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domingo, junho 02, 2013
Sobre realidade, jardins e TVs no filme "Muito Além do Jardim"
domingo, junho 02, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Muito Além do Jardim”
(Being There, 1979), um clássico com Peter Sellers, teve sérios problemas para
ser finalizado: o diretor Hal Ashby entrou em sério desentendimento com a produtora
Lorimar Films para impor um final que seria um dos mais polêmicos da história
do cinema (o final "andando sobre as águas"), um final tão cético que beira o ateísmo, isso após uma sequência
onde aparecem símbolos maçônicos no mausoléu de um dos protagonistas. Mas
“Muito Além do Jardim” é antes de tudo um filme sobre como a TV é capaz de
moldar nossa percepção do real, assim como todos projetam suas percepções e
interesses no protagonista. Uma fábula sobre a paradoxal incomunicabilidade em
uma cultura moldada pelos meios de comunicação.
Nunca um filme teve um título em
português tão bem acertado: “Muito Além do Jardim”. O título designado para
“Being There” do diretor Hal Ashby, é perfeito porque a narrativa de quase duas
horas em um ritmo elegante (ou lento, de acordo com a referência
cinematográfica do espectador) vai pouco a pouco aprofundando as consequências
na vida de um homem que se vê de repente despejado na rua após perder o emprego
de uma vida inteira (jardineiro) e como o acaso vai construindo o seu destino
em uma trajetória que o faz adentrar acidentalmente em círculos cada vez poderosos
até chegar ao presidente dos EUA.
Da história de um homem simples
cuja percepção da realidade foi moldada pela TV, passando pela forma como
inesperadamente se torna um “insider” dos altos círculos do poder de Washington
até o final onde símbolos esotéricos sugerem teorias conspiratórias na política
e um inesperado, ambíguo e perturbador final que potencialmente pode por em
xeque tudo que acabamos de assistir.
Como veremos adiante (aviso de
spoiler) a sequência final, que quase custou o emprego do diretor Hal Ashby que
insistiu em colocá-la na edição final do filme mesmo sob ameaça de demissão
pela produtora Lorimar, é uma das mais polêmicas da história do cinema: podemos
interpretá-la ou como um final poético sobre a pureza do protagonista ou como
um brutal ceticismo que confirmaria as intenções do diretor em inserir algumas
simbologias esotéricas na narrativa.
sábado, abril 27, 2013
E o Verbo se fez carne de celebridade no filme "Antiviral"
sábado, abril 27, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em um futuro próximo, a
relação com as celebridades será tão obsessiva que todos desejarão entrar em
"comunhão biológica" comprando vírus e enfermidades exclusivas dos
famosos e comendo carne processada com células de seus ídolos. Assistindo
ao filme canadense “Antiviral” (2012) percebemos que o diretor Branon Cronenberg sugere o
elemento religioso por trás da nossa civilização das imagens e das celebridades.
Mais precisamente, o mistério do “dogma revelado” (a misteriosa união entre o
Verbo e a carne representada por Jesus Cristo) estaria motivando todo o culto
fetichista pelas imagens na atual indústria do entretenimento, mas dessa vez
não mais por meio de uma comunhão simbólica através da hóstia e vinho, mas
agora por meios tecnológicos e mortais.
Na Bíblia o Evangelho Segundo
João nos oferece dois versículos que são fundamentais para entendermos os
mecanismos arquetípicos presentes na atual cultura das celebridades repercutida
pela civilização das imagens: “E o Verbo se fez carne”, diz o versículo 14 do
capítulo primeiro; “Eu sou o pão vivo que desceu do
céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida
do mundo é a minha carne. Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como
pode este dar-nos a comer a sua própria carne? Respondeu-lhes Jesus: Em
verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não
beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos”, versículos 51-71 do
capítulo 6.
Se o
pesquisador em Midiologia, o francês Regis Debray, estiver certo de que há uma
linha de continuidade entre a civilização das imagens atual e os Concílio de
Nicéia no ano 787 que estabeleceu o mistério da Encarnação de Cristo (o Eterno
que se tornou carne, o Infinito que se tornou finito) e a representação do
Invisível por meio de imagens, então Hollywood deveria erguer uma estátua em
homenagem a São João.
segunda-feira, abril 15, 2013
Somos todos aliens no filme "Earthling"
segunda-feira, abril 15, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O tema “alienígenas”
encontra a sua maturidade no cinema no filme indie “Earthling” (2010). Nesse
filme abandonamos os temas da invasão, dominação e submissão para entrarmos em
um campo mais metafísico e gnóstico: será que todos nós seríamos aliens
aprisionados nesse mundo? Alienígenas aos poucos vão despertando nesse planeta
e descobrem que na verdade não são quem pensavam ser. Um acidente de carro e um
incidente em uma estação espacial são os acontecimentos que despertarão nos
aliens humanos o desejo de retornar à suas origens. Seríamos todos nós
estrangeiros nesse planeta e a nossa condição de estranhamento e alienação sintomas
dessa verdade? Esse é o tema central de um subgênero que podemos nomear como
filmes AstroGnósticos.
O Gnosticismo clássico nos
ensinou que os seres humanos são criaturas celestes prisioneiras de um Demiurgo
sádico e louco. Somos prisioneiros nesse planeta apenas para acalmar seu ego ferido.
Todos nós, incluindo o Demiurgo, seriamos emanações do Pleroma ou da Plenitude
e de lá fomos expulsos devido a uma espécie de terrível aborto cósmico: a
Criação.
Por sua vez, o Gnosticismo
Cristão nos ensina que Cristo era um ser puramente espiritual, um “aeon” que
foi enviado a nós diretamente do Pleroma com o objetivo de nos despertar para a
realidade de que somos prisioneiros de um Deus cego auxiliado pelos seus
Arcontes. Despertarmos através do conhecimento trazido por Ele sobre a nossa
verdadeira natureza e identidade.
segunda-feira, dezembro 24, 2012
O conhecimento secreto do Cristo de Nag Hammadi
segunda-feira, dezembro 24, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A
descoberta e as posteriores traduções da chamada “biblioteca de Nag Hammadi” no
Egito trouxeram uma nova luz sobre os ensinamentos de Cristo. O foco comum dado
pelas religiões na morte-ressurreição de Cristo e no plano ético e devocional
da sua passagem pela Terra esconderia a sua principal missão: a de trazer o
conhecimento secreto que nos faça ter a consciência de que estamos perdidos e
longe de casa, e o caminho de volta já está dentro de nós. Cabe a nós
relembrarmos.
"O
pensamento aguarda que, um dia, a lembrança do que foi perdido venha
despertá-lo e o transforme em ensinamento" (Theodor Adorno)
O Gnosticismo em geral, e os evangelhos apócrifos
descobertos em Nag Hammadi no Egito em 1945 (conjunto de antigos pergaminhos
composto pelos evangelhos que revelariam a natureza do antigo cristianismo e as
interpretações místicas de Cristo feitas pelos gnósticos) em particular,
apresentam um espectro de crenças cujo núcleo central filosófico é bem discernível,
aquilo que Kurt Rudolph chama de "mito central": o Gnosticismo nos ensina
que algo está desesperadamente errado com o universo. Dessa forma os escritos
gnósticos tentaram delinear os meios de explicar essa falha cósmica e corrigir
a situação.
O universo, tal como atualmente constituído, não é
bom, nem foi criado por um Deus todo poderoso. Em vez disso, um deus menor, ou “demiurgo”
(como é chamado às vezes), moldou o mundo na ignorância. O Evangelho de Filipe
de Nag Hammadi, diz que "o mundo surgiu através de um erro. Para aquele
que o criou queria criá-lo imperecível e imortal. Ele ficou aquém de alcançar o
seu desejo.” A origem do demiurgo é diversas vezes explicada como resultante de
alguma perturbação pré-cósmica na cadeia de seres que emanam do incognoscível
Deus-Pai. Isso originou a “queda” de uma divindade inferior, com credenciais
bem menores. Tentando recriar nos planos inferiores a Plenitude da qual “decaiu”,
acabou por criar um cosmos material encharcado de dor, ignorância, decadência e
morte - um trabalho malfeito, com certeza.
domingo, outubro 28, 2012
"Deus é meu inimigo!"
domingo, outubro 28, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Crianças são
imprevisíveis, principalmente no que pensam e falam. Suas impressões e tiradas
são muitas vezes surpreendentemente cortantes pela sinceridade e concisão.
Ideias que para os adultos já são tão evidentes em si mesmas que passam batidas
e sem exigência de reflexão, para uma criança que as conhece pela primeira vez
muitas vezes são motivos de estranhamento. Uma delas é a ideia de “Deus”. Outro
dia, meu filho Gael demonstrou toda sua estranheza: “O Deus é meu inimigo!”,
disparou. O que está por trás dessa afirmação de uma criança de quatro anos em
um universo lúdico povoado de super-heróis como Homem Aranha e Ben 10, seus
preferidos?
Um dia Gael virou para minha esposa e falou com convicção: “O Deus é
meu inimigo!”. “Mas o que Ele te fez?”, perguntou Tatiane pega de surpresa com uma
afirmação tão dura. “Todos têm medo do Deus. Eu só tenho medo dos meus inimigos
e vilões. Então, o Deus é meu inimigo”, concluiu em um evidente silogismo aristotélico.
A aproximação dos termos “inimigos” e “vilões” torna claro que Gael não se
referia a inimigos pessoais, mas os vilões dos super-heróis com os quais ele se
identifica. Um herói teme seus inimigos (o início da sabedoria dos
super-heróis) para depois encontrar o ponto fraco e vencê-los.
O que me surpreendeu foi a sua concepção de Deus como uma
entidade punitiva e grave que impõem respeito através do medo. Gael não estuda
em uma escola religiosa, mas pedagogicamente crítica, construtivista e laica.
Certamente tal concepção não foi passada diretamente em aulas de religião,
catecismo ou mesmo Filosofia. Se ele não recebeu essa concepção de Deus de
forma doutrinária ou religiosa, só pode ter apreendido indiretamente dentro do
contínuo cultural no qual estamos imersos.
domingo, agosto 26, 2012
Ocultismo e política no fenômeno viral "I, Pet Goat II"
domingo, agosto 26, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Propaganda Iluminati? Denúncia à hipocrisia da política
anti-terror dos EUA? Uma metáfora da decadência espiritual do Ocidente? O curta
canadense de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral da Internet,
produzindo as interpretações mais extremas. Elegante e ao mesmo tempo bizarro,
o vídeo mergulha em uma série de simbolismos relacionados com fundamentalismo
religioso, propaganda política e ocultismo. Mas ao mesmo tempo a narrativa
contém uma estranha ambiguidade: será que o vídeo não cai na mesma armadilha
ideológica de todos os fundamentalismos que procura denunciar – o messianismo?
O curta de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral
na Internet. O curta multiplicou-se em uma série de vídeos onde se tenta
enumerar e explicar, sequência por sequência, os inúmeros simbolismos presentes
na animação do canadense Louis Lefebvre. Simbolismos políticos, místicos,
ocultistas e conspiratórios que fazem a delícia tanto dos teóricos de
conspirações quanto dos estudiosos em propaganda e política internacional.
O curioso é que as interpretações são ambíguas e extremas:
de um lado veem na animação uma denúncia à política anti-terror dos EUA e a
utilização da religião como forma de manipulação das mentes conformadas; do
outro, interpretam o vídeo como uma propaganda Iluminati e o personagem central
da narrativa (Jesus redivivo sob uma roupagem esotérica) como o próprio
Anti-Cristo que estaria por trás da construção da chamada “Nova Ordem Mundial”
(NWO, em inglês).
O curta de animação é uma produção do estúdio canadense Heliofant
(o nome sugere um trocadilho entre o termo “hierofante” – sacerdotes da alta
hierarquia dos mistérios da Grécia e Egito antigo - “Heliópolis” – cidade do antigo Egito cuja
divindade máxima era “Rá”) formada por um grupo de artistas nas áreas de dança,
música, animação digital e artes visuais. Nas palavras de Louis Lefebvre, a
proposta do estúdio é “explorar diversas tradições espirituais e filosóficas em
diferentes formas líricas” (veja “Interview with Director of I, Per Goat II Louis Lefebvre”). E a animação “I, Pet Goat II” atinge esse objetivo de forma
simultaneamente elegante e bizarra: pelo acúmulo de simbolismos e personagens
mitológicos (“O Guardião do Fogo”, “O Feiticeiro”, “A Pietá” etc.) em um
estranho universo gelado e sombrio, ficamos nos perguntando o tempo inteiro “o
que isso quer dizer?” a cada cena.
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
Em "Mais Estranho Que a Ficção" Deus é um Mau Escritor
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais Estranho que a Ficção (Stranger
Than Fiction, 2006) propõe uma interessante ironia: e se nossas vidas
não passarem de plots de uma narrativa literária? Tramas da obra de um mal
escritor, uma divindade, um "Deus Ex-Machina" (termo para
designar soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade na narrativa, para
solucionar becos sem saída encontrados em roteiros mal conduzidos). É o
velho tema da batalha do ser humano contra um Demiurgo que quer impor uma
narrativa fatalista e luta pelo despertar do livre-arbítrio dentro do
reino da fatalidade. Um irônico paralelo entre Teologia e Literatura: Deus é uma má escritora que tenta matar o protagonista da sua obra.
Harold Crick (Will Ferrell) é um auditor da Receita Federal que leva uma
vida solitária e rígida, governada por números (ele sempre conta o número de
vezes que escova os dentes verticalmente e horizontalmente), pelo seu relógio
de pulso e pela rotina. Seu apartamento é impessoal como um quarto de hotel,
sem objetos pessoais, fotografias, memórias ou desordem.
Mas, em uma manhã, Harold começa a ouvir uma voz narrando suas ações:
“um modesto elemento da sua vida considerada normal poderá ser o catalisador para
uma nova vida”, diz a estranha voz vinda aparentemente do céu. Imerso num
cotidiano de números e cálculos, pela primeira vez cria uma nível meta (ou
consciência de transcendência espiritual?) na sua vida: quem é esse narrador
onisciente? De que plano provém? Harold passa a ser perseguido por essa voz em
off, até descobrir seu propósito: narrar a iminente morte de Harold.
segunda-feira, fevereiro 20, 2012
As Nuvens Atônitas: Temas Gnósticos no Cinema Popular
segunda-feira, fevereiro 20, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
As sequências em "bullet time" do filme "Matrix" ("The Matrix", 1999) teriam se inspirado em trechos dos Evangelhos Apócrifos Gnósticos do início da Era Cristã? As narrativas do cinema hollywoodiano atual parecem se estruturar em dois mitos: o "monomito" da jornada do herói (Queda,Martírio, Morte e Ressurreição) e o "insight" místico de que a realidade é uma ilusão.
Em
minhas pesquisas iniciais sobre Cinema e Gnosticismo no Mestrado, o texto “The
Clouds Astonished – Gnostic Themes in Popular Cinema” (As Nuvens Atônitas –
Temas Gnósticos no Cinema Popular) foi um dos primeiros subsídios encontrados
na Internet. O problema é que o texto parece ser apócrifo, apenas assinado por
iniciais ou pseudônimo. Há tempos esse texto circula por fóruns de discussão
sobre cinema, sem se saber exatamente a fonte.
A
despeito da sua natureza não-científica, o texto oferece um interessante
paralelismo entre as visões criadas em trechos dos evangelhos apócrifos
gnósticos e sequências de filmes, como no filme “Matrix”: os efeitos em “bullet
time” e o congelamento de ações e objetos enquanto a câmera gira comparado com
a imagem descrita no Evangelho “Atos de João” que descreve o momento do
nascimento de Cristo onde as “nuvens ficaram atônitas” e os “pássaros pararam”
em pleno voo.
Além
disso, o texto sugere uma estrutura mítica a partir da qual os filmes gnósticos
são construídos: em primeiro lugar esses filmes partilhariam de um “monomito”
comum a todos os filmes, a narrativa do “herói de mil faces” tal como descrita
pelo historiador e mitólogo Joseph Campel (veja CAMPBEL, Joseph. “O Herói de
Mil Faces”, Pensamento, 1995) – o drama da jornada de queda, martírio, morte e
ressurreição do herói. Sobre essa narrativa comum o filme gnóstico construiria
outra narrativa arquetípica: o súbito “insight” do herói de que a realidade
seria uma ilusão.
O
texto ainda lança uma hipótese para o súbito aparecimento de temas míticos
gnósticos no cinema popular contemporâneo: esses filmes expressariam uma nova
sensibilidade a partir do surgimento das interfaces virtuais e os efeitos com
imagens geradas em computador: o crescimento dessas tecnologias no horizonte
cultural que sugere uma noção plástica da realidade, como uma estrutura
ilusória que poderia ser construída e manipulada.
Confira
abaixo esse texto:
domingo, janeiro 29, 2012
Filme "The Man From Earth" Desconstrói a Religião e a Ciência
domingo, janeiro 29, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um filme indispensável tanto para ateus, religiosos, gnósticos, agnósticos ou cientistas. O filme "The Man From Earth" é composto por uma narrativa de 90 minutos de puro ceticismo e desconstrução tanto da Religião quanto da Ciência. Um homem revela ter 14 mil anos de idade, mas tudo o que um grupo de cientistas e professores descobre é um ser com a mesma consciência de um homem comum que luta pela sobrevivência, sem qualquer lição metafísica ou teológica a oferecer.
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Uma Semiótica do Poder das Imagens
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma imagem vale mais que mil palavras. Essa frase atribuída
a Confúcio resume a natureza do mais potente aparato de transmissão: a imagem.
Se Confúcio referia-se ao poder dos ideogramas , forma de comunicação simbólica onde duas ou mais imagens são fundidas
em um conceito, no Ocidente a imagem viveu uma verdadeira saga a partir das
origens rituais até ser convertida em feitiço ou fetiche - da religião à moderna Publicidade e Propaganda.
A genesis das imagens está nos rituais de morte e
fertilidade, vida e renascimento. A imagem como manifestação do invisível, a
representação de quem morreu para imortalizá-lo. Uma constelação de palavras
gravita em torno do conceito de imagem, todas elas derivadas dessas origens:
simulacrum (o espectro, fantasma), Imago (a máscara de cera, reprodução do
rosto do defunto), eidolon (ídolo, a alma do defunto que sai do cadáver, de
natureza tênue e, por isso, ainda corpórea, espectro). Todas essas ideias vão
se aglutinar depois no conceito de retrato, imagem.
Sendo ela simultaneamente uma vitória sobre a morte e
perpetuação pública de um ser ativo e radiante, a imagem abre as portas para a
divinização: para o homem do Ocidente é a sua melhor parte, seu eu imunizado e
posto em lugar seguro. A glória do herói grego, a apoteose do imperador romano
e a santidade do papa cristão representados por imagens (estátuas, moedas e
vitrais) ao longo da História atestam esse poder de transmissão não só da
divindade ou imortalidade, mas, também, da crença e do Poder.
Se pretendemos fazer uma semiótica não da imagem em si (já
farta na bibliografia da área), mas do seu poder na transmissão de crenças,
temos que analisá-la em um duplo aspecto: o religioso e o semiótico, isto é,
entender como a exploração religiosa vai fazer o ícone regredir para as formas
mais míticas e mágicas da imagem ao explorá-la como propaganda. Indo além,
entender como as modernas formas de Propaganda como a Publicidade são novas
versões do princípio religioso da exploração das imagens.
segunda-feira, janeiro 09, 2012
Gnosticismo é o "Jazz" das Religiões
segunda-feira, janeiro 09, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Certa vez Louis Armstrong disse a um jornalista: "Cara, se você for perguntar o que é o Jazz, então nunca saberá". Algo semelhante ocorre com termos como "Gnosticismo" ou "Gnose" na história das religiões: devem ser mais experimentados do que compreendidos. Pelas suas próprias origens sincréticas (uma fusão de platonismo, neo-platonismo, estoicismo, budismo, antigas religiões semíticas e cristianismo), o Gnosticismo poderia ser facilmente comparado ao Jazz que, pelas suas origens, também foi resultante de intensas misturas e adaptações.
O que é Gnosticismo?
Seja pelo ponto de vista histórico (conjunto de seitas sincréticas de religiões
iniciatórias e escolas de conhecimento nos primeiros séculos da era cristã) ou
pelo ponto de vista dos renascimentos na era moderna (grupos e, por analogia, a
todos os movimentos que se baseiam no conhecimento secreto da “gnose”) são definições
que podem levar à generalização e confusão.
Mesmo com a
descoberta, em 1945, de textos gnósticos do século IV em Nag Hammadi (Egito),
muitos concordam que o tema ainda continua com muitos pontos dúbios.
Hoeller e Conner
preferem abordar o Gnosticismo como uma “atitude da mente” ou uma “predisposição
ideológica” que surge em ambientes de grande agitação artística e cultural. “Se
você é um artista sério, já é meio gnóstico”, afirma Conner. Nessas condições,
o Gnosticismo está fadado a um novo renascimento.
Mas há um consenso: o Gnosticismo e seus derivados
esotéricos nunca fizeram parte da cultura sancionada pelas instituições. Desde
o triunfo do cristianismo ortodoxo após Constantino, a tradição gnóstica entrou
para o subterrâneo dos movimentos sociais. Bem sucedido em seus canais subterrâneos,
eventualmente ofereceu a pensadores revolucionários e artistas subsídios
importantes para críticas aos sistemas opressivos políticos, sociais ou
culturais.
É por esse caminho que Miguel Conner (escritor
norte-americano de sci fi e editor/apresentador do programa radiofônico "Aeon
Bytes Gnostic Radio" - programa de debates e
entrevistas semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop)
vai focar o Gnosticismo ao compará-lo ao Jazz no campo musical. Impossível de
ser definido, o Jazz escapa a qualquer descrição ou análise mecanicista. Para
Conner, o Gnosticismo se enquadraria nessa mesma natureza. Pelas suas próprias origens sincréticas (uma fusão de platonismo, neo-platonismo, estoicismo, budismo, antigas religiões semíticas e cristianismo), o Gnosticismo poderia ser facilmente comparado ao Jazz que, pelas suas origens, também foi resultante de intensas misturas e adaptações.
quarta-feira, janeiro 04, 2012
Há Semelhanças entre Jesus Cristo e Harry Potter?
quarta-feira, janeiro 04, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que há em comum entre a figura bíblica de Jesus Cristo e o blockbuster literário e cinematográfico Harry Potter? Segundo Derek Murphy no livro “Jesus Potter, Harry Christ”, mais coisas do que imaginamos. Para ele são “modelos literários” ou “composições de mitológicos e filosóficos símbolos de salvação". Se Henry Potter é a recorrência da narrativa mítica da agonia-morte-ressurreição do herói, Jesus Cristo estaria conectado com toda uma tradição antiquíssima de deuses encarnados destinados à morte e ressurreição.
sábado, dezembro 31, 2011
Você Sabe que é Gnóstico quando...
sábado, dezembro 31, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Miguel Conner, escritor norte-americano de sci fi e editor/apresentador do programa radiofônico "Aeon Bytes Gnostic Radio" (programa de debates e entrevistas semanais sobre temas do Gnosticismo, literatura e cultura pop), elaborou uma lista de itens que caracterizam se você é gnóstico. Apesar do tom irônico e, às vezes, engraçado, dá para perceber a seriedade das teses do gnosticismo em cada item. Mais do que isso, demonstram que o Gnosticismo não é uma religião, doutrina ou filosofia plenamente sistematizada como afirma Stephen Holler: "O Gnosticismo é uma certa atitude da mente, uma ambiência psicológica (...) um certo tipo de alma é, por sua própria natureza, gnóstica". Se pelo menos o leitor se enquadrar em um desses itens abaixo, pode se considerar com uma séria inclinação à visão de mundo gnóstica.
sábado, novembro 19, 2011
O Western Espiritual "Dead Man"
sábado, novembro 19, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
De todos os subgêneros
e revisionismos criados a partir do western clássico, o que mais chama a
atenção é o “acid western” pelo seu caráter “underground” místico e messiânico:
todos os personagens do gênero estão lá (caçadores de recompensas, prostitutas,
cowboys errantes etc.), porém eles não lutam mais por vingança, conquista ou
justiça: buscam a iluminação espiritual. “Dead Man” (1995) do diretor Jim
Jarmuch se insere nesse subgênero ao rechear as linhas de diálogos com inúmeras
referências ao poeta e pintor inglês místico e herético William Blake e construir uma narrativa
hipnótica como um mantra ao som da guitarra de Neil Young.
O gênero western é um produto tipicamente norte-americano
que passou por uma série de renovações, sempre com a preocupação da indústria
do entretenimento universalizá-lo para torná-lo um produto com um mercado
globalizado: do western clássico desde a era do cinema mudo que retrata a luta
do homem para conquistar a natureza infestada por índios e animais selvagens,
passando pelo diretor John Ford (culturalmente mais neutro onde os nativos
passam a ter um melhor tratamento) que vai construir aprofundamentos
psicológicos em toda a galeria dos personagens do gênero (caçadores de
recompensas, cowboys errantes etc.) até chegar a autoconsciência paródica do
chamado “spaghetti western”de Sérgio Leone e o revisionismo de Sam Peckinpah
onde pretendia arrancar poesia da violência representada em câmera lenta.
Para além dessa trajetória “mainstream”, o crítico de cinema
Jonathan Rosenbaun aponta para um subgênero underground: o “acid western”subgênero
que se inicia com o filme “El Topo” (The Mole, 1970), um western místico Cult recheado
de referências ao tarot, messianismo e referências bíblicas em linguagem
lisérgica. “Dead Man” de Jim Jarmuch se insere claramente nessa linha ao criar
um protagonista que não busca mais conquista, vingança ou justiça, mas
iluminação espiritual através de uma “poesia escrita com sangue”.
É a estória de um jovem homem que realiza uma jornada espiritual em uma
terra estranha para ele, nas fronteiras extremas do oeste americano, em algum
momento da segunda metade do século XIX. William Blake (Johnny Deep) é um
contador que recebe convite para trabalhar em uma metalúrgica em uma cidade
chamada Machine. Em seus bolsos alguns dólares e a carta de promessa de emprego
na metalúrgica. Chegando lá, descobre que outro homem já ocupava a vaga de
contador e que ele, Blake, chegou com um mês de atraso.
Deprimido, vai para um saloon, onde encontra com uma mulher,
ex-prostituta, Thel (Mili Avital). Defende-a da agressividade dos homens do
local, sendo convidado por ela para ir até seu quarto. Lá, ambos são flagrados
pelo noivo Charlie Dickinson (Gabriel Byrne) que dispara um revólver, atingindo
os dois. Em legítima defesa, Blake o mata e foge, depois de constatar que Thel
estava morta. A partir desse ponto, começa o purgatório de Blake: Charlie era,
na verdade, filho do proprietário da metalúrgica, que contrata três pistoleiros
para matá-lo em vingança.
quarta-feira, setembro 21, 2011
Um Fantasma Ronda a Europa no profético “Songs from the Second Floor”
quarta-feira, setembro 21, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Embora ambientado na ansiedade coletiva frente à proximidade do “bug do milênio” do ano 2000, "Songs From The Second Floor" do sueco Roy Andersson não perdeu nada da sua atualidade e relevância. No filme, o colapso financeiro e a crise espiritual são os dois lados de um mesmo movimento marcado ao mesmo tempo pela fé e angústia diante de instituições econômicas e religiosas que não funcionam. Tudo narrado com muito humor negro e "non sense".
Quando pensamos na Suécia ou nos países escandinavos lembramos “daquele lugar com chocolate” ou de uma sociedade economicamente justa e com um louvável senso de igualdade. Mas desde os atentados terroristas impetrados por um jovem noruegues direitista, passamos a prestar a atenção para o “dark side” da cultura nórdica tal como o forte movimento Death e Black Metal, o latente espírito Viking rodeando a cultura jovem, e o existencialismo cristão do filósofo dinamarquês Kierkegaard que mescla a fé com a angústia (muito presente nos filmes do sueco Ingmar Bergman, por exemplo).
Quando pensamos na Suécia ou nos países escandinavos lembramos “daquele lugar com chocolate” ou de uma sociedade economicamente justa e com um louvável senso de igualdade. Mas desde os atentados terroristas impetrados por um jovem noruegues direitista, passamos a prestar a atenção para o “dark side” da cultura nórdica tal como o forte movimento Death e Black Metal, o latente espírito Viking rodeando a cultura jovem, e o existencialismo cristão do filósofo dinamarquês Kierkegaard que mescla a fé com a angústia (muito presente nos filmes do sueco Ingmar Bergman, por exemplo).
"Songs from the Second Floor" (Prêmio do Juri no Festival de Cannes de 2000) é uma comédia com forte humor negro
e “non sense” que aponta para esse lado sombrio. Dirigido e escrito pelo sueco Roy Andersson, o filme é uma surpreendente colagem
de referências estéticas tais como “Fargo” dos irmãos Coen, “Playtime” de
Jacques Tati, os ambientes sombriamente cleans de Kubrick, as pinturas de
Edward Hooper (incluindo a versão ao inverso da sua obra-prima “Notívagos”,
como se fosse vista de dentro para fora) e o humor “non sense” do grupo inglês
Monty Phyton.
Com esse filme Andersson
iniciou uma trilogia, cuja continuação foi “Vocês, os Vivos” (2007) e uma
terceira continuidade esperada para 2013.
A narrativa é composta por uma
série de “sketches” onde a câmera numa se movimenta. Andersson pretende que o
espectador mantenha uma relação intensiva com os planos, assim como quando
observamos um quadro em um museu (daí as constantes alusões a telas do pintor
norte-americano Edward Hooper). As vinhetas são a princípio fragilmente
interligadas, mas, aos poucos, começamos a perceber certas recorrências como um
enorme engarrafamento sem fim (várias vezes os personagens perguntam “como sair
daqui?” ou “onde estou?”) onde ninguém consegue chegar a lugar algum e a
referência constante à ideia de que a vida se resume “a comprar algo que possa
ser vendido com um zero extra.”
As estórias são compostas por
“perdedores”, em sua maioria corretores de bolsa e empresários que testemunham
assombrados a ruína da sociedade, quadro a quadro. Ah!... e também um mágico
incompetente que tenta serrar um voluntário ao meio e acaba quase partindo-o!
segunda-feira, julho 11, 2011
Filme "2033": Quando a Religião vai do Ópio à Libertação
segunda-feira, julho 11, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A ficção científica mexicana "2033" (2009) é o sintoma do mal estar-estar de um país arrasado pela violência do narcotráfico e pelo desastre econômico após anos de políticas neoliberais. E surpreende ao retratar a religião não como o ópio mas como instrumento de resistência e libertação.
Indicado pelo leitor desse humilde blog Nelson Jonas, a ficção científica mexicana “2033”, embora carregada de clichês das sci-fi norte-americanas, desempenha o importante papel de ser o contraponto crítico de uma época. Se no seminal neoliberalismo da década de 80 de Margareth Thatcher e Ronald Reagan tivemos filmes como “Robocop” (1987 – ambientado em uma Detroit onde o Departamento de Polícia era privatizado pela empresa OCP criando um sistema político corrupto envolvendo um cartel de drogas), no filme 2033 temos um México pós-experiência neoliberal onde o Estado foi reduzido a sua forma fascista (repressiva e policial) e as grandes corporações bancam um apartheid sócio-econômico.
Ao lado disso o filme aborda o tema da Religião. Se nas sci-fi distópicas como “O Livro de Eli” (The Book of Eli, 2010 – já analisado nesse blog, veja links abaixo) a religião é apresentada como o “ópio” do povo nas mãos dos poderosos, no filme mexicano ela desempenha o surpreendente papel de resistência e libertação. Isso porque no sistema fascista pós-neoliberal o ópio ideológico passam a ser as drogas produzidas por uma poderosa corporação farmacêutica.
O filme “2033” é a estreia do diretor Francisco Laresgoiti, fundador da produtora La Casa de Cine e conhecido como diretor de vídeos publicitários, curtas e vídeos experimentais. A narrativa se passa na Cidade do México de 2003, agora conhecida como Villa Paraíso. Um Estado convertido em mero aparelho policial e repressivo controla a sociedade, bancado por corporações de telecomunicações, farmacêuticas, energia e Cryo-pausa (onde intelectuais, cientistas e políticos são guardados em armazéns congelados para que suas mentes sejam reprogramadas para posteriormente serem úteis aos sistema).
O enorme desenvolvimento tecnológico apenas fez aprofundar a divisão social: nos subúrbios vivem os pobres que são caçados por esporte pelos ricos como fossem animais. Ao mesmo tempo, os cidadãos são “pacificados” pela bebida viciante chamada “pactia” cujo principio ativo é uma droga chamada “Tecpanol” produzida pela corporação farmacêutica Phaarmax. Dessa forma, temos um retrato distópico: enquanto os cidadãos são oprimidos quimicamente, os pobres o são pela miséria e violência (uma interpretação do México atual?).
sexta-feira, maio 06, 2011
Os Pontos-chave do Gnosticismo para iniciantes
sexta-feira, maio 06, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um universo criado por poderes inferiores que confina os seres humanos através do sono e da ignorância. Tais poderes têm um propósito principal: aprisionar as partículas de luz presentes nos seres humanos para, dessa maneira, perpetuar o esquecimento da nossa verdadeira origem e morada. Conheça alguns pontos-chave da filosofia gnóstica.
Transcrevemos abaixo texto postado no blog Aeon Byte Gnostic Radio Show (veja o link para esse blog na nossa lista de blogs recomendados) que, de forma feliz e suscinta, resume os pontos-chave do Gnosticismo. Um ótimo texto introdutório para aqueles que desejam dar os primeiros passos para as discussões contidas nesse blog "Cinema Secreto: Cinegnose"
quarta-feira, maio 04, 2011
Mitologia Ufológica e Gnosticismo na ficção científica francesa “La Belle Verte”
quarta-feira, maio 04, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se no passado buscávamos deuses, anjos e santos , hoje a sociedade tecnológica nos tornou mais céticos: esperamos agora por extraterrestres de uma civilização mais avançada que nos ensine o verdadeiro sentido da vida e da espiritualidade. A ficção científica “A Turista Espacial” (La Belle Verte, 1996) explora não apenas esse arquétipo ufológico contemporâneo, mas também simbologias que dão um sabor gnóstico à narrativa. Indicado pelo nosso seguidor Rodrigo Dias, o Blog “Cinema Secreto” conferiu o filme.
Um distante planeta vive o ano 6000 da sua época. Seus habitantes são seres muito avançados que vivem aproximadamente 250 anos. Convivem em harmonia com a natureza e são dotados de poderes telepáticos, além de viverem em uma sociedade cujas noções de hierarquia, chefia e poder a muito desapareceu. De tempos em tempos eles fazem excursões a outros planetas, seja para estudá-los ou para auxiliá-los no processo evolutivo. Mas ninguém quer ser voluntário para ir até a Terra. Há 200 anos ninguém do planeta a visita. Na verdade, ninguém suporta os terráqueos com sua mania em não evoluir.
Até que uma mulher, Mila, decide ir a Terra. Por razões pessoais: ela descobriu que é uma mestiça, filha de uma mãe terráquea quando seu pai esteve na Terra há muito tempo atrás. De uma forma bem humorada, a narrativa descreve o impacto cultural de Mila ao chegar à Terra, em plena cidade de Paris caótica, congestionada e poluída.
Essa é a ficção científica francesa “La Belle Verte” (1996). O filme aborda temas como espiritualidade, anticonformismo, ecologia, feminismo, homossexualismo, sustentabilidade e outros com um humor que às vezes chega a beirar o non-sense (lembrando o humor negro do grupo inglês Monty Phyton). Filme indicado pelo leitor desse humilde blog, Rodrigo Dias pergunta: é um filme gnóstico?
segunda-feira, janeiro 24, 2011
Cristo Salva? Não, Cristo Funciona! A Fé Pragmática no filme "O Paraíso é Logo Ali"
segunda-feira, janeiro 24, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quem assiste ao filme “O Paraíso é Logo Ali” (Henry Poole is Here, 2008) pensa estar diante de um filme com tema espiritual ou religioso. Nem uma coisa nem outra. Embora estejam presentes elementos como a imagem de Cristo, fé, milagres e um padre, o filme é uma abordagem tragicômica sobre o tema da esperança. Dessa forma, esse filme é um flagrante exemplo de como roteiristas de Hollywood trabalham com elementos religiosos e espirituais: os convertem em cenários ou signos que evocam a vida espiritual, quando na verdade o filme trata da vida interior – a fé convertida em pensamento positivo. É a influência da filosofia do Pragmatismo americano ao converter o espiritual e o religioso ao “inspirador” e “motivacional”. A fé em Cristo não salva. Ela apenas funciona.
Henry Poole (Luke Wilson) é o protagonista do filme. Ele é um homem desiludido que tenta se isolar em uma casa no subúrbio degradado na periferia de Los Angeles. Desenganado por um médico, Poole acredita que morrerá em breve. Tudo o que ele quer é se isolar, acumulando várias garrafas de vodka e muitos sacos de salgadinhos, melancolicamente à espera da morte. Mas, para o seu incômodo, os vizinhos se recusam a deixá-lo sozinho.
segunda-feira, abril 12, 2010
Em "Mais Estranho Que a Ficção" Deus é um Mau Escritor
segunda-feira, abril 12, 2010
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction, 2006) explora o profundo simbolismo do “Oceano da Gnose” e dos limites de uma Escritora/Demiurgo, incapaz de solucionar os limites do tempo e do devir. É a velha batalha gnóstica do ser humano contra um Demiurgo que quer impor uma narrativa fatalista, a gnose que luta pelo despertar do livre-arbítrio dentro do reino da necessidade.
Harold Crick (Will Ferrell) é um auditor da Receita Federal que leva uma vida solitária e rígida, governada por números (ele sempre conta o número de vezes que escova os dentes verticalmente e horizontalmente), pelo seu relógio de pulso e pela rotina. Seu apartamento é impessoal como um quarto de hotel, sem objetos pessoais, fotografias, memórias ou desordem.
Mas, em uma manhã, Harold começa a ouvir uma voz narrando suas ações: “um modesto elemento da sua vida considerada normal poderá ser o catalisador para uma nova vida”. Imerso num cotidiano de números e cálculos, pela primeira vez cria uma nível meta (ou consciência de transcendência espiritual?) na sua vida: quem é esse narrador onisciente? De que plano provém? Harold passa a ser perseguido por essa voz em off, até descobrir seu propósito: narrar a iminente morte de Harold.
Após desistir de procurar apoio terapêutico, Harold busca uma solução menos ortodoxa: busca o auxílio de um eminente professor de Teoria Literária, o professor Jules Hebert (Dustin Hoffman). A partir daí o filme estabelece uma interessante ironia narrativa: mais do que a preocupação com seu estado mental, Harold percebe que a sua vida parece estar dentro de um propósito maior, como a narrativa de uma obra literária. Portanto, com o auxílio de Julius, deve descobrir em qual plot e gênero literário está envolvido, para, dessa maneira, descobrir como seria o desfecho mortal para evitá-lo.
A voz off é da escritora Karen Eiffel (performada por Emma Thompson - famosa por matar todos os seus protagonistas em seus livros). Suas imagens iniciais no filme são simbolicamente sugestivas (observa o protagonista do alto dos edifícios, como o Demiurgo gnóstico criando uma trama cósmica para confinar o protagonista anthropos).
A voz off é da escritora Karen Eiffel (performada por Emma Thompson - famosa por matar todos os seus protagonistas em seus livros). Suas imagens iniciais no filme são simbolicamente sugestivas (observa o protagonista do alto dos edifícios, como o Demiurgo gnóstico criando uma trama cósmica para confinar o protagonista anthropos).
De início, dois elementos dos filmes gnósticos estão presentes em “Mais Estranho que a Ficção”: a solidez e regularidade da realidade que se esfacela ao descobrir que tudo consiste numa narrativa literária e arbitrária de um Demiurgo e a desconstrução irônica da própria narrativa fílmica – na estória constantemente criam-se níveis meta como, por exemplo, a discussão dos próprios elementos do roteiro do filme (Ironia Dramática, Deus “ex-machina” etc.) e a busca de Harold e Julius em determinar em qual gênero o filme que o espectador assiste se insere (comédia? Drama? Tragicômico?).
Karen Eiffel é o Demiurgo que, de tão inebriado pelo poder de matar seus protagonistas, entra em crise e sofre um bloqueio criativo: não sabe agora como matar Harold de forma criativa. Tal como na mitologia gnóstica, todo o poder do Demiurgo não é capaz de solucionar a falha principal do seu universo material: o devir, o tempo. A editora envia uma assistente para ajudá-la a superar o bloqueio e pressioná-la quanto aos prazos para entrega dos originais.
Para a mitologia gnóstica, o Demiurgo aprisiona o homem em seu cosmos físico com um objetivo principal: roubar-lhe as partículas de luz, reminiscência do verdadeiro plano superior da Pleroma contido no ser humano, plano este que está além dos poderes do Demiurgo. Isso é representado na timidez e ingenuidade de Harold, que fará cada vez mais a escritora Karen fascinar-se pelo seu próprio protagonista ao ponto de relutar em matá-lo. Aos poucos vai libertando-se da rigidez do mundo burocrático e certinho (na medida em que descobre a artificialidade do mundo em que vivia).
Essa pureza da sensação do “olhar da primeira vez” é emblematicamente trabalhada com vários simbolismos bíblicos do Gênesis. A maçã na boca de Harold ao sair apressado para o ponto de ônibus toda manhã; o encontro com Anna Pascal (Maggie Gyllenhaal - confeiteira auditada pela Receita) que lhe oferece cookies cujo sabor fará ainda mais Harold abrir-se para um mundo de novas sensações (o pecado original do Paraíso bíblico); a atração por uma velha guitarra Fender da mesma cor da maçã que toda manhã está na boca de Harold etc.
Aliás, a personagem Anna Pascal ocupa importante papel para a gnose de Harold. Assim como na mitologia gnóstica o personagem feminino de Sophia ocupa importante papel ao trazer sabedoria para o cosmos físico, o personagem de Ana Pascal ao oferecer a “Maçã do pecado original” (os cookies) que abrirá a mente de Harold.
O “Oceano da Gnose”
O principal tema do filme é a gnose de Harold. Ele tem uma vida vazia, burocrática e repetitiva (típica caracterização do personagem “O Viajante” nos filmes gnósticos) cujo processo de gnose deve ser através de um Jogo (o processo metalingüístico da descoberta do plot narrativo da sua vida) onde os limites entre a ficção e a realidade se confundem, como uma viajem através do qual o protagonista despertará. Tal ambigüidade é o caminho aberto para a gnose.
Essa gnose de Harold se inicia na simbólica cena onde Harold folheia as fichas da gaveta de uma imensa sala de arquivos da Receita federal. A voz off de Karen Eiffel narra: “O som do papel contra o separador tinha o mesmo tom de uma onda a rebentar na areia. E quando Harold reparou nisso, percebeu que já tinha escutado ondas o suficiente para constituir o que ele imaginou como sendo um profundo e interminável oceano”. Temos aqui o simbolismo do “Oceano da Gnosis”, o cerne de inúmeros ensinamentos metafísicos Sufis (Sufismo, corrente mística e contemplativa do Islamismo que se ocidentaliza através do hinduísmo) como, por exemplo, do poeta e místico muçulmano Jalal AL-Din Rumi. Para ele, percebemos Deus não através de ensinamentos mas pelo “coração”, como se estivéssemos “imersos num oceano”.
Harold sabe que vai morrer, luta contra esse destino narrativo imposto pela escritora/demiurgo. Tal como no filme “Blade Runner” (filme de 1982, baseado em livro do gnóstico escritor Philip K. Dick onde um robô replicante luta para encontrar seu criador para reivindicar por mais tempo de vida), Harold vai ao encontro do seu criador, a escritora Karen Eiffel. Chocada, ela se confronta com sua própria criação.
O professor Julius e Harold lêem os originais da escritora e chegam à conclusão: Harold tem que aceitar a morte, afinal, o novo livro é a obra-prima de Karen Eiffel. Novamente, o recurso meta-narrativo da estória: como em qualquer roteiro, o protagonista deve se sacrificar por uma causa maior, no caso, a obra-prima de Eiffel. Julius Hebert, como professor de Teoria Literária, tenta convencer Harold da inevitabilidade da sua morte. Tem a ver com um “Plano Maior”, o desfecho de uma excelente obra literária, o ponto alto da carreira da Escritora/Demiurgo.
Com tantas referências bíblicas e místicas que o filme faz, é inevitável a comparação com a Paixão de Cristo. Harold, assim como Cristo, sabe que vai morrer. Jesus Cristo deve morrer por uma causa maior (a salvação da humanidade) assim como Harold deve morrer por causa de um “Plano Maior”: a necessidade imposta por uma engenhosa narrativa. Mas, estamos em um filme gnóstico: assim como no Gnosticismo onde Cristo não veio para nos salvar (sua morte nada teve a ver com isso), mas para nos “curar” (trazer a gnose, mostrar que estar no mundo não é ser dele), Harold não veio ao mundo para morrer por um “Plano Maior”, mas para alcançar a gnose.
Ao descobrir a “sensação oceânica” na banalidade dos gestos cotidianos, Harold interpõe o elemento do acaso na causalidade narrativa: o fragmento do relógio estanca uma hemorragia que seria fatal ao protagonista em um acidente ironicamente genial elaborado por Eiffel. Novamente a limitação do poder do Demiurgo: o tempo, representado pelo relógio despedaçado.
“Mais Estranho que a Ficção” explora o gnosticismo tanto no conteúdo como na forma: a realidade que aprisiona Harold como um “constructu” arbitrário e a desconstrução metalingüística do próprio roteiro fílmico ao longo da narrativa.
Créditos:
- titulo original: (Stranger than Fiction)
- lançamento: 2006 (EUA)
- direção: Marc Forster
- atores: Will Ferrell , Denise Hughes , Tony Hale , Maggie Gyllenhaal, Emma Thompson
- duração: 113 min
- gênero: Comédia
- estúdio:Mandate Pictures / Three Strange Angels / Crick Pictures LLC
- distribuidora:Columbia Pictures / Sony Pictures Entertainment
- direção: Marc Forster
- roteiro:Zach Helm
- produção:Lindsay Doran
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