Atualmente a inteligência visual
publicitária vem mobilizando técnicas cada vez mais sofisticadas que exploram
recursos não apenas psicológicos ou comportamentais, mas agora atinge uma
dimensão de simbolismo mais profundo: a chamada “geometria sagrada”, expressão
usada pelo esoterismo e gnosticismo para designar toda uma área de estudos de
como as formas geométricas básicas representam conteúdos arquetípicos e padrões
(modelos, ritmos e proporções) que integram o repertório que permite tanto a
Natureza como o psiquismo humano se expressar. Com o auxílio das técnicas da
semiótica visual, círculos, quadrados e triângulos estariam sendo
instrumentalizados para criar uma verdadeira geometria subliminar.
Quantos
de nós veem? Em uma cultura onde a informação é transmitida numa forma
predominantemente visual, enxergar ou olhar para telas, displays, outdoors,
placas, impressos etc. parece ser uma função natural e espontânea. Não nos
importamos muito com essa função, a não ser nos seus aspectos oftalmológicos
quando necessitamos de lentes corretoras ou de intervenções cirúrgicas.
Continuamos
a enxergar ou olhar, mas, de fato, realmente vemos? Essa simples pergunta
abrange uma longa lista de atitudes ou funções multilaterais como observar,
perceber, compreender, reconhecer, contemplar, descobrir, entre outras.
Pesquisadores como Donis A. Dondis sugerem uma complexa “inteligência visual”
por trás do simples ato de olhar e aponta para a necessidade de uma
“alfabetização visual” para que possamos compreender mais facilmente os
significados assumidos pelas formas visuais - Leia DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual, Martins Editora, 2009.
Esses
significados podem ser subliminares, ideológicos, retóricos, propagandísticos
por trás da informação visual seja na Publicidade ou em um telejornal. Essa
inteligência visual é cada vez mais sofisticada nas suas técnicas de
manipulação visual para explorar o inconsciente (psiquismo), o comportamento
(subliminar) ou o inconsciente coletivo (arquétipos). Em postagem anterior
discutíamos como a Publicidade atual ingressa numa nova fase ao manipular algo
mais profundo, além dos valores e estilos de vida: símbolos
do inconsciente coletivo aglutinadores de anseios, dúvidas e esperanças mais
profundas da espécie humana, tal como sugerido por Jung. A publicidade tentaria se conectar cada vez
mais com a rede simbólica do inconsciente coletivo – sobre esse tema clique
aqui.
Na atualidade, a inteligência visual publicitária
alcança o que talvez seja a sua estratégia mais sofisticada e, ao mesmo tempo,
mais obscura, pouco observada por pesquisadores acadêmicos ou teóricos da
conspiração: a aplicação de arquétipos da “geometria sagrada” – um
surpreendente encontro entre a semiótica, a mitologia esotérica que envolve as
três formas geométricas básicas (o círculo, o quadrado e o triângulo) e a
psicanálise.
Geometria sagrada
“Geometria sagrada” é uma
expressão usada no esoterismo e no Gnosticismo baseada na crença de que
existiriam relações significativas entre a geometria, a matemática e a
realidade. Os princípios da geometria sagrada teriam sido aplicados ao longo da
História na construção de estruturas religiosas como igrejas, templos,
mosteiros, tabernáculos, altares etc.
Parte da crença platônica de
que Deus teria criado o Universo a partir de um planejamento geométrico (“Deus
geometriciza continuamente”, teria dito Platão). No século XVIII o matemático
Carl Gauss parafraseou Platão ao afirmar que “Deus aritmeticiza”.
O Universo teria sido
construído a partir das três formas básicas (círculo, quadrado e triângulo).
Cada uma dessas formas conteriam fundamentos arquetípicos espirituais, padrões
– entre os quais figuram formatos, modelos, ritmos e proporções – que integram
um repertório que permite tanto à natureza quanto o psiquismo humano se
expressar.
“Por exemplo, o círculo e a
esfera como o invólucro fundamental para a energia e a consciência, e a forma
de vórtice para espalhar e transmitir energia e consciência de um ponto para
outro. Outras formas frequentes na geometria sagrada são a curva senoidal, a
espiral áurea (obtida pela união de vários semicírculos e presente, por
exemplo, no caramujo e na flor do girassol), os cinco sólidos platônicos, a
vesica piscis (“bexiga do peixe” ou “Olho de Deus”, resultante do encontro de
dois círculos e perceptível no DNA e nas células) e o hipercubo (o cubo
quadridimensional).” (ARAIA, Eduardo “Geometria Sagrada no Mundo das Formas
Perfeitas” in: Planeta,
Edição 439, junho, 2010).
(a) O círculo: simboliza a
ausência de distinção ou de divisão – a totalidade indivisa. É o ponto
estendido a partir do ponto primordial da criação – o “ovo do Mundo”. O
movimento circular é perfeito, imutável, sem começo e sem fim o que o habilita
a simbolizar o tempo. Por isso, o círculo simboliza o próprio céu, o mundo
espiritual invisível e transcendente. A passagem do quadrado ao círculo – na
mandala, por exemplo – é a da cristalização espacial ao nirvana; passagem da
Terra ao Céu. Por isso, o Paraíso terrestre era circular, a projeção da esfera
celeste.
É a imagem símbolo de uma
realidade psíquica interior do homem: aconchego e proteção (a forma circular do
seio materno, primeira forma geométrica que percebemos nesse mundo) e erotismo
e sensualidade (linhas onduladas), compulsão, apelo emocional, prazer. Como
forma natural, sua cor é o azul por representar o céu.
(b) O quadrado: é o símbolo
da terra por oposição ao céu, mas também, num outro nível, o símbolo do
universo criado, terra e céu; é a antítese do transcendente. Figura
antidinâmica, ancorada sobre os quatro lados – implica numa ideia de
estagnação, solidificação e até mesmo de estabilização na perfeição. É o caso
tanto da Jerusalém Celeste como na construção do templo hindu onde o quadrado é
fixação, cristalização dos ciclos celestes, a imutabilidade em relação ao
movimento circular da manifestação – por exemplo, a construção do altar védico
que é um cubo cósmico.
No psiquismo humano
simboliza os valores referentes ao superego: honestidade, retidão, esmero,
conservadorismo, a tradição – não é à toa que chamamos uma pessoa moralmente
conservadora de “quadrada”. Como uma forma não natural, mas criada pelo homem,
sua cor é o vermelho, símbolo da matéria, da realidade que se materializa na
estabilidade do quadrado.
(c) O triângulo: Os
simbolismos dessa figura geométrica estão associados à racionalidade,
masculinidade, fogo e fecundidade. O papel do esquadro na arte da construção –
os triângulos e os retângulos têm uma função muito importante. Para os maias o
triângulo está ligado ao raio do sol, semelhante ao broto que forma o germe do
milho. Sol e milho, duplo simbolismo de fecundidade.
Com a ponta para cima é o
símbolo masculino e do fogo na alquimia. É conhecida a importância atribuída
pela maçonaria ao triângulo, chamado de “delta luminoso” ou o triângulo sublime
cujas medidas perfeitas (ângulo superior de 36° e base com dois ângulos de 72°)
representariam o tríptico da moralidade: pensar bem, dizer bem, fazer bem –
sabedoria, força e beleza. Ou na alquimia, sal, enxofre e mercúrio. Por isso, sua
cor seria o amarelo: luz, razão e sabedoria. Tradicionalmente Deus é
representado simbolicamente como um olho dentro de um triângulo amarelo.
No psiquismo humano
corresponderia aos valores do Ego e da individualidade: de um lado
racionalidade e auto-preservação; do outro, tensão, conflito, ação.
Dominantes da comunicação visual
Para a semiótica, todo o
planejamento de uma comunicação visual deve se iniciar pela determinação de qual forma, cor etc. serão a
dominante do objeto: formas (angulosas, arredondadas), distribuição espacial
dos elementos (vertical, horizontal), cor (derivadas do vermelho, azul etc.).
Por dominante entendemos como uma estratégia de sinalização de uma peça visual:
um determinado elemento básico da comunicação visual (seja ponto, linha,
textura, forma, cor etc.) que chamará a atenção do observador, antes dele saber
qual o seu conteúdo informativo – Aviso? Notícia? Publicidade?
As chamadas dominantes das formas geométricas básicas (o predomínio na
primeiridade visual de formas ou movimentos dominantes derivados do círculo, do
quadrado ou do triângulo) estão diretamente conectadas na sua aplicação com os
simbolismos místicos e arquetípicos descritos brevemente acima.
Partindo do princípio de que o apelo publicitário baseia-se em três domínios
– o racional, o emocional e a tradição – podemos aproximar a simbologia sagrada
das formas geométricas com os apelos publicitários da seguinte maneira
sintetizada na tabela abaixo:
Círculo
|
Triângulo
|
Quadrado
|
Id
|
Ego
|
Superego
|
inconsciente
|
Identidade
|
Norma, Lei, Tradição
|
Compulsão, impulsividade,
erotismo, apelo emocional, prazer
|
Apelo racional, consumo consciente, tensão
agressividade
|
Apelo ao clássico, tradição, história
|
Dominante círculo
É marcante como as peças visuais publicitárias de produtos tão díspares
como cervejas e refrigerantes até produtos infantis exploram as formas circulares
e movimentos ondulados como dominantes visuais. “Se a vida mandar quadrado,
você devolve redondo” ou “desce redondo” da cerveja Skol; design de marcas de
refrigerantes arredondadas, linhas onduladas e muitas formas redondas como
bolhas, círculos em anúncios de produtos infantis; gotículas do suor da garrafa
do refrigerante de onde desce o líquido em ondas.
Em fast foods marcados pelo
apelo à viciosidade e compulsão, temos o exemplo do “Ruffles, a batata da onda”
em que os chips são confeccionados com ondinhas ou o último filme publicitário
do produto onde uma batata faz strip-tease dentro de uma máquina de vendas
automáticas: prazer da viciosidade e erotismo.
A grande maioria dos anúncios que apelam para os aspectos emocionais
(amor, amizade, etc.) ou de prazer (sexo, erotismo, viciosidade,
compulsividade) apresenta como padrão a dominante círculo, muitas vezes
combinada com a dominante da cor.
A exploração da forma geométrica círculo está na captação da sua energia
que busca a transcendência
espiritual, confinando-a a imanência
da forma-mercadoria.
Dominante quadrado
A dominante dessa forma seja como embalagem do produto, layout do
anúncio, diagramação ou composição visual possui forte apelo aos valores do
superego ao transmitir solidez, conservadorismo, história e, por isso,
confiança.
Se no plano arquetípico o quadrado é a aspiração humana para a
cristalização, a imutabilidade como forma de estancar a maior falha cósmica que
é a seta do tempo (ou em física a entropia), a comunicação visual publicitária
instrumentaliza essa aspiração do inconsciente coletivo para confiná-la na
forma-mercadoria transitória, descartável: a dominante quadrado oferecida como
um oásis de segurança na sociedade de consumo marcada pelo efêmero.
Dominante triângulo
Embora direcionado ao ego, talvez seja a dominante de forma com o
simbolismo mais variado: desde o apelo racional (vantagens racionais e lógicas
de escolha por determinado produto), o apelo ao egoísmo, à posse (status,
prestígio etc.) até o apelo à velocidade, conflito, desequilíbrio.
O domínio de linhas em diagonal (movimento derivado do triângulo) em
anúncios de automóveis transmitindo conflito, dinamismo e velocidade – valores moralmente
“bons” associados aos carros: velocidade = status. O triângulo associado a uma
escolha racional do consumidor a partir de informações técnicas como no anúncio
da Gafisa.
O triângulo também está presente na construção da maioria dos logotipos
das grandes corporações como um simbolismo ao mesmo tempo fálico e divino de
força e poder.
Mais uma vez, o simbolismo arquetípico de uma forma geométrica é
instrumentalizado para a manipulação: a suposta afirmação da individualidade do
consumidor, por meio do simbolismo do status ou do suposto apelo à decisão
racional no momento da compra, resulta em ideologia por encobrir a realidade de
que as opções de escolhas são dadas e limitadas em um mercado cartelizado e
monopolizado.
Em síntese, na atualidade conceitos da geometria sagrada são intensamente
manipulados através da semiótica da comunicação visual publicitária aplicando
um dos seus princípios fundamentais: tudo tem um padrão, e esse padrão é a
chave para se criar efeitos específicos. Porém, em nome dessa
instrumentalidade, são pervertidos as grandes aspirações da espécie
simbolizados nesses arquétipos geométricos: a possibilidade de transcendência
ou crítica desse mundo é eliminada pela imanência do consumo.
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