quarta-feira, março 26, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Aos 50 anos do
golpe militar de 1964 é necessário revisitarmos o documentário “Muito Além do
Cidadão Kane” (Beyond Citizen Kane, 1993), dirigido por Simon Hartog para o
Channel Four da Inglaterra. A Globo venceu na justiça e o filme foi banido do
País, mas acabou assistido e debatido nos meios universitário e acadêmico. Tornou-se
um documento fundamental para conhecermos o Brasil e a nossa TV. Ficou famoso
internacionalmente pelas suas denúncias sobre as manipulações do telejornalismo
da Globo e o favorecimento econômico da emissora de Roberto Marinho desde o
início do regime militar. Mas o documentário de Hartog diz mais, que só o olhar
de um estrangeiro poderia ver: os detalhes que contribuíram para a Globo formar
a primeira rede de TV do país, capaz de criar um conteúdo tão genérico que
passou por cima da diversidade cultural e regional brasileira. “A estranha
combinação” do entretenimento dominical, a TV em cores e o projeto de
modernidade e integração nacional dos militares e o condicionamento da vinheta
do plim-plim e da linguagem do globês que alterou a identidade idiomática do
brasileiro.
Às vésperas dos 50
anos do golpe militar de 1964, é oportuno fazermos uma revisita ao lendário
documentário televisivo britânico Muito
Além do Cidadão Kane. Produzido e distribuído pelo canal privado Channel
Four em 1993 e dirigido por Simon Hartog, o documentário foca as relações entre
a grande mídia e o poder no Brasil e detalha a posição monopolista da rede
Globo que cresceu à sombra do regime militar. Analisa a figura do proprietário
Roberto Marinho, suas relações políticas com o Estado (aproximando-o do
personagem Charles Foster Kane, personagem criado por Orson Welles para o filme
Cidadão Kane de 1941) e o poder da
emissora em formar e manipular a opinião pública.
A ideia da
produção do documentário surgiu quando Hartog visitou o Brasil nos anos 80 e
ficou impressionado com o império midiático da Globo, Roberto Marinho e o seu
pragmatismo político. Hartog fazia parte
de um grupo de cineastas de esquerda da London Coop. Antes de produzir Muito Além do Cidadão Kane ele já havia
realizado Brazil: Cinema, Sex and the
Generals (1985) sobre o papel político das pornochanchadas na época do regime
militar. Para os amigos, Hartog confidenciava a surpresa pelos brasileiros até
então nunca terem feito um documentário sobre o poder da Globo.