O filme “Olhos de
Rinoceronte”, estreia de Aaron Woodley, sobrinho do famoso diretor canadense
David Cronenberg, é uma excelente oportunidade para se discutir como os filmes
gnósticos atuais exploram na sua estética a combinação de elementos do gênero
barroco e romântico, resultando naquilo que alguns autores chamam de “neobarroco”:
um protagonista que vive imerso num gigantesco depósito de antiguidades e
relíquias alugadas para produções cinematográficas, onde o amor por uma
cenógrafa tentará arrancá-lo daquele mundo de ilusões. Mas os objetos, em
bizarras animações em stop motion, tentarão mantê-lo prisioneiro naquela alegoria de caverna platônica.
Título: “Olhos de
Rinoceronte” (Rhinoceros Eyes, 2003)
Diretor: Aaron Woodley
Plot: Chep (Michael
Pitt) é um jovem recluso que trabalha e mora em um grande depósito de
antiguidades e objetos variados alugados que atende às produções
cinematográficas locais. Passa os dias perdido entre os labirintos do prédio
repletos de objetos antigos e à noite vai a um cinema próximo assistir sempre o
mesmo filme B de melodrama The Sands of
Marocos. Até que um dia conhece uma designer de produção chamada Fran
(Paige Turco) com um inusitado pedido: olhos de rinoceronte autênticos para uma
filmagem. Chep se apaixona por Fran e fará tudo para atender seus pedidos de
produção cenográfica, cada vez mais inusitados e mórbidos. O seu amor por ela
associado aos pedidos cada vez mais bizarros fazem Chep progressivamente perder
os limites entre sonho e realidade. E os objetos do depósito parecem ganhar
vida e tentam interferir na sua relação afetiva que promete tirá-lo daquele
mundo de ilusões.
Por que
está “Em Observação”? – A crítica o classificou como um conto gótico e ao mesmo tempo
psicodélico. Um filme híbrido que parece o resultado de uma fusão entre Erasearhead de David Lynch e Edward Mãos de Tesoura de Tim Burton. Um
filme com uma constante atmosfera estranha onde o design dos objetos que se
acumulam nos intrincados corredores do depósito lembram o surrealismo de Dali e
a estética barroca.
A primeira coisa
que chamou a atenção do blog foi a relação de fascínio dos personagens com os
objetos de várias épocas acumulados no depósito guardado por Chep: o fascínio
nostálgico pós-moderno, conceito discutido em postagem anterior – clique aqui
para ler. Por que essa nostalgia de jovens por épocas que não viveram? O filme
parece dar uma pista de resposta através da sua estética gótica e romântica que
parece ser atemporal, pelo menos desde o século XIX: a cada década sempre
acompanhamos revivals sejam
literários, cinematográficos, musicais ou pop dessa estética que podemos chamar
de neobarroca – rock horror, darks, góticos, emos etc.
O segundo elemento
é uma alusão à metáfora da caverna de Platão: o protagonista vive e trabalha
dentro de uma redoma de objetos originários do teatro, cinema, parques de
diversões e lojas de brinquedos como fantoches, carrosséis, máscaras e
fantasias. Cercado de ilusão (simulacros do mundo real) ele tenta chegar ao
mundo exterior através do amor por Fran. Mas a ilusão tenta conspirar contra
ele – através de sequências em stop
motion onde os objetos criam formas bizarras que tentam se comunicar com
Chep. Temos aqui uma evidente narrativa gnóstica.
Como sempre em
narrativas gnósticas, a personagem feminina corresponde ao papel de Sophia,
aquele que fará o protagonista despertar da ilusão. E também, tal como Sophia,
a protagonista paradoxalmente participa da manutenção do sistema que tenta
aprisionar o protagonista: Fran é cenógrafa e participa da indústria
cinematográfica, assim como Sophia foi aprisionada pelo Demiurgo e participou
da construção desse cosmos físicos animando a criação corrompida das esferas
materiais.
O que
esperar? – O diretor
Aaron Woodley é sobrinho de David Cronenberg, famoso diretor canadense
notabilizado por narrativas estranhas e bizarras envolvendo a relação homem e
tecnologia. Olhos de Rinoceronte é a estreia
de Woodley e parece que o DNA do tio famoso é confirmado nessa produção, apesar
de alguns problemas do ritmo de roteiro, como demonstram essas linhas da
crítica de Marcy Dermansky na época do lançamento do filme: “Rhinoceros Eyes é um primeiro filme
sério, bem intencionado e habilmente realizado pelo diretor. Infelizmente, ele
é tão carregado de coisas – animações super-legais, apoio de personagens
coadjuvantes excêntricos e idiossincráticos -
que o verdadeiro encanto da história corre muito tempo antes de o clímax
da sequência final do dedo decepado. Michael Pitt, o ator com cara de bebê com
cabelos loiros compridos e grandes olhos azuis, que recentemente participou de
uma produção mais sofisticada de Bertolucci em The Dreamers, sustenta o filme apenas por ser ele mesmo. O
personagem de Pitt é tão atormentado que mesmo quando fica escondido por trás
de uma pesada e assustadoramente realista máscara de Halloween de Tor Johnson,
é difícil não sentir a sua dor.” (About.com World/Independent Film).