3D, 4D, 5D, IMAX. A indústria
cinematográfica atual vem mobilizando toda uma parafernália tecnológica para
capturar o desejo de quebra da rotina e fuga da realidade do espectador.
Imersão e interatividade são as palavras de ordem da indústria do
entretenimento. Nesse mês uma inédita experiência de imersão cinematográfica em
São Paulo pretende ir além dessas estratégias industriais padronizadas,
mostrando que o espectador pode de fato imergir no espaço das sequências de um
filme: é o audacioso e complexo projeto Cine Imersão. Inspirado no conceito de teatro interativo existente
no Canadá, Austrália e Inglaterra, a fusão de cinema, performances, música e
narrativas ao vivo em um só universo propiciaria uma experiência real de
participação. Bem diferente da imersão tecnológica proposta pela indústria
hollywoodiana onde mente e corpo permanecem passivos todo o tempo.
Filmes em tecnologia 3D e IMAX. Salas de projeção onde cadeiras se mexem
e produzem efeitos reais como aromas, vento, fumaça etc. Tudo isso parece
demonstrar uma coisa: o desejo crescente dos espectadores e não apenas assistir
passivo, mas imergir no próprio filme.
Mas ainda assim nessas tecnologias a imersão é simulada: o corpo do
espectador ainda está passivo na poltrona e ele não pode explorar o espaço. A
tecnologia provoca os sentidos visuais, olfativos e táteis, mas o espaço
permanece inalterado e sem interatividade.
Trazido
para o Brasil pelo entusiasta em cinema Fábio Hofnik, ele conheceu esse novo
conceito na Europa através de grupos como o “Secret Cinema” e o “Future Cinema”.
Segundo ele, “a experiência enaltece o cinema como arte, mesclando outras
formas de expressão, como o teatro e realizando o sonho das pessoas de
participar do mundo de um filme, ao vivo”. O plano de Hofnik é repetir a
experiência periodicamente. “Queremos ajudar a ‘desencaretar’ a cena cultural
da cidade”, brinca.
Cinema às cegas
A
aventura começa antes mesmo do evento. O público compra os ingressos
(disponíveis pela internet),
às cegas, sem conhecer o nome do filme ou o local do evento, que tem fácil
acesso por transporte público e para cadeirantes. Alguns dias antes, são
avisados por email sobre o endereço e recebem dicas de como se caracterizar.
A experiência inglesa do "Secret Cinema": público interage com perfomances durante a exibição do filme |
“O
objetivo do Cine Imersão é ir além do que temos hoje no universo do
cinema”, diz Hofnik. O projeto proporciona ao espectador uma oportunidade
exclusiva de se envolver com o filme – com interação e imersão total nas cenas.
“O participante escolhe o que quer ver, com qual cena quer interagir, qual será
o seu próximo passo etc. Não há regras pré-estabelecidas, apenas a experiência
única e inédita de viver dentro de um filme”, afirma.
O Cine Imersão é
uma produção complexa e ambiciosa, que ultrapassa os limites do que já acontece
no Brasil. Seus organizadores afirmam ser uma oportunidade exclusiva que pretende mudar a forma de como
assistimos aos filmes.
Perder-se em espaços imaginários
Performances e interações durante a projeção do filme "Ghost Buster" no Secret Cinema |
Segundo o seu
fundador Fabien Riggall, essa experiência de imersão vai de encontro a um
desejo de escapar de um mundo saturado tecnologicamente, convidando o
espectador a “perder-se em ambientes imaginários fortuitos que desafiam a forma
como percebemos a cultura e a interação social”.
Todo esse movimento
de projetos sensório-espaciais de projeção fílmica parece querer reviver a
experiência estética do chamado Primeiro Cinema do início do século XX, antes
da industrialização hollywoodiana. Pesquisadores de cinema como Steve Ross
descrevem a
atmosfera reinante nas antigas salas de projeção, como um evento que disparava
o fenômeno da interação, reconhecimento de si mesmo e participação - leia ROSS,
Steven J. Working Class Hollywood,
Princeton: Princenton University Press, 1999.
Antes do cinema se
tornar uma forma de entretenimento padronizado e controlado pelo Código Hays de
restrição temática e moral, a experiência de recepção nas salas de projeção (os
chamados “nickelodeons”) era de festa, participação e interatividade: durante a
projeção, os espectadores comiam, bebiam e discutiam o conteúdo do filme,
associando-o aos temas do cotidiano e das suas próprias vidas.
Desse Primeiro Cinema ficou apenas na atual fase
industrializada o desejo de quebrar a tediosa rotina diária de trabalho dentro
de um lugar onde as fantasias supostamente assumem o comando e tudo pode
acontecer. Só que, agora, em espaços onde todos ficam em silêncio, mudos, passivos
nas suas poltronas, lado a lado em luxuosos palácios em que se converteram os
cinemas.
Por isso, a
inédita experiência brasileira do Cine Imersão chega num bom momento para
mostrar que o cinema pode ir além da parafernália tecnológica do 3D, 4D, 5D,
IMAX etc., estratégias industriais aparentemente interativas, mas que apenas
reforçam a passividade espacial e mental do espectador.
Serviço
- Cine Imersão
- Quando: sábado, 22/02, às 17h
- Onde: Centro de São Paulo, próximo a estação do Metrô (o local exato é revelado aos participantes apenas dias antes do evento), com acesso a portadores de mobilidade reduzida
- Quanto: R$ 49 (ingressos apenas pelo site http://even.tc/imersivos01)
- Quem: Concepção e direção geral: FABIO HOFNIK Produção: ANNA COSENZA Elenco: Adriane Gomes, Belize Pinheiro, Eduardo Pelizzari, Jansen Serra, Mario Ilha e Paloma Souza
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