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segunda-feira, dezembro 25, 2017

Os sinais silenciosos que antecedem um golpe em "The Handmaid's Tale"


Para a revista “New Yorker”, publicação dos leitores bem pensantes liberais dos EUA, a série “Handmaid’s Tale” (2017-) é um “distópico conto feminista” da atual era Trump. Mas enquadrar a produção da plataforma de streaming Hulu nesse clichê é confirmar aquilo que a própria série alerta: ao qualificar os sinais do conservadorismo apenas como excrescências religiosas de gente ignorante é mau informada, reduzimos tudo a uma estranha normalidade, sem percebemos os sinais silenciosos cotidianos que antecedem os golpes políticos. Em “The Handmaid’s Tale” a América foi dominada por um estado teocrático fundamentalista cristão. Um desastre ambiental tornou a maioria das mulheres estéreis. As poucas mulheres férteis foram subjugadas e transformadas em “servas”, reduzidas a aparelhos reprodutores de uma elite dominante masculina. O Congresso, a Casa Branca e o Supremo Tribunal foram massacrados e a Constituição foi substituída pela leitura radical dos versículos da Bíblia.    

terça-feira, dezembro 19, 2017

Bebês, repolhos e Papai Noel no cruel mundo adulto de "Patch Town"



Bebês, pés de repolhos e Papai Noel numa fábula sobre um mundo adulto que prepara crianças para o futuro cruel que as espera – a exploração física e psíquica pelo trabalho e sociedade de consumo. Um filme que combina a iconografia da era soviética, folclore europeu oriental, a mitologia gnóstica do demiurgo, Papai Noel e elfos. Um mundo no qual bebês são recolhidos em campos de repolhos para serem vendidos como bonecas para crianças de todo o mundo. Para depois serem recolhidas pelo “Coletor de Crianças”, a memória delas apagada e em seguida exploradas em uma fábrica que produzirá mais bonecas com bebês presos em seu interior. Tudo com pitadas de cenas musicais e dança. Este é o estranho filme canadense “Patch Town” (2014): um cruzamento da estética “dark” de Tim Burton com as atmosferas opressivas de Terry Gilliam. 

terça-feira, março 07, 2017

Curta da Semana: "Night Mayor" - Aurora Boreal, Nikola Tesla e a energia livre


Quando pensamos em Modernidade o que lembramos? Tecnologia, velocidade, capitalismo, urbanidade, eletricidade, o cinema. Um verdadeiro turbilhão para onde somos transportados quando assistimos ao curta “Night Mayor” (2008) do canadense Guy Maddin. Misturando o atual estilo do falso documentário (mockumentary) com a linguagem e fotografia do cinema mudo, Maddin nos conta a história de um inventor bósnio que em 1939 descobriu no Canadá que a Aurora Boreal é na verdade constituída por melodias e imagens. E que poderiam ser transmitidas livremente pelas linhas telefônicas através do “Telemelodium”. Mas o governo não vai gostar muito dessa invenção... O curta é uma pequena obra-prima claramente inspirado no inventor croata Nikola Tesla que pagou com a própria vida uma descoberta feita em 1899 que poderia colocar em risco o Capitalismo: a energia livre.

sábado, fevereiro 25, 2017

Uma jornada espiritual felina em "Virei um Gato"


Apesar de contar com dois vencedores do Oscar (Kevin Spacey e Christopher Walken) a comédia romântica familiar “Virei um Gato” (Nine Lives, 2016) foi destruída pela crítica: o que esses atores consagrados estão fazendo nessa catástrofe? Eles devem ter contas pesadas para pagar! Mas para o Cinegnose esse filme é um trunfo que confirma uma tese: desde que o Gnosticismo deixou de ser uma exclusividade de filmes cults e foi adotada pelos filmes populares a partir dos anos 1990, os elementos gnósticos deixaram de figurar apenas em sci-fis e dramas cerebrais, para também incursionar em comédias, thrillers e outros gêneros. Por trás de camadas de clichês de uma comédia popular, “Virei um Gato” nos conta a narrativa gnóstica de transformação íntima através da jornada espiritual no corpo de um gato e, principalmente, por um “salto de fé” ao mesmo tempo literal e simbólico, a exemplo de filmes gnósticos mais sérios como “Vidas em Jogo” (1997) e Vanilla Sky (2001).

domingo, fevereiro 05, 2017

Curta da Semana: "Being Batman" - o homem que acredita ser o próprio Cavaleiro das Trevas


No começo esse humilde blogueiro achava que o curta “Being Batman” (2016), de Ryan Freeman, fosse mais uma sátira sobre o super-herói. Até perceber que o curta é um documentário com um personagem real que vive na cidade de Brampton, em Ontário, Canadá. Um homem que acredita ser o próprio Batman e que os acontecimentos trágicos da sua vida fizeram-no se conectar sincronicamente ao personagem fictício de Bruce Wayne. Todas as noites Stephen Lawrence sai da sua “batcaverna” a bordo de uma réplica do batmóvel do filme de 1989 de Tim Burton para vigiar as ruas da cidade. No curta “Being Batman” Lawrence dá depoimentos sobre a sua vida como Batman. Mostra sua casa transformada em batcaverna, suas armas e a rotina noturna. Isso não é cosplay: Lawrence diz ser o próprio Batman!

sexta-feira, janeiro 06, 2017

Os 10 filmes mais estranhos de 2016


Esqueça os filmes oscarizáveis e assista a uma lista de filmes com “estranhas” narrativas: um cadáver flatulento que evita o suicídio de um náufrago, a filha de Deus que hackeia o computador divino para se vingar do Pai, uma mulher grávida de um vírus fetal e dois filmes sobre salsichas sencientes: um sobre homens-salsicha nazis que invadem uma cidadezinha no Canadá para serem enfrentados por protagonistas que utilizam o poder da Yoga; e outro sobre salsichas em um supermercado que questionam a religião que esconde o terrível destino – no “Grande Além” serão comidas pelos próprios deuses que veneram. São os chamados “filmes estranhos” (“weird movies”) que exploram o duplo sentido da palavra “weird”: “destino” e “surreal, estranho”. Muitos deles aproximam-se da noção de “filme gnóstico” pela forma como desconstrói conceitos religiosos, morais e a própria percepção daquilo que chamamos de “realidade”. Para o leitor, uma lista do “Cinegnose” com os 10 melhores Filmes Estranhos de 2016.

sexta-feira, dezembro 30, 2016

Cinco filmes para ver depois do Ano Novo


Cinco filmes sobre o Ano Novo para ver depois das comemorações do Ano Novo. Filmes que vão do humor politicamente incorreto, humor negro ao pessimismo filosófico e o próprio fim do mundo. Filmes que nos fazem pensar sobre as principais instituições que envolvem essas festas: a contagem regressiva, as promessas para o próximo ano, o futuro e o passado. Rituais que cuidadosamente repetimos todo ano. Mas se o leitor quiser assistir antes das festas da virada de ano, é por sua conta e risco...




1. “200 Cigarrettes” – Ano Novo, cigarros e a geração MTV

O filme “200 Cigarettes” (1999) é um programa oportuno para essa época de comemorações do ano novo, pois nos faz refletir sobre o tempo e as mudanças da cultura e identidade entre as gerações X, Y e Z.

Por que na virada para o terceiro milênio, a MTV produziu um filme tão nostálgico, cuja história se passa na noite de ano novo de 1981? “200 Cigarettes” é o testamento de uma geração que a MTV soube muito bem moldar, aquela que acreditava que a própria vida poderia ser um vídeo clip.

Porém, não esperava que a cultura punk DIY (Do It Yourself – “faça você mesmo”) que ela ajudou a destruir com a cultura pop retornaria como vingança, dessa vez renascida pela Internet 2.0. Mas o mal estar da incomunicabilidade permanece porque os meios digitais se tornaram nada mais do que uma nova plataforma comercial.


2. Curta “Dinner For One” – tenha um final de ano politicamente incorreto

Por que TVs europeias, principalmente alemãs, a cada 31 de dezembro exibem um velho curta em preto e branco chamado Dinner For One, desde 1963? Alemanha, Leste Europeu e países nórdicos exibem todo final de ano o curta original ou versões com um humor mais politicamente correto.

Dinner For One é a síntese da fleugma e humor negro inglês: uma senhora da alta sociedade comemora seus 90 anos e um mordomo finge servir a convidados em uma grande mesa de jantar com cadeiras vazias – são os lugares de amigos de outras comemorações, já falecidos. Um bizarro mix de embriaguez involuntária, morte e aniversário. Por que a cada final de ano os europeus continuam assistir fascinados a esse estranho curta?




3. “A Roda da Fortuna” – a gnose de Ano Novo

Vale a pena assistirmos ao filme “A Roda da Fortuna” (The Hudsucker Proxy, 1994) dos irmãos Coen. Ainda mais nas comemorações de chegada do ano novo, onde todos parecem querer capturar e reter um momento no tempo, que então já será passado.

Por isso, “A Roda da Fortuna” é um grande filme para ser visto e refletido nesses últimos momentos de ano velho. Uma fábula sobre os nossos vícios temporais que estão sempre presentes em todo final de ano: ou caímos no tempo linear (as famosas promessas e desígnios para o ano novo) ou no tempo cármico - a ilusão de que tudo depende de nossa vontade para a roda da fortuna girar, sem entendermos que somos prisioneiros da cilada do “eterno retorno”.



4. “Last Night” – Ano Novo e o fator humano no fim do mundo

Não sabemos como e porque o mundo vai acabar à meia noite nas comemorações do Ano Novo. Habitualmente nos filmes-catástrofes hollywoodianos temos muita ação, destruição e explosões que acabam desviando a atenção do espectador do sintoma cultural que representa a recorrência do tema fim do mundo no cinema.

Ao contrário, no canadense Last Night (1998) a narrativa disseca uma variável que nenhum filme-catástrofe desenvolve: o fator humano. No filme não há ônibus espaciais, generais estressados ou cientistas heroicos. Apenas pessoas comuns que tentam realizar seus últimos desejos antes do fim. E esses desejos transformam-se em termômetro do mal estar cultural que estava por trás da histeria midiática do “novo milênio” no final do século XX.






5. “Lua de Fel” – quando a contagem regressiva do final de ano é uma bomba-relógio

Mais um final de ano e outra contagem regressiva para a meia-noite. Por que essa contagem, como fosse uma bomba relógio? Essa é uma pergunta feita por pensadores como Jean Baudrillard até chegarmos ao filme Lua de Fel (Bitter Moon, 1992) de Roman Polanski.

A poucas horas da festa de réveillon em um cruzeiro marítimo, forma-se um bizarro triângulo amoroso entre um casamento que tenta sobreviver e outro que se transformou em ódio mútuo. Um flashback episódico da história de um homem destruído pela paixão. “Por que as coisas boas nunca duram?”, pergunta-se Polanski.

A aproximação que o diretor faz dessa questão com a festa do réveillon, sugere uma resposta: a percepção do tempo como bomba-relógio cria as doenças espirituais contemporâneas: o niilismo e o hedonismo.


domingo, setembro 04, 2016

A gravidez é a alienação do sexo no filme "Antibirth"



Há um assustador subgênero dentro dos filmes de terror: protagonistas tomadas por uma assustadora gravidez que pode trazer dentro de si a própria semente do Mal. É um tema recorrente no cinema, passando por clássicos como “O Bebê de Rosemary”, “It’s Alive” ou, recentemente, “Prometheus”. Toda recorrência na produção cinematográfica significa a existência de algum imaginário ou arquétipo que procura expressão audiovisual. O independente “Antibirth” (2016) é mais um filme que se enquadra nessa temática onde a gravidez é representada como algo estranho e invasor, alienado da própria sexualidade. Tema que ganhou espaço no cinema paralelo à revolução sexual e o individualismo e narcisismo da sociedade de consumo. A gravidez se torna a alienação da sexualidade e a própria alienação de nós mesmos. Por isso, no estranho filme noir-psicodélico “Antibirth” pessoas alienadas de seus próprios desejos são candidatos perfeitos para algum estranho experimento.

quinta-feira, julho 28, 2016

Carma, metalinguagem e Fernando Pessoa no filme "Zoom"


“Zoom” é uma expressão inglesa com um duplo significado: poder ser “zunir” (“to zoom past” como “passar zunindo” ) ou a lente fotográfica que pode aproximar ou afastar-se de um objeto cujo movimento de ajuste produz um “zunido”. O filme “Zoom” (2015, Brasil-Canadá) de Pedro Morelli explora esse duplo sentido do termo ao criar três universos meta-narrativos (literatura, HQ e cinema) onde os protagonistas ignoram as existências paralelas, sem saber que suas decisões se afetam mutuamente: uma desenhista faz uma HQ sobre um diretor de cinema que faz um filme cuja protagonista escreve um romance sobre a desenhista de HQ. Zoom explora o simbolismo carmico de “ouroboros”, a cobra que come o próprio rabo. E o misticismo do silêncio do poeta português Fernando Pessoa.

domingo, junho 26, 2016

A paranoia gnóstica no filme "Luciferous"


O projeto cinematográfico de um casal rodado em seu próprio apartamento em Toronto, Canadá. Junto com sua pequena filha, uma família real atua como uma família ficcional em um suposto "found footage" (vídeo achado como se fosse real) encontrado e anexado como prova das investigações de um crime que aconteceu. Mas essa é uma sinopse simplista (apenas uma versão) do filme Luciferous (2015) onde uma família real é manipulada por alguma força sobrenatural que parece atuar no apartamento, levando a família a uma lenta desintegração. O filme explora temas gnósticos clássicos como a paranoia, memória e a confusão entre ilusão e realidade. O que torna tanto os protagonistas como os espectadores em detetives que tentam compreender as pistas falsas e estranhas metalinguagens ao longo do filme. Assim como no arquétipo contemporâneo do Detetive, a resolução do enigma pode se voltar contra o próprio detetive que tenta achar a verdade. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Gnostic paranoia in the film "Luciferous"


A cinematographic project produced by a couple, who shot the film in their own apartment in Toronto, Canada. Along with their little daughter, a real family acts as a fictional family in a so-called “Found Footage” film... (using video footage that appears to be real), found and attached as evidence of a crime investigation. But this is a simplistic synopsis (only one version) of the film Luciferous (2015) where a real family is manipulated by a supernatural force that appears to exist in their apartment, one that slowly tears the family apart. The film explores classic Gnostic topics such as paranoia, memory and confusion between illusion and reality... turning both actors and film viewers into detectives who try to understand the false clues and strange metalanguages throughout the film. As is the case for the contemporary archetype of the Detective, the act of solving the puzzle can lead to an attack on the detective himself, the one who tries to seek the truth. The film was suggested by our reader Felipe Resende.

sábado, junho 04, 2016

Em "Regressão" Religião e Ciência trazem medo e histeria



Com o filme “Regressão” (Regression, 2015) o diretor Alejandro Amenábar retorna ao seu tema predileto de filmes como “Abre Los Ojos” ou “Os Outros”: as ilusões criadas pela nossa percepção. Um detetive e um psicólogo investigam o caso de uma jovem vítima de abuso sexual pelo seu pai. A aplicação de terapia de regressão por hipnose revela evidencias de uma seita secreta de cultos satânicos envolvendo estupros, raptos e sacrifícios. O que transforma uma pequena comunidade em vítima do medo e histeria coletiva. Mas Amenábar nos mostra outro tipo de regressão: como a Religião e, principalmente a Ciência, que deveriam ser instrumentos de verdade ou esperança, transformam-se em incitadores do medo, ignorância e histeria. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

sexta-feira, maio 27, 2016

Caso Ana Hickmann, o suicida dos leões no Chile e a patologia dos nossos tempos


Na manhã do sábado, dia 21, um jovem se jogou nu na jaula dos leões em um zoológico no Chile falando frases desconexas de cunho religioso sobre ser filho de Jesus e a chegada do Apocalipse. No mesmo dia, à noite, a apresentadora Ana Hickman sofre atentado de um fã armado com um revólver em um hotel de luxo em Belo Horizonte. Entre frases também desconexas, o fã agradecia a Deus por ter ajudado a encontrá-la naquele hotel, até ser morto por um dos assessores. Quais as coincidências e sincronismos entre esses dois eventos em países diferentes? São apenas fatos isolados protagonizados por “lobos solitários”? Cada sociedade em sua época cria sua própria patologia. O sincronismo desses dois episódios apontam para a patologia da nossa época da sociedade das imagens e do espetáculo: relações fetichistas com pessoas, objetos e símbolos.

domingo, dezembro 20, 2015

Curta da Semana: "Treevenge" - a vingança das árvores de natal


Nessa época do ano surgem na Internet várias listas de filmes que fazem paródias com muito humor negro sobre o espírito do Natal. O curta canadense “Treevenge” (2008) é mais um exemplo – pinheiros arrancados da floresta por cruéis lenhadores para serem explorados no mercado de decorações natalinas planejam uma sangrenta vingança contra os humanos. Além da crueldade, os humanos ainda adoram as bregas músicas natalinas. O que irrita ainda mais os pinheiros que veem sua dignidade perdida aos serem transformados em árvores de natal no canto de uma sala de jantar qualquer.  Por trás do horror trash de “Treevenge” há ainda mais: Nietzsche e o espírito de Natal transformado em valor agregado dos produtos.

sábado, dezembro 19, 2015

Em Observação: "Patch Town" - bebês e repolhos


Imagine um mundo onde bebês são recolhidos em um campo de repolhos, vendidos para as crianças como bonecas de brinquedo para, depois que crescem, serem recolhidos por um sinistro capataz que os escraviza em uma fábrica, depois de remover suas memórias. Esse é o filme canadense “Patch Town” (2015), um conto de fadas distópico narrado em um mix improvável entre folclore russo, iconografia do comunismo soviético e crítica ao consumismo ocidental. “Patch Town” é mais um filme atual que explora a metáfora de seres humanos como bonecos manipulados por demiurgos.

Título: Patch Town (2015)

Diretor: Craig Goodwill

Plot: Jon (Rob Ramsay) vive em uma pequena vila onde todos os moradores trabalham em uma única fábrica. Repolhos são recolhidos em um imenso campo para passarem na linha de montagem dessa fábrica. Os repolhos são cortados para serem retirados do seu interior bebês se contorcendo; em seguida são colocados em bonecos de plástico para serem vendidos em todo o mundo. Os bebês tornam-se objetos imóveis que continuam a ver, ouvir e sentir a emoção, enquanto que residem em cima da cama de alguma criança. O que Jon não percebe é que ele e todos os seus pares na fábrica já foram, uma vez, esses bonecos: quando os bebês crescem, os brinquedos são roubados pelo sinistro “recolhedor de bebês” e transformados em novos trabalhadores para a fábrica e suas memórias são removidas de suas mentes.

Por que está “Em Observação”? – Ao fazer essa espécie de contos de fada distópico, o diretor certamente tinha em mente Brazil, O Filme de Terry Gilliam e Ladrão de Sonhos de Marc Caro – sobre o filme clique aqui. Um filme ambicioso que combina a iconografia da era soviética, folclore europeu, pitadas de números musicais e crítica ao consumismo ocidental.


Quando estamos diante de um filme cujos temas passam pela prisão/escravidão a partir da remoção de memórias, estamos em uma narrativa com um evidente sabor gnóstico. Isso sem falar da analogia entre bebês e bonecas – a filmografia recente está repleta de filmes onde fantoches, autômatos e bonecos são metáforas da própria condição humana nesse mundo: as relações homem/autômato ou homem/Deus onde algum Demiurgo nos manipularia. Um imaginário construído desde Platão nos diálogos As Leis e A República: a metáfora de cada ser vivo como um fantoche ou o jogo de sombras que os prisioneiros veem na parede da caverna como fosse a própria realidade.

 Patch Town explora ainda o curioso folclore russo que envolve bebês e repolhos. Por centenas de anos o repolho tem sido uma parte importante na dieta e remédios caseiros na Rússia. Até o século 16, era um costume na Rússia colocar recém-nascidos em folhas de couve, antes de serem lavados e vestidos. As folhas eram suficientemente grande e disponíveis quase por todo o ano. Depois, a cada banho, os bebês eram envolvidos em camadas de tecidos, como fossem folhas de repolho.

Talvez aí estejam as origens arquetípicas do porquê quando muitos pais são confrontados pelos filhos sobre questões das origens das crianças, contam histórias de cegonhas fazem entregas de crianças recolhidas em campos de repolho.

O repolho tem uma forte história de ser destaque na música, arte e literatura em todo o mundo. Por exemplo, em The Cabbage Patch Mother, do escritor russo Petrushevskaya, é narrada a história de um bebê chamado Dewdrop, que nunca cresce. Ele é esquecido é deixado em uma plantação de repolhos. Mais tarde a mãe descobre que Dewdrop tornou-se um desajeitado e enorme bebê chorão.


Patch Town é uma versão estendida do curta homônimo de 26 minutos feito em 2011, premiado em diversos festivais como de Toronto e Fantasporto – festival de cinema fantástico na cidade do Porto em Portugal.

Além do sabor gnóstico que Patch Town promete – perdas de memórias, escravidão, além da figura sinistra do “recolhedor de crianças”, uma espécie de capataz que vai nas casas buscar as crianças crescidas no interior das bonecas – há uma irônica crítica ao consumismo e infantilização da cultura: o filme explora a ideia de que crianças modernas crescem rápido e logo vão querer brinquedos mais adultos. O “recolhedor de crianças” as sequestra e reconduz à fábrica onde se tornarão trabalhadores em linhas de montagem e ávidas consumidoras de inutilidades da sociedade de consumo.

O que confirma o sombrio diagnóstico certa vez feito por Freud negando o suposto amadurecimento psíquico que acompanharia o crescimento: o adulto não passa de uma criança crescida.

O que promete?O espectador deverá preparar-se para um humor escatológico e negro. A combinação parece ser muito bizarra: folclore russo misturado com a iconografia da era do comunismo soviético, crítica à sociedade de consumo capitalista e sequências musicais com canções e danças. A crítica norte-americana define o filme como “loucura gonzo carnavalesca”. Mas temos que levar em conta que para os americanos, os canadense são um povo muito estranho...



domingo, outubro 18, 2015

Curta da Semana: "From The Big Bang To Tuesday Morning" - a História é evolução ou eterno-retorno?

A História humana é evolução? Decadência? Ou eterno-retorno? Será que o paletó e gravata já estavam à espera do homem, só aguardando que ele surgisse na face do planeta para, no final, enforcá-lo? O Big Bang eletrônico da TV só repetiu como farsa o Big Bang primordial? Essa é a sutil ironia e perplexidade do curta “From The Big Bang To Tuesday Morning” (2000) do animador canadense Claude Cloutier. O Curta dessa semana do “Cinegnose”.

domingo, setembro 27, 2015

Curta da Semana: "Toys" - a ameaça da mercantilização dos brinquedos

Um libelo contra a guerra e a violência. É o curta “Toys” (1966) do canadense Grant Munro: crianças veem através de uma vitrine soldados e armas de brinquedo ganharem vida e transformar a loja em um campo de batalha. Mais do que um protesto contra a guerra dos adultos, o curta cria um debate sobre as armas de brinquedo: elas podem estimular a violência pela naturalização da guerra? Assistindo ao curta vemos que talvez o problema não esteja na brincadeira de guerra em si, mas na utilização dos “brinquedos-réplica”: a imitação é o principal impulso do jogo infantil, que pode se deteriorar em mera réplica com a mercantilização dos brinquedos. Dessa forma, a brincadeira pode virar mero condicionamento para o mundo adulto que lhe aguarda.

segunda-feira, agosto 10, 2015

Um salto para o fundo infinito da mente no filme "Nothing"


Com inegável influência do grupo inglês de humor Monty Python, “Nothing” (2003) acompanha a vida de dois amigos que inexplicavelmente pulam para uma outra dimensão onde apenas restaram eles próprios e a casa, cercados pelo Nada – um aparente gigantesco fundo infinito branco. Ou será que estão prisioneiros no interior de suas próprias mentes? Dirigido por Vincenzo Natali (diretor do cult de terror “Cube”), o filme é uma experiência minimalista com argumento PsicoGnóstico: naquele nada, acharam que viraram deuses, capazes de deletar qualquer coisa de que não gostem (inclusive suas memórias). Mas há um perigo: poderão deletar a si mesmos. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

sábado, abril 04, 2015

Viajantes, Detetives e Estrangeiros vagam por Hollywood em "Mapas Para as Estrelas"


Hollywood tem uma tradição de filmes que mostra a cidade dos sonhos como um inferno de ganância, narcisismo e perversões. A crítica especializada tem considerado “Mapas para as Estrelas” de David Cronenberg como mais um filme com esse viés moralista sobre a indústria do cinema. Porém, ao lado do roteirista Bruce Wagner, Cronenberg foi muito além disso: conseguiu criar uma pequena galeria de personagens que consegue sintetizar os principais arquétipos que dão vida aos nossos sonhos: Viajantes, Detetives e Estrangeiros. E também a fragilidade emocional por trás de profissionais bem pagos para produzir o nosso entretenimento: a busca desesperada por amor, adoração e aceitação incondicional. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Cronenberg sempre foi fascinado pelas metáforas da invasão do corpo e a fragilidade da carne diante da tecnologia em filmes como Videodrome, Scanners, Crash ou eXistenZ. Seus filmes até podem sugerir cenas de horror, mas na verdade o diretor transita entre a comédia, o humor negro e o drama. Cronenberg está menos interessado em sangue, e muito mais na natureza monstruosa das nossas obsessões e desejos, na dificuldade de escaparmos de nós mesmos e como a sociedade cruelmente explora esse ponto fraco humano.

Guerra psíquica (Scanners), o domínio mental da TV (Videodrome) e games digitais mortais (eXistenZ) são algumas amostras dessa temática recorrente de como a sociedade é capaz de criar sistemas que envolvem tanto a carne como a alma. Mapas para as Estrelas é mais um filme desse veio crítico de Cronenberg. E dessa vez é o alvo é Hollywood, tal como descrito pelo roteiro de Bruce Wagner: um inferno de ganância, narcisismo e perversidade sexual.

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