempo": a experiência cinematográfica pode ser "perigosa"
quarta-feira, outubro 19, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Autoridades chinesas de mídia proíbem filmes com o tema "viagem no tempo" e exigem que produtores e escritores lançem "produções realistas da Revolução Chinesa". Falta aos chineses abandonar a truculência estalinista para compreender os sutis mecanismos hollywoodianos de controle onde se é capaz de oferecer uma grande liberdade temática, porém confinada pelas rígidas normas de forma e conteúdo. Mecanismos sutis que convergem para o mesmo objetivo das preocupadas autoridades chinesas: evitar que a experiência fílmica produza no espectador uma ruptura com o princípio de realidade.
No ano da comemoração do 90° aniversário
do Partido Comunista da China, as autoridades de mídia do país resolveram
proibir quaisquer filmes ou seriados que tenham como tema viagens no tempo. Em
um país com a maior audiência de televisão do mundo e o mercado de cinema em
franca expansão, a decisão foi justificada pelo “desrespeito histórico” que
esse tema de ficção científica mostraria (leia notícia aqui).
Um dos maiores sucessos na China, o seriado "Jade Palace Lock
Heart" (onde oa protagonista volta à época da China antiga onde encontra o amor
e a felicidade - veja imagem acima) é avaliado pela Administração Estadual de Rádio, Filme e
Televisão como uma representação da história “frívola e que não pode ser mais
encorajado”. E transmitiu a seguinte mensagem para os produtores e escritores
do país: “Sigam o espírito do Partido Comunista para celebrar o seu 90o
aniversário. Todos os níveis devem se preparar para lançar reproduções
realistas da Revolução Chinesa.” Em outras palavras, as autoridades cobram das produções
audiovisuais e cinematográficas maior realismo, seja no campo ficcional ou
documentário.
Em primeiro lugar, encontramos nessa notícia ecos do chamado
realismo socialista de orientação comunista ortodoxa e de inspiração stalinista
que dominou a arte e estética soviéticas onde as produções deveriam ser
instrumentos de exaltação do regime ao representar de forma “realista” o
heroísmo proletário. Por exemplo, diretores russos como Tarkovsky com temas
metafísicos e espirituais dentro do gênero sci fi em filmes como “Solaris” (1972) e “Stalker” (1979) sofreram forte repressão do Estado, obrigando o diretor a sair da URSS em 1983.
Mas há algo a mais nessa proibição sobre “viagens no tempo” no
cinema e audiovisual chineses. Acredito que a justificativa do “desrespeito
histórico” é um mero pretexto para exercer um controle que há muito tempo
Hollywood já fez ao enquadrar suas produções desde o final da fase dos filmes “slapstick”:
a imposição da verossimilhança ou “realismo cinematográfico” na narrativa para impedir que a experiência cinematográfica possa produzir o “acontecimento comunicacional”,
isto é, uma experiência que produza a transformação do espectador, a transcendência ou a possibilidade de
ruptura psíquica com a rotina do dia-a-dia após sair do cinema.
sábado, outubro 15, 2011
A Transparência do Mal em "Saló ou os 120 Dias de Sodoma" de Pasolini
sábado, outubro 15, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A primeira vez que assisti ao filme “Saló ou os 120 dias de
Sodoma” de Pasolini foi dentro da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
no extinto cine Paramount (hoje Teatro Abril) lá pela década 1980. Naquela
noite, enquanto o filme era exibido, vi espectadores correndo para o banheiro
com as mãos levadas à boca, aparentemente com ânsia de vômito; muitos
simplesmente se levantando e indo embora e os demais com os rostos crispados de
horror e repugnância (o meu, inclusive). Resultado: restaram ao final das quase
duas horas de projeção eu e mais quatro espectadores.
Em meio a “snuff movies”, “slasher movies”, “pornôs hardcore”,
“nazi-exploitation” etc. atuais que acabaram moldando uma sensibilidade mais
fria e apática diante do Mal, Saló permanece um filme instigante, provocativo e
chocante. Por que? Olhando em perspectiva o conteúdo das diversas cenas,
encontramos até muitos cenas que se tornaram clichês presentes nos gêneros
cinematográficos citados acima. Mas, mesmo assim, as sevícias, torturas e
mutilações em “Saló” ainda horrorizam, mas de uma forma radical: certamente
este filme de Pasolini foi o que melhor soube representar a radicalidade do Mal
proposta pela obra de Marquês de Sade – a reversibilidade do Mal e o Inumano.
Isto é, o Mal que não pode ser racionalizado, explicado,
deduzido, porque originado da própria Razão e dos seus instrumentos que
deveriam impedi-lo de existir.
O filme segue fielmente a obra “Os 120 dias de Sodoma” de
Marquês de Sade, associando a narrativa sadeana ao momento histórico da criação
de uma nova república fascista na cidade setentrional de Saló em 1943 por
Mussolini após sua deposição do governo do país com a invasão das tropas
aliadas e a revolta popular.
Em Saló, quatro poderosos (o Duque, representando a nobreza;
o Bispo, a Igreja; o Presidente, o Estado laico; o Magistrado, a corrupção e a
parcialidade da Justiça) decidem juntar sua fortunas para realizar a maior
orgia já concebida pela mente humana: em um castelo isolado é formado um grupo
de 8 garotos, 8 garotas, 4 narradoras, 4 putas velhas, 8 garanhões, 4 criadas,
6 cozinheiras e as 4 filhas dos libertinos, casadas entre eles.
quarta-feira, outubro 12, 2011
O "Inumano" no Filme "A Centopeia Humana"
quarta-feira, outubro 12, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se os gêneros ficção científica e Terror exploram principalmente os temas do Pós-Humano e do Desumano, em "A Centopéia Humana" do holandês Tom Six temos uma novidade: o tema do Inumano, poucas vezes trazido para as telas do cinema pela sua maneira radical e perturbadora de encarar o Mal. Não se trata mais de impingir o horror, sofrimento e a morte final à vítima. Mas retirar dela toda sua humanidade ao fazê-la regredir à condição animal por meio dos próprios intrumentos da evolução humana: Ciência, Técnica e Razão.
O tema do Desumano conta ainda com uma “hermenêutica do
Mal”: psicopatas como Jason e Fred Krueger são assassinos seriais e cruéis por
decorrência de traumas do passado que marcaram para sempre suas personalidades.
As narrativas procuram racionalizar o Mal buscando uma explicação no psiquismo
humano.
O tema do Pós-humano é recorrente no cruzamento
entre ficção científica e terror: desde a estória de Frankenstein, passando por
filmes como “Robocop” (RoboCop, 1987) para chegarmos aos pesadelos do diretor
Cronenberg como em “Videodrome” (1983) e eXistenZ (1999) : fantasias
cabalísticas onde o homem quer ser Deus e tenta produzir vida a partir de um “golem”;
seres híbridos de carne, sistemas eletrônicos e servomecanismos para superar as
limitações corporais humanas; interfaces biológicas com redes digitais onde o
Eu transcenda o corpóreo etc. No
pós-humano há o desejo gnóstico-cabalístico da superação das limitações
existenciais e corporais humanas (finitude, temporalidade e senso de
fragilidade corporal). O elemento do horror é a presença da ambiguidade do
pós-humano, a diluição das fronteiras entre homem e máquina, espírito e matéria
e orgânico e inorgânico. E horror de vermos o inorgânico e sem vida ganhar
consciência e dominar o espírito humano.
Já o Desumano está no campo da moralidade
e da “hermenêutica do mal”. Torturas, humilhações e assassinatos são impingidos
por um serial killer, um monstro sobrenatural ou um psicopata. Pense num filme
como “Jogos Mortais” (Saw, 2004): o vilão aprisiona pessoas em elaborados
dispositivos e jogos para punir atos pregressos imorais ou anti-éticos das vítimas. Ou
ainda, sanguinário personagem Alex do
filme “Laranja Mecânica” (Clockwork Orange, 1971) que sabe que suas atrocidades são puníveis pelo Estado e
Polícia. Teme a lei e foge para não ser preso. Alex e o Jigsaw são, portanto,
imorais.
Portanto, podemos denominar a condição da vítima como
“desumana” porque há ainda no horizonte referências como o Humanismo, a Ética e
a Moral.
A novidade do filme “A Centopéia Humana” (The Human Centipede - First Sequence, 2009) é trazer para o
gênero terror o tema do Inumano: não se trata mais de subjugar,
humilhar ou destruir o psiquismo da vítima pelo horror, medo ou tensão. E,
muito menos, se trata de querer punir a vítima com o sofrimento e a morte
final. Trata-se muito mais de anular qualquer humanidade ao fazer a vítima
retroceder ao estágio animal, morficamente falando e não no sentido figurado.
sábado, outubro 08, 2011
Em "Contraponto" a "Alice" de Lewis Carroll se encontra com "Psicose" de Hitchcock
sábado, outubro 08, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
"Contraponto" (Tideland, 2005) é uma mistura de "Alice no País das Maravilhas" de Lewis Carroll com "Psicose" de Hitchcock. Com uma atmosfera sombria, agressiva e crua com a tradicional câmera inquieta com ângulos delirantes, o ex-Monty Python Terry Gilliam parece querer fazer um acerto de contas com a sua geração:se um dia os jovens de Maio de 1968 pretendiam que a imaginação chegasse ao poder, agora a imaginação pode criar monstros e pesadelos numa geração marcada pela "ausência dos pais".
Ex- integrante do histórico grupo inglês de humor o Monty Python,
Terry Gilliam é de uma geração cujo senso de humor estava sintonizado com a
cena vivida à época: contracultura, movimentos estudantis e utopias
revolucionárias na década de 60. Seu humor anárquico e “non sense” trazia a
pretensão secreta de a arte e a estética desmontar o poder e todos os pilares
conservadores da sociedade. Em outras palavras: a “imaginação no Poder”,
palavra de ordem da geração da Revolução Estudantil de Maio de 1968 na França.
Com a extinção do Monty Python, a carreira cinematográfica
como diretor continuou a levantar essa bandeira em filmes como “Brazil – O Filme”
(Brazil, 1985)” e “As Aventuras do Barão de Munchausen” (The Adventures of
Baron Munchausen, 1988), sempre com personagens e temas recorrentes: o herói
proveniente de um universo onírico que consegue, a partir da força dos sonhos e
fantasias, enfrentar uma realidade opressiva e derrotar demiurgo e sistemas
autoritários.
Mas tudo isso acaba com o filme “Contraponto” (Tideland,
2007) onde Gilliam parece fazer um acerto de contas com a sua geração ao
mostrar que os sonhos e fantasias podem se transformar no contrário, isto é,
escapismo e negação da realidade. O psicodélico universo onírico pode se transformar
em sombrios pesadelos. Algo em torno da atmosfera que inspira o filme
“Contraponto”: um cruzamento entre “Alice no País das Maravilhas” de Lewis
Carroll com “Psicose” de Hitchcok.
Ao apresentar como um conto de “terror poético” a estória de
uma menina que vive num mundo escapista de fantasias para negar a realidade de
pais negligentes e viciados em heroína, Terry Gilliam insere o filme no
contexto de discussões sociológicas sobre a chamada “geração sem pais”, os
chamados “baby boomers”, e os reflexos em gerações posteriores.
quarta-feira, outubro 05, 2011
O ceticismo gnóstico de Jean Baudrillard (parte 3): a "Pura Aparência" em "Show de Truman"
quarta-feira, outubro 05, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Certa vez em um Simpósio Internacional de Comunicação na USP, lá pelo final da década de 1980, após uma palestra de
Baudrillard, a comissão organizadora quis levá-lo para um almoço e posterior
passeio pela cidade. Sabendo que Baudrillard já havia visitado São Paulo
anteriormente, perguntaram-lhe o que gostaria de
conhecer dessa vez. Perguntado, Baudrillard falou: “Quero ver bundas!”. Todos
ficaram atônitos, sem saber bem o que o francês queria dizer, enquanto ele ria
de todos. Reformulada a pergunta, Baudrillard foi ainda mais enfático: “Quero
ver bundas, bundas do tamanho de um prédio!!!”
Depois dele se divertir da cara de espanto de todos,
Baudrillard explicou que queria fotografar (a fotografia era uma das suas
paixões) os outdoors que ocupavam laterais inteiras de prédios ao lado do
chamado “minhocão” (o imenso elevado “Costa e Silva” no centro da cidade).
Literalmente viam-se bundas do tamanho de um prédio em diversos outdoors de
roupas íntimas femininas. As fotos dessas paisagens urbanas bizarras de São Paulo eram famosas na Europa e Baudrillard queria realizar suas próprias fotos delas.
Esse exemplo demonstra a obsessão de Baudrillard em refletir
sobre o que ele chamava de “profundo abismo das aparências", isto é, e como as imagens ocultam o
fato de que elas não têm nada a esconder: por trás daquelas bundas nada
encontramos, a não ser um “dublê de corpo” que talvez nem seja do sexo
feminino. As imagens nada revelam, a não ser de que o real é tão ilusório
quanto as aparências que ele produz .
domingo, outubro 02, 2011
O Ceticismo Gnóstico de Jean Baudrillard (parte 2): os simulacros nada têm a esconder
domingo, outubro 02, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Sucesso de público e de crítica, as
palavras “simulacro” e “simulação” foram a parte mais mal compreendida do
pensamento de Jean Baudrillard. Ele jamais procurou encontrar a “realidade”
ou a “verdade” por trás das ilusões do mundo como faz a crítica ideológica
tradicional. Seu projeto era de um ceticismo mais radical: denunciar
os discursos que afirmam dizer sobre alguma coisa, mas que, na verdade, apenas
escondem que nada têm a esconder, seja na Política, Economia ou na Mídia.
Simulacro e simulação
tornaram-se os mais conhecidos conceitos dentro do pensamento de Baudrillard,
chegando até ao mainstream
hollywoodiano na célebre passagem do filme Matrix (1999) onde o protagonista, Neo, esconde programas piratas dentro de
um livro oco cuja capa é do célebre livro “Simulacros e Simulações”. Talvez o
sucesso de público desses conceitos se deva menos à compreensão dentro da
teoria não materialista da linguagem defendida pelo autor e, muito mais, pela
sua tradução feita pelo tradicional discurso da crítica da ideologia como falsa
consciência. Muitos autores ignoram a idéia da simulação original, preferindo
interpretar a bem conhecida três ordens do simulacro através de uma leitura
ortodoxa como abaixo:
“Baudrillard argumenta que há três níveis na simulação, onde o primeiro nível é uma óbvia cópia da realidade e o segundo nível uma cópia tão boa que suspende as fronteiras entre realidade e representação. O terceiro nível é a da produção da realidade sem se basear em qualquer elemento do mundo real. O melhor exemplo é provavelmente a ‘realidade virtual’ onde um mundo é gerado por meio de linguagens ou códigos.”[1]
É como se, no início existisse a
realidade e o signo que fizesse sua cópia por meio da representação. A partir daí é como se a espiral dos
simulacros e da simulação se apossasse dos signos, corrompendo-os, instaurando
uma representação ideológica do mundo. O simulacro e a simulação, além de serem
tomados como sinônimos, passam a ser interpretados como uma disjunção entre
forma e conteúdo, infraestrutura e superestrutura. Ou seja, estes conceitos são
aprisionados dentro da crítica da dissimulação, da manipulação, da mentira, da denúncia contra todas as formas
de falsa consciência.
Porém, como vimos até aqui, não existe
uma teoria da representação em Baudrillard. Portanto , não há propriamente uma
crítica ideológica, pelo menos não no sentido de crítica à falsa consciência.
sábado, outubro 01, 2011
O Ceticismo Gnóstico de Jean Baudrillard (parte 1)
sábado, outubro 01, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Falecido em 2007 aos 77 anos, intelectual iconoclasta e provocador, influenciou o cinema (homenageado no filme "Matrix" na sequência do livro oco cuja capa é o título de uma obra de Baudrillard), televisão, web art e duas gerações na sociologia. Mas, o que é pouco conhecida, é a matriz gnóstica do pensamento no qual se baseia suas obras das três últimas décadas. Para ele a realidade do mundo fora seduzida pelo Mal e acreditava na impossibilidade do conhecimento através de algum princípio racional ou materialista.
Sempre o
pensamento de Baudrillard esteve associado a uma crítica materialista da
sociedade de consumo e da cultura midiática. Se nos primeiros livros encontramos
um pesquisador sóbrio e cuidadoso com os conceitos envolvidos nos estudos sobre
signos e a semiologia, nas três últimas décadas encontramos livros de um
pensador com insólitos paradoxos, provocações, aforismas hiperbólicos,
paroxismos.
De repente Baudrillard parece ter sido tomado por um “terrorismo
metafísico”: “Para mim a realidade do mundo
foi seduzida, e isso é o que é fundamentalmente maniqueísta em meu trabalho.
Tal como os Maniqueos, não acredito na possibilidade de conhecer o mundo
através de algum princípio racional ou materialista – daí a diferença entre o meu trabalho e o
processo de evocar a dúvida radical em Descartes”[1]
Desde a década de
1980 Baudrillard empreendeu uma rigorosa demolição, através de um ceticismo
radical, de todo e qualquer referencial empírico ou real seja no pensamento
científico ou na própria sociedade: a Economia se converte em ritual Potlach;
a escala de necessidades humanas que justificaria a sociedade de consumo jamais
existiu; Guerra do Golfo ou o atentado aéreo ao WTC em 11 de setembro de 2001
foi um “não-acontecimento”, simulacro midiático; o real foi assassinado
através de um “crime perfeito”: a hegemonia do imaginário da presunção da catástrofe, mais
mobilizador do que o imaginário do progresso.
Baudrillard viu
por todos os lados a “sedução da realidade do mundo” pelo Mal. É evidente nessa
lógica a influência do pensamento gnóstico, principalmente de Mani como
demonstra essa outra declaração: “O mundo não é dialético, ele tende para extremos, não para
equilíbrio, tende para o antagonismo radical. Esse é também o princípio do Mal.”[2]
Portanto, vamos iniciar nessa
primeira postagem uma investigação sobre as conexões entre o pensamento de Jean
Baudrillard e o Gnosticismo.
quinta-feira, setembro 29, 2011
Um Humor Esquecido pelo Cinema no Filme "Vocês, os Vivos"
quinta-feira, setembro 29, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Vocês, os Vivos” (Du Levande, 2007)
resgata o humor pelos perdedores e inadaptados esquecido na história do cinema. O
diretor sueco Roy Andersson nos convida a rirmos não dos personagens
hesitantes, desajeitados e sem rumo que povoam seu filme, mas do absoluto “non sense” das situações
cotidianas que os papéis e convenções sociais nos insistem em colocar. Diferente
do humor regressivo atual da indústria do entretenimento onde rimos de toda uma
gama de perdedores e inadaptados, Andersson explora o humor negro e “non sense”
que direciona o nosso riso para a ironia de um sistema social perverso que
produz sem parar disfunções e sofrimento.
Certa vez um
amigo meu repentinamente deixou de frequentar bailes de carnaval em clubes de
Santos/SP. Logo ele que não deixava passar um carnaval em branco! “O que lhe
aconteceu?”, perguntei espantado. Meio envergonhado, ele explicou que, pela
primeira, aceitando um convite de amigos abonados, passou parte do carnaval em
um camarote VIP. De lá do alto, viu os foliões pulando, bebendo e brincando.
Olhando a cena à distância tudo lhe pareceu ridículo: centenas de pessoas
bêbadas, desajeitadas e dando encontrões uns nos outros. Para ele foi um choque,
tudo parecia sem sentido, bizarro. Nunca mais conseguiu ser um folião!
Parece que o
diretor sueco Roy Andersson com o filme “Vocês, Os Vivos” quer produzir em nós
esse mesmo efeito, dessa vez não com algo lúdico como o Carnaval, mas com os
papéis e convenções sociais que desempenhamos automaticamente e sem pensar em
nosso cotidiano.
O filme é
composto por uma série de 57 sketches divididos em 94 minutos. O filme segue o
mesmo estilo do anterior “Songs from the Second Floor” (2000 - já discutido nesse blog - veja links abaixo), compondo o
segundo trabalho de uma trilogia que Roy Andersson pretende terminar com mais
outro filme em 2013. Se no filme anterior Andersson focava um aspecto mais
“macro” (a crise econômica e espiritual; Capitalismo, Igreja e corrupção; fé e
angústia), aqui em “Vocês, os Vivos” ele busca a escala “micro” dos papéis e convenções
sociais.
quarta-feira, setembro 28, 2011
Reflexões sobre o Gótico, o Estranho e o Fantástico
quarta-feira, setembro 28, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O Gótico, o Estranho e o Fantástico são elementos presentes em diversos gêneros cinematográficos representando a erupção de medos arcaicos e inconscientes que paradoxalmente são instrumentalizados pela indústria do entretenimento. São a base da linha de continuidade entre a narrativa fílmica e a experiência religiosa do "Sagrado".
Conceitos recorrentes nas análises empreendidas por esse blog, vamos agora tentar precisar melhor essas ideias e estabelecer alguns contrastes.
Apesar das importantes diferenças entre os gêneros fílmicos ficção científica, filme noir, horror e fantasia, todos eles partilham dos mesmos elementos góticos: o obscurecimento das fronteiras entre mundos familiarmente realistas e estranhas terras de estranhos sonhos; a mistura ambígua entre percepção e projeção; o conflito entre razão e inconsciência.
Conceitos recorrentes nas análises empreendidas por esse blog, vamos agora tentar precisar melhor essas ideias e estabelecer alguns contrastes.
Apesar das importantes diferenças entre os gêneros fílmicos ficção científica, filme noir, horror e fantasia, todos eles partilham dos mesmos elementos góticos: o obscurecimento das fronteiras entre mundos familiarmente realistas e estranhas terras de estranhos sonhos; a mistura ambígua entre percepção e projeção; o conflito entre razão e inconsciência.
Esses elementos
góticos estão intimamente relacionados com o movimento do Romantismo no séculos
XVIII-XIX. Samuel Taylor Coleridge, autor do conto The Rime of Ancient Mariner, parece sugerir isso ao afirmar que:
“Pessoas e personagens sobrenaturais, ou no mínimo românticas, ainda que se transfiram para dentro da nossa natureza íntima dando um interesse humano e um aspecto de verdade suficientes para suspender a descrença do momento, constituem a fé poética.”[1]
O que Coleridge
chama de “sobrenatural” ou “romântico”, poderíamos definir como gótico: uma
narrativa como The Rime na qual
presenças invisíveis, locais exóticos e eventos extraordinários são dominantes.
Esse tipo de trabalho paira entre a realidade e a fantasia de maneira que
passamos a considerar seriamente eventos que, de outra forma, normalmente não
aceitaríamos. Este nível de dissolução das fronteiras entre credulidade e
incredulidade é a chamada “ironia romântica”. Leva o leitor a acreditar no
inacreditável. Encoraja-o a questionar a realidade empírica.
sábado, setembro 24, 2011
Em "1,99 - Um Supermercado Que Vende Palavras" Masagão Traduz a Abstração do Fetichismo das Marcas
sábado, setembro 24, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
"Estranho", "Diferente", "Entediante", "Falso". Pelas críticas não se trata de um filme comum. "1,99 - Um Supermercado Que Vende Palavras" de Marcelo Masagão consegue transformar em narrativa visual os abstratos mecanismos do fetichismo das marcas e do consumo. Dessa forma, Masagão evita cair no lugar-comum das críticas à sociedade de consumo.
Fazer uma crítica à sociedade
de consumo já se tornou um lugar-comum, principalmente porque ela acaba vítima
de duas armadilhas: primeiro a da análise moralista com a visão de que no consumo
“o ter substitui o ser” ao induzir as pessoas ao “consumismo” de “bens
supérfluos”. E, segundo, a de reduzir o consumo à sua superficialidade, isto é,
ao mero ato de aquisição de bens materiais. Ambas as críticas acabam convergindo
para a solução reformista: se o consumo é uma questão de excesso e de
superfluidade, então devemos professar o “consumo consciente”.
No filme “1,99 – Um supermercado
que Vende Palavras” (2003) o diretor Marcelo Masagão consegue driblar essas armadilhas de análise ao propor
uma visão mais radical sobre a sociedade de consumo: o seu problema não é que
as pessoas sejam definidas pelo que elas têm, mas que suas identidades sejam construídas a partir do que desejam, idealizam e sonham traduzido por marcas e
mercadorias. Pouco importa se de fato as pessoas comprem. O consumo já está
muito além disso, está no campo psíquico do desejo, da intenção, da
fantasia, em outras palavras, do fetiche.
O filme “1,99” é composto de
uma série de “sketches” que se passam em um supermercado imaginário, todo assepticamente
branco, que vende ao invés de produtos caixas vazias com dizeres com slogans
bem conhecidos (como “Just do it”) até frases de auto-ajuda. Vemos consumidores
arrastando seus carrinhos como robôs apáticos e melancólicos atraídos pelos
slogans dos produtos genéricos nas prateleiras: “seja você mesmo”, “você é
único”, “você conhece, você confia” etc.
Marcelo Masagão cria uma série
de pequenas estórias cínicas e irônicas tal como a cena do caixa eletrônico que
sugere uma relação sexual com o usuário que insere o cartão na máquina até
culminar com o “orgasmo”, a saída do dinheiro; a máquina da “visão” 360° onde o
consumidor vê sua vida em perspectiva e acompanha as marcas de produtos que
estiveram associadas a cada momento desde a infância até a vida adulta; a excêntrica cena da vaca com os dizeres “justo
do it” da qual jorram das tetas leite já achocolatado sugerindo o viés
científico e tecnológico do consumo onde a natureza já foi processada
industrialmente.
quarta-feira, setembro 21, 2011
Um Fantasma Ronda a Europa no profético “Songs from the Second Floor”
quarta-feira, setembro 21, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Embora ambientado na ansiedade coletiva frente à proximidade do “bug do milênio” do ano 2000, "Songs From The Second Floor" do sueco Roy Andersson não perdeu nada da sua atualidade e relevância. No filme, o colapso financeiro e a crise espiritual são os dois lados de um mesmo movimento marcado ao mesmo tempo pela fé e angústia diante de instituições econômicas e religiosas que não funcionam. Tudo narrado com muito humor negro e "non sense".
Quando pensamos na Suécia ou nos países escandinavos lembramos “daquele lugar com chocolate” ou de uma sociedade economicamente justa e com um louvável senso de igualdade. Mas desde os atentados terroristas impetrados por um jovem noruegues direitista, passamos a prestar a atenção para o “dark side” da cultura nórdica tal como o forte movimento Death e Black Metal, o latente espírito Viking rodeando a cultura jovem, e o existencialismo cristão do filósofo dinamarquês Kierkegaard que mescla a fé com a angústia (muito presente nos filmes do sueco Ingmar Bergman, por exemplo).
Quando pensamos na Suécia ou nos países escandinavos lembramos “daquele lugar com chocolate” ou de uma sociedade economicamente justa e com um louvável senso de igualdade. Mas desde os atentados terroristas impetrados por um jovem noruegues direitista, passamos a prestar a atenção para o “dark side” da cultura nórdica tal como o forte movimento Death e Black Metal, o latente espírito Viking rodeando a cultura jovem, e o existencialismo cristão do filósofo dinamarquês Kierkegaard que mescla a fé com a angústia (muito presente nos filmes do sueco Ingmar Bergman, por exemplo).
"Songs from the Second Floor" (Prêmio do Juri no Festival de Cannes de 2000) é uma comédia com forte humor negro
e “non sense” que aponta para esse lado sombrio. Dirigido e escrito pelo sueco Roy Andersson, o filme é uma surpreendente colagem
de referências estéticas tais como “Fargo” dos irmãos Coen, “Playtime” de
Jacques Tati, os ambientes sombriamente cleans de Kubrick, as pinturas de
Edward Hooper (incluindo a versão ao inverso da sua obra-prima “Notívagos”,
como se fosse vista de dentro para fora) e o humor “non sense” do grupo inglês
Monty Phyton.
Com esse filme Andersson
iniciou uma trilogia, cuja continuação foi “Vocês, os Vivos” (2007) e uma
terceira continuidade esperada para 2013.
A narrativa é composta por uma
série de “sketches” onde a câmera numa se movimenta. Andersson pretende que o
espectador mantenha uma relação intensiva com os planos, assim como quando
observamos um quadro em um museu (daí as constantes alusões a telas do pintor
norte-americano Edward Hooper). As vinhetas são a princípio fragilmente
interligadas, mas, aos poucos, começamos a perceber certas recorrências como um
enorme engarrafamento sem fim (várias vezes os personagens perguntam “como sair
daqui?” ou “onde estou?”) onde ninguém consegue chegar a lugar algum e a
referência constante à ideia de que a vida se resume “a comprar algo que possa
ser vendido com um zero extra.”
As estórias são compostas por
“perdedores”, em sua maioria corretores de bolsa e empresários que testemunham
assombrados a ruína da sociedade, quadro a quadro. Ah!... e também um mágico
incompetente que tenta serrar um voluntário ao meio e acaba quase partindo-o!
sábado, setembro 17, 2011
Somos Todos Viajantes, Detetives e Estrangeiros
sábado, setembro 17, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Las Vegas, Área 51 e a Bomba Atômica foram eventos inaugurais da cultura pop irradiada pela indústria do entretenimento para todo o mundo. Emoldurados pela mítica paisagem desolada do deserto de Nevada, foram fatos simbólicos que se transformaram no centro espiritual da cultura contemporânea por representtarem os três protagonistas que melhor expressam a condição humana: o viajante, o detetive e o estrangeiro.
sábado, setembro 10, 2011
Filme "2012": Uma Odisséia New Age
sábado, setembro 10, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Perguntado sobre a sua relação recorrente com o tema do fim do mundo, o diretor Roland Emmerich respondeu: “é um caso de amor”.
Diretor do filme “2012” e de outros filmes catástrofes como “Independence
Day” (1996) e “O Dia Depois de Amanhã” (2004), Emmerich afirmou que o projeto
do filme “2012” começou com uma ideia do dilúvio global ao fazer uma releitura
do drama bíblico da Arca de Noé. Conta que assim como em “Independence Day” onde o
mito da Área 51 foi amarrado à trama para dar “mais credibilidade”, da mesma
forma foi com a suposta profecia do final do mundo em 2012 previsto pelo calendário
Maia, para dar mais verossimilhança ao apocalipse do filme.
“Quando você vai ao site da Amazon encontra uma centena de
livros sobre as profecias de 2012. É incrível. Encomendei os primeiros seis ou
sete livros. Todo mundo conta uma história diferente!”, falou Emmerich entre
gargalhadas (“Roland Emmerich interview”, 2012 in Movies OnLine).
De fato, graças ao sucesso comercial e de público do filme
“2012” (arrecadou 225 milhões de dólares nos primeiros cinco dias), finalmente
a chamada New Age desse século (“Nova Era” - movimento espiritual buscando a fusão
Oriente/Ocidente ao mesclar auto-ajuda, psicologia motivacional,
parapsicologia, esoterismo e física quântica) obteve o seu cenário
apocalíptico. Ou, em termos teológicos, a sua Escatologia. Agora a New Age pode
se colocar orgulhosamente ao lado de cristãos, muçulmanos, judeus e até mesmo
dos secularistas, pois, finalmente, possui a sua própria versão do Apocalipse.
Diversas seitas cristãs têm o seu apocalipse fundamentado
nas profecias do apóstolo João em torno dos Quatro Cavaleiros (Conquista,
Guerra, Fome e Morte); radicais islâmicos ainda estão à espera do décimo
segundo Imam; secularistas fracassaram com a bomba do Y2K (o chamado “bug” do
milênio) que não explodiu em 2000, mas, agora, têm a bomba das alterações
climáticas de Al Gore (o “aquecimento global”).
segunda-feira, setembro 05, 2011
Uma História do "Cinema Esquizo"
segunda-feira, setembro 05, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como já refletiu pensadores
gnósticos como Valentim, a paranoia e esquizofrenia podem ou arrastar o
indivíduo à insanidade ou a um estado alterado consciência que abra espaço para
a gnose. Percebe-se na história do "cinema esquizoide" essa mesma
dualidade entre os ápices onde Hollywood permite a produção de filmes
esquizofrenicamente perturbadores e subversivos e "filmes de
recuperação", verdadeiros neurolépticos onde a paranoia é confinada nos
limites racionalizantes do mercado.
Desde
a transmissão radiofônica de “Guerra dos Mundos” de Orson Wells, pela rádio CBS
em 1938, que levou pânico à Nova York e costa leste americana pelo temor de uma
invasão marciana, a paranoia emerge na cultura midiática norte-americana:
quantas vezes a cidade de Nova York já foi destruída ou sitiada na
cinematografia americana por ETs, terroristas, catástrofes climáticas, guerras
nucleares, black-outs, meteoros etc.? Incontáveis vezes. A partir dos anos 40
com o filme Noir, simplesmente o cinema americano e as plateias passam a ficar
fascinados pela paranoia: um senso de que algo está fora da ordem na sociedade,
um segredo, um oculto centro do qual se irradia corrupção, demência.
Paranoia e Esquizofrenia andam lado a lado. A paranoia é a resultante da condição
esquizoide que pode ser sintetizada nas seguintes características: passividade,
experiência existencial e psiquismo fragmentado e incapacidade de estabelecer
uma fronteira entre realidade e fantasia. Se a esquizofrenia está próxima à paranoia,
no outro extremo, essa “enfermidade” também está muito próxima de uma
experiência mística ou “xamânica”. O psiquiatra R D Laing traçou um paralelo
entre ambas as condições: enquanto na esquizofrenia o indivíduo se afoga no
oceano da experiência, na vivência xamânica o indivíduo “aprende” a nadar e
atravessá-la. Isso se aproxima do gnosticismo valentiniano da paranoia como um
estado alterado de consciência que possibilitaria a gnose: o questionamento da
realidade in totum como construção artificial de algo ou alguém
que não nos ama. Se toda ideologia tem o seu momento de verdade (como nos
ensina Theodor Adorno), toda loucura tem o seu momento progressista como
resposta a uma condição de realidade sem sentido.
Em
nenhum lugar do mundo a ficção invade a realidade como nos EUA (e sua indústria
do entretenimento exporta essa condição para todo o planeta). O centro da sua
irrealidade não está em Hollywood, mas seminalmente localizado no Deserto de
Nevada com Las Vegas, os primeiros testes nucleares e a Área 51. É o polo
irradiador de paranoia e esquizofrenia em escala mundial. Ao mesmo tempo, o
florescimento do cinema como indústria também somente seria possível na
sociedade norte-americana pela própria natureza esquizo do dispositivo:
passividade (no sentido cinemático da passividade corporal em relação à
atividade mental) e a suspensão da descrença produzida pelas artimanhas do
roteiro e pelo “realismo cinematográfico” da edição e montagem.
sábado, setembro 03, 2011
Felicidade Demais Incomoda o Público
sábado, setembro 03, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O fascinante no filme é a tensão entre a fantasia liberada e o restabelecimento da ordem. Sonhos, desejos e loucuras proibidas,são desenvolvidos nos produtos de entretenimento, mas vão até certo ponto para não incomodar a feliz adapatação do público à realidade. Felicidade e "happy ends" são neutralizados para que não coloquem em xeque o princípio de realidade do espectador
“A visão gnóstica não é inimiga de teóricos sociais como Adorno e seus seguidores. É uma aliada na grande revolução contra os demiurgos do mundo corporativo, gananciosos fornecedores de opressivas abstrações e mercadorias alucinatórias. Esta espécie de cinema é um borrão cinético que bloqueia a circulação de coisas”[1]
Em postagem anterior discutíamos o domínio do realismo na história da narrativa cinematográfica com a ascensão das classes médias como público prioritário da indústria do entretenimento. Afirmávamos que a mentalidade pragmática desses setores médios não tolera conteúdos ou narrativas surreais, "non sense" ou absurdas, sendo absorvidas por narrativas que priorizam a verossimilhança e o efeito de realidade (veja links abaixo).
Se o realismo passa a dominar a narrativa cinematográfica, qual o destino de elementos potencialmente transcendentes (arquétipos, fantasias etc.) habitualmente explorados pela indústria do entretenimento? Se esses elementos imaginários provenientes do psiquismo e do inconsciente coletivo são potencialmente transcendentes, isto é, podem colocar em xeque a feliz adaptação da consciência do espectador ao "status quo", como a narrativa fílmica opera esse duplo vínculo contraditório: transcendência e adaptação, quebra da ordem e retorno à ordem?
Podemos encontrar a resposta em dois caminhos críticos: a análise do gnosticismo no cinema e chamada "teoria crítica" da Escola de Frankfurt.
Podemos encontrar a resposta em dois caminhos críticos: a análise do gnosticismo no cinema e chamada "teoria crítica" da Escola de Frankfurt.
sexta-feira, setembro 02, 2011
O Fetichismo da Liquidez
sexta-feira, setembro 02, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Que coisa triste”, diz a música daquele comercial de um cartão de débito referindo-se a pessoas que teimam em portar papel moeda. Acompanhamos o esforço midiático diário por meio da publicidade e filmes em glamourizar o dinheiro na sua forma líquida, fluida e atemporal: crédito, transações eletrônicas, dinheiro contratual etc. É o fetichismo da liquidez, forma imaginária de ocultar os mecanismos ficcionais de financeirização da sociedade, baseados unicamente na fé e no valor moral do dinheiro e do trabalho.
Se Karl Marx na sua obra máxima “O Capital” mostrou que o capitalismo e o mercado se instituíram sobre as formas imaginárias do Fetichismo da Mercadoria e o do Dinheiro, agora diante da financeirização da sociedade faz-se necessária uma crítica ao fetichismo da liquidez.
Podemos observar na indústria do entretenimento uma insistente tendência em glamourizar o dinheiro em sua forma “líquida” (“dinheiro crédito”, “dinheiro contratual”, “dinheiro eletrônico” etc.) como sinônimo de modernidade e inteligência, enquanto ao dinheiro em espécie é reservado o papel de algo antigo, sujo e seu portador como alguém desajeitado e burro.
Como mostra o filme publicitário de um cartão de débito, pagar em dinheiro é “uma coisa triste”, antiga, atrai olhares de condenação das pessoas ao redor. Há uma premissa moral nessa execração em querer carregar consigo o dinheiro em espécie: você passa a ser suspeito de querer fazer um uso infecto, quando o dinheiro é tão belo em seu estado fluido e atemporal. O dinheiro em espécie é sujo e perigoso.
No cinema filmes como “Não Tenho Troco” (Quick Change, 1990 – um trio assalta um banco e planeja fugir de Nova York, mas o fato de estarem levando notas de alto valor vai criar uma série de incidentes em série tal como não conseguir fugir num ônibus por não haver troco) ou ainda o filme de Scorsese “Depois de Horas” (After Hours, 1985 – onde um yuppie, após deixar voar pela janela do taxi a única nota que possuía, entra em uma série de catástrofes em série) apresentam protagonistas atrapalhados e azarados que enfrentam bizarras cadeias de eventos problemáticos por andarem com papel moeda.
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