Einstein teria falado sobre a “segunda bomba”: A bomba eletrônica, depois da atômica. Uma bomba na qual o que o tempo real é para a informação corresponderia ao que a radioatividade é para a energia. Em artigo de 1995, publicado na “Le Monde Diplomatique”, intitulado “Vitesse et Information: Alerte Dans le Cyberespace!”, o urbanista e pensador francês Paul Virilio alertava para o “grande evento que dominará o século XXI”: a corrosão da Democracia pelo tempo real das redes digitais. Um novo complexo militar que o Pentágono iniciava naquele ano – uma “revolução no exército junto com uma guerra do conhecimento que substituirá a guerra de campo”. Eram os esboços cibernéticos que hoje se transformaram em engenharia política. A vitória de Bolsonaro foi um dos laboratórios da corrosão da representação política pelo tempo real. E agora, os protestos dos “coletes amarelos” na França promete que essa engenharia será global.
Em postagens anteriores este Cinegnose cravava que não haveria eleições este ano. Afinal, para quê foi dado o golpe em 2016? Para todo o esforço da Guerra Híbrida iniciado em 2013 ser deixado a um arriscado resultado eleitoral?
Como é dito em uma dura linha de diálogo no surpreendente final do filme Terra Prometida (2012 – clique aqui) de Gus Van Sant, “acha mesmo que deixaríamos algo assim cair nas suas mãos depois de deixa-los levar isso para uma eleição?... empresas como a Global não confiam em ninguém, assim que vencem. Vencem controlando qualquer resultado... e fazem isso jogando dos dois lados...”.
Estavam lá urnas eletrônicas, títulos eleitorais, postos de votação, eleitores e observadores internacionais que viram uma eleição acontecer. Pelo menos em sua forma houve uma espécie de processamento digital de votos, mas não uma eleição.
Assim como o Brexit e a vitória eleitoral de Trump, as eleições brasileiras de 2018 foram um ponto de inflexão, talvez sem volta, daquilo que o urbanista e pensador francês Paul Virilio considerava “o acidente de todos os acidentes”: como o tempo real da “bomba informática” iria destruir a Democracia.
O “Grande Evento”
Em agosto de 1995, Paul Virilio publicava no “Le Monde Diplomatique” o artigo “Vitesse et Information: Alerte Dans le Cyberespace!” – “Velocidade e Informação: Alerta do Ciberespaço”. Nesse pequeno texto, Virilio descrevia o “grande evento que dominará o século XXI” que seria a invenção da perspectiva em tempo real substituindo a velha perspectiva tridimensional renascentista. À qual a Política e a Democracia são tributárias – a Política dependente de um lugar concreto (a cidade), a “democracia das festas políticas”.
A chegada ao poder do “golpista da mídia” Sílvio Berlusconi em 1994 seria apenas o prenúncio de uma tecnologia que reduziria os eleitores a espectadores onde “as pesquisas de opinião apurando votos reinariam”.
Paul Virilio (1932-2018) |
Para Virilio, Einstein teria dito sobre a “segunda bomba”: “A bomba eletrônica, depois da atômica. Uma bomba na qual o que o tempo real é para a informação corresponderia ao que a radioatividade é para a energia”.
E essa “radioatividade” seria o tempo real da comunicação pelo computador – a instantaneidade, simultaneidade e ubiquidade que iriam aos poucos minar os fundamentos da democracia representativa. Nas palavras de Virilio:
Quando se levanta a pergunta sobre os riscos de acidentes na informação nas (super) estradas, o problema não está sobre a informação em si mesma, o problema está sobre a velocidade absoluta dos dados eletrônicos. O problema aqui é a interatividade. A ciência do computador não é o problema, mas a comunicação do computador, ou o (não completamente conhecido) potencial de comunicação do computador. Nos Estados Unidos, o Pentágono, o mesmo criador da lnternet, está falando até mesmo em termos de uma “revolução no exército" junto com uma "guerra de conhecimento" como a qual poderia substituir a guerra de campo, da mesma maneira que substituiu a guerra de corpo-a-corpo da qual Sarajevo é uma lembrança trágica e antiquada. (VIRILIO, Paul, “Vitesse et information: Alerte dans le cyberespace !”, In: Le Monde Diplomatique, 08/1995,clique aqui. Em inglês clique aqui).
Esboços da Guerra Híbrida
Nos anos 1990, Virilio antevia aquilo que hoje chamamos de Guerra Híbrida, a guerra convencional transposta para ferramentas semióticas. Na qual o poder de agendamento da grande mídia se alia às estratégias de psicometria e manipulação de Big Data nas redes sociais. A representação política na esfera pública substituída pela apresentação em tempo real nas redes digitais.
Ao deixar a Casa Branca em 1961, Eisenhower alertou que o complexo militar-industrial era uma ameaça à Democracia. Um complexo similar ao que se formava em 1995: um novo complexo militar baseado nas tecnologias da informação. Naquele momento, líderes políticos norte-americanos como Ross Perot e Newt Gingrich falavam em “democracia virtual”.
“Como não se sentir alarmado? Como não ver os esboços cibernéticos se transformarem em uma engenharia política?”, indagava Paul Virilio. E completava:
Há outra coisa de grande importância aqui: nenhuma informação existe sem desinformação. Um novo tipo de desinformação está em ascensão, que é totalmente diferente da censura voluntária. Tem a ver com algum tipo de sufocamento das sensações, uma perda de controle sobre a medida das coisas. Aqui jaz um novo risco para a humanidade, cuja origem é a multimídia e os computadores (VIRILIO, Paul, IDEM).
Governo de Ocupação
Por isso o governo de Bolsonaro será um “governo de ocupação”: eleito pela e na mídia tradicional (através do “frame set” que conseguiu construir – corrupção + polarização em torno das questões culturais e identitárias) e redes sociais (através da pós-verdade como efeito letal das fake news), poderá mandar às favas qualquer governo de coalizão – transformará a oposição em inimigo terrorista e o parlamento em refém dos fatos consumados que serão criados por “super-ministros” como Paulo Guedes e Sérgio Moro.
Um avatar disponível 24 horas por dia, em tempo real |
A “Democracia das festas políticas” (a política presencial dos palanques, das representações de ideologias e discursos na esfera pública de opiniões) já havia sofrido o primeiro golpe com a TV (o início da “segunda bomba” prevista por Einstein), quando o presidente Kennedy foi o seu maior símbolo – eleito através da TV e morto nas imagens da TV.
O segundo e decisivo golpe vem através do tempo real da ciência da computação e do efeito-bolha algorítmico das redes sociais – efeito tautista (autismo midiátio + tautologia) de fechamento, semelhante ao que ocorreu com a televisão – tanto a TV quanto a Internet deixaram de ser janelas abertas para o mundo para se converterem em ambientes fechados em si mesmos.
Sem esfera pública, debate ou representação (essências da Política e da Democracia), Bolsonaro conseguiu que seus “eleitores” assinassem um cheque em branco. Sem a representação, Bolsonaro se apresentou como um avatar, disponível 24 horas, em tempo real, nas redes sociais.
Enquanto a grande mídia construiu uma paródia de esfera pública com a polarização em torno de uma pauta congelada na corrupção e nas questões culturais e costumes. Tática diversionista que ainda a mídia corporativa dá continuidade após as eleições: meganhagem da Justiça ao vivo na TV (a prisão em rede nacional do governador do Estado do Rio Luiz Fernando Pezão na tela do "Bom Dia Brasil" da Globo, p. ex.) e as “polêmicas” em torno do “Escola Sem Partido” e suposto “marxismo cultural” nas escolas.
Dessa maneira, grande mídia e Internet continuam escondendo o saco de maldades das medidas neoliberais do receituário do novo governo para o próximo ano – sucateamentos, desconstruções, desmontagens, destruições e privatizações. Tudo colocado fora de qualquer debate, para mais à frente ser, aí sim, apresentados como fatos consumados.
Em 1995, Paul Virilio pressentiu esse ponto de inflexão que agora estamos dramaticamente testemunhando. Se o Brasil foi o laboratório, agora vemos os canhões híbridos voltados para a França com a atual onda de protesto dos “coletes amarelos” – movimento “espontâneo” (novamente, movimento “sem líderes” surgido em redes sociais) externo à mediações e representações políticas: sindicatos, partidos etc.
A engenharia política cibernética que pretende substituir a Democracia promete agora ser global.
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