Depois dos “300 de Brasília” da Sara Winter disparar rojões contra o STF, em 2020, agora temos um homem-bomba que tentou disparar contra o Supremo, mas explodiu contra si mesmo. “Mais um ataque contra a Democracia”, é a voz unânime por todo espectro político (com diferentes tons, da indignação ao cinismo). Golpe Tabajara? O terrorismo de fogos de artifício teve o timming (dia 13, G20 etc.) e a ambiguidade (foi ato político ou suicídio?) suficientes para manter a narrativa da “corda esticada”: aprisionar a esquerda dentro do horizonte binário – ou a democracia liberal burguesa ou... o fascismo. O caso do idoso Tiü França não é um simples exemplar de “envenenamento” ou “contaminação” pelo bolsonarismo. Revela um fenômeno mais complexo do que o chamado “pobre de direita”: revela o drama da quebra do elo geracional.
“Mais um atentado contra a Democracia brasileira!”. Por todo o espectro político, da esquerda à direita, é essa a perplexidade – está claro que em diferentes tons de sinceridade, da indignação ao cinismo. Principalmente daqueles que insuflaram as depredações em Brasília no conhecido “8/1, a Invasão do Capitólio Brasileiro”.
O que começou com as nuances de sinceridade, terminou com diferentes sentimentos diante do episódio do bolsonarista que se auto-explodiu diante da estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes, diante do STF: vai da perplexidade e medo a irritação e desabafo – para o bolsonarismo imerso na agenda política da anistia (principalmente de Bolsonaro), o suicida que tinha um plano de matar o ministro Alexandre de Moraes foi a pá de cal em qualquer esperança de ver o capitão da reserva candidato em 2026.
“Tenho medo de ir dormir na Democracia e acordar na ditadura”, tuitou alguém na bolha progressista na madrugada do 7 de setembro de 2021, o ápice da “Operação 7 de Setembro” na qual o País viveu sob o medo da possibilidade de um autogolpe de Estado de Bolsonaro (ou o “fechamento do regime”), através de uma marcha sobre Brasília comandada pelos inacreditáveis líderes Zé Trovão, o líder caminhoneiro, o cantor Sérgio Reis e o humorista Batoré...
Sabemos que tanto na política quanto na guerra, o medo (Hobbes) e a arte do engano (Sun Tzu) são duas estratégias decisivas – ambas criam a paralisia estratégica do inimigo.
O medo sempre foi a mais potente força aglutinadora e de submissão política. Embora a raiva seja politicamente mais potente do que o medo (p. ex. canalizar o ódio contra inimigos externos de um grupo), é o segundo tipo de emoção que domina o discurso político, principalmente na era da propaganda de massas. O medo acaba submetendo as massas a qualquer plot político.
A Operação 7 de Setembro de 2021 foi o início dessa ameaça imaginária de um iminente golpe de Estado e, mais tarde, o “Capitólio brasileiro” o estado da arte da produção do medo – ao vivo o País acompanhou, pela TV, uma suposta tentativa de golpe de Estado.
A partir dessa superprodução televisiva, a “corda continuou a ser esticada”: de um lado, a continuação das ameaças nas redes da malta bolsonarista, com ameaças contra desde o Xandão até a qualquer desafeto político, de raça ou de gênero; do outro, o misto de lentidão, leniência e pusilanimidade da Justiça, seja prendendo apenas peixinhos (deixando os tubarões soltos), seja deixando o maior de todos, Bolsonaro, livre, andando pelo País para fazer as articulações políticas em ano eleitoral.
O plot da “Democracia em perigo”
O freio de mão puxado da Justiça (desde as denúncias da repórter Patrícia Campos da Folha, nas eleições de 2018, revelando o esquema empresarial da campanha de Bolsonaro de produção de fake news e que a Justiça Eleitoral nada fez) e do PGR sempre pareceu calculado, como se quisessem manter contínuo o clima de ansiedade e tensão: há ameaças de golpe, que podem vir de qualquer lugar, a qualquer momento.
Ou seja, manter sempre em cartaz o plot da “Democracia em perigo”. Como se quisesse reforçar para a esquerda a fatalidade do horizonte binário de escolha: ou a democracia liberal burguesa ou... o fascismo. Não há saída - foi assim também com a ascensão de Hitler e Mussolini. A esquerda acreditava que a democracia liberal conteria o fascismo. Mas... a história todos conhecem.
Tiü França, o “homem-bomba” que supostamente queria matar Alexandre de Morais munido de rojões e “bombas potentes” compradas em uma loja de fogos em Brasília, é talvez o paroxismo dessa agenda do medo, sempre alimentada para tomar a pauta política nacional.
A própria mídia progressista tratou de fazer o restante do serviço de associar o ato de Tiü França ao medo do ataque a Democracia.
Associações com a memória do caso da Bomba do Rio Centro na ditadura militar ou com o próprio 8/1, como informa a manchete hiperbólica do site do PT: “Em novo 8/1, bolsonarista tenta explodir STF”.
No máximo, o “homem-bomba” repetiu como farsa a patética performance dos “300 de Brasília” liderados pela ensandecida ex-feminista Sara Winter, em 2020, ao apontar rojões e disparar contra o STF, durante a noite.
E o pior é que agora ainda sobrou para o icônico palhaço do crime. O suposto bolsonarista suicida estaria vestido de Coringa – tudo porque trajava uma roupa com estampa de naipes de baralho...
Nada a ver com o Coringa – jamais o gênio cínico do crime explodiria junto com uma bomba, como num desenho animado. No máximo, o Tiü França, como bom bolsonarista, deveria ser um entusiasta da legalização de jogos e cassinos no Brasil.
Tudo isso para manter a esquerda prisioneira nessa paralisia estratégica (achar natural e inevitável a política de coalização tutelada pelo Centrão e a banca da Faria Lima ou... o fascismo), o freio de mão puxado da Justiça mantém o moral elevado do Exército Psíquico de Reserva.
O Exército Psíquico de Reserva
Por Exército Psíquico de Reserva entendemos como um exército de zumbis (o Brasil Profundo) que sempre está à disposição à espera de cripto-comandos ou a oferta de significantes políticos (slogans, líderes políticos, “mitos” etc.) para aglutinar ressentimento e ódio, matéria-prima da alt-right desde o laboratório do Brexit de 2016.
Assim como os alucinados do 8/1 que acreditaram serem protagonistas de um evento patriótico, Tiü França é mais um desses zumbis que recebeu algum tipo de cripto-comando imaginário para sair de sua cidade Rio do Sul (SC) para ficar três meses em Brasília planejando a logística de um “atentado terrorista” com fogos de artifício.
Que a grande mídia (para sustentar a narrativa sobre perigosos terroristas que ameaçam a nossa democracia) descreveu como um terrorista que carrega “bombas”, “artefatos” etc. A imprecisão retórica é importante para a imaginação do distinto público fazer o resto do trabalho.
Um atentado Tabajara? Sim! Mas amplificado pela grande mídia para gerar três efeitos, portanto:
(a) Manter o Exército Psíquico de Reserva com o moral alto e em atividade – nas redes extremistas, Tiü França é um herói, mártir, ou coisa que o valha. Enquanto a extrema-direita parlamentar sustenta que não foi ação política, apenas um suicídio de alguém perturbado por um divórcio;
(b) Mantém a “corda esticada”, isto é, perpetua o medo que faz a esquerda ficar atrelada à democracia liberal, mesmo que neste sistema a extrema-direita (ou os “moderados” do Centrão) prospere. Impulsionada pela omissão da Justiça Eleitoral – vide o caso de Pablo Marçal e o de Tarcísio, o Moderado, anunciando a ligação de Boulos ao PCC numa coletiva em pleno dia de eleição em São Paulo.
(c) Mantém a ficção de que realmente exista uma democracia liberal no Brasil, e não um sistema político tutelado pelo PMiG (Partido Militar Golpista) que realmente deu um golpe militar, porém híbrido com a vitória do candidato manchuriano Bolsonaro, em 2018. Conquistando a máquina do Estado... enquanto Lula ficou apenas com o governo.
Tiü França e a quebra o elo geracional
O caso do “homem-bomba” Tiü França apenas levantou novamente uma questão que é fundamental para entender a importância desse Exército Psíquico de Reserva no crescimento da extrema-direita: por que a atração dos idosos pelo bolsonarismo? Ou mais: por que os transtornos mentais são sempre aderentes à extrema-direita?
Segundo dados do Ministério Público, o perfil da lista de 667 fanáticos detidos naquele dia, 84,5% eram nascidos entre 1960 e 1990 e 64,3% nasceram entre 1960 e 1980. Tiü França tinha 59 anos.
O mais impressionante é que a idade média das mulheres que participaram do 8/1 era de 49 anos e dos homens de 44 anos.
Por tudo que tem sido levantado sobre a vida de Tiü França, ele é mais um exemplo de como a força da extrema-direita vem desse encontro fatal entre a linha biográfica e os significantes políticos.
Mais do que “contaminação” ou “envenenamento”, o fenômeno do extremismo vem de um fenômeno sociológico bem empírico: a quebra do elo geracional.
No passado, esse Exército Psíquico de Reserva era buscado na Deep Web em fóruns e chans a partir de cripto-comandos em videogames ou discursos político de extrema-direita: jovens Incels (Celibatários Involuntários), Hominis Sanctus, PUA (Pick-up Artists) e uma variedade de grupelhos de compartilhavam pseudociência e teorias de conspiração alucinadas.
Com Trump, Bolsonaro e ascensão da extrema-direita internacional, esse exército saiu das sombras para dar a cara em plena luz do dia. Não é mais necessário mineração de Big Data para pescar nas águas turvas da WEB. Agora, às claras (com a procrastinação policial e judiciária), com infraestrutura bancada por empresários, esse exército transpôs a realidade paralela para as ruas.
E encontrou esse Brasil Profundo: de um lado jovens nem-nem (nem estudam e nem trabalham), precarizados e desconectados de qualquer agenda; do outro, os “tiozões do churrasco”, os idosos que, até mesmo aqueles bem-sucedidos financeiramente, deixaram a centralidade na transmissão cultural – nas sociedades tradicionais, os anciões tinham a função social de transmissão da sabedoria e do legado.
Entediados, segregados e desvalorizados por serem “velhos”, ridicularizados nos eventos sociais pelas ideias “exóticas”, encontraram no bolsonarismo o significante para seus pensamentos: “Vejam... no final sempre tive razão!”.
Muitas pesquisas realizadas em eventos de massa que pregaram o ódio e o fechamento político do país indicavam que tais manifestações eram compostas majoritariamente por pessoas acima de 50 anos de idade, que se jogaram na aventura do ataque contra um inimigo inexistente.
“Parece que o consumo de compensação de tédio oferecido pelos canais normais de nossa cultura não preenche a sua função adequadamente”, sugere o psicanalista Erich Fromm no seu livro “Anatomia da Destrutividade Humana”.
Em seu livro, Fromm mostra como a violência grupal é excitante:
As observações da vida diária mostram que o organismo humano, assim como o organismo animal, tem necessidade de um certo mínimo de excitação e estimulação, do mesmo modo que ambos sentem necessidade de um certo mínimo de repouso. Observamos como os homens reagem avidamente à excitação e como a procuram.
Tédio, isolamento e a condenação a viver numa espécie de cultura da aposentadoria é o resultado do fenômeno da quebra do elo geracional. É o combustível para esse exército zumbi que vive entre a depressão crônica e a depressão endógena psicótica.
Tiü França, um senhor de 59 anos que provou que, apesar de idoso, ainda tinha (desculpem o trocadilho) bala na agulha e ainda capaz de realizar a derradeira missão patriótica da sua vida virou um perfil inspirador para esse Brasil Profundo.
Quantos Tiü Franças ainda receberão outros cripto-comandos para manter inspirado e ativo o Exército Psíquico de Reserva? E manter em cartaz o plot do "ataques à Democracia" e da "corda esticada"?