O grande escritor Stephen King fala que “o Inferno é a repetição”. Então, o Inferno é aqui. As chamas da estátua do Borba Gato dão uma sensação de “déjà vu” sobre algo que não terminou bem. Sensação da qual a mídia progressista parece estar imune na sua amnésia: “um brinde para a “Revolução Periférica!”, clamam uns. “A roda da história caminhando!”, exaltam outros. False flag? Mini incêndio do Reichstag? Pouco importa saber se a tal “Revolução Periférica” (o nome, em si mesmo, já é paródico) é fato ou fake. Desde já, a ação já é um produto da cismogênese incitada no imaginário nacional pelos estratagemas diversionistas do golpe militar híbrido que já aconteceu, e ninguém viu. Arrasta o espectro político para o campo semiótico no qual a extrema direita sente-se mais à vontade: o da “guerra cultural”. Para ocultar a infraestrutura da economia política e da luta de classes no caos cognitivo da luta contra os “símbolos fascistas”. Sincronicamente, Bolsonaro encontra-se com deputada da extrema-direita alemã: articulação da extrema-direita internacional como arma, sempre em stand by, aguardando os futuros momentos mais agudos do Grande Reset Global do capitalismo.
“O inferno é a repetição”. Se esse aforismo do escritor Stephen King estiver correto, então estamos no Inferno. E o Inferno é aqui, no qual parece que vivemos e não aprendemos.
Se foram abduzidas ou não por forças políticas oportunistas, o fato é que desde as chamadas Jornadas de Junho de 2013 um mecanismo de tic-tac perfeito pulverizou o sistema político brasileiro com a histeria do combate à corrupção, desde o Mensalão até Lava-Jato. Massas trajadas de verde-amarelo foram às ruas inspiradas por coisas como o “Vem Pra Rua” – alguns ficaram na rua até hoje, como sem-tetos em meio ao desalento do abismo econômico.
PsyOp do partido militar, com a luxuosa assessoria da Inteligência norte-americana sob o auspício da dupla Obama-Biden, forjou um grande arco político formado pela direita alternativa (alt-right), Judiciário, grande mídia e a Banca financeira para parir Bolsonaro e manter Lula fora do jogo – o golpe militar híbrido que ninguém viu, porque não foi televisionado.
Desde as eleições de 2018, a guerra semiótica criptografada de informações corre solta, criando caos cognitivo, efeito-pânico e a indefectível guerra cultural da direita alternativa como estratégia diversionista para manter a esquerda e oposições aprisionadas numa pauta midiática assim como o cão de Pavlov salivando, hipnotizado pelo toque do sino.
Parece que nada foi aprendido pelo chamado “campo progressista”, surpreendida pelo incêndio da estátua do Borba Gato (a Kitsch e horrenda estátua perpetrada por Júlio Guerra), em São Paulo, reivindicado por uma tal “Revolução Periférica”.
O revisionismo de estátuas, obeliscos, mausoléus, ruas, edificações, placas passou a ser considerado uma “necessidade do tempo presente”. Movimento global impulsionado pela onda antirracista desatada pelo assassinato do negro George Floyd, com remoções e derrubadas organizadas símbolos de reis, ditadores, generais, almirantes, escravagistas etc.
E aqui, a estátua de um bandeirante (grupo de mercenários, pilhadores e matadores de negros e índios que enchiam as burras de ouro e pedras preciosas) foi o alvo.
“A ação de movimentos sociais e de segmentos da população questionando as homenagens é positiva, é parte integrante da luta pela hegemonia na sociedade. É a roda da história caminhando — e às vezes capotando. “Nada é permanente, exceto a mudança”, já disse Heráclito por volta de 540 a.C.”... Uau! Esse foi o tom épico e até messiânico na mídia progressista, dado por esse exemplo do jornalista e sociólogo Milton Alves – clique aqui.
Ou o tom de exortação de chamado à luta: “Abaixo todos os Borba Gatos. À Revolução Periférica, um brinde. Não haverá trégua aos racistas” – clique aqui.
De novo, assim como em 2013, a esperança do “novo” na política e de “lições que a classe política deveria aprender”...
Instrumento de guerra híbrida?
Nada parece ter sido aprendido após tantos anos e tantas evidências acumuladas sobre recorrentesfalse flags, não-acontecimentos, infiltrações de terrorismo de direita etc. que abduziram manifestações muitas vezes legítimas e que foram usadas para sequestrar pautas e desestabilizar política e economicamente um governo eleito até o seu impeachment. E o arremate final em 2018. Em outras palavras, a criação da cismogênese fundamental que polarizou e envenenou psiquicamente o imaginário nacional.
Por exemplo, as evidências encontradas em pesquisas de que os usuários que postavam os protestos nas redes sociais estavam geograficamente distantes dos protestos nas ruas e que usuários de áreas geograficamente isoladas nas hashtags do Twitter participavam remotamente das manifestações – clique aqui. E agora, o mesmo modus operandi se repete nas manifestações de rua em Cuba, com imagens dos protestos replicadas nas redes vindas de outros países – clique aqui.
A essa altura, pouco importa saber se o “Revolução Periférica” é um instrumento de guerra híbrida ou um autêntico levante das periferias contra o racismo e o preconceito que as condena à violência policial e a miséria.
Ela é o produto dessa cismogênese que confina o espectro político dentro do horizonte de eventos que a direita alternativa impôs pelas operações psicológicas: o horizonte da guerra cultural e de costumes.
Criação de cismogêneses em guerra híbrida se trata de gestar o caos a partir de pontos fracos, feridas abertas no imaginário social, os “botões” a serem apertados numa psyop. No caso do Brasil, os dois “botões” são o militarismo e a escravidão – duas feridas jamais cicatrizadas cujos imaginários ativam duas cismas: a eterna tensão de um possível golpe militar (que já foi executado e ninguém percebeu, acreditando que as instituições estão “funcionando”) e os subprodutos da velha ordem escravocrata: racismo, preconceito, intolerância, ódio de classe etc.
Guerra cultural e cismogênese
Aqui atua a guerra cultural e de costumes, campo semiótico para o qual a alt-right arrasta todo o debate político: da placa da Rua Marielle Franco, quebrada pelo deputado Rodrigo Amorim (PSL), ao incêndio do Borba Gato, são dois lados da mesma moeda da cismogênese.
Para a alt-right, deve-se combater os símbolos do politicamente correto e do marxismo cultural (?); e do lado progressista, deve-se destruir os símbolos fascistas. Uma revolução contra quem ou o quê? Contra o “racismo” e o “preconceito” como fenômenos abstratos, morais ou culturais? Se os negros compõem o maior número nas estatísticas do desemprego, é porque os empregadores são racistas? Ou será que o racismo é inerente ao modo de produção capitalista?
Nesse contexto compreende-se o porquê da visita fora da agenda de Bolsonaro com a deputada do partido de extrema-direita neonazista da Alemanha AfD (Alternativa para a Alemanha) – trata-se da agenda da articulação da extrema direita internacional, lançada por Steve Bannon em 2016. Na fase atual do capitalismo (Grande Reset Global) a extrema direita é uma eficiente ferramenta para colocar em prática a Quarta Revolução Industrial: com a guerra cultural, identitária e de costumes, ocultar a radicalidade atual da luta de classes – violenta concentração de renda, exclusão daqueles que não servem mais para serem explorados e que serão condenados à necropolítica e necrocapitalismo.
Com corações e mentes capturados pela pauta da guerra cultural, a esquerda simplesmente esquece da economia política e da luta de classes, isto é, a infraestrutura da sociedade. Muito conveniente para as reformas neoliberais – sem a opinião pública discutir temas infraestruturais, passa tranquilamente a boiada das reformas e privatizações neoliberais que condenam o País a ser uma banana plantation.
Extrema-direita: instrumento sempre disponível ao capitalismo |
As chamas do Borba Gato arderam enquanto os atos contra o Governo eram realizados por dezenas de organizações na Avenida Paulista e em centenas de cidades no País. Mas a vitória midiática foi das imagens das chamas dos pneus nós pés da estátua. Executado por uma organização cujos perfis nas redes sociais foram criados há pouco mais de uma semana antes do evento. No conteúdo dos perfis, unicamente os vídeos da ação, muito bem-produzidos, editados, com montagem e efeitos cuja retórica visual conota um acontecimento de dimensões épicas.
Os dois atos anteriores contra o Governo contaram com a indefectível presença de black blocs, e sempre no mesmo ponto (em frente à estação Higienópolis do metrô): quebrando fachadas de vidro com os mesmos gestos desafiadores, quase coreografados, como se chamassem a atenção de fotógrafos e cinegrafistas. Tudo para render poses simbólicas, como foi de praxe nas manifestações 2013-15. Porém, dessa vez, não proporcionou o rendimento semiótico costumeiro – talvez, porque já tenha se tornado tão clichê que perdeu o impacto.
Mas uma estátua com sua imponência kitsch, que sempre foi polêmica (estética e historicamente), atiçando não só as chamas da cisma identitária como também o imaginário dos terroristas comunistas, acabou roubando a cena.
Ação que não foi contra o Governo, golpe militar ou qualquer outra coisa mais substantiva: foi voltado para a “maioria silenciosa” - aquele um terço do eleitorado, sem posicionamento ideológico ou partidário, mas sempre suscetível ao efeito-pânico que sempre a faz optar por qualquer movimento, tendência ou candidato que prometa entregar ordem moral, política ou de costumes.
É sintomático que, dois dias depois, esse humilde blogueiro viu no cruzamento das avenidas Rebouças e Faria Lima, aqui em São Paulo, um grupo de manifestantes da TFP (Tradição Família e Propriedade, grupo fundamentalista católico) com uma imensa bandeira nacional, entoado uma marcha militar, conclamando a volta de uma suposta ordem ao Brasil...
Um mini incêndio do Reichstag? Uma mini false flag? Mais do que cheiro de queimado, a ação da tal “Revolução Periférica” (o nome em si já parece paródico, saturado, canastrão) cheira a déjà vu. Lembra algo que vá vimos, e que não terminou bem.