domingo, setembro 27, 2015

Curta da Semana: "Toys" - a ameaça da mercantilização dos brinquedos

Um libelo contra a guerra e a violência. É o curta “Toys” (1966) do canadense Grant Munro: crianças veem através de uma vitrine soldados e armas de brinquedo ganharem vida e transformar a loja em um campo de batalha. Mais do que um protesto contra a guerra dos adultos, o curta cria um debate sobre as armas de brinquedo: elas podem estimular a violência pela naturalização da guerra? Assistindo ao curta vemos que talvez o problema não esteja na brincadeira de guerra em si, mas na utilização dos “brinquedos-réplica”: a imitação é o principal impulso do jogo infantil, que pode se deteriorar em mera réplica com a mercantilização dos brinquedos. Dessa forma, a brincadeira pode virar mero condicionamento para o mundo adulto que lhe aguarda.

             Estamos nos anos 1960, em meio à Guerra Fria e a Guerra do Vietnã. Os EUA enfrentavam dentro do próprio país protestos contra a guerra, conflitos raciais e uma crescente contracultura jovem que questionava os valores da sociedade de consumo.

E o diretor e animador canadense Grant Munro viu o seu irmão Brian Munro gastar grande parte da sua vida adulta servindo ao exército canadense, em uma unidade de infantaria que aliou-se aos EUA durante a Guerra da Coréia – 1950-53. Certamente essa foi a inspiração para fazer o curta Toys, obra que se somou ao intenso esforço anti-militarista da década.

No curta vemos crianças que se reúnem em torno de uma vitrine de uma loja de brinquedos no Natal. O desfile dos brinquedos em stop motion vai se tornando cada vez sinistro quando aparecem soldadinhos e réplicas de tanques de guerra e armas.

Na época, Toys estimulou o debate sobre a militarização dos brinquedos e o efeito no imaginário infantil – seriam os brinquedos de guerra  formas sutis de naturalizar a guerra e torná-la aceitável para futuras gerações?


Em postagem anterior discutíamos as ideias do filósofo Walter Benjamin sobre os brinquedos e o brincar infantil. Segundo ele, o jogo e o brinquedo materializam o chamado impulso mimético natural no ser humano – na imitação as crianças incorporam e traduzem o realismo do mundo adulto para o universo dos jogos, onde tudo é livremente subvertido – clique aqui.

Por esse princípio, os jogos de guerra não seriam em si maus – faz parte do impulso mimético de imitar o mundo adulto, porém transformando-o através da imaginação.

Para Benjamin, o problema surge com o brinquedo-réplica: quando os brinquedos se transformam em miniaturas do mundo adulto, atrofiamos a capacidade infantil de criar e imaginar – um toco de madeira pode tanto se transformar tanto em um ônibus quanto em um revólver. Mas quando armas e ônibus se convertem em réplicas, obrigamos as crianças a repetir mecanicamente o mundo que o futuro lhes reserva. A brincadeira deixa de ser jogo e se converte em condicionamento e treinamento para o ingresso no mundo adulto.

Por isso, o realismo das réplicas assusta as crianças da vitrine do curta.

O brinquedo-réplica é o esforço da indústria em mercantilizar o inesgotável impulso do jogo infantil. Mas há um problema que essa indústria tem que resolver: o jogo e a imaginação resistem à réplica. Potencialmente, uma criança pode transformar qualquer objeto em qualquer coisa. Por isso, todo esforço publicitário em seduzir as crianças às réplicas, atrofiar suas fantasias ao ponto delas sentirem a necessidade de comprar um ônibus ou um revólver em miniatura, ao invés de pegar no lixo um sarrafo de madeira.

Portanto, a questão principal não é a imitação da violência nos jogos infantis – a astúcia do jogo é a subversão por meio da imitação. O problema é a submissão do jogo à mimese como réplica, o que acaba transformando o brincar em mero adestramento da criança ao mundo adulto.

Ficha Técnica


Título: Toys
Diretor: Grant Munro
Roteiro: Margaret Wescott
Produção: National Film Board of Canada (NFB)
Distribuição: on line
Ano: 1966
País: Canadá

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