quinta-feira, janeiro 02, 2020

O Top 10 dos filmes mais estranhos de 2019 no Cinegnose


A lista dos filmes estranhos de 2019 começa com uma Teoria Unificada das Conspirações (códigos, simbolismos e mensagens subliminares misteriosas em músicas e publicidade) até chegarmos a um clube exclusivo formado pela elite cearense que conjuga de inúmeras maneiras e sentidos o verbo comer – comer os dominados, transformando na literalidade a desigualdade e exploração: na canibalidade. Confira a lista dos 10 filmes mais estranhos analisados pelo “Cinegnose” em 2019. Além dos filmes gnósticos, o “Cinegnose” está em busca do chamado “filme estranho”, no qual a familiaridade usual se reverte em algo não-familiar, “estranho”, acontecimentos que fazem a realidade repentinamente fugir à conformidade cotidiana.
Convém relembrar aos leitores o conceito de “Filme Estranho” – “Weird Movie”. palavra inglesa “weird” (estranho) deriva da palavra germânica “wyrd”, que significa “destino”. Essa palavra encontrou o seu significado atual de “estranho, surreal” através de Shakeapeare com as “Weird Sisters” que prediziam o destino de Macbeth, ao mesmo tempo “weird” (“estranhas”) no sentido moderno quanto “wyrd” no sentido pagão.
Portanto, “weird movie” é muito mais do que um filme “estranho” no sentido dado em português (do latim “extraneum” – o que é de fora, estrangeiro), mas a combinação das ideias do maravilhoso e do fantástico com aquilo que é excêntrico, estranho ou incomum.
Dessa maneira, esse conceito aproxima-se do “gnostic movie” ou filme gnóstico: narrativas cinematográficas onde mostram protagonistas em situações onde a familiaridade usual se reverte em algo não-familiar, “estranho”, acontecimentos que fazem a realidade repentinamente fugir à conformidade cotidiana.
Dessa maneira, o filme estranho rompe com o princípio da verossimilhança e identificação, tão caros ao cinema comercial - De um lado, embora saibamos que tudo que assistimos é ficcional, o roteiro deve ser “realista” ou “verossímil” o suficiente para que suspendamos a incredulidade e aceitemos a ficção.
E do outro, ver e sentir a narrativa a partir dos olhos do protagonista é talvez a condição fundamental para que sejamos absorvidos pela história e sintamos empatia, alegria, medo e torçamos para o herói.



A estranheza produz necessariamente distanciamento do espectador em relação aos protagonistas, bloqueando o prazer escópico (voyeurístico) – prazer primário incorporado ao próprio dispositivo fílmico que reforça o ego do espectador.
Ao contrário, o filme estranho força o distanciamento e produz desestabilização, é perturbador.
Um exemplo tirado da nossa lista de dez filmes de 2019, é o filme Border – contando com um roteiro prá lá de inverossímil (de uma aparente história policial de caça a pedófilos, de repente tudo se transforma em um conto fantástico nórdico), ainda é protagonizado por um casal de aparência monstruosa, recluso e sociopata. Nada cativantes, forçando o nosso distanciamento para observarmos a narrativa por um ponto de vista mais racional.


1. Under the Silver Lake

Um jovem desocupado tenta investigar o mistério do desaparecimento de sua vizinha para mergulhar no submundo das subcelebridades aspirantes a atores e atrizes em Hollywood e na subcultura de HQs e fanzines que tentam construir uma Teoria Unificada das conspirações. O fio da meada pode levar o espectador a conspirações ao melhor estilo Hitchcock e David Lynch.
São duas horas e meia de acúmulos de elementos narrativos estranhos – um serial killer de cães, a morte de um bilionário extravagante... apresenta uma espécie de vitrine dos medos persecutórios de uma geração: dos supostos códigos, simbolismos e mensagens subliminares misteriosas em músicas e publicidade, até chegarmos a seitas, serial killers e lendas urbanas. E por trás, a mídia, a indústria e o “sistema” que fabrica a realidade. Mas quem é o “sistema”? – clique aqui.


2. Climax

Os filmes do diretor argentino Gaspar Noé são disruptivos: ou você ama ou odeia. Tal como Irreversívelou Enter The Void, o filme Climax (2018) nos apresenta um verdadeiro assalto à nossa percepção através de imagens alucinatórias, música techno implacável, pesada, e movimentos de câmera vertiginosos, tomando nossos sentidos e embaralhando o cérebro. Confronta-nos com uma experiência imersiva na qual acompanhamos uma trupe de dança após audição preparatória para uma turnê na América. Depois, todos comemoram com uma festa na qual, repentinamente, as coisas começam fugir do controle. E de maneiras cada vez mais perturbadoras - prazer e morte se confundirão, transformando o jogo artístico, de instrumento civilizatório, em bomba de autodestruição. Gaspar Noé quer nos mostrar que apenas uma fina casca protege a civilização de si mesma – clique aqui.


3. Greener Grass

Um clássico exemplo de filme estranho: é capaz de explorar o universo familiar de um típico subúrbio de classe média para encontrar o estranho e o non-sense – um acúmulo de carrinhos de golfe, sorrisos perfeitos que exibem aparelhos dentários, tons pasteis combinando com rosa-choque que resultam em absurdos, sátira, surrealismo e distopia.
Em um típico condomínio suburbano de classe média (algo como o sonho americano dos anos 1950 que caiu no Instagram do século XXI) temos uma visão maluca e surreal do tédio da vida suburbana kitsch e brega, vivendo um estilo de vida esquizoide: sentimentos confusos que tentam conciliar interações sociais competitivas com uma polidez politicamente correta neurótica. O resultado é uma sociedade à beira da depressão e, por isso, mais adaptada pela incapacidade de ousar – clique aqui.


4. A Deusa da Vingança (Sam Was Here)

Califórnia, Deserto de Mojave, 1998. Enquanto uma misteriosa estrela vermelha brilha no céu ensolarado, um vendedor ambulante percorre zonas desoladas com trailers e depósito de ferro-velho. Sam não encontra ninguém, liga insistentemente para sua esposa que nunca atende e encontra um motel igualmente vazio. A única voz que ouve é de um programa de rádio no seu velho carro, cujo host chamado Eddy conclama os ouvintes a acharem e fazerem justiça com as próprias mãos contra um frio assassino de crianças.
Estranhamente algo prende Sam naquele lugar e as coisas ficarão ainda piores. 
Estamos diante de um quebra-cabeça mitológico sobre a função da vingança no equilíbrio cósmico. A referência mitológica direta é da deusa grega Nêmesis, que Heródoto e Plutarco atribuíram o sentido de vingança, numa referência a harmonia que deve existir no mundo – o bem e o mal devem ser compensados em igual medida – clique aqui.


5. Nós (Us)

O filme Nós (Us, 2019) de Jordan Peele (Corra!) é um complexo de mitologias (milenares e modernas) e crítica social. Para começar, o diretor pediu aos atores assistirem a dez filmes (entre eles O IluminadoDeixe Ela Entrar e Além da Imaginação) para compreenderem o argumento da produção e a verdadeira avalanche de alusões fílmicas. Crítica social se mistura com um complexo mitológico: do simbolismo demiúrgico dos parques de diversões ao medo milenar pelos duplos e espelhos. 
Cada imagem em Nós é uma pista para tentarmos entender por que duplicatas assassinas de uma família põem em perigo a vida dos seus “originais”. 
Nada mais normal do que uma família. Mas quando essa normalidade familiar é duplicada e essas duplicatas se voltam contra os “originais”, aí temos um filme estranho! – clique aqui.

6. Grave (Raw)

Uma brilhante e inocente adolescente entra num curso superior de veterinária e se defronta com um sistemático trote de humilhação e doutrinação dos veteranos. Até despertar algo de primitivo nela – uma fome insaciável que nunca percebeu estar lá. Uma violenta narrativa de auto-afirmação e descoberta de identidade através de sangue, canibalismo e luxúria.
Uma das lendas que envolve o filme Grave (Raw, 2016), que espectadores chegaram a passar mal durante exibição no Festival de Toronto, com vômitos e corridas ao banheiro. Mas claramente as cenas de sangue e carne humana não são gratuitas: o apetite da vegetariana Justine por carne humana é uma metáfora para o seu violento despertar sexual e o fascínio pela luxúria recém-descoberta.
Quando os banais ritos de passagem do cotidiano (o trote da faculdade, formaturas, a descoberta da sexualidade, a auto-afirmação etc.) transformam-se em eventos estranhos e assustadores – clique aqui.


7. O Homem que Matou Dom Quixote

A princípio, um filme sem foco, confuso e bagunçado. Mas é uma bela bagunça. 
Outra característica dos filmes estranhos é quando entramos no campo da metalinguagem e da chamada “narrativa em abismo”: assistimos a um filme que está produzindo um outro filme que faz alusão a um outro filme... e assim ad infinitum – filmes meta-crítico, auto-biográficos, auto-referenciais.
Depois de tentar realiza-lo por quase 30 anos em meio a mortes, processos e separações, finalmente Terry Gilliam conseguiu apresentar O Homem Que Matou Dom Quixote (2018), a mais autobiográfica produção de Gilliam. Um narcísico diretor de filmes publicitários reencontra com atores de um velho filme de conclusão de curso da faculdade sobre Dom Quixote, no interior da Espanha. Para reviver, entre delírios e realidade, a trajetória do herói de Cervantes com um velho ator que nunca mais saiu do personagem. 
Terry Gilliam vê-se a si próprio como um Dom Quixote que usa a arte e a imaginação para tentar derrotar monstros e moinhos de vento da indústria do entretenimento – clique aqui.


8. Border (Gräns)

Filme para cinéfilos corajosos. O filme sueco Border (Gräns, 2018) nega ao espectador dois princípios básicos da narrativa hollywoodiana: verossimilhança e identificação. “Border” joga com a curiosidade e repugnância do público diante de um estranho casal de protagonistas: Tina é uma policial alfandegária com a capacidade incomum de farejar medo, culpa ou raiva nos passageiros, conseguindo detectar algo ilegal que estejam portando na passagem da fronteira. E Vore é um estranho viajante que atrai a curiosidade de Tina. 
A “feiúra” e os hábitos estranhos deles (a introspecção deprimida de Tina e os risos de Vore como se soubesse de todos os apetites reprimidos de Tina) nos causam distanciamento. Mas um distanciamento necessário para refletirmos sobre o tema da “fronteira”: o que separam os gêneros? Qual a fronteira entre o bem e o mal? Entre humanos e monstros? - clique aqui


9. The Room

A Psicanálise freudiana é o encontro do homem com o Estranho, com o “Isso”, o Id. E quando um filme transforma os simbolismos freudianos na sua literalidade, temos definitivamente um filme estranho. Principalmente quando transforma em narrativa o psiquismo do pecado original: o Édipo e o Incesto – quando o Mal e o Estranho com os nossos próprios impulsos.
Esse é o filme franco-belga The Room (2019): cansado de viver em Nova York, um jovem casal muda-se para um casarão vitoriano no interior de New Hampshire. Lá encontrarão não o sobrenatural, mas o horror produzido por uma misteriosa tecnologia por trás das paredes daquele casarão, capaz de materializar qualquer desejo que for dito. Mas, como em todo conto fantástico há um alerta: “A única coisa mais perigosa do que alguém que não consegue o que quer, é uma pessoa que possa ter tudo o que quiser” – clique aqui.


10. Clube dos Canibais

Há algo de estranho e não resolvido na fase oral do estágio psicossexual do brasileiro. Uma “fixação oral” relativa à fase oral freudiana, o primeiro estágio do desenvolvimento psicossexual humano. Relações de poder e desigualdade parecem também impregnadas por essa fixação psíquica: explorar ou se aproveitar do outro como fosse “comê-lo”, num claro complexo simbólico formado pela mescla entre oralidade, sexualidade regressiva (sádica) e política – a questão não é busca de algum consenso, mas como “se dar bem” no sentido de busca de uma satisfação oral.
Esse é o pressuposto freudiano do filme brasileiro Clube dos Canibais (2018), no qual temos a luta de classes no próprio cotidiano de trabalho e sobrevivência dos subalternos – o dia a dia de dominação e exploração pode terminar no pior: o explorado servir de prato do dia na mesa dos ricos. 
Um clube exclusivo formado por capitães da indústria, empresários de finanças e donos de empresas de segurança transforma a exploração e a desigualdade na sua literalidade: explorar significa conjugar de inúmeras maneiras e sentidos o verbo comer – comer os dominados – clique aqui.

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