sábado, janeiro 23, 2021

Iconografia da posse de Biden revela símbolos do Deep State X simulacros midiáticos


Eram visíveis os rostos aliviados de apresentadores e analistas do jornalismo corporativo ao cobrir a cerimônia de posse de Joe Biden e Kamala Harris. Eles tinham um script pronto para a cobertura: narrar o retorno da “maior democracia do mundo” à normalidade, os EUA como reserva moral e exemplo para o planeta com a “agenda progressista” do novo governo que enxotou Trump: uma administração que supostamente preza pela inclusão, diversidade, atenta às mudanças climáticas e sustentabilidade. Tudo muito bonito! Porém, uma análise iconográfica e semiótica revela contradições entre esse script e as imagens e símbolos de um evento criado exclusivamente para a TV – já que Washington DC estava sitiada com mais militares do que Iraque e Afeganistão juntos. Enquanto o discurso era “progressista”, as imagens mostravam a onipresença de símbolos fálicos, patriarcais, marciais e imperiais confirmando aquilo que sempre foi: o abismo entre o “Deep State” e o simulacro da Democracia nas telas de TV.

Em linhas gerais, o script da cobertura do jornalismo corporativo brasileiro da cerimônia de posse do 46o presidente dos EUA, Joe Biden, e a vice Kamala Harris, orientou-se por dois plots:

(a) A “maior democracia do mundo” voltou à sua normalidade e previsibilidade. “A Democracia prevaleceu”, foi o mote do discurso de Biden e dos analistas tupiniquins da grande mídia. A presença de três ex-presidentes (Bush, Republicano; e Bill Clinton e Obama, democratas) foi festejada como a continuidade democrática, depois do hiato representado por Trump;

(b) Festa do ativismo climático-étnico-identitário. Kamala Harris fez história ao ser a primeira mulher, negra e asiático-americana a ocupar o cargo. A poetisa afro-americana, Amanda Gorman, 22, tornou-se a mais jovem escritora a participar da solenidade, com seus versos clamando pela “unidade dos EUA”. Enquanto os vestidos, sobretudos, ternos e calças usados representaram o apoio ao ativismo pelo fim do desperdício e da inclusão de estilistas negros e imigrantes.

“Diversidade e Unidade”. Essa foi a síntese desses dois plots que correram paralelos em toda cobertura. Slogan proferido por Biden e repetido ad infinitum por apresentadores e analistas “passadores de pano” de plantão.

Este humilde blogueiro nem vai entrar no mérito de que Biden apenas deslocará a exortação de Trump “Make America Great Again” do consumo interno para o campo geopolítico: tornar o Império estadunidense Great Again – defendeu a intervenção dos EUA e OTAN na Guerra da Bósnia (1994-5), votou a favor da resolução que autorizou a Guerra do Iraque em 2002 e nomeou para seu governo Michele Flournoy e Tony Bliken (Secretário de Estado), quadros da Direita Democrata e do Deep State norte-americano, ideólogos da guerra permanente e arquitetos das guerra híbridas – e, claro, tudo sob a superfície politicamente correta: em artigo na Foreign Affairs fala em “reduzir perdas civis” e “promover mulheres e meninas em todo o mundo” – leia “Why America Must Lead Again” – clique aqui.

Uma versão sapatênis do “America First” de Trump.



Imagem X Script

Não, vamos nos limitar a uma análise iconográfica e semiótica da cobertura midiática da cerimônia de posse Biden-Harris.  Principalmente, discutir como essa análise revela uma contradição entre o que as imagens verdadeiramente mostraram e o que dizia o script que orientou a cobertura.

O plot discursivo da cobertura era do retorno à normalidade, sempre dando destaque retórico ao Capitólio (alvo de violenta invasão de manifestantes de extrema direita na semana anterior) iluminado pelo sol e o brilho alvo do domo contrastando com o céu azul, e muitas bandeiras americanas tremulando no forte vento gelado que soprava.



Mas, ao contrário, o que as imagens mostravam eram ruas e calçadas vazias, ocupadas por 21 mil soldados da guarda nacional e policiais – Washington naquele momento tinha mais militares do que Iraque e Afeganistão juntos. Com ruas e pontes fechados, a cidade estava sitiada. 

E o silêncio! Não havia palmas, gritos de apoio ou a agitação das multidões no tradicional frenesi da “festa da democracia” – o povo nas ruas como a sanção final que dá a legitimidade ao novo presidente.

O silêncio contradizia o plot da suposta normalidade da “maior Democracia do planeta”. Por isso, o “roll over” da locução dos apresentadores e analistas. Simplesmente não podia ser deixado qualquer buraco no áudio que chamasse a atenção ao silêncio. De repente, a natureza descritiva da TV mudou para narrativa. Como fosse a transmissão de uma partida de futebol no rádio.

A narração apoplética de apresentadores e analistas só não conseguia encobrir as imagens do vazio das avenidas e do núcleo monumental composto pelos memoriais, o espelho d’água, o obelisco do Washington Monument, Capitólio e Casa Branca. 

Mas no final, a falta de multidões não importou muito. A orquestração cuidadosa dos ângulos das câmeras e alguns toques artísticos habilidosos criaram a sensação necessária de espetáculo, pompa e circunstância.

Principalmente no discurso de Biden, falando para 200.000 pequenas bandeiras, simbolizando a multidão que estaria naquele momento assistindo à cerimônia. Porém, um toque sombriamente ambíguo: em outubro passado uma artista plástica chamada Brennan Firstenberg montou também um conjunto de 200.000 bandeiras a apenas três quilômetros do Capitólio, como lembrança do número de mortos da pandemia até então.



Ambígua, porque esses tipos de instalações (exibições ordenadas de objetos) sempre estiveram particularmente associados a formas de luto – representações de centenas, milhares e centenas de milhares de mortos. Sinistra estratégia semiótica de ressignificação: de símbolo de perdas a de presenças. Da morte à celebração e conexão.

Atos falhos

Porém, a partir daqui encontramos sucessivos “atos falhos”. 

Primeiro, Trump naquele momento já estava bem longe dali, na Flórida. A grande mídia o colocou em um outro plot: a saída vergonhosa de cena, o vilão que fugiu da cidade coberto de vergonha... shame on you!... Mas o vazio e o silêncio de Washington DC pareciam dizer o contrário: no final, a extrema direita foi a vencedora (ou parte de uma ampla psy op na qual Biden recebe o bastão para seguir em frente?) - tensionou os pontos fracos de um sistema eleitoral elitista criado por proprietários de terras e de escravos. Implodiu o sistema por dentro ao criar polarizações baseadas na pauta identitária e de costumes, impedindo a opinião pública criar algum consenso a partir de um debate racional.

Ausência de multidões? O fracasso da democracia representativa e a crise do voto como instrumento de legitimidade a um novo presidente? Ora, tentemos explicar tudo pela excepcionalidade criada pela ameaça da pandemia... a Covid-19 foi até aqui o álibi perfeito para tudo: da mitigação do gigantesco crash financeiro global, passando pela maior concentração de riqueza da história moderna ao domínio total do espectro político – calar a voz das ruas... a não ser quando incitada por estratégias de guerra híbrida.

O segundo ato falho foi a contradição entre o discurso identitário da diversidade (construção sígnica para diferenciar Biden de Trump) e o opressivo simbolismo fálico, patriarcal e marcial militar dos monumentos que foram o cenário onipresente da cerimônia de posse – monumentos simbólicos que tornam Washington DC a capital de um poder elitista.  



Joe Biden nomeia a primeira pessoa transgênero para um cargo de administração pública federal (Rachel Levin, secretária assistente de Saúde). Junto com Kamala Harris e Lloyd Austun, o primeiro negro Secretário de Defesa, a grande mídia celebra o novo governo democrata como “o mais progressista em décadas”.

É impossível não pensar se essa onipresença dos simbolismos imperais que representam a “Doutrina do Destino Manifesto” que motiva a geopolítica dos EUA (o povo americano como o eleito para civilizar o planeta) não transformariam a tal “agenda progressista” em mero enfeite para consumo do respeitável público, enquanto na prática o Deep State põe em movimento essa doutrina.

Não vou ocupar aqui espaço em aprofundar os simbolismos da “arquitetura fálica”, sejam psicanalíticos (em Freud – “Interpretação dos Sonhos” ou “Palestras Introdutórias em Psicanálise” – ou em Jung – “Psicologia do Inconsciente”) esotéricos (o falo artificial dourado de Osíris ou o culto de adoração a divindade pagã Baal) ou político (representação fálica imperialista).

Nazis em Washington?

O fato de o obelisco ser representado como um Falo na Antiguidade sempre foi uma ideia até intelectualmente aceitável. Mas desde que Freud e Jung deixaram o gato sair do saco, ficou claro que a arquitetura do poder em plena modernidade era uma versão secularizada dos inúmeros simbolismos fálicos de fertilidade e poder do mundo antigo – que tornava o gozo e a dominação propriedades exclusivas de uma elite.  



Observando o décor geral do evento em Washington DC, era também impossível não perceber as contradições entre o “progressismo” democrata, o mito da Democracia e o carregado simbolismo marcial e imperialista por todos os lados: um púlpito dourado em forma de águia no interior do Capitólio, gigantescas bandeiras em posição vertical cobrindo fachadas, águias e lanças nas pontas dos mastros das bandeiras perfilados em áreas internas, tiros de canhão no Cemitério Nacional de Arlington e a lembrança dos soldados que tombaram mortos nas guerras imperialistas mundo afora.

Isso sem falar dos simbolismos imperais fora dos planos das câmeras, como os do Lincoln Memorial: cabeça da águia careca sobre um machado, fachos, archotes, tochas (supremacistas brancos são obcecados por esta simbologia), símbolos de supremacismo desde o Império Romano. Recuperados pelo fascismo na Segunda Guerra Mundial.

Somado às filas de feixes de luz verticais de holofotes no entorno do Capitólio e as imagens do casal presidencial e da vice admirando a grandiosidade fálica do Washington Monument, em tudo lembra a imagerie dos gigantescos eventos públicos do Partido Nacional Socialista na ascensão nazi na Alemanha até estourar a Segunda Guerra Mundial.

Porém, com uma atualidade mais sóbria e sem a canastrice de Hitler cujo gestual emulava a over act dos atores do cinema mudo da época – sobre isso, clique aqui.

Trocando em miúdos, a análise iconográfica e semiótica da cobertura midiática da cerimônia da posse de Biden revela esse descompasso entre o Deep State e o simulacro do mito da Democracia que quer vender para o mundo a liberdade pelo american way – o modo americano capaz de colocar negros como Condolezza Rice como Secretária de Estado do governo Bush e, mais tarde, o presidente Obama e os transformar nos maiores senhores de guerras sangrentas planetárias. 

 

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