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domingo, agosto 21, 2016

Curta da Semana: "Third Reich" - Hitler não morreu para os "The Residents"


A banda mais estranha da história do rock faz um vídeo obscuro e surreal de um dos discos mais enigmáticos dos anos 1970. Estamos falando da banda “The Residents” e do disco “Third Reich N’Roll” de 1976. Ao comemorar o trigésimo aniversário em 2001, “The Residents” lançaram o box com DVD e CD chamado “Icky Flix”. Ao longo de décadas os membros da banda se mantiveram incógnitos, não dão entrevistas e nos shows apresentam-se em estranhos disfarces. O vídeo-clip “Third Reich” do DVD Icky Flix” é tão estranho quanto a banda. Se o pensador Theodor Adorno estivesse vivo, certamente gostaria desse curta – Hitler e o nazi-fascismo foram destruídos, mas seu “modus operandi” permaneceu na Indústria Cultural.

segunda-feira, agosto 01, 2016

Curta da Semana: série "Bendito Machine" - relaxe, tudo está sob controle


“Relaxe, tudo está sob controle” é o que sempre parecem nos dizer as máquinas e as tecnologias. Por isso elas nos fascinam e nos gratificam a ponto de se tornarem modernas religiões. É o que nos mostra a série com cinco curtas de animação “Bendito Machine” (2006-2014). Produzida pelo estúdio espanhol Zumbakamera, cada episódio apresenta máquinas que sempre parecem “defecar” pequenas criaturas globulares com olhos que nos controlam por meio da oferta dos prazeres da ambição e gula. Em tempos de apps virais como o Pokémon GO chegando em terras brasileiras, assistir a essa série é obrigatório.

domingo, outubro 18, 2015

Curta da Semana: "From The Big Bang To Tuesday Morning" - a História é evolução ou eterno-retorno?

A História humana é evolução? Decadência? Ou eterno-retorno? Será que o paletó e gravata já estavam à espera do homem, só aguardando que ele surgisse na face do planeta para, no final, enforcá-lo? O Big Bang eletrônico da TV só repetiu como farsa o Big Bang primordial? Essa é a sutil ironia e perplexidade do curta “From The Big Bang To Tuesday Morning” (2000) do animador canadense Claude Cloutier. O Curta dessa semana do “Cinegnose”.

domingo, maio 10, 2015

Em "White God" o cão é o espelho da crueldade humana


“Lassie” se encontra com “Planeta dos Macacos”. É o filme húngaro “White God”(Fehér Isten, 2014), uma fábula brutal sobre cães de rua que se insurgem contra os humanos cruéis e indiferentes. Hagen, um cão mestiço abandonado à morte por um pai mesquinho que quer separá-lo da sua filha, desce ao inferno da crueldade e desprezo humanos na ruas de Budapeste até organizar uma revolta com centenas de cães de um canil municipal. Uma fábula sobre o racismo e a intolerância? Metáfora política da Hungria atual? “White God” vai mais além: lembra para os ambientalistas e protetores dos direitos dos animais que suas batalhas serão vazias enquanto não entenderem uma sinistra dialética – a crueldade contra os animais e a Natureza é o espelho da própria crueldade humana com o outro, reflexo de uma sociedade marcada pela dominação e controle. 

segunda-feira, junho 16, 2014

O ódio envenena e mata no curta "Cólera"

Selecionado e premiado em todos os festivais de horror e fantástico nos quais foi exibido, o curta espanhol “Cólera” (2013) de Aritz Moreno é uma preocupante representação contemporânea da escalada do espírito de linchamento, ódio e intolerância. O curta comprova como o gênero, desde o filme “O “Gabinete do Dr. Caligari” de 1919 que teria antevisto o nazismo, é um termômetro da cultura e da sociedade em cada momento: na Espanha, a crise econômica e o crescimento da xenofobia e o ódio racial; no mundo a intolerância e o racismo como um mal viral e endêmico, assim como a cólera. Além disso, o curta consegue em seus seis minutos de um único plano sequência fazer uma síntese do psiquismo da personalidade autoritária: o ódio pode matar sua vítima, mas também envenenar o próprio algoz.

O ódio envenena e mata. O seis minutos do curta metragem Cólera do espanhol Aritz Moreno nos impacta como um raio pela sua mensagem direta e contundente. Rodado em um único plano-sequência que mistura os pontos de vista de todos os personagens, o curta foi baseado em um comic book do norte-americano Richard Corben.

Selecionado e premiado em mais de cem festivais em todo o mundo, podemos ler no poster promocional um verbete curto e direto: “Cólera: m. Pat. Enfermidade contagiosa epidêmica aguda e muito grave” - veja o curta abaixo.

O curta relata de forma crua a população agressiva e colérica de um vilarejo que pretende fazer justiça com as próprias mãos. Armados com paus, pedras e espingardas pagarão as consequências desse linchamento. Todos estão se dirigindo a um pequeno casebre construído de forma precária com tábuas velhas e papelão, isolado no meio de um campo. Lá se encontra o objeto de todo ódio da população, alguém que, segundo eles, já teria causado “problemas demais”. “Finalmente uma vila limpa!”, brada o líder do populacho enfurecido e levantando uma espingarda.

quarta-feira, maio 21, 2014

O que matou Theodor W. Adorno?


O sociólogo, musicólogo e pensador Theodor W. Adorno sempre foi um estrangeiro no seu próprio país e nos EUA para onde fugiu com a ascensão do nazifascismo na Alemanha. Expoente máximo da chamada Escola de Frankfurt, sua crítica da sociedade e da indústria cultural inspirou estudantes que em 1969 se levantavam em manifestações radicais de esquerda e que se inconformaram com a recusa de Adorno em ser uma espécie de guru do movimento. Quarenta e cinco anos depois, pesquisadores como Bill Niven da Notthingan Forest University afirmam que os conflitos pessoais de Adorno com líderes estudantis e a pecha em torno dele de “apocalíptico e pessimista” podem tê-lo matado. Ao contrário desse estereótipo, sua morte prematura interrompeu o seu projeto mais otimista e libertário onde através de uma via “negativa” (e gnóstica) tentava encontrar a “metafísica em queda” que o levaria a fazer uma arqueologia das oportunidades perdidas: a busca das experiências singulares impossíveis de serem dominadas pelos conceitos da Filosofia, ideologias e poderes.

terça-feira, abril 09, 2013

O programa "CQC" e a correia de transmissão


Iscas mirins, repórteres dublês de humorista e câmeras escondidas são hoje as principais armas de uma onda de moralismo seletivo que domina as telas de TV, como no caso exemplar que envolveu o deputado José Genoino e o programa “CQC”. Mas há algo de mais profundo nessa onda moralizante do que o atual jogo de cena político-midiático. Por trás da onda de programas televisivos representado pelo “CQC” (programas, por assim dizer, “sensacionalisticamente corretos”) esconderia a própria natureza do funcionamento da indústria cultural que no passado pesquisadores como Adorno e Horkheimer tematizaram: a ritualização de uma espécie de correia de transmissão na sociedade onde “aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo com os demais e se vinga da própria dor”. O sensacionalismo seletivo que prefere despejar toda indignação nos “pequenos” que desde o início já estão derrotados e condenados do que nos poderosos seria a ritualização de um prazer voyeurista e sádico do espectador.

O episódio que protagonizou o “repórter” mirim usado como isca para que o programa "CQC" (Custe O Que Custar da TV Band) arrancasse de José Genoino algumas palavras (ele se recusa a conversar com os dublês de repórter/humorista do programa) esconde algo de mais profundo. Condenado pelo julgamento do chamado “mensalão” e exposto extensivamente ao linchamento midiático como um caso exemplar da onda de defesa da moralidade que varre o país, há algo de simbólico na figura de um político acuado em sua sala no Congresso, a portas fechadas deixando entrar uma criança oferecida como isca a alguém isolado e, talvez, carente por simpatia – a criança se dizia filho de militante do PT.

O CQC pareceu querer requentar uma notícia já passada, “chutar cachorro morto”, tentar tripudiar em cima de uma figura já julgada e condenada por chicanas jurídicas e pelo veredito midiático. Em outras palavras, ofereceu para os espectadores alguém supostamente fraco e derrotado para o deleite público da humilhação.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Origens míticas e mágicas do Belo e da Arte


Limpando o sótão de casa e tentando dar uma ordem nas pilhas de livros e papéis, para minha surpresa acabei encontrando os originais de um texto datilografado que foi a base de uma palestra dada por mim na Associação Santista de Dança lá pelos meados da década de 1980. Lembro-me que o tema proposto era “O Belo e a Arte” e fazia parte de uma semana cultural promovida pela Associação. É um texto de juventude, bem radical, raivoso e adorniano – fiquei pensando: “pobres daqueles que ouviram essa palestra...”. Ironias à parte, o texto procurava tratar sobre o destino da noção de Belo em uma sociedade de consumo que a explora como “álibi” para dar um rótulo “nobre” ao objeto artístico mercantilizado. O argumento é que com a sua mercantilização, esvazia-se a dimensão utópica e crítica da noção de Belo desde suas origens míticas e mágicas. As referências do texto são basicamente Theodor Adorno e Max Horkheimer do livro “A Dialética do Esclarecimento” e do italiano Massimo Canevacci e sua visão de uma antropologia marxista do livro “Antropologia do Cinema”. Confira abaixo e vejam o que vocês acham...

quarta-feira, dezembro 05, 2012

A dialética da família: de "Charlie e Lola" aos "Simpsons"

O irmão mais velho assume a imagem de mentor outrora ocupada pelos pais; duas meninas demonstram poder desenvolver valores sem a necessidade de qualquer tipo de influencia de adultos; e em outro caso um personagem no papel de pai cuja autoridade é rebaixada pela sua absoluta incapacidade de lidar com as tecnologias que o cercam. Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi desenvolvida por alunos da graduação da Escola de Comunicação encontra nas animações infantis, adolescentes e adultas a recorrência não só do desaparecimento simbólico ou mesmo literal da figura dos pais como, também, do anacronismo ou deficiência em desempenhar os papéis que deveriam ocupar na formação social dos filhos. Além disso, personagens e narrativas expressariam a chamada "dialética da família" contemporânea: a crítica à autoridade patriarcal como anacrônica e autoritária ao lado de um modelo familiar igualitário e liberal foram historicamente emancipadores, mas, por outro lado, expôs as novas gerações às insidiosas e sedutoras novas formas de manipulação.

Em postagem recente intitulada “Por que os pais desapareceram do imaginário infantil?” discutíamos como o anacronismo da família como agencia socializadora, suplantada pela indústria cultural das celebridades e entretenimento ao oferecer novos modelos de “super-pais”, estava sendo representado por animações infantis onde se verifica uma significativa recorrência de situações onde os pais desaparecem simbolicamente e até mesmo fisicamente.  

O grupo de estudantes formados por Ana Lucia Borsari, Eduardo Gomes, Laryssa Valverde, Leonardo Salles e Nicolas Gomes da graduação da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (UAM/SP) decidiu então aprofundar a discussão do post em um trabalho de iniciação científica para a disciplina Estudos da Semiótica, procurando matizar as animações em três tipos de públicos: infantis, adolescentes e adultos. Respectivamente, o universo da pesquisa foram “Backyardgans”, Charlie e Lola, Pink, Dink Doo”e “Milly e Molly”; Os Flintstones e os Jetsons; e o último grupo “Os Simpsons” e “Uma Família da Pesada”.

quinta-feira, julho 19, 2012

Uma dura lição para as crianças em "A Era do Gelo 4"

Culpa, renúncia e sacrifício são as palavras-chave dessa continuação da franquia “Era do Gelo”. Comparado com os episódios anteriores da série os temas dessa continuação parecem ser mais duros, sérios, como se tivesse uma mensagem para todos: se preparem para os tempos difíceis que virão e mantenham a família e amigos juntos e disciplinados! Por isso, a alusão que a narrativa faz ao épico da Antiguidade “Odisséia” de Homero não é mera coincidência: assim como Homero ajudou a modelar a cultura grega ao se apoderar dos mitos e submetê-los à astúcia racional de Ulisses, da mesma forma “A Era do Gelo 4” (Ice Age: Continental Drift, 2012) organiza os medos e mitos do imaginário infantil para submetê-los à necessidade civilizatória da repressão.

Férias escolares com chuva e frio. Em metrópoles como São Paulo uma das poucas opções nessas situações são os shoppings e seus cinemas multiplex. Pelas associações (chuva, água e frio) veio a ideia de levar os filhos para assistir “A Era do Gelo 4”.

Dessa vez o trio central de amigos (o mamute Manny, o tigre dente-de-sabre Diego e o bicho preguiça Sid) vai enfrentar uma gigantesca catástrofe geológica: a separação dos continentes provocada pelo esquilinho Scrat na sua busca incansável pela noz. A estreita faixa de terra e gelo em que vivem está sendo empurrada para o oceano por um gigantesco paredão de rochas. A única chance de sobrevivência é escapar por uma ponte de rochas e terra vislumbrada no horizonte. É o início da fuga de todos os animais liderados pela família de mamutes protagonistas. Para complicar, Amora, filha de Manny e Ellie, está na adolescência e naquela fase de busca da própria independência e desafiando a autoridade dos pais.

Amora sente-se atraída por um jovem mamute que pertence a um grupo de “rebeldes” que sempre estão em lugares perigosos para viverem experiências de diversão radicais pouco recomendadas pelos pais. Situação suficiente para criar diálogos conflituosos como “eu queria que você não fosse meu pai!” que precederá a uma grande avalanche que separará a família: Manny, Diego e Sid cairão no oceano sobre um imenso bloco de gelo cuja corrente oceânica os levará para longe de Amora e Ellie.

Amora se sentirá culpada pelo desaparecimento do pai depois de ter dito palavras tão duras, enquanto Manny e seus amigos empreenderão uma épica luta enfrentando piratas e outras ameaças para poder retornar à família ameaçada pela catástrofe.

Culpa, renúncia e sacrifício são as palavras-chave dessa continuação da franquia “Era do Gelo”. Comparado com os temas dos episódios anteriores da série (o valor da amizade, respeito às diferenças, a coragem e a ajuda ao próximo), os temas dessa continuação parecem ser mais duros, sérios, como se tivesse uma mensagem para todos: se preparem para os tempos duros que virão e mantenham a família e amigos juntos e disciplinados!

sábado, abril 21, 2012

Jerry Lewis, o riso e o horror


Todo riso está próximo do horror que o prepara”, disse certa vez Theodor Adorno, destacado membro da chamada escola de Frankfurt, ao homenagear o 75° aniversário do seu amigo Charles Chaplin. Jerry Lewis, legítimo decendente da comédia “slapstick” de Chaplin e Buster Keaton, tornou explícita essa proximidade com o seu projeto de 1972 que hoje tornou-se uma lenda no meio de cinéfilos e pesquisadores: o filme “The Day The Clown Cried” (O Dia em que o Palhaço Chorou), um projeto não concluído, jamais exibido e apenas assistido por um grupo restrito de críticos e produtores hollywoodianos cuja opinião foi unânime na época – “isso é simplesmente errado!”.

Um filme cuja sinopse poderia ser assim resumida: um decadente palhaço de circo — interpretado pelo próprio Jerry Lewis — no começo da Segunda Guerra Mundial, é despedido e preso por zombar de Hitler. Acaba parando em um campo de concentração para presos políticos em Auschwitz. E sendo um palhaço com algum sucesso entre as crianças, ele arranja um trabalho por lá: levar as crianças quietas e comportadas enquanto se divertem com o palhaço, sem suspeitar que estão, na verdade, indo para a câmara de gás.

O roteiro de 164 páginas sobre a estória de um palhaço que leva criança para fornos em Auschwitz virou objeto de lenda, lido e partilhado através de uma rede de cinéfilos pelo mundo. Desde o filme de 1968 de Mel Brooks “Primavera para Hitler”, ninguém do mundo do cinema poderia imaginar que seria possível outra comédia envolvendo a Alemanha nazista.

sábado, abril 14, 2012

Por Que os Pais Desapareceram do Imaginário Infantil?

Animações para o publico infantil apontam para uma característica recorrente: o desaparecimento dos pais no imaginário infantil. Dos "Flintstones" dos anos 1960 aos atuais "Backyardigans" ou "Charlie e Lola" encontramos o progresssivo desparecimento simbólico e literal dos pais nas narrativas. É o sintoma do anacronismo da família como agência sociaizadora, suplantada pela indústria cultural das celebridades e entretenimento que oferecem modelos mais atraentes de "superpais".

Nessa semana discutia com os alunos do curso de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi algumas ideias da Escola de Frankfurt. Mais precisamente, discutia a atualidade dos famosos “Estudos sobe a Autoridade e a Família” que Theodor Adorno e Max Horkheimer empreenderam na década de 1950. 

Nesses estudos os autores encontraram uma tensão dialética no interior da família no capitalismo tardio: de um lado, a família podia ser vista como a terrível matriz dos mecanismos de internalização da submissão (agência psicológica da sociedade), mas, do outro, a possibilidade de se tornar uma oposição crítica ao Estado Totalitário.

Principalmente no momento atual em que a chamada Indústria Cultural esvazia a autoridade e competência da família, tornando-a um suplemento supérfluo já que toda a indústria das celebridades e entretenimento suplantaram a figura paterna ao oferecer novas figuras de “super-pais” como modelos de internalização da autoridade.

Exatamente nesse momento em que a função de socialização da família desaparece para transformar-se em meras imagens paródicas em filmes publicitários de cereais matinais e margarinas (imagens congeladas de felicidade), a instituição familiar pode tornar-se uma instância “negativa”: libertar a inteira estrutura familiar da sua tradicional função repressiva e “realizar o princípio do amor”, como afirmava Adorno.

quinta-feira, março 08, 2012

"A Dialética Negativa": Theodor Adorno Gnóstico (atualizado)

Ao ler dois tópicos do livro “Dialética Negativa” de Theodor Adorno ("Experiência Metafísica e Felicidade"e "Niilismo") encontramos uma crítica à religiosidade vulgar, aquela que iguala o impulso por transcendência à busca do chamado "sentido para a vida". Para Adorno, se manifestamos a dúvida se a vida poderia ser dotada de sentido é porque a existência não tem sentido mesmo: através dessa “via negativa” ele identifica nessa religiosidade vulgar um movimento que apenas reforça a Totalidade que cria em nós o mal estar e o desespero que nos faz em vão buscar um sentido para a dor. Mas Adorno surpreendentemente busca uma alternativa de libertação: o niilismo gnóstico e elege Marcel Proust como o exemplo para o seu projeto da "Dialética Negativa".

"O Todo é a Verdade" (Hegel)
"O Todo é o Falso" (Adorno)

Considerada a obra de maior envergadura do filósofo e expoente da chamada Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, “A Dialética Negativa” (1966) é não somente um acerto de contas com o hegelianismo no último livro da sua vida. É também uma supreendente busca de esperança de saída após obras apocalíticas como “A Dialética do Esclarecimento” e todos os estudos em torno do conceito de Indústria Cultural que apontavam para cenários monolíticos de dominação do Capitalismo Tardio.

Através da “via negativa” Adorno vai buscar a alternativa na “metafísica em queda”, ou seja, ao invés de buscar a transcendência no Absoluto, ele vai encontrar a Verdade no particular, no precário, no singular, na experiência irreprodutível. Isto é, em tudo aquilo que a filosofia Ocidental liquidou em nome das abstrações (Logos, Deus, Mercadoria e Capital) e dos conceitos.

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

O Sono da Ciência no filme "Ladrão de Sonhos"

“Ladrão de Sonhos” (La Cité dês Enfants Perdus, 1995) é um dos poucos filmes a representar o cientista longe dos clichês do “louco” ou do “diabólico”, condenado à punição por tentar se equiparar a Deus. A dupla de diretores Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet ("O Fabuloso Destino de Amelie Poulain", 2001) cria uma estranha comédia de humor negro onde o cientista é retratado como um Demiurgo: através de uma Ciência prometéica, cria um cosmos corrompido onde o sono não tem sonhos. Por isso, ele terá que raptar crianças para extrair delas as imagens dos sonhos e trazer algum élan para um mundo sem vida. 

Na história do cinema há uma longa tradição em representar “cientistas” (sábios, gênios, magos, alquimistas, mágicos ou o cientista propriamente dito) como personagens enlouquecidos, estranhos, sociopatas, manipuladores ou simplesmente amorais e anti-éticos. De qualquer forma, todos eles são punidos ou por ultrapassarem os limites estabelecidos pela moral da civilização ou por tentarem se equiparar a Deus. Exemplos não faltam através dos mais diversos gêneros: “Frankenstein”(1931), “O Cérebro Que Não Queria Morrer” (The Brain That Wouldn’t Die, 1962), “O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993), “A Ilha do Dr. Moreau” (The Island of Dr. Moreau, 1996) etc. 

Mas poucos filmes apresentam estes personagens como “Demiurgo” (para Platão era aquele que modela a matéria caótica e para o Gnosticismo o criador do Mundo Inferior onde o homem está aprisionado ), isto é, não mais como personagens puníveis moralmente por tentarem se equiparar a Deus, mas como artífices que fracassam pela presença do Mal nas suas criações. 

Essa elaboração do personagem do cientista no cinema como um Demiurgo tem suas origens em narrativas míticas das escrituras gnósticas: o Demiurgo como uma forma híbrida de consciência emanada dos planos superiores, criadora do cosmos como uma cópia imperfeita de Planos Superiores e essencialmente corrompida. Inebriado pelo Poder, julga ser a única divindade do Universo porque esqueceu as suas origens. Sabendo que o seu cosmos é uma criação física imperfeita, necessita da fagulha de Luz humana para pô-lo em funcionamento. Por isso, mantém a humanidade prisioneira através do sono. 

Cristoff, o poderoso diretor de um gigantesco reality show que aprisiona o protagonista no filme “Show de Truman” (The Truman Show, 1998) é um exemplo de filme que apresenta uma experiência televisiva por uma perspectiva simbólica do Demiurgo. 

O filme “Ladrão de Sonhos” (La Cité dês Enfants Perdus, 1995) da dupla Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet (“O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”, 2001) é um outro exemplo. Como veremos, o filme praticamente segue a descrição que fizemos acima sobre o personagem gnóstico do Demiurgo.

quarta-feira, outubro 12, 2011

O "Inumano" no Filme "A Centopeia Humana"

Se os gêneros ficção científica e Terror exploram principalmente os temas do Pós-Humano e do Desumano, em "A Centopéia Humana" do holandês Tom Six temos uma novidade: o tema do Inumano, poucas vezes trazido para as telas do cinema pela sua maneira radical e perturbadora de encarar o Mal. Não se trata mais de impingir o horror, sofrimento e a morte final à vítima. Mas retirar dela toda sua humanidade ao fazê-la regredir à condição animal por meio dos próprios intrumentos da evolução humana: Ciência, Técnica e Razão.

O tema do Pós-humano é recorrente no cruzamento entre ficção científica e terror: desde a estória de Frankenstein, passando por filmes como “Robocop” (RoboCop, 1987) para chegarmos aos pesadelos do diretor Cronenberg como em “Videodrome” (1983) e eXistenZ (1999) : fantasias cabalísticas onde o homem quer ser Deus e tenta produzir vida a partir de um “golem”; seres híbridos de carne, sistemas eletrônicos e servomecanismos para superar as limitações corporais humanas; interfaces biológicas com redes digitais onde o Eu transcenda o corpóreo etc.  No pós-humano há o desejo gnóstico-cabalístico da superação das limitações existenciais e corporais humanas (finitude, temporalidade e senso de fragilidade corporal). O elemento do horror é a presença da ambiguidade do pós-humano, a diluição das fronteiras entre homem e máquina, espírito e matéria e orgânico e inorgânico. E horror de vermos o inorgânico e sem vida ganhar consciência e dominar o espírito humano.

Já o Desumano está no campo da moralidade e da “hermenêutica do mal”. Torturas, humilhações e assassinatos são impingidos por um serial killer, um monstro sobrenatural ou um psicopata. Pense num filme como “Jogos Mortais” (Saw, 2004): o vilão aprisiona pessoas em elaborados dispositivos e jogos para punir atos pregressos imorais ou anti-éticos das vítimas. Ou ainda, sanguinário personagem  Alex do filme “Laranja Mecânica” (Clockwork Orange, 1971) que sabe que suas atrocidades são puníveis pelo Estado e Polícia. Teme a lei e foge para não ser preso. Alex e o Jigsaw são, portanto, imorais.

O tema do Desumano conta ainda com uma “hermenêutica do Mal”: psicopatas como Jason e Fred Krueger são assassinos seriais e cruéis por decorrência de traumas do passado que marcaram para sempre suas personalidades. As narrativas procuram racionalizar o Mal buscando uma explicação no psiquismo humano.

Portanto, podemos denominar a condição da vítima como “desumana” porque há ainda no horizonte referências como o Humanismo, a Ética e a Moral.

A novidade do filme “A Centopéia Humana” (The Human Centipede - First Sequence, 2009) é trazer para o gênero terror o tema do Inumano: não se trata mais de subjugar, humilhar ou destruir o psiquismo da vítima pelo horror, medo ou tensão. E, muito menos, se trata de querer punir a vítima com o sofrimento e a morte final. Trata-se muito mais de anular qualquer humanidade ao fazer a vítima retroceder ao estágio animal, morficamente falando e não no sentido figurado. 

domingo, agosto 28, 2011

Classes Médias exigem Cinema com Ficção "Realista"

As classes médias apresentam curiosas formações reativas diante de filmes cuja narrativa seja “non sense”, absurda e inverossímel: impaciência, estranheza e até agressividade. A demanda por narrativas realistas na história do cinema coincide com a entrada das classes médias na atual fase industrial e monopolista do meio. Filmes como “Quero ser John Malkovich” são herdeiros do primeiro cinema (do ilusionismo de Méliès ao “slapstick” americano) que as classes médias rejeitaram por ameaçar a estabilidade psíquica necessária para a integração pragmática a um sistema altamente competitivo.

Em uma aula da disciplina de Teoria da Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi apresentava aos alunos as principais teses da Escola de Frankfurt, principalmente no que se referia as relações entre os indivíduos e as celebridades na indústria cultural. Discutia a relação que Max Horkheimer estabelecia entre a crise da família patriarcal, a dissolução do ego e as celebridades como os novos ideais do ego oferecidos pela indústria cultural para substituir os pais ausentes.

Para ilustrar a discussão, apresentei o filme “Quero Ser John Malkovich” (Being John Malkovich, 1999) do diretor Spike Jonze. Procurava aproximar o argumento da narrativa (um casal de sociopatas e “loosers” que vislumbram a chance de abandonar suas vidas cinzentas ao descobrir uma forma de entrar na cabeça de uma celebridade e assumir uma nova identidade) com questões atuais da tecnologia digital tais como a relação entre pessoas reais e seus avatares virtuais.

Mas, como falam os lacanianos, a verdade estava em “outra cena”. Muitos alunos reagiram com estranheza e até impaciência a um filme cujo roteiro é surreal com diálogos repletos de “non sense”. Um titereiro que encontra por trás de arquivos a porta de um túnel escuro e úmido que leva direto à cabeça do ator John Malkovich era inverossímel demais, na opinião deles. Pedi para que explicassem melhor a estranheza em relação ao filme. Para eles, o filme era “esquisito” por ser aparentemente “realista” (afinal, trata de relações humanas problemáticas), com atores famosos (Cameron Dias e John Cusak), mas com um argumento surreal, inverossímel e absurdo. E o que é pior, o filme não fornece explicações lógicas para o túnel que acessa a cabeça de um ator célebre.

Já em outra oprtunidade, ao exibir para uma classe o filme “Como Fazer Carreira em Publicidade” (How to Get Ahead in Advertising, 1989 - um publicitário com bloqueio criativo que vê nascer um furúnculo no seu pescoço que se transforma em uma cabeça falante que quer dominá-lo) a reação foi idêntica, na verdade quase chegando ao motim: se rebelaram contra o típico humor negro inglês como “desnecessário” e “irreal”.

É interessante essa “formação reativa” das pessoas diante de narrativas fílmicas inverossímeis. Por trás esconde-se uma percepção realista não só do cinema como também das imagens (fotografia, audiovisual etc.). A imagem não seria apenas representação, mas um documento da realidade. Por isso, a expectativa do público é de narrativas lineares e verossímeis. Mesmo nos filmes repletos de computação gráfica, os efeitos digitais reduzem-se à figura de hipérboles, isto é, de exagerar ou ampliar os efeitos de realidade.

quinta-feira, agosto 11, 2011

A Ilusão do Discurso da Ética

Punir os excessos do mal, mas não eliminar a causa. Esse é o destino da Ética no discurso pós-moderno repleto de palavras mágicas como "responsabilidade", "transparência", "sinceridade" etc. De ciência da moral que buscava as bases racionais da Verdade e do Bem, hoje a Ética é absorvida pelo subjetivismo, relativismo e fragmentação. Talvez seja o motivo pelo qual a permissividade da sociedade de consumo convive com o espírito da vigilância hiper-moralista.

Se há uma coisa que o Gnosticismo enquanto método de análise de uma realidade (seja cinematográfica - como no caso desse blog - seja política ou econômica) nos ensina é saber diferenciar entre uma análise ontológica e uma análise moralista. Toda análise moralista pretende combater os excessos do mal, mas não eliminar a causa. Parte do princípio de que esses excessos se originam em comportamentos e motivações corrompidas puramente individuais. Diferente disso, uma análise ontológica vai à radicalidade ao ver o mal não nos excessos, mas na própria estrutura que confina os indivíduos.

Esse parece ser o destino da palavra “Ética” na sociedade contemporânea: decair para o campo do julgamento moralizador,  do relativismo e do subjetivismo.

“Conscientização” e “Ética” são palavras repetidas como um mantra para a solução de todos os problemas na sociedade. Poluição, trânsito, violência, intolerância, crises financeiras, especulação, corrupção etc., parece que todos os problemas clamam pela necessidade de que os indivíduos conscientizem-se das implicações éticas dos seus atos. O bem comum, o outro, a própria sociedade necessitam de que todos tomem consciência de palavras mágicas como “responsabilidade”, “sustentabilidade”, “transparência”, “sinceridade” e assim por diante nas ações em todos os setores de relações humanas.

Nunca se falou tanto em Ética. Da ciência geral da moral na Filosofia, ela acabou se fragmentando em diversas éticas: ética profissional, ética religiosa, ética ambiental, ética conjugal, ética nos negócios e assim em diante. Se um setor da práxis social apresentar alguma prática que cause injúria ou prejuízo a algumas das partes, reivindica-se um comportamento “ético”.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Nostalgia Pós-Moderna: a nostalgia do "totalmente outro"


A idéia dessa postagem surgiu a partir de um debate em uma aula de Estudos de Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi. O tema geral era os Estudos Pós-Modernos. Discutíamos a nostalgia que domina a estética pós-moderna (remake, pastiche etc.). Constatamos a existência de um paradoxo: se a nostalgia é sentir saudades de época que foram vividas, como explicar a nostalgia da estética pós-moderna onde novas gerações têm saudades de épocas que jamais foram vivenciadas? O que há por trás dessa nostalgia: manipulação ideológica ou uma aspiração pelo "totalmente outro"?

"Toda ideologia tem o seu momento de verdade" (T. Adorno)


Uma natureza retrô domina o horizonte cultural da Contemporaneidade. Pastiches e sucessivas reciclagens criam um cenário cultural paradoxalmente nostálgico. Primeiro porque vem envolto numa embalagem moderna e contemporânea. Filme como Kill Bill mostra uma chiquérrima Uma Thurman em cenas de lutas marciais em trajes fashion, radiciais e aparentemente atualíssimo. Porém, para a delícia dos cinéfilos, são os mesmos trajes usados por Bruce Lee em seus filmes B de Kung Fu dos anos 70. Aliás, Kill Bill é um pastiche de referências dos anos 60, 70 e 80 ( western “spaghetti” italiano dos anos 60, filmes de Bruce Lee dos anos 70, sons new wave dos anos 80 etc.). Aliás, o que torna os filmes de Tarantino cult é precisamente a maestria dessas citações de signos de diversas épocas e contextos, retirados das suas origens e colocados num conjunto lógico atemporal.

Segundo aspecto paradoxal: esses pastiches que fazem a delícia de cinéfilos revela uma estranha nostalgia: saudades de épocas que não foram vividas. Jovens montam as ambiências de suas novas residências com objetos e decorações que remetem aos anos 60 e 70; os anos 80 retornam com “baladas” especializadas nessa década (“trash anos 80”, Projeto Autobahn etc.), feiras de rua onde são comercializados objetos dessa época (livros, jogos, brinquedos) para grupos de jovens estranhamente nostálgicos por uma época que não vivenciaram, bares temáticos recriam para jovens ambiência e atmosferas de épocas e lugares distantes no tempo e no espaço (“botecos chics” que revivem os botecos populares dos anos 50 e 60, bares freqüentados por tribos de jovens “rockers” em suas jaquetas pretas de couro, topetes à Elvis em uma ambiência estudadamente cenográfica com junkerboxes, pisos quadriculados, e posters com sucessos cinematográficos da época).

Como entender essa estranha nostalgia que parece caracterizar o jovem contemporâneo, a nostalgia de experiência que não foram vividas e de locais que não foram visitados?
Há duas perspectivas diferentes sobre esse tema que podemos nomear a primeira como finalista e a outra como causalista.

No primeira abordagem a nostalgia que contamina a produção cultural contemporânea tem como finalidade servir “a interesses ideológicos específicos de estagnação da vida que deveríamos permitir que se renovasse sempre. A nostalgia, de que tanto falam os jornais e revistas, não passa de um poderoso instrumento psicológico da Morte Organizada.” (Luis Carlos Maciel, A Morte Organizada) É uma espécie de “nó psicológico” para desviar a atenção para os problemas presentes. Esta abordagem é da tradicional denúncia das manipulações ideológicas dos meios de comunicação. Nostalgia como falsa consciência.

A segunda abordagem causalista podemos exemplificar com a aproximação que Frederic Jameson faz da nostalgia, o pastiche cultural e a esquizofrenia da subjetividade pós-moderna. Partindo dos fundamentos lacanianos (a identidade se estrutura através da linguagem) Jameson percebe a impossibilidade do esquizóide em ascender à linguagem e construir um Eu persistente e duradouro através do tempo. Sem conseguir representar o real, toma o significantes como as próprias coisas, passando a ter uma experiência intensa, pontual e fragmentada. O tempo é percebido como eterno presente e os momentos intensos um conjunto atemporal, assim como os pastiches culturais. Em síntese: nostalgia e pastiche como sintoma.


O "Totalmente Outro"

Se partirmos da proposta espistemológica de Adorno de que “toda ideologia tem o seu momento de verdade” podemos compreender que essas abordagens finalistas e causalistas são insuficientes, pois não conseguem apreender o momento particular de verdade. Seja como falsa consciência ou como sintoma, a nostalgia pós-moderna é, de qualquer maneira, descartada in totum como mito ou mera ilusão ou regressão.

Sem dúvida, esta nostalgia (sintoma de um mal estar da subjetividade pós-moderna) é instrumentalizada como mercadoria, porém, explora um nostálgico sentimento verdadeiro e concreto: a “nostalgia do totalmente outro”. Expressão de Horkheimer, a “nostalgia do totalmente outro” sintetizava o propósito da Teoria Crítica: combater a idéia temporal de progresso e propor um resgate do passado:


“O totalmente outro só pode significar a pura transcendência, a redenção: o
materialismo da Teoria Crítica se volta simultaneamente para o singular e a
redenção das gerações que passaram pela História. Devemos nos ligar pela
nostalgia do que acontece no mundo, o horror e a injustiça não são a última
palavra, há um Outro”


Há nesta afirmação de Horkheimer um forte componente místico ou gnóstico: o tempo como uma prisão, fonte de mistificação, ilusão e engano. Na verdade, o Gnosticismo procura libertar-se do devir e retornar ao estado do princípio de tudo: a estabilidade e a verdade do Pleroma, do ser eterno, do ser completo. É uma nostalgia romântica.

Desse ponto de vista, esta nostalgia paradoxal da cultura pós-moderna expressa o componente místico de um radical mal-estar da subjetividade atual: o mal-estar de um exilado, de um estrangeiro dentro do seu próprio país, que anseia buscar no passado algo que se perdeu, a verdadeira origem.
Aqui a Nostalgia não é mais nem falsa consciência e nem sintoma, mas, antes de tudo, chamamento. O passado nos chama para algo que apenas experimentamos como deja vu. A cada jogo Genius que encontramos em feiras de antiguidade ou imagens do velho vídeo game Pack Man que, inexplicavelmente, inspira saudosismo em um jovem que cresceu jogando Nintendos, podemos encontrar esta nostalgia pelo “Totalmente Outro”.

A nostagia sagrada em Donnie Darko

Um caso exemplar é o filme de Richard Kelley Donnie Darko (Donnie Darko, 2001). Além da sua estética retro (a narrativa se passa no final dos anos 80), o filme descreve a vida de um adolescente problemático, Donnie Darko, com uma misteriosa condição mental que o separa de um ambiente cultural conformista: ele começa a perceber a irrealidade da vida suburbana de classe média americana através de estados sonambúlicos e após tomar remédios antidepressivos. Donnie percebe que há algo de errado com o mundo através de insights e estados alterados de consciência e não a partir de princípios ideológicos ou religiosos. Donnie também descobre que o plano temporal em que ele vive pode ser revertido e que ele tem poder para fazer isso, isto é, transcender seu plano temporal através de um vórtice e mover-se livremente por outros planos alterando destinos pré-determinados. Após a morte de sua namorada e, mais tarde, da sua mãe na queda de um avião sugado por outra dimensão temporal, Donnie retorna no tempo. Dessa vez Donnie fica no seu quarto e morre na queda da turbina. Um grande sacrifício que Donnie assume para que desperte desse de mundo e altere o fluxo temporal – sua namorada e sua mãe irão escapar da morte. “Voltei para casa”, afirma de forma expressiva Donnie. Ele vai encontrar no passado a redenção de um mundo inautêntico que Donnie experimenta de forma dolorosa.

Aliás, é recorrente na cinematografia recente a incessante busca do protagonista de respostas para o mal-estar do presente no passado, por meio de deslocamentos temporais (seja por meio de mediações tecnológicas ou estados alterados de consciência). De De Volta para o Futuro (Back to the Future, Robert Zemeckis, 1985), passando por Peggy Sue: Seu Passado a Espera (Peggy Sue, Coppola,1986) até chegarmos ao recente Efeito Borboleta (The Butterfly Effect, Eric Bress, 2004) testemunhamos a nostálgica volta ao passado como busca de uma inocência perdida, a reconstituição de uma experiência, a recuperação do “olhar da primeira vez”, o frescor de uma experiência primeira que se perdeu na cilada temporal do devir.

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