Esse humilde blogueiro é aposentado e está desempregado. Portanto, duplamente marcado para morrer. Pode parecer uma afirmação retórica, mas pesquisa divulgada pela jornalista Eliane Brum no “El País” revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República. A Reportagem é um ponto fora da curva do atual script midiático que descreve a gestão da pandemia como “incompetente” e “negligente”. Não, é intencional e eficiente! Segue a agenda da convergência da pandemia com o “Grande Reset do Capitalismo” planejado pelo Fórum Econômico Mundial - estratégias de “Necropolítica” (Mbembe) e “Necrocapitalismo” (Tyner) de eliminação calculada do excedente populacional “redundante”. Acharam Bolsonaro, o homem certo no lugar certo: em 2003, na Câmara dos Deputados, defendia a eliminação dos pobres através do controle de natalidade. Agora, tem em mãos arma mais eficiente: a disseminação institucional de um vírus. Manter-se simplesmente vivo virou um ato de resistência.
A matéria do jornal El País “Pesquisa revela que Bolsonaro executou uma estratégia institucional de propagação do vírus” (21/01) é um ponto fora da curva da atual narrativa midiática, tanto da grande mídia quanto da chamada “progressista”.
Por essa narrativa, General Pazuello é “negligente e incompetente”, embora tenha chegado à pasta da Saúde como um militar com “excelência em logística”. Ele e o presidente seriam “irresponsáveis, incapazes de estabelecerem metas de vacinação”. Enquanto o Exército estaria “lutando para desvincular sua imagem do governo Bolsonaro” – a gestão Pazuello estaria incomodando o Exército e as “altas patentes” demonstrariam preocupação com a “mancha na biografia do general” e que já se fala em “hora de Pazuello oficializar sua ida para a reserva”.
Mas a matéria de Eliane Brum ao jornal El País é uma peça destoante desse script. Desde março de 2020, o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA)da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e a Conectas Direitos Humanos (uma das mais respeitadas organizações de Justiça da América Latina) fez compilações e análises das normas federais e estaduais relativas à pandemia do coronavírus no Brasil.
O resultado foi um boletim chamado “Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil”, que faz uma afirmação contundente: “Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.
Há intenção, há plano e há ação sistemática nas normas do Governo e nas manifestações de Bolsonaro, segundo aponta o estudo. “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço na publicação para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”, afirma o editorial da publicação. “Esperamos que essa linha do tempo ofereça uma visão de conjunto de um processo que vivemos de forma fragmentada e muitas vezes confusa” – clique aqui.
A linha do tempo resultante da pesquisa foi estruturada em três eixos: 1) atos normativos da União - normas por autoridades e órgãos federais e vetos presidenciais; 2) atos de obstrução às respostas dos governos estaduais e municipais à pandemia; e 3) propaganda contra a saúde pública, definida como “o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da COVID-19”.
Bio guerra híbrida
Os últimos atos dessa coordenada bio guerra híbrida (estratégica guerra semiótica de informações dissonantes, contra-informação, desmentidos, negações etc.) foram estes:
(a) Alguém ordenou interrompesse a entrega de oxigênio um dia antes da tragédia de Manaus. Deliberadamente o Governo suspendeu a entrega de oxigênio aos hospitais de Manaus pela Força Aérea, relatou um procurador – clique aqui.
(b) “Não é competência nossa e nem atribuição levar o oxigênio pra lá, demos os meios”, disse Bolsonaro. E completou revelando a secreta estratégia necropolítica por trás de tudo: Agora, ele (Pazuello) ficou sabendo em uma sexta-feira do problema do gás e na segunda foi em Manaus, na terça programou tudo e na quarta começou a chegar já o oxigênio lá com aviões da força aérea e balsa. Logo depois ele começou a transportar o pessoal doente também de Manaus para outras capitais aí da redondeza em especial para os hospitais universitários”.
(c) Sob a aparência de “empenho logístico de Pazuello” (reforçado pelas imagens motivacionais da grande mídia mostrando enfermeiros se confraternizando emocionados na pista de aeroportos ao receberem os pacientes transferidos de Manaus), a intencional crise de Manaus alcança seu objetivo final: espalhar a nova cepa do coronavírus para outros estados, criando condições para uma “megapandemia”. Estratégia de terra arrasada: criar uma situação incontornável (não há outra alternativa ou os doentes morreriam sufocados em hospitais de Manaus) para que a “solução” oferecida seja a melhor, dada as circunstâncias – clássica estratégia “Problema-Reação-Solução”, criar problemas para depois oferecer soluções contrárias aos interesses do oponente.
(d) Enfermeiros do Rio denunciam desperdício de vacina por “falta de organização” – enfermeiros estão denunciando ao Conselho Regional de Enfermagem que imunizantes Oxford/AstraZeneca estão sendo descartados por “falta de uso”. O fluxo de pessoas do grupo prioritário estaria “baixo”- clique aqui.
(e) Segundo empresários de operadores de telefonia, JBS e bancos privados, o governo teria sinalizado positivamente para que o setor privado importasse 33 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca. Segundo esses empresários, metade seria para que imunizasse os trabalhadores dessas companhias. E a outra metade seria doada para o SUS.
Segundo o jornalista Luis Nassif, a nota oficial do governo brasileiro foi copiada para o fundo de investimento Black Rock (a maior gestora de investimentos do planeta) que detém 8% do capital da AstraZeneca. Claro que a empresa negou tudo para a grande mídia: “as doses de vacina somente estão disponíveis para acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo”. Para Nassif, uma forma da Black Rock pressionar a AstraZeneca para separar parte do estoque a operações coordenadas pelo fundo – clique aqui.
(f) Programas de vacinação de todo mundo escolheram os idosos para iniciar a vacinação. Cerca de 77% dos mortos pela COVID-19 pertencem a esse grupo. Portanto, a estratégia de iniciar a vacinação por esse grupo garante uma menor taxa de internação e mortalidade. Israel comprova essa estratégia: lá já foi possível perceber uma queda de 60% nas internações depois das campanhas de vacinação darem início com estes grupos – clique aqui.
(g) E... por último e não menos importante, a sensacionalização dos “fura filas” pela grande mídia (depois dos “fura tetos” do orçamento público) – em meio a escassez de vacinas, surgem denúncias de imunização de pessoas que não compõem os grupos prioritários. O resultado é a judicialização da vacinação (modus operandi da guerra híbrida, desde a judicialização da política que levou ao “golpe de veludo”, tudo “constitucional”, de 2016). Os resultados já começam: a suspensão “temporária” da vacinação em Manaus, segundo autoridades, uma “parada técnica”.
Enquanto no Brasil, a campanha de vacinação colocou em primeiro lugar os profissionais da saúde linha de frente no combate da pandemia... dentro da estratégia institucional necropolítica de propagação do vírus, essa escolha faz todo o sentido: manter operantes os profissionais que fazem a necro gestão: escolher quem deve viver e quem deve morrer.
Linha do tempo
Desde que o COVID-19 chegou em terras brasileiras através de hospitais da elite como Albert Einstein e Siro Libanês, em São Paulo, semanalmente temos notícias do esforço metódico e sistemático por parte do Governo Federal em facilitar a disseminação do vírus.
Tudo começou muito antes, quando o então ministro da Saúde que iniciou o governo Bolsonaro, Eduardo Mandetta, diligentemente iniciou o desmonte do SUS, acabou com o programa Mais Médicos, destruiu o Farmácia Popular e, em março do ano passado, desabilitou a Fiocruz a produzir testes para o coronavírus. Foram os primeiros passos de uma sistemática que agora finaliza com o militar Pazuello – lembrando que Mandetta, agora celebrado pela grande mídia como “cientista” e farol de racionalidade nas trevas bolsomínias, foi médico militar antes de seguir a trilha política.
Assim como nos primeiros dias do Governo Bolsonaro a percepção da mídia era de um grande caos (“caneladas”, ataques, provocações, desmentidos etc.) até cair em si da existência de um método (a guerra semiótica criptografada – clique aqui), da mesma forma por trás dessa superfície de “incompetência”, “improbidades” e preconceito contra etnias está uma metódica “bio guerra híbrida” inserida numa quadro mais amplo da reconfiguração do capitalismo, em particular nos países que compõem a sua periferia: necropolítica e necrocapitalismo.
Necropolítica e Necrocapitalismo
O sociólogo camaronês Achille Mbembe define “necropolítica” como a última forma de dominação que reside no poder em determinar quem deve viver e quem deve morrer. A necropolítica determina quais vidas serão mais ou menos vulneráveis. Para Mbembe, vai além do que o simples poder de matar ou de deixar morrer, mas de expor pessoas à morte através de formas políticas institucionalizadas de violência – econômica, policial etc. A fusão entre poder e conhecimento fornece discursos, justificativas e, principalmente, caminhos comportamentais através dos quais os indivíduos se conformem com seus próprios destinos – MBEMBE, A Necropolítica, N-1 Edições, 2018.
Para Diego Viera de Jesus (“Necropolitics and Necrocapitalism: The Impact of COVID-19 on Brazilian Creative Economy” – clique aqui), a pandemia é o momento mais efusivo dessa estratégia de biopolítica: em nome da proteção coletiva, corpos são controlados e limites são traçados. Dessa maneira, biopolítica se transforma em necropolítica quando um regime de desigualdades determina quais corpos ficarão sob risco.
James Tyner aponta para uma dinâmica muito além da questão do “deixar morrer”. A morte torna-se lucrativa: é o “necrocapitalismo”. Em seu livro “Dead Labor: Towards a Political Economy of Premature Death” (University Minnesota Press, 2019), Tyner descreve como a precarização do trabalho no capitalismo expõe cada vez mais o trabalhador precarizado (“figures of dead labor”) à morte e violência. Nesse contexto, as vidas mais vulneráveis tornam-se mais curtas, e a morte lucrativa. Porque as massivas casualidades da pobreza são banalizadas e a culpa para a ser imputada às próprias vítimas.
Imaginamos, p. ex., a situação de motoristas de Uber expostos à violência de assaltos, raptos e assassinatos: sob o sedutor discurso promocional da autonomia e liberdade de fazer sua própria jornada de trabalho, está exposto à morte. Como sempre, as políticas de segurança pública são responsabilizadas, enquanto as plataformas se eximem de quaisquer responsabilidades – políticas públicas que intencionalmente deixam os mais vulneráveis morrerem.
E por que o deixar morrer tem a ver com a nova configuração do capitalismo? Aqui os conceitos de Mbembe e Tyner convergem: uma das pré-condições para o “grande reset do capitalismo” ou “Quarta Revolução Industrial” é o sucesso das políticas de gestão da morte – eliminar aqueles que não servem mais para serem explorados (os “corpos redundantes”, aqueles cronicamente desempregados, expostos à precarização – “empreendedorismo” – e a morte prematura) e todos aqueles dependentes ou protegidos pelas políticas sociais do Estado – pensionistas, aposentados, indígenas, quilombolas etc. Afinal, o dinheiro público deve ser revertido aos bancos credores da impagável dívida pública e injetado para preservar a liquidez do sistema financeiro.
O sincronismo entre a pandemia e o “Grande Reset do Capitalismo” exortado pelo Fórum Econômico Mundial é a oportunidade única para acelerar essa reconfiguração, principalmente no Capitalismo periférico - sobre isso em clique aqui.
Quando a iniciativa privada, sob a anuência do Governo Federal, propõe adquirir vacinas para imunizar seus próprios funcionários, deixando o restante se perder no sucateamento deliberado do SUS, é mais do que cinismo: é um balão de ensaio para ver se “cola” na opinião pública uma iniciativa de gestão necrocapitalista: garantir que seu reduzido número de exploráveis continue vivo, enquanto aqueles que não servem mais nem para serem explorados são deixados expostos ao vivo pela política institucional do “deixar morrer”.
Bolsonaro é o homem certo no lugar certo nesse encontro sincrônico entre a urgência da reinicialização do capitalismo e a pandemia.
Em discurso proferido na Câmara dos Deputados em 27/08/2003 sobre a estranheza da carreira militar não ser mais atraente à classe média, sendo mais procurada por classes socioeconômicas mais baixas em busca de “segurança e emprego”, ele disparou: “se quisermos retirar a enorme quantidade de pobres da miséria, Sr. Presidente, temos de adotar uma política de controle de natalidade. Fora isso, é demagogia” – clique aqui.
Acabar com a pobreza impedindo-os de se reproduzir. Mas agora ele tem em mãos algo ainda melhor: um vírus que aumenta a eficiência dos clássicas políticas de controle de natalidade.
Diante desse quadro de propagação institucionalizada do vírus COVID-19, manter-se vivo tornou-se um ato de resistência. E também para esse humilde blogueiro, alvo duplo do necrocapitalismo: aposentado e desempregado aos 58 anos.