sábado, dezembro 31, 2022

PT volta a chocar o ovo da serpente da Comunicação


A morte do Rei Pelé parece ter ajudado a diluir o impacto nas esquerdas da nomeação de um bolsonarista, o deputado federal Juscelino Filho do União Brasil, no Ministério das Comunicações. Parece que o PT não entendeu a lição histórica recente: de como a elite brasileira de repente cansou-se da Democracia e do Estado de Direito e conseguiu virar o tabuleiro político envenenando psiquicamente uma nação com o ódio e a divisão de familiares e amigos. Tudo através da comunicação - ponto de estrangulamento de qualquer projeto de nação, com uma grande mídia sem pluralismo e Big Techs que não pensam duas vezes em apoiar a extrema-direita quando veem o projeto "Brasil neocolonialismo digital ameaçado. Mais uma vez, o pragmatismo da miragem da governabilidade começa a chocar o ovo da serpente e o economicismo retorna - a ilusão de que apenas a inclusão dos brasileiros no mercado de consumo criaria uma espontânea conscientização política. 

Talvez o episódio narrado por Roberto Requião (PMDB-PR) explique muita coisa. No primeiro mandato de Lula, Requião foi ao encontro do presidente e relatou o que tinha feito no Paraná: acabou com a verba publicitária para a grande mídia e investiu tudo na TV Educativa do Estado. Lula teria se animado com a ideia e passou a bola para José Dirceu, na época ministro da Casa Civil. “Mas Requião, o Governo já tem TV”, interrompeu Dirceu. “Mas que TV, Zé?”, retrucou Requião. Ao que o então ministro respondeu: “A Globo, Requião”.

Outros episódios que ajudam a clarear nossas indagações.

Em 2013, em carta ao jornal “Folha de São Paulo”, o então ministro da educação Aloízio Mercadante saiu em defesa da memória de Octávio Frias de Oliveira, falecido dono da “Folha”, após um delegado dos tempos da ditadura militar dizer, na Comissão da Verdade, que ele colaborou ativamente na repressão e tortura aos “terroristas” e “subversivos”. 



Ao mesmo tempo, o ministro da Comunicação daquele governo petista, Paulo Bernardo, adotava um tom genérico e não dava prazos quando tratava sobre a Lei dos Meios - a promulgação do marco regulatório para concessões públicas, TVs abertas, TVs por assinatura e rádios. 

E irritando ainda mais os setores de esquerda naquele momento, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) continuava com sua orientação “técnica” e “republicana” ao manter o direcionamento de grossas verbas publicitárias aos monopólios midiáticos. Os mesmos veículos de comunicação que diariamente atacavam o Governo e davam os passos decisivos no xadrez da guerra híbrida que culminaria no golpe de 2016.

Mas não só o PT ficou prisioneiro do “efeito pinball” (clique aqui) no bate e rebate como bolinha de um fliperama com o sequestro da pauta negativa da grande mídia como ainda foi abatido pelo amplo domínio das táticas de desinformação alt-right nas novas mídias de convergência. Enquanto assistia as igrejas neopentecostais se apossarem absurdamente dos meios de comunicação em um Estado laico, dominando cada vez mais as almas das periferias e rincões do País.



Lula não conhecia Juscelino

Os casos narrados acima explicam muita coisa sobre a surpreendente nomeação do deputado federal Juscelino Filho (União Brasil – MA) para o Ministério das Comunicações. Entre outras coisas, o novo ministro votou pelo impeachment de Dilma Rousseff, clamou pela prisão de Lula, fez parte da base parlamentar de Bolsonaro – que na área se notabilizou pelo aparelhamento da comunicação pública que deu apoio operacional a personagens que participaram da massiva indústria de desinformação de extrema-direita.

Como explicar um governo progressista entregar um terreno delicado como as comunicações, no qual a extrema-direita nada de braçadas, conseguindo minar a frágil democracia brasileira, para alguém ideologicamente identificado com os próprios algozes bolsonaristas de Lula?

Mas o que chamou a atenção é que Juscelino nunca foi um nome conhecido por Lula – foi um nome sacado na última hora pelo líder da sigla no senado, Davi Alcolumbre (AP). Segundo consta, o presidente eleito só teve contato com o futuro ministro alguns momentos antes do anúncio dos últimos 16 ministros no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Brasília.

“A entrega do Ministério das Comunicações pra um parlamentar que sequer era conhecido do presidente Lula 20 minutos antes de ser anunciado como ministro revela o quanto o futuro governo preza e entende a estratégia que essa agenda pode desempenhar para nossa democracia”, ironiza Bia Barbosa, representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br) – clique aqui.

Se no plano socioeconômico os governos petistas foram reconhecidos internacionalmente pelas medidas de inserção social, eliminação da pobreza, aumento do poder aquisitivo da chamada “nova classe média” e crescimento do mercado de consumo interno, no plano simbólico-midiático manteve-se estático e subjugado aos “barões da mídia”. Mesmo depois de dois mandatos presidenciais consecutivos e feito a sucessora Dilma Rousseff.

Ao invés de cometer novos erros, parece que o governo Lula 3 não aprendeu nada. Continua com o seu notório economicismo, que no momento parece se limitar a combater os efeitos deletérios do hiperliberalismo (o retorno da fome e da pobreza extrema) que em nossas plagas pretende ser mais real do que Friedman e Hayek. 



Pragmatismo e economicismo

O PT ainda continua acreditando no pragmatismo (característica de um partido-Estado afastado das bases sociais e dependente dos humores judicialismo) e no economicismo: acreditar numa espontânea conscientização política e de cidadania através da inclusão de milhões de brasileiros no mercado de consumo – o que resultou num perverso efeito inverso: a despolitização de mentes que viraram o target perfeito para as estratégias de desinformação da extrema-direita. Além das sofisticadas estratégias de comunicação alt-right internacional.

Essas duas últimas décadas (Mensalão-Jornadas de Junho-Lava Jato) deixaram evidente que é crucial para o fortalecimento da democracia a regulação da mídia – enquanto não houver um pluralismo nas mídias tradicionais e a regulação das novas mídias, a questão da comunicação será o ponto de estrangulamento de qualquer projeto de Nação.

Ficou patente nesse período que os monopólios midiáticos no espectro radiofônico e televisivo e as big techs nas mídias de convergência vão às últimas consequências para promover o projeto neoliberal – nem que seja mandar às favas a democracia liberal apoiando a extrema-direita internacional e remexendo a lama psíquica das cismogêneses. Estão aí os resultados desse estrangulamento midiático: bandos de malucos acampados nas portas dos quartéis do País e uma nação irremediavelmente dividida.

Para além das bombas fiscais e das cascas de bananas militares e políticas deixadas para Lula, em nome de uma pretensa governabilidade o presidente eleito entrega o paiol das armas da comunicação de bandeja para tornar a oposição mais agressiva e desestabilizadora da democracia.



Como? Através do risco de distribuição de outorgas para aliados do União Brasil – políticos que já detém TVs e rádios e a continuação expansão do neopentecostalismo bolsonarista pelo País. 

Fala-se que na verdade a Secretaria de Comunicação (Secom), comandada por Paulo Pimenta (PT-RS), assumiria o protagonismo na área, ganhando o status de ministério. 

Porém, colocar um bolsonarista nas Comunicações é a oportunidade para mais ovos da serpente serem chocados. Principalmente ao ver a recente reação negativa da grande mídia e dos tais “mercados” diante do aceno da implementação de políticas econômicas desenvolvimentistas e reindustrialização nacional (a gritaria dos “colonistas” dos jornalões ao verem Haddad no Ministério da Fazenda e Aloízio Mercadante na presidência do BNDES), fica fácil prever que o enfrentamento não será fácil.

Se o PT tivesse aprendido alguma coisa sobre bombas semióticas e guerras híbridas nos últimos anos, saberia que facilmente a mídia hegemônica pode acionar o seu Exército Psíquico de Reservas, criar outro “efeito pinball” de abdução de pauta e envenenar mais uma vez o psiquismo coletivo.

Não sei se Lula assistiu ao documentário de Petra Costa Democracia em Vertigem (2019), sobre a cronologia do golpe de 2016. Se assistiu, ele e o PT não entenderam a principal lição histórica do documentário: como a elite brasileira de repente cansou-se da Democracia e do Estado de Direito e conseguiu virar o tabuleiro político envenenando psiquicamente uma nação com o ódio e a divisão de familiares e amigos.  

Tudo feito através da comunicação.

 

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