
sábado, fevereiro 15, 2014

Wilson Roberto Vieira Ferreira
3D, 4D, 5D, IMAX. A indústria
cinematográfica atual vem mobilizando toda uma parafernália tecnológica para
capturar o desejo de quebra da rotina e fuga da realidade do espectador.
Imersão e interatividade são as palavras de ordem da indústria do
entretenimento. Nesse mês uma inédita experiência de imersão cinematográfica em
São Paulo pretende ir além dessas estratégias industriais padronizadas,
mostrando que o espectador pode de fato imergir no espaço das sequências de um
filme: é o audacioso e complexo projeto Cine Imersão. Inspirado no conceito de teatro interativo existente
no Canadá, Austrália e Inglaterra, a fusão de cinema, performances, música e
narrativas ao vivo em um só universo propiciaria uma experiência real de
participação. Bem diferente da imersão tecnológica proposta pela indústria
hollywoodiana onde mente e corpo permanecem passivos todo o tempo.
Filmes em tecnologia 3D e IMAX. Salas de projeção onde cadeiras se mexem
e produzem efeitos reais como aromas, vento, fumaça etc. Tudo isso parece
demonstrar uma coisa: o desejo crescente dos espectadores e não apenas assistir
passivo, mas imergir no próprio filme.
Mas ainda assim nessas tecnologias a imersão é simulada: o corpo do
espectador ainda está passivo na poltrona e ele não pode explorar o espaço. A
tecnologia provoca os sentidos visuais, olfativos e táteis, mas o espaço
permanece inalterado e sem interatividade.
Nesse mês, dia 22,
aqui em São Paulo será feita uma experiência inédita em imersão cinematográfica
que justamente busca superar as limitações das atuais estratégias high tech de projeção fílmica. Um
projeto inédito de mergulho do espectador em um filme. É o projeto “Cine
Imersão” que permitirá ao público explorar o espaço
da forma que preferir: como simples espectadores ou fazendo parte das
passagens. Em cenários recriados em detalhes, o espectador poderá participar da
ação enquanto ela acontece. O mistério permanece até os momentos finais: o
título do filme não é revelado até o último instante e todos são convidados a
participar caracterizados de acordo com o tema do filme.
Trazido
para o Brasil pelo entusiasta em cinema Fábio Hofnik, ele conheceu esse novo
conceito na Europa através de grupos como o “Secret Cinema” e o “Future Cinema”.
Segundo ele, “a experiência enaltece o cinema como arte, mesclando outras
formas de expressão, como o teatro e realizando o sonho das pessoas de
participar do mundo de um filme, ao vivo”. O plano de Hofnik é repetir a
experiência periodicamente. “Queremos ajudar a ‘desencaretar’ a cena cultural
da cidade”, brinca.
Cinema às cegas
A
aventura começa antes mesmo do evento. O público compra os ingressos
(disponíveis pela internet),
às cegas, sem conhecer o nome do filme ou o local do evento, que tem fácil
acesso por transporte público e para cadeirantes. Alguns dias antes, são
avisados por email sobre o endereço e recebem dicas de como se caracterizar.
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A experiência inglesa do "Secret Cinema": público interage com perfomances durante a exibição do filme |
Ao
chegar ao local, o público pode explorar, interagir e sentir-se parte do universo
criado especialmente para a ocasião. A interação é intensa: acontece em um
cenário rico em detalhes que provoca os sentidos, com sons, texturas, aromas
etc. Atores interpretam os personagens do filme - ainda desconhecido - e
protagonizam cenas em livre adaptação. Apesar de permanecer incógnito até o
final, o título é escolhido pela equipe do Cine Imersão entre produções
bastante conhecidas do público.
“O
objetivo do Cine Imersão é ir além do que temos hoje no universo do
cinema”, diz Hofnik. O projeto proporciona ao espectador uma oportunidade
exclusiva de se envolver com o filme – com interação e imersão total nas cenas.
“O participante escolhe o que quer ver, com qual cena quer interagir, qual será
o seu próximo passo etc. Não há regras pré-estabelecidas, apenas a experiência
única e inédita de viver dentro de um filme”, afirma.
O Cine Imersão é
uma produção complexa e ambiciosa, que ultrapassa os limites do que já acontece
no Brasil. Seus organizadores afirmam ser uma oportunidade exclusiva que pretende mudar a forma de como
assistimos aos filmes.
Perder-se em espaços imaginários
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Performances e interações durante a projeção do filme "Ghost Buster" no Secret Cinema |
Um dos
referenciais do projeto Cine Imersão que estreia esse mês é o grupo europeu “Secret
Cinema”. Desde 2007, o grupo inglês “Secret Cinema” vem desenvolvendo
experiências culturais e cinematográficas em larga escala em espaços urbanos abandonados
onde se fundem música, teatro e instalações. Durante a projeção (e recentemente
também a execução de álbuns e CDs de música), é reproduzido no espaço do
público sequências completas da narrativa do filme que se está assistindo, dando
aos espectadores a oportunidade de apenas ficar observando ou interagir com a
ação.
Segundo o seu
fundador Fabien Riggall, essa experiência de imersão vai de encontro a um
desejo de escapar de um mundo saturado tecnologicamente, convidando o
espectador a “perder-se em ambientes imaginários fortuitos que desafiam a forma
como percebemos a cultura e a interação social”.
Todo esse movimento
de projetos sensório-espaciais de projeção fílmica parece querer reviver a
experiência estética do chamado Primeiro Cinema do início do século XX, antes
da industrialização hollywoodiana. Pesquisadores de cinema como Steve Ross
descrevem a
atmosfera reinante nas antigas salas de projeção, como um evento que disparava
o fenômeno da interação, reconhecimento de si mesmo e participação - leia ROSS,
Steven J. Working Class Hollywood,
Princeton: Princenton University Press, 1999.
Antes do cinema se
tornar uma forma de entretenimento padronizado e controlado pelo Código Hays de
restrição temática e moral, a experiência de recepção nas salas de projeção (os
chamados “nickelodeons”) era de festa, participação e interatividade: durante a
projeção, os espectadores comiam, bebiam e discutiam o conteúdo do filme,
associando-o aos temas do cotidiano e das suas próprias vidas.
Desse Primeiro Cinema ficou apenas na atual fase
industrializada o desejo de quebrar a tediosa rotina diária de trabalho dentro
de um lugar onde as fantasias supostamente assumem o comando e tudo pode
acontecer. Só que, agora, em espaços onde todos ficam em silêncio, mudos, passivos
nas suas poltronas, lado a lado em luxuosos palácios em que se converteram os
cinemas.
Por isso, a
inédita experiência brasileira do Cine Imersão chega num bom momento para
mostrar que o cinema pode ir além da parafernália tecnológica do 3D, 4D, 5D,
IMAX etc., estratégias industriais aparentemente interativas, mas que apenas
reforçam a passividade espacial e mental do espectador.
Serviço
- Cine Imersão
- Quando: sábado, 22/02, às 17h
- Onde: Centro de São Paulo, próximo a estação do Metrô (o local exato é
revelado aos participantes apenas dias antes do evento), com acesso a
portadores de mobilidade reduzida
- Quanto: R$ 49 (ingressos apenas pelo site http://even.tc/imersivos01)
- Quem: Concepção e direção
geral: FABIO HOFNIK Produção: ANNA COSENZA Elenco: Adriane Gomes, Belize
Pinheiro, Eduardo Pelizzari, Jansen Serra, Mario Ilha e Paloma Souza