sábado, dezembro 08, 2018

"Coletes Amarelos" na França: a revolução não será televisionada!

Até aqui a grande mídia passa batida para “o déjà vu” dos protestos dos “coletes amarelos” na França: em 2013 as chamadas “Jornadas de Junho” no Brasil foram narradas da mesma maneira como hoje noticiam os protestos franceses – “espontâneos”, “apartidários” e que “começam de forma pacífica, mas que acabam tendo atos de vandalismo...”. Também como em 2013, surgem analistas que veem “o novo” na Política ou “quebra do monopólio da narrativa midiática”. Aqui no Brasil vimos no que deram as Revoluções Populares Híbridas. Na Europa estão sincronicamente conectadas com o tour de Steve Bannon (ex-assessor da campanha de Trump) pelo continente para unificar a direita num “movimento internacional de nacionalistas”. Os “coletes amarelos” são icônicos e as câmeras os amam, saturando de significados suas fotografias e vídeos. A revolução não será televisionada:  a mídia não está relatando o que as pessoas fazem; relatam apenas o que as pessoas fazem para obter a atenção da mídia para o Capitalismo dar um novo salto – o populismo de direita.

“O protesto dos coletes amarelos, que surgiu de maneira espontânea nas redes sociais contra o alto preço dos combustíveis, começou de forma pacífica, mas acabou tendo atos de vandalismo e violência...”. Variações dessa frase estão presentes em matérias jornalísticas na TV, portais da Internet e jornais, nos relatos sobre as manifestações dos “coletes amarelos” na França - movimento de protesto contra o imposto sobre o combustível, taxa ecológica defendida pelo presidente francês Emmanuel Macron.
Caro leitor, esse excerto narrativo, recorrente na grande mídia ao noticiar a atual onda de protestos na França, não lembra nada? Será que o leitor não tem uma estranha sensação de déjà vu diante das fotos dos chamados coletes amarelos, em poses black bloc, mascarados e desafiadores?  
São imagens e relatos noticiosos que imediatamente nos fazem lembrar as “jornadas de junho” de 2013 no Brasil. Claro, o cenário é bem diferente: das ruas e avenidas brasileiras para as emblemáticas ruas de Paris.

“Flash mobs” ou Guerra Híbrida?

Um movimento com marca icônica (“coletes amarelos”), surgido de forma “espontânea”, convocado nas redes sociais como fosse flash mobs, supostamente apartidário, pacífico. Mas que, repentinamente, saltam não se sabe de onde black blocs (dessa vez com o doce sabor retro dos protestos estudantis de maio de 1968 na França) que quebram, picham, incendeiam, apanham da polícia e fazem poses desafiadoras para a primeira câmera (celulares não valem!) de um cinegrafista de grande mídia mais próximo. 
Brasil, 2013; França, 2018 - o mesmo script midiático
Os protestos que explodem nesse momento na França têm todos os elementos daquilo que é denominado Revolução Popular Híbrida (RPH), parte da estratégia da Guerra Híbrida tal como definida pelo pesquisador Andre Korybko, Conselheiro do Institute for Strategic Studies e jornalista da Sputnik News:
As Guerras Híbridas são conflitos identitários provocados por agentes externos, que exploram diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e geográficas em países de importância geopolítica por meio da transição gradual das revoluções coloridas para a guerra não convencional, a fim de desestabilizar, controlar ou influenciar projetos de infraestrutura multipolares por meio de enfraquecimento do regime, troca do regime ou reorganização do regime ( “Agentes externos provocaram uma guerra híbrida no Brasil, diz escritor”, Brasil de Fatoclique aqui).
Para ele, a dinâmica das RPH é provocar um “caos administrado” para criar grandes movimentos de protesto que podem então ser cooptados e dirigidos para determinados fins políticos.
Até aqui, de um lado a grande mídia e, do outro, a mídia alternativa, não conseguiram ou não se interessaram em entender como os “coletes amarelos” se articulam com a geopolítica do Departamento de Estado norte-americano. Inclusive, muitas análises mais apressadas começam a incorrer nas mesmas avaliações ingênuas idênticas a que cercaram as “jornadas de Junho no Brasil: uma “rebelião peculiar”, “movimento espontâneo”, “rebelião contra Macron que favorece apenas os mais ricos” e assim por diante sempre dentro do raciocínio maniqueísta – a luta do Bem contra o Mal.
Assim como em 2013, começam as avaliações apressadas de que se trata da “insatisfação da população periférica” cujos partidos, sindicatos ou canais institucionais ou de representação política não conseguiriam dar expressão. E toca a se insinuar que há por trás de tudo o chamado “novo” na Política.
A verdade é que em todas essas manifestações há um, por assim dizer, doce sabor de “anarco-capitalismo”: movimentos “espontâneos”, sem lideranças da carcomida Política e sindicatos, sempre contra impostos e o Estado que insiste em incomodar a liberdades das ambições individuais.
E a grande mídia parece estar à espera desses protestos, sempre com um script pronto.


Protestos iconoclatas

Olhando o conjunto dos vídeos e fotografias dos protestos franceses, é inegável que em todas elas há um quê de fotogenia e telegenia – parecem escolhidas à dedo, saturadas de significados (o black bloc cuja máscara é própria a bandeira francesa, o manifestante parado solitário em frente ao Arco do Triunfo pichado, mulheres se abraçando desesperadas – uma delas com uma pequena bandeira nacional tapando a boca – diante do avanço da polícia de choque etc.), a impressão de violência coreografada lembrando as investidas da gangue de Alex no filme Laranja Mecânica, poses desafiadoras de manifestantes tendo ao fundo chamas e grossos rolos de fumaça negra e muitos personagens em contra luz, perfis humanos colocado em frente a incêndios.
Como sempre, toda RPH tem que ser icônica: Revolução Verde (Irã), Revolução Laranja (Ucrânia), Primavera Árabe (Egito, Tunísia, Síria, Líbia), Umbrella Revolution (Hong Kong). E, claro, transformar-se em verbetes da Wikipedia: “Yellow Vests Movement” ou “Gilets Jaune Protests”, “O Movimento dos Coletes Amarelos” etc. Uma autêntica e profissional estratégia de branding.
E ainda análises, como a da socióloga Angelina Peralva, veem nesses movimentos um fenômeno de “quebra do monopólio da mídia institucional sobre as narrativas políticas...” (clique aqui). Pelo contrário: certamente a revolução jamais será televisionada! Uma verdadeira revolução não é fotogênica ou telegênica – será irruptiva o suficiente para câmeras e cinegrafistas fugirem sob as ordens de uma grande mídia em pânico.

Muito além dos ícones

É sincrônico que Steve Bannon, ex-assessor da campanha vitoriosa do presidente Trump e atual líder de um projeto para “unificar a direita” em toda Europa, estivesse na França no primeiro semestre, quando foi o astro da abertura do congresso do partido francês de direita Frente Nacional. Lá, Bannon defendeu um “movimento internacional de nacionalistas” e descreveu o “Estado-Nação como uma joia que deve ser polida, desejada e cuidada”. E completou: “estamos cheios de globalistas!”.

Steve Bannon em campanha européia pela unificação da direita anti-globalista

Por que voltar-se contra Macron? Afinal, ele não é o queridinho dos defensores da mão de ferro das medidas neoliberais do “Estado Mínimo”? E muito menos pretende, como ousaram os governos petistas no Brasil, projetos de infraestrutura multipolares, desafiando o eixo Norte/Sul e a geopolítica (petrolífera e financeira) norte-americana com os BRICS.
O problema é que desde a falência em 2008 do banco de investimentos Lehman Brothers que desencadeou a maior crise do capitalismo desde 1929 numa reação em cadeia que fez a Zona do Euro derreter, o pacto liberal social-democrata (que até incorporou a esquerda) começou a ruir, principalmente na Europa Ocidental.
Depois de três décadas de destruição do Estado Social e de todos os mecanismos que garantiam a possibilidade de ascensão social, destruição sistemática dos direitos sociais, das garantias em Saúde e Educação (tudo em nome de supostos direitos individuais do livre mercado, competição e empreendedorismo), o que restou foi um rastro de isolamento das pessoas, demonização da política e de instituições - como sindicatos e partidos que davam voz a muitos setores da sociedade.
O novo populismo de direita, representado pela vitória de Trump nos EUA e a cruzada anti-globalista e nacionalista de Steve Bannon posam de anti-stablishment ao querer representar essa frustração generalizada dos excluídos da globalização - as camadas pobres e médias da população. 
Agora, mais "coletes amarelos se espalham pela Europa: Suécia, Bélgica, Holanda, Alemanha. Com pautas de extrema-direita como, por exemplo, protestos contra o acordo de migração anunciado pela ONU - clique aqui.
Mas essa aparência antissistêmica é apenas uma simulação, estratégia dissuasiva para o capitalismo em crise dar um novo salto: depois de décadas de globalização e políticas neoliberais de pilhagem (da banca financeira) e desmontagem do Estado de Bem estar Social, a engenharia social volta-se para as estratégias de criação da RPH: destruir o pacto liberal que impulsionou a Globalização para, nas palavras de Korybko citadas acima, trocar ou reorganizar o regime.

"Coletes Amarelos" com pauta de extrema-direita se espalham pela Europa

O sistema cria sua própria oposição

Como o diretor Gus Van Sant mostrou magistralmente no filme Terra Prometida (Promised Land, 2015), o Capitalismo sabe jogar dos dois lados: situação e oposição. Como sempre na História recente, a direita sempre se antecipa à esquerda, simulando uma oposição a partir da própria frustração que o sistema gerou.
Cria sua própria oposição para reorganizar o sistema em um outro nível. Dessa vez o retorno nostálgico do nacionalismo combinado com um Estado fascista e policial, dando voz e representatividade a uma massa frustrada e ressentida sob os escombros do Estado de Direito e da social-democracia.
Assustada, a esquerda (que fazia parte do velho pacto da democracia representativa) assiste à irrupção das RPHs como a dos “coletes amarelos”, cuja explosão de revolta passa ao largo dos canais institucionais de representação, como, por exemplo, as greves lideradas por sindicatos. 
Se no Brasil as Jornadas de Junho de 2013 abriram o caminho para o impeachment de Dilma Rousseff e à chegada da extrema direita ao poder com Jair Bolsonaro, na França um porta voz dos “gilets jaunes”, Christophe Chalençon, declarou à rádio Europe 1 que ele veria “com gosto” um “general de Villers” (Pierre Villers, general que se afastou das Forças Armadas em 2017 após criticar Macron) como chefe de governo.


Um gigantesco “Efeito Heisenberg”

Até aqui as RPHs foram criadas nas diversas “Primaveras Coloridas” que rodaram o mundo como um laboratório de pesquisas antropológicas, sociológicas e psicométricas que conseguiram precisar os pontos fracos das sociedades para perturbar o status quo e manipular desestabilizações – produzir o maior efeito com o mínimo esforço.
Com os “Coletes Amarelos” assistimos a uma nova etapa: troca e reorganização de regimes cooptando a frustração e o ressentimento de massas vitimadas pela aventura da globalização e financeirização que destruíram direitos e garantias sociais. Agora, coopta-se essa raiva como um movimento antissistema. É o paradoxo da manutenção do sistema criando a própria oposição que simula querer destruir o sistema.
Daí porque as câmeras de TV parecerem amar os coletes amarelos e como estes coreografam tão bem diante delas. Não tenham dúvida que uma revolução real jamais será televisionada. Por isso, tudo que assistimos nada mais é do que um gigantesco “Efeito Heisenberg” (sobre esse conceito clique aqui): a mídia não está relatando o que as pessoas fazem; relatam apenas o que as pessoas fazem para obter a atenção da mídia. 

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