sábado, setembro 10, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A reccorrência atual de filmes-catástrofes aponta para uma necessidade ideológica que Hollywood tenta dar conta: com a perda da legitimidade espiritual das principais religiões monoteístas, surge a necessidade de uma nova teologia, dessa vez ecumênica: a New Age. Só falta criar uma nova Escatologia: o apocalipse, seja ele ecológico ou galático.
Perguntado sobre a sua relação recorrente com o tema do fim
do mundo, o diretor Roland Emmerich respondeu: “é um caso de amor”.
Diretor do filme “2012” e de outros filmes catástrofes como “Independence
Day” (1996) e “O Dia Depois de Amanhã” (2004), Emmerich afirmou que o projeto
do filme “2012” começou com uma ideia do dilúvio global ao fazer uma releitura
do drama bíblico da Arca de Noé. Conta que assim como em “Independence Day” onde o
mito da Área 51 foi amarrado à trama para dar “mais credibilidade”, da mesma
forma foi com a suposta profecia do final do mundo em 2012 previsto pelo calendário
Maia, para dar mais verossimilhança ao apocalipse do filme.
“Quando você vai ao site da Amazon encontra uma centena de
livros sobre as profecias de 2012. É incrível. Encomendei os primeiros seis ou
sete livros. Todo mundo conta uma história diferente!”, falou Emmerich entre
gargalhadas (“Roland Emmerich interview”, 2012 in Movies OnLine).
De fato, graças ao sucesso comercial e de público do filme
“2012” (arrecadou 225 milhões de dólares nos primeiros cinco dias), finalmente
a chamada New Age desse século (“Nova Era” - movimento espiritual buscando a fusão
Oriente/Ocidente ao mesclar auto-ajuda, psicologia motivacional,
parapsicologia, esoterismo e física quântica) obteve o seu cenário
apocalíptico. Ou, em termos teológicos, a sua Escatologia. Agora a New Age pode
se colocar orgulhosamente ao lado de cristãos, muçulmanos, judeus e até mesmo
dos secularistas, pois, finalmente, possui a sua própria versão do Apocalipse.
Diversas seitas cristãs têm o seu apocalipse fundamentado
nas profecias do apóstolo João em torno dos Quatro Cavaleiros (Conquista,
Guerra, Fome e Morte); radicais islâmicos ainda estão à espera do décimo
segundo Imam; secularistas fracassaram com a bomba do Y2K (o chamado “bug” do
milênio) que não explodiu em 2000, mas, agora, têm a bomba das alterações
climáticas de Al Gore (o “aquecimento global”).
É claro que nem todos os adeptos da New Age se inscrevem no
cenário apocalíptico de 2012. Muitos acreditam que o
solstício de inverno de 2012 vai trazer uma consciência cósmica para a humanidade.
Na releitura do dilúvio bíblico a busca hollywoodianapor uma nova Escatologia
Haverá, finalmente, a
paz na Terra.Tudo
que você precisava não era amor, como cantava John Lennon, ma apenas um
calendário pré-colombiano e astrologia.
A busca por uma nova Escatologia que supere, através
do ecumenismo New Age, o sectarismo das tradicionais religiões monoteístas,
parece ser uma obsessão hollywoodiana nesse século. O filme “2012”, com a sua releitura
particular do mito bíblico da Arca de Noé, é mais um exemplar dessa tendência
que iremos desenvolver nesta postagem.
As convenções do
subgênero “filme-catástrofe”
No filme 2012 começa mostrando que a alta cúpula
mundial já estava preparada para o fim do mundo originado por um inédito alinhamento
de planetas em relação ao Sol que potencializa a emissão de partículas de
neutrinos do Sol para a Terra, transformando o núcleo do planeta em um imenso
forno de micro-ondas que produzirá o descolamento da crosta terrestre,
terremotos e colossais tsunamis da altura do Himalaia.
Porém, Adrian (Chiwetel Ejiefor), o geólogo
responsável por todos os estudos sobre o fenômeno, chega para o presidente dos
Estados Unidos e afirma que suas contas estavam equivocadas – o apocalipse
ocorrerá meses antes do previsto.
“2012” obedece as principais convenções do subgênero
filme-catástrofe: o deslocamento metonímico para dar humanidade e identificação
a uma catástrofe global (John Cusack – Jackson - faz o clássico pai divorciado
tentando reconquistar o afeto dos filhos) e o remorso e culpa que cada personagem
carrega ao longo da narrativa, numa referência bem religiosa e moralista – o
apocalipse, afinal, é um dia de julgamento para todos.
A culpa maior
quem carrega é o presidente dos Estados Unidos. Enquanto gigantescas arcas “high
techs” são construídas na China, nada é informado ao povo. As passagens para o
embarque nas arcas são vendidas por bilhões de euros para mafiosos russos e
magnatas do petróleo, além de cientistas e o aparato burocrático da Casa Branca
e Pentágono. O juízo final chega, portanto, para punir a mentira e a omissão
dos poderosos.
E tudo isso
fundamentado na suposta profecia do calendário maia para, segundo o diretor,
dar credibilidade à narrativa, o que torna o filme uma verdadeira odisseia New
Age.
É flagrante o
viés ecumênico do filme: budistas, muçulmanos, católicos e judeus, todas as
diferenças cessam diante do apocalipse. No final as águas baixam, o céu e o ar
ficam limpos e a família separada se junta novamente. “No lugar onde estivermos
todos juntos, será a nossa casa”, diz Jackson para seus filhos e esposa
recuperados, numa evidente lição da necessidade moral pela unidade familiar e
religiosa.
A necessidade da Escatologia
E qual o problema
em uma mensagem assim tão bonita por uma nova era de união e paz? O problema
está no esforço ideológico de Hollywood em construir uma nova Escatologia, dessa
vez ecumênica, para esse novo século.
Os Maias jamais previram um fim do mundo
A Escatologia é
uma parte da Teologia e da Filosofia. Significa “último” mais o sufixo “logia”,
podendo ser definido como “estudo sobre o fim”. Pretende tratar sobre os últimos
eventos da história do mundo ou do destino final do gênero humano. Muitas
religiões possuem suas profecias sobre o final do mundo, comumente associado a
conceitos como “Messias”, “profetas” ou “novos reinos” que unificariam o que
foi perdido antes da intromissão do pecado na História humana.
Mas antes é
necessário um evento apocalíptico, um juízo final que puna os maus e redima os
bons. É precisamente nesse componente moral da escatologia que está a questão
ideológica: no final é justificada a ordem existente (seja política, econômica,
social etc.) como condição necessária para chegarmos à redenção.
Num contexto
cultural de início de século onde as maiores religiões monoteístas estão
perdendo seu poder simbólico de legitimidade, poder e influência, surge a
necessidade de construir as bases para uma nova teologia (a “New Age”) e
Escatologia (um novo apocalipse). A Globalização que já criou as bases
econômico-financeiras (a liquidez e a financeirização, isto é, a moeda sem
pátria) agora necessita de uma nova religião ecumênica que dê legitimidade
moral às bases materiais. Uma nova religião igualmente sem pátria, global,
feita a partir de um pastiche dos escombros das religiões do passado.
Só falta
construir uma nova Escatologia. Nem que seja à base de uma arbitrária
interpretação de uma cultura pré-colombiana: o Maias não tinham sequer um
apocalipse ou uma escatologia. Eles nunca previram um final do mundo (veja “The Mayans Never Predicted Doomsday”, Discovery News).
Alternativa Gnóstica: a “Escatologia
realizada”
E se invertermos
a linha de tempo escatológica? Em outras palavras, e se o apocalipse já tiver ocorrido?
E se, sem sabermos, já estivermos em um mundo pós-apocalíptico vivendo as
consequências de um cosmos que se legitima por meio da crença religiosa de que
tudo, um dia, terminará?
O Titanic já
afundou. Os cavaleiros do Apocalipse já cavalgaram há muito tempo pela Terra. O
Apocalipse não foi televisionado e nem foi roteirizado por uma produção
hollywoodiana. Já ocorreu há muito tempo atrás com o “Big Bang” da Criação.
Esse é o
princípio da filosofia gnóstica. O Gnosticismo é sempre associado a uma espécie
de “escatologia realizada”. Isto significava que
qualquer realidade que vale a pena se desfez antes da Criação, normalmente com
a queda de Sophia.O
Big Bang foi o Apocalipse.Os
seres humanos são apenas fragmentos da Divindade suprema agarrados a destroços
mortos flutuando em um oceano de matéria escura. Stevan Davies, em sua obra “The
Secret Book of John: The Gnostic Gospel Annoted and Explained”, sintetizou esta
tragédia cósmica da seguinte maneira: " Deus enlouqueceu e se tornou como
nós ".
Por meio da gnose podemos encontrar o nosso caminho
de volta para a divindade suprema.
Isso soa como uma boa ficção científica, mas essa
reviravolta gnóstica na história do Armagedom não é mais bizarra do que todas
as escatologias religiosas e hollywoodianas juntas.Ela se aproxima de
algumas escolas filosóficas orientais.
Essa
ideia gnóstica da "escatologia
realizada" nunca foi bem sucedida ao longo da história da filosofia, mesmo
sabendo que as religiões continuam falhando em prever quando a Terra vai
literalmente pegar fogo.Parece que as pessoas simplesmente não querem uma
história que começa no final
Ficha Técnica
Título: 2012
Diretor: Roland Emmerich
Roteiro:
Roland Emmerich e Harald Kloser
Elenco:
John Cusack, Thandie Newton, Chiwetel Ejiofor, Oliver Platt, Danny Glover
Produção:
Columbia Pictures, Centropolis Entertainment
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
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No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
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Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>