domingo, setembro 30, 2018
Curta da Semana: "Nerd Cave" - a Caverna de Platão 2.0
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“Nerd” deixou há muito
tempo de ser um termo pejorativo, principalmente porque por trás deles há uma
lucrativa indústria em expansão: os jogos de computadores. Alguns pesquisadores
em cibercultura acreditam que se tornou até mesmo uma “categoria psicológica”
motivada pelo desejo da imortalidade através da desconexão com a realidade.
Principalmente quando atualmente os games adquiriram o status de esporte. O
curta dinamarquês “Nerd Cave” (2017) um compulsivo gamer de jogos on line vive
em sua própria “Caverna de Platão”, com a sua mãe. Até que um dia, a energia do
bairro em que mora acaba e o seu mundo desmorona. Então, sua mãe tentará se
reconectar com o filho, através de peixinhos num aquário. Um curta repleto de
alegorias. Mas a principal é que agora vivemos a Caverna de Platão 2.0: também
podemos interagir e jogar com as sombras projetadas na parede.
sábado, setembro 29, 2018
Em "Branco Sai, Preto Fica" o tempo brasileiro é o eterno retorno
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Em 1986 policiais
invadem um baile funk em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, ferindo física
e psiquicamente dois homens. Em 2014, um terceiro homem vem do futuro a procura
de evidências que ajudem um movimento identitário negro mover uma ação contra o
Estado pelos danos daqueles homens no passado. “Branco Sai, Preto Fica” (2014)
de Adirley Queirós é uma ousada experimentação em um gênero pouco visitado pelo
cinema brasileiro – o filme consegue construir uma espécie de “meta docudrama
sci-fi”. Com sua desolação, frieza e aridez, Brasília deixou de ser a utopia
modernista de uma possível civilização brasileira para se transformar na
perfeita cenografia de filmes distópicos, com uma vantagem: não é preciso
computação gráfica. No país do futuro, o tempo é um eterno retorno: se o
presente é um apartheid social, o futuro não deixa por menos – a “Vanguarda
Cristã” tomou o poder e ameaça o sucesso das investigações. Filme sugerido pelo nosso leitor Paulo Pê.
segunda-feira, setembro 24, 2018
Bolsonaro X Haddad no segundo turno? Guerra híbrida continua vencendo
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Mais uma vez a sabedoria
desconfiada do velho Leonel Brizola. Acostumado com os truques da geopolítica
dos EUA, em 1989 Brizola acusava Lula de ser inflado pela direita para mais
facilmente a própria direita, representada então por Collor, vencer. Tudo leva
a crer que Bolsonaro e Haddad irão ao segundo turno. Otimismo e ufanismo ganham
a esquerda, saudando o gênio político de Lula, mesmo com todo massacre
midiático e “lawfare”. Como sempre, a esquerda apenas compreende a superfície
da atual guerra híbrida brasileira, em ação desde 2013. Para além do
impeachment e a prisão de Lula, há um objetivo semiótico mais insidioso:
polarização (petismo X anti-petismo) e despolitização (o jargão do
empreendedorismo e moralismo travando qualquer debate de macro-conjuntura) -
infantilização o debate político através do ódio e irracionalidade de uma opinião
pública que se acostumou a odiar a Política. E nesse momento, a grande mídia
busca mais uma “bala de prata” para turbinar a polarização. Será que o velho Brizola
tem mais uma vez razão? (ilustração: Felipe Lima, "Gazeta do Povo")
domingo, setembro 23, 2018
Estranhas portas que jamais foram fechadas em "Mandy"
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Um filme que parece ter
saído de alguma capa de disco heavy metal dos anos 1980, começando pelo pôster
promocional. E que exige do espectador uma entrega ativa, ao invés de
passivamente analisa-lo. Por isso, a maioria da crítica considera “Mandy”
(2018), do diretor canadense Pano Cosmatos, um filme absolutamente insano,
estranho e difícil de ser resenhado. Na verdade, nem seria um “filme”, mas uma
“experiência” non-sense e surrealista com um mix alucinado de referencias a
comerciais, animações, HQs, rock metal e mais da cultura pop dos anos 1980.
Tirando as camadas de exercício de estilo, Cosmatos dá continuidade à reflexão
iniciada no filme anterior “Beyond The Black Rainbow” (2010): as consequências
do “despertar místico” do esoterismo e ocultismo na cultura pop em torno das
viagens alucinógenas psicodélicas do LSD. De como toda uma geração tentou
buscar um atalho para a iluminação espiritual, mas acabou encontrando uma “bad
trip”: o Demiurgo existente em cada um de nós.
terça-feira, setembro 18, 2018
Por que teledramaturgia da Globo está assombrada com o Tempo e a História?
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Dois temas parecem assombrar
a atual teledramaturgia da Globo: o Tempo (viagem no tempo, déjà vus, vidas
passadas, reencarnações etc.) e a História (pastiches da Idade Média,
releituras do Brasil do Império etc.). Algo que se distingue das tradicionais
“novelas de época” que marcaram a história do gênero na TV brasileira. Nunca se
verificou essa recorrência temática em tantas telenovelas, apresentadas
simultaneamente ou em sequência nos diferentes horários. Sabe-se que em ano
eleitoral o laboratório de feitiçarias semióticas da emissora funciona em tempo
integral. O que essa recorrência pode significar dentro desse contexto? Nova bomba semiótica? Ou o
sintoma do temor de uma emissora hegemônica que sabe da importância do atual
cenário eleitoral? – é matar ou morrer. É o momento de entendermos a célebre
afirmação de George Orwell: “Quem
controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o
passado”.
domingo, setembro 16, 2018
A tecnologia deixou de ser uma extensão humana em "Upgrade"
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A crítica vem definindo
a produção australiana “Upgrade” (2018) como alguma coisa entre a série
britânica “Black Mirror” e o clássico “Robocop” de 1987: em um futuro próximo,
um tecnofóbico (alguém que sempre gostou de “fazer as coisas com as próprias mãos”)
tem sua vida virada de ponta cabeça ao ficar tetraplégico e receber o implante
de um chip de computador que o fará andar novamente, porém com algumas
“atualizações”. Tudo que deseja agora é vingança contra os assassinos de sua
esposa, quando descobre estar em um plot conspiratório envolvendo algum tipo de
espionagem industrial. “Upgrade” é um filme que revela o atual imaginário que
anima o desenvolvimento computacional – Inteligência Artificial e
Singularidade, o momento em que a tecnologia deixa de ser a extensão do corpo
humano para se tornar sua própria negação.
terça-feira, setembro 11, 2018
Zygmunt Bauman e o incêndio "líquido" do Museu Nacional
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Conceito de Zygmunt Bauman, a “Modernidade
Líquida” aqui no Brasil assume aspectos
dramáticos, como um Projeto que deve ser colocado em prática a todo custo: a
drenagem do Estado até a sua liquefação e a transformação em mero gestor de “fluxos”.
Um sintoma foi o incêndio do Museu Nacional no Rio. Mas, principalmente, as
notícias em torno do futuro do Museu: investigações com alta tecnologia e a
possibilidade de imprimir réplicas em 3D a partir de fotos do patrimônio
perdido. É notável que toda essa sofisticação não estivesse disponível para
mantê-lo sólido e em pé. Só entrou em cena depois que o Museu desapareceu! A
ideia de liquidez transformou-se em algo muito além de uma categoria econômica:
virou uma espécie de “a priori” cognitivo, no qual não há sentimento de luto ou
perda que poderiam promover crítica ou indignação. O pensamento “líquido” transforma catástrofes e
tragédias como essas em vulgata ou banalidade: a tecnologia poderá trazer tudo
de volta mesmo...
domingo, setembro 09, 2018
Em "O Futuro" o maior inimigo da geração dos "millennials" é o tempo
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Numa época em que o trabalho, a
cultura e a tecnologia liquefazem e precarizam nossas vidas na fluidez e instabilidade, os “millennials”
tentam se agarrar nos destroços de uma suposta sabedoria do passado e nos
gadgets, aplicativos e plataformas digitais do presente. Um presente que se
torna eterno, pelo medo e ansiedade em relação ao futuro, porque nada parece
durar por muito tempo. Mas um jovem casal decide adotar um gato, e acredita que
tudo vai mudar. “O Futuro” (“The Future”, 2011) é uma fábula pós-moderna sobre
tecnologia e o futuro da geração mais tecnologizada da História. Mas o medo do
futuro e de compromissos, representado agora por um gato necessitando de intensivos
cuidados veterinários, é tão paralisante que ameaça dissolver a vida conjugal
pela mentalidade “líquida” da sua geração. Filme sugerido pelo nosso incansável leitor Felipe Resende.
sábado, setembro 08, 2018
Atentado a Bolsonaro foi um tombo para cima?
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As eleições (?) aproximam-se e a
temperatura aumenta. E essa semana foi particularmente dramática como um bom
roteiro de ficção, sinalizando o que vem pela frente: começou com o simbólico
incêndio do Museu Nacional no Rio e terminou com o “timing” do atentado contra
o candidato Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). Assim como nos atentados de
Londres, Paris, Berlim etc., as imagens da facada em Jair Bolsonaro repetem o
script: sincronismos, anomalias, timing e algo mais: repete o mesmo contexto do
controvertido acidente aéreo do candidato Eduardo Campos em 2014 – um contexto
de esgotamento das bombas semióticas da grande mídia e o baixo desempenho da
então esperança Aécio Neves frente à esquerda, forçando a procura de um “Plano
B”. De uma reunião sigilosa de Bolsonaro com o Grupo Globo no início da semana
à euforia dos 1.000 pontos do mercado financeiro ao saber da facada no
candidato terminando com uma cobertura emotiva e apelativa no Jornal Nacional
com vídeo exclusivo de Bolsonaro falando de Deus, da maldade humana e
descrevendo o atacante como um “lobo solitário”, fecha-se o roteiro típico de
um filme ou HQ: Bolsonaro foi promovido a “Mito Plano B” do consórcio
jurídico-midiático – um final feliz com um tombo para cima?
terça-feira, setembro 04, 2018
Tautismo Global, sincronismos e ironias no incêndio do Museu Nacional
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No Manifesto Futurista, Marinetti
falava em “destruir museus” para libertar as consciências dos “inúmeros
cemitérios”, e nos prepararmos para o futuro. Em visita ao Rio em 1926,
Marinetti repetiu tudo isso e viu no Brasil um país futurista porque não teria
“nostalgia das suas tradições”... Claro, Marinetti era um iconoclasta. Mas o
Brasil é mais realista que o rei. Leva ao pé-da-letra coisas como “austeridade
fiscal” (cuja realização máxima foi, até aqui, a “PEC da Morte”) que até o
próprio FMI criticou em 2016. O incêndio do Museu Nacional foi um acontecimento
irônico e sincrônico, na cidade em que Marinetti via a “realização acidental”
do futurismo: resultado do neoliberalismo levado à sério num momento em que o
fascismo se aproxima no segundo turno das eleições – um fascismo próximo ao de
Marinetti. E, mais uma vez, o motor dessa austeridade levada à sério foi a
cobertura tautista (tautologia + autismo midiático) pela Globo da catástrofe
científico-cultural. Sinal dos tempos: a cobertura de Carlos Nascimento ao vivo
dos choques dos aviões contra as torres gêmeas em 2001 conseguiu ser mais
objetiva do que os relatos sobre o incêndio, encaixados nos dois eixos
narrativos globais: “esse país é uma merda!” e “corrupção, corrupção e
corrupção...”.
segunda-feira, setembro 03, 2018
"Videodrome - A Síndrome do Vídeo": como a tecnologia controla mente e carne
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Um diretor de uma TV a cabo descobre o
sinal pirata de uma transmissão de “Snuff TV” (filmes que mostram violência,
abusos sexuais e mortes reais) chamada “Videodrome”. Mas da pior maneira
possível, ele descobrirá que é muito mais do que um show de TV: é um
experimento cujas ondas catódicas provocam danos cerebrais permanentes. Arma
para vencer a guerra pelo controle das mentes da América planejada por uma
obscura empresa que faz óculos de baixo custo para o Terceiro Mundo e sistemas
de orientação para mísseis da OTAN. Esse é “Videodrome – A Síndrome do Vídeo”
(1983), clássico filme de David Cronenberg que transformou em cinema toda uma
tradição de crítica à mídia e tecnologia canadense, de Marshall McLuhan a
Arthur Kroker: o momento em que a tecnologia deixa de ser mera extensão do
homem para se transformar em carne. E o homem se transforma num aparelho de
videocassete.
sábado, setembro 01, 2018
Curta da Semana: "O Futuro Será Careca" - Por que temos horror ao vazio em nossas cabeças?
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Vivemos uma sociedade de consumo que
ama tudo aquilo que está cheio: sonhos, sacolas de compras, cabelos. Odeia o
vazio porque cria uma “incontrolável sensação de desgosto”. E os carecas seriam
a síntese de tudo isso que as pessoas temem: carregam o vazio sobre suas
cabeças. Esse é o tema do surreal curta francês “O Futuro Será Careca” (“Le
Futur Sera Chauve”, 2016), de Paul Cabon. Um jovem protagonista cabeludo
descobre numa refeição em família o futuro que lhe espera: a calvície
hereditária. E revela o sintoma de uma sociedade que criou o mito da juventude
como estratégia publicitária sedutora e pervasiva – a inabilidade de crescer e
envelhecer.
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