sábado, julho 28, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma boa ideia, com um
roteiro inteligente, um elenco forte são capazes de fazer filmes convincentes,
mesmo com pouco dinheiro. O filme “O Culto” (The Endless, 2017) é
mais um filme independente que comprova a capacidade inventiva de renovar subgêneros
do horror e da ficção científica. Dessa vez a dupla de diretores Justin Benson
e Aaron Moorhead (“Resolution”, 2012) faz um inteligente meta-horror em torna
do tema das anomalias tempo-espaço. Dois irmãos (interpretados pelos próprios
diretores), depois de terem fugido de uma suposta seita suicida em uma
floresta montanhosa, decidem retornar depois de receberem um estranho vídeo. “O
Culto” não se limita a fazer uma desconstrução
do tema dos “paradoxos temporais” no cinema. Num insight gnóstico, estende
esses paradoxos para a nossa realidade cotidiana: e se nossas próprias
vidas já fossem gigantescos paradoxos tempo-espaço, que nos aprisionam nesse
cosmos, obrigando-nos a repetir uma mesma narrativa indefinidamente? Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Ao longo da história do cinema o
tema das anomalias do Tempo passou por diversas transformações, principalmente
nesse início de século. No século XX a abordagem do Tempo sempre foi
fundamentado em um referencial, por assim dizer, relativístico (Einstein) no
qual a viagem no tempo era possível. Porém, sem a possibilidade do viajante
alterar os eventos tanto do passado quanto do futuro. Para evitar o chamado
paradoxo do avô: inconsistências no presente caso o passado fosse mudado.
Porém filmes como Em Algum Lugar no Passado (1980) e O Feitiço do Tempo (1990) rompem com
esse paradigma einsteiniano através de paradoxos. No filme de 1980, o pequeno
detalhe de um relógio de bolso dos protagonistas cria uma linha do tempo
fechada (1972-1912) como uma espécie de “fita de Möbius” – clique aqui.
E no segundo filme, vemos Bill
Murray preso em um loop temporal – todo dia é o mesmo dia, no qual nem o
suicídio é capaz de tirá-lo da cilada espaço-temporal – clique aqui.
Loop ou tempo recursivo que no
século XXI passa a ser bem explorado em variações como Looper (2012) ou No Limite do
Amanhã (2014).
Uma sugestão gnóstica
Em todos esses filmes há uma
sugestão gnóstica nos loops temporais: como a própria condição humana de sermos
prisioneiros nesse cosmos, numa espécie de “Roda do Samsara” – o ciclo vicioso
da morte/reencarnação.
Mas no filme O Culto (The Endless, 2018)
escrito, dirigido e interpretado pela dupla Justin Benson e Aaron Morhead, esse
tema de protagonistas presos em algum tipo de anomalia tempo-espaço vai mais
além da ficção-científica: e se essa linha de tempo fechada na qual os
protagonistas estão presos numa estranha anomalia for nada mais do que a
extensão do que já ocorre nas nossas vidas cotidianas? Todo dia repetindo os
mesmos papéis, atividades, deveres e obrigações. Para no final morrer e...
reviver tudo outra vez em uma nova existência.
A dupla Benson e Morhead já havia
se notabilizado no filme anterior, Resolution
(2012), por um inteligente meta-horror – no qual a desconstrução
metalinguística do subgênero “horror na cabana” (A Bruxa de Blair, A Morte do Demônio, Cabana do Inferno, etc.) se encontrava
a desconstrução da própria realidade ao estilo Matrix – clique aqui. A realidade como uma
estrutura recursiva como camadas sobre camadas de película de cinema,
refletindo-se mutuamente até perdermos a distinção entre o refletido e o
reflexo.
Dessa vez em O Culto, a dupla de diretores voltou o seu olhar meta para os
paradoxos temporais do tempo recursivo no melhor estilo das gravuras de M.C.
Escher. Tal como em Resolution,
novamente estão lá pistas que são jogadas para confundir o espectador: há uma
conspiração de alguma seita ocultista? Há um complô alien?
Mas O
Culto não se limita a fazer uma desconstrução do subgênero sci-fi “paradoxos temporais”. Como no
filme anterior, a metalinguagem se estende para a nossa própria realidade
cotidiana: e se nossas próprias vidas já fossem gigantescos paradoxos
tempo-espaço, que nos aprisionam nesse cosmos, obrigados a repetir uma mesma
narrativa indefinidamente?
O Filme
Justin e Aaron (os diretores emprestam
seus primeiros nomes aos personagens – bem ao estilo dos filmes indies) é uma
dupla de irmãos que cresceu em uma comunidade hippie em uma floresta
montanhosa em algum lugar no Sul da Califórnia. Um lugar chamado “Cabana do Sol
Nascente”.
As primeiras cenas mostram os irmãos
levando uma vida anônima, em um subemprego de serviços domésticos de limpeza.
De início ficamos sabendo que Justin, o irmão mais velho, resgatou o jovem
Aaron dessa suposta comunidade hippie – na verdade seria uma seita suicida.
Aos poucos também vamos descobrindo que,
na época, a fuga dos irmãos ganhou impacto midiático. E que a comunidade acabou
estigmatizada pela opinião pública.
Até o dia em que Aaron recebe uma
estranha entrega: um vídeo de um membro da suposta seita. Um depoimento sobre
como todos estão felizes pela proximidade da “ascensão” e que esperam vê-los
felizes quando voltarem.
A
questão é que Aaron não guarda nenhuma lembrança negativa dos anos em que
viveram naquela comunidade: apenas consegue se lembrar da boa comida e de
pessoas felizes. Enquanto a vida atual que levam em subempregos é de
endividamento, cartas de cobrança e comida ruim. Por isso, tenta convencer o
irmão Justin para retornarem à comunidade para checarem o quanto de verdade há
em tudo aquilo.
Justin acha uma péssima ideia mas, tendo
em vista a vida miserável que estão levando e o amor pelo seu irmão concorda em
retornarem por alguns dias para mostrá-lo a verdade.
Mas antes mesmo de chegarem ao local as
coisas começam a ficar estranhas com uma aura de mistério criada por um
inteligente design de som que pontua a viagem até a comunidade.
As composições visuais estão cheia de
círculos dentro de círculos: um céu nublado com um buraco perfurando as nuvens;
bancos de madeira dispostos em círculos em torno de uma fogueira; personagens
cujos destinos e personalidades parecem espelhar uns aos outros; momentos em
que o universo parece abrir um buraco para nos mostrar o que está do outro
lado. Há espelhos reais e metafóricos.
O Culto entra em um terreno psíquico dos filmes de terror que nos
faz duvidar das nossas própria percepções. O filme vai acumulando momentos e
imagens estranhas que muitas vezes parecem sem contexto e fragmentadas.
Chegamos a suspeitar se no fundo tudo
nada mais é do que a típica lavagem cerebral das seitas para envolver os
recém-chegados. Mas há algo na própria estrutura espaço-tempo naquela região
que remete às célebres gravuras recursivas de Escher.
Será a própria realidade uma anomalia tempo-espaço?
Os motivos visuais e narrativos em círculos
(ou em repetição) evoca filmes que abordam temas como carma, evolução,
livre-arbítrio e desafios, fazendo os personagens se confrontarem com variações
de um mesmo desafio.
Há também uma estranha atemporalidade: a
narrativa parece localizada no início do século XXI a julgar pela tecnologia de
vídeo e os celulares com flip e a
aparente falta de acesso à Internet. Mas a medida em que o filme avança,
tecnologias mais antigas começam a aparecer, criando um curioso contexto
atemporal: HDs ou fitas de vídeo achadas enterradas com novas pistas sobre a
bizarra natureza daquele lugar – será que estamos em uma seita de manipuladores
desiludidos ou algum tipo de prisão cósmica que os obriga a viverem em um loop
espaço-tempo?
Aaron insiste em querer ficar na “Cabana
do Sol Nascente”, enquanto Justin insiste em voltar para a “realidade”, a vida
cotidiana de subempregos e dívidas.
“Não há grande diferença entre estar
preso em um ciclo e fazer a mesma coisa todo dia, como fazemos”, justifica Aaron.
Qual a diferença entre a vida “real” (a rotina diária da repetição dos mesmos
erros) e a bizarrice daquela suposta seita?
O Culto leva o tema, tão caro nas ficção-científicas atuais, das
anomalias e paradoxos tempo-espaço a um novo patamar: e se isso tudo não for
tão bizarro quanto parece? E se essas anomalias e paradoxos se confundirem com
o nosso próprio dia-a-dia, indo muito além de lugares fantásticos como buracos
negros?
Elas podem se confundir com o próprio
drama existencial da humanidade: o conflito sem solução entre destino e
livre-arbítrio.
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Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
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Quinta - Feira, 27 de Março
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>