A bomba do terrorista George Washington de Souza (que nome síncrono!) não foi detonada. Mas explodiu no campo semiótico – parece até que ela foi feita para isso, não ser detonada no mundo real e criar um pseudoevento canastrão. Este Cinegnose chega a essa hipótese amparada na análise das primeiras páginas e manchetes dos jornalões, repletas de termos tautológicos (“bolsonarista radical”), difusos (“provocar o caos”), além da indefectível estratégia de contaminação metonímica para gerar novos sentidos maliciosos. Grande mídia está mais interessada em jogar o problema no colo do futuro governo do que nas autoridades atuais. E “acender a luz vermelha” da posse. Do terrorismo do mercado ao terrorismo “patriota”, é a continuidade da estratégia de emparedar o futuro governo. E para completar, entra em ação a “lupa identitária” da contabilidade de quantas mulheres e negros ocupam o futuro ministério... só que para o jornalismo corporativo não valem negros e mulheres indicadas por petistas.
“Uma bomba explodiu no colo da grande mídia”, denuncia a mídia alternativa. Com dinamite, temporizador e tudo. Era para mandar pelos ares um caminhão de combustíveis no estacionamento do aeroporto de Brasília. “Para criar o caos”, “chamar a atenção”, disse o terrorista com o sugestivo nome “George Washington” de Souza. Num depoimento para a Polícia Civil repleto de clichês como “causar tumulto”, “objetivo ideológico”, “político” etc.
E do lado da Polícia, as declarações óbvias para a imprensa de que “foi tudo planejado” e “outras pessoas envolvidas serão identificadas e presas”. Lugar comum das falas das autoridades policiais, desde que o homem-bomba Bob Jeferson deu tiros e jogou granadas em policiais federais. E, pelo menos até agora, nunca demonstram vontade em ligar lé com cré para chegar ao início da cadeia de eventos – Empresários? Partido Militar?
Enquanto isso, os destemidos jornalistas da grande mídia dizem fazer “apurações”, como se quisessem dizer que estão investigando – na verdade, apenas “apuram” as falas das fontes oficiais. E nada mais.
Mas será que foi mesmo “uma bomba que caiu no colo” de uma grande mídia pega de calças curtas? Será que apenas vimos jornalista plantonistas de Natal assustados, tentando esconder o “bolsonarista radical” das principais manchetes seguindo o comando dos seus patrões?
A mídia progressista decidiu relembrar a bomba que explodiu no Rio Centro em 1981, em plena ditadura militar, no colo de militares em um carro no estacionamento. De certa forma, ela cai na armadilha semiótica montada desde o primeiro dia do governo Bolsonaro: o espantalho do golpe militar – o medo de um extemporâneo golpe “old school” com tanques e soldados pelas ruas.
Na verdade, essa bomba encontrada no caminhão tanque é muito mais semiótica do que uma bomba que realmente iria explodir para “gerar o caos”.
Dos ataques que incendiaram carros e ônibus em Brasília a essa bomba de um “bolsonarista radical”, todo esse conjunto de atos terroristas parecem ser uma linha de continuidade do verdadeiro terrorismo midiático orquestrado para emparedar o Governo de Transição. Tudo isso antes mesmo de Lula tomar posse no dia primeiro – “desconfiança”, “missão difícil”, “batata quente” são expressões correntes na cobertura do gabinete de transição ao lado do lobby por nomes no ministério que não sejam de chancela petista e o bate bumbo sobre as insatisfações do “mercado” quanto a “gastança” de um governo que nem assumiu.
Duas coisas chamam a atenção numa análise semiótica desse discurso midiático: primeiro, a expressão “bolsonarista radical”. E como, de imediato, as manchetes também querem tocar o terror na festa da posse: “aumenta a tensão para a posse de Lula” é o tom, até partilhado pela própria mídia alternativa.
“Bolsonarista radical” é um autêntico pleonasmo, uma expressão tautológica – o bolsonarismo é extremismo de direita. É claro que esse pleonasmo tem um ardil: que as manifestações (como aquelas dos “patriotas”) são legítimas e democráticas, desde que “pacíficas”. E de que os bob jefersons e os george washingtons são apenas extremismo fora da curva. “Malucos”, “manés”, “doidões” e assim por diante.
Enquanto isso, a grande mídia parece querer colocar os episódios dos atentados e ataques em Brasília muito mais no colo do futuro governo do que no do atual: o que fará Flávio Dino? Ele vai acabar com os acampamentos? Mas como lidará com militares da reserva e seus familiares que integram os acampamentos “patriotas”?
Dessa maneira, ansiosamente, a grande mídia pretende todo dia criar alguma casca de banana, mal-estar ou controvérsia para o gabinete de transição. Criar o que chamamos de “efeito pinball”: sequestrar a pauta e criar um efeito fliperama das bolinhas lançadas que batem e rebatem (sobre esse conceito clique aqui) – aprisionar os integrantes do gabinete numa pauta imposta, forçando-os a dar sempre uma resposta apressada, no afogadilho. A ideia é forçar erros, criar intrigas ou desacertos no interior dos grupos de trabalho do gabinete.
Semiótica de um pseudoevento
Observando as manchetes e primeiras páginas dos grandes veículos de imprensa, há muito mais do que a clássica estratégica semiótica de banalização dos acontecimentos dentro da paisagem dos eventos natalinos: manchetes de uma coluna ou deslocados do principal eixo ótico de leitura.
Primeiro, o destaque de que o terrorista “não agiu sozinho”, sendo ajudado por membros do acampamento golpista. UAUUU!!!! Brilhante raciocínio em loop: um mané foi ajudado por outros manés dos quais nada sabemos: quem os paga? Quem os alimenta? Quem dá apoio logístico e financeiro para tanta gente que aparentemente largou família e emprego?
Segundo, tensionar a posse de Lula – “segurança de Lula será revista e reforçada”; “Flávio Dino classificou os acampamentos de incubadoras de terroristas”; “sinal vermelho aceso”... É a continuidade da estratégia da grande mídia emparedar o Governo de Transição: do terrorismo dos operadores da Faria Lima ao Exército Psíquico de Reserva dos acampamentos, mantidos sempre em stand by, prontos para serem requisitados quando necessário.
Terceiro, as esperadas contaminações metonímicas (o fenômeno do “jornalismo metonímico no qual 1+1=3 – duas matérias ou elementos gráficos visualmente próximos geram sempre um terceiro significado). Por exemplo, na capa da “Folha de São Paulo”, abaixo da chamada “Plano de bolsonarista era criar caos em Brasília”, outro título de chamada: “Entrevista da 2a – Timothy Power: Polarização não dá mais espaço a presidente popular”. Wishifull Thinking do jornalão querendo cravar o inevitável destino do governo Lula 3: conviver com ameaças terroristas e conflitos diversos.
Ou a capa do “ZH”, abrindo com uma manchete de quatro colunas (UAUUU!), dando estaque ao “queria dar início ao caos” com a proximidade de foto mostrando um imenso guarda-sol vermelho (de todos os coloridos guarda-sóis da praia, o ZH escolheu um de cor vermelha...) ao lado de um título com a palavra “COMEÇOU” destacado em negrito em caixa alta.
Quarto, os jornalões estão mais interessados nas reações de Flávio Dino do que no que o atual Ministro da Justiça, Anderson Torres, tem a dizer. E que se limita a dizer que “oficiou” a PF para adotar “medidas necessárias” num post no Twitter.
Na verdade, o artefato explosivo de George Washington realmente explodiu, só que foi no campo semiótico.
Este humilde blogueiro até arrisca a dizer que na verdade a bomba não era mesmo para explodir: um caminhoneiro descobre um estranho artefato em seu caminhão, a caminho do aeroporto, e chamou a Polícia Civil... para depois o Bope informar que “a equipe conseguiu detonar o artefato”... um caminhoneiro e policiais civis... personagens notoriamente bolsonaristas... E um terrorista chamado “George Washington”, em um pseudoevento canastrão.
A bomba era mesmo para explodir no imaginário, como uma autêntica bomba semiótica: espalhar um temor difuso, “caos” que supostamente justificaria o presidente acionar a GLO (Garantia de Lei e Ordem) e decretar estado de sítio. Tudo muito genérico, atmosférico, porque, afinal, nem autoridades nem grande mídia se interessam em seguir o “fio de Ariadne”. O que interessa é detonar artefatos simbólicos no contínuo midiático atmosférico. Para deixar o ar ainda mais pesado para a posse.
A ordem é não deixar o governo Lula em paz.
Identitarismo seletivo
É no mínimo curioso como a grande mídia abraçou o discurso do identitarismo, ao ponto de tornar programas como o Fantástico um verdadeiro show de woke exploitation. Como já viemos discutindo em outras oportunidades, surgiu da necessidade da mídia hegemônica (e da indústria publicitária) se descolar do governo Bolsonaro que ajudou a vencer em 2018. Principalmente depois que teve que remexer na lama psíquica do Brasil Profundo para trazer à tona os anônimos de extrema-direita que engrossaram as manifestações anti-Dilma e, mais tarde, a ascensão do bolsonarismo.
Além da necessidade do alinhamento automático com os novos democratas de Joe Biden que derrotaram Trump. Principalmente o alinhamento com o outro lado da guerra cultural: o neoliberalismo progressista – sobre isso, clique aqui.
Então, por que não disparar petardos identitários contra o Governo de Transição, como parte da estratégia semiótica geral de emparedamento do futuro governo?
“Errou o presidente Lula ao começar com cinco homens. Péssimo”... “Lula anuncia hoje apenas homens?”, “Protagonismo feminino e negro no novo governo empaca”, afirmam as “colonistas Miriam Leitão e Flávia Oliveira” com suas lupas identitárias, de repente atentas à contagem do número de homens, mulheres e negros no futuro ministério.
Porém, essa retórica woke tem seus limites no antipetismo que permanece, latente, mas que às vezes aflora. Ser mulher ou negra não é o suficiente para um governo petista, segundo o seletivo olhar identitário. Para ser “mulher” ou “negra”, não pode ser sugestão petista, mas indicação da “frente partidária”.
“Janja quer amiga no ministério e congestiona vagas da esquerda no governo Lula”, dá manchete o Estadão. A cantora negra Margareth Menezes, ministra da Cultura? Foi uma “indicação da militância petista” e “tem uma dívida de mais de um milhão com União”. Parece que qualquer mulher ou negra indicada por petistas, não entrará na imaginária “cota obrigatória” dos “colonistas”.
Enquanto Simone Tebet, com sua representatividade de apenas 5% nas eleições, virou sonho de consumo da grande mídia como uma mulher “puro sangue” por fazer parte da “frente parlamentar”. Sua grande qualidade é não ser petista. Por isso, é reconhecida como “mulher”.
Aliás, o jornalismo corporativo nessas eleições viu a candidatura de Simone Tebet à presidência como uma espécie de ato inaugural épico das mulheres na política. Como um evento seminal, histórico. E esquecem que uma mulher já presidiu o país e foi derrubada por uma conspiração masculina que pariu um governo em que as poucas mulheres e negros que ocupavam ministérios ou eram antifeministas ou negacionistas politicamente incorretos.