A crítica especializada vem considerando a nova animação da Pixar, “Divertida Mente” (Inside Out, 2015), como a mais criativa e emocionante do estúdio. Certamente comprova como a Pixar é capaz de transformar em entretenimento um conteúdo politicamente sério: as pesquisas do psicólogo Paul Ekman, pioneiro dos estudos das conexões entre as emoções e expressões fisionômicas – estudos iniciados pela CIA e Departamento de Defesa dos EUA para criar modernos detectores de mentira em suspeitos de terrorismo. Dessa maneira, “Divertida Mente” é mais um produto midiático que reflete a atual agenda tecnocientífica: o projeto das cartografias e topografias da mente – criar modelos de simulação baseados nas neurociências, Cibernética e ciências da computação que desvendem o funcionamento da mente e da consciência. Por trás do entretenimento há um propósito muito mais sério: controle e manipulação da mente, seja pela via fármaco ou pelo controle de massas através de dispositivos como o Neuromarketing.
O professor de
Psicologia da Universidade da Califórnia Dacher Keltner e o roteirista e
animador da Pixar Pete Docter são amigos de longa data. Certa vez conversavam
sobre os misteriosos caminhos das emoções de seus filhos, de como mudam
drasticamente da infância até chegarem na adolescência – há uma queda vertiginosa da
felicidade e o aumento do medo e da ansiedade.
“É como se o mundo
estivesse desabando sobre eles”, recorda Keltner sobre a sua conversa com
Docter. Dessa conversa entre amigos surgiu a ideia para o argumento da nova
animação do estúdio da Pixar, Divertida
Mente (Inside Out, 2015). A
partir daí, o professor Dacher Keltner transformou-se em consultor técnico da
nova animação onde é narrado como as emoções da Alegria, Tristeza, Nojo, Raiva
e Medo transformam-se em personagens coloridos que interagem dentro do cérebro
de uma menina de 11 anos, criando situações inesperadas, ao mesmo tempo
engraçadas e trágicas.
Na verdade, o
filme da Pixar retrata as pesquisas do mentor de Ketner, o pesquisador Paul
Ekman, o pioneiro dos estudo das relações entre as emoções e as expressões
fisionômicas. Ekman e seu grupo de pesquisadores criaram um “Atlas das Emoções”
com mais de dez mil expressões faciais e suas conexões com as emoções. Para
Ekman, essas fisionomias são determinadas por um “kit de ferramentas padrão” em
torno de seis ou sete emoções que independem da educação ou cultura.
Por exigências técnicas do roteiro do filme, ficaram de fora as emoções da “Surpresa” e “Desprezo”.
Por exigências técnicas do roteiro do filme, ficaram de fora as emoções da “Surpresa” e “Desprezo”.
Pesquisas de Paul Ekman sobre as relações entre emoções e fisionomias |
O “Atlas das
Emoções” de Ekman ganhou a reputação de “o maior detector de mentiras do mundo”
ao demonstrar a universalidade e discrição das emoções num approach darwinista. Além disso, as pesquisas de Ekman são um
desdobramento do seu trabalho para a CIA e Departamento de Defesa dos EUA nos
anos posteriores aos atentados de 11/09/2001 no esforço do combate ao
terrorismo desenvolvendo máquinas ou habilidades que ajudassem a ler expressões
fisionômicas que pudessem revelar as intenções secretas de suspeitos.
Essas informações dos bastidores da criação do
filme Divertida Mente demonstram a incrível
habilidade da Pixar transformar em entretenimento uma matéria-prima muito
séria: de um lado o drama psíquico da socialização do indivíduo e, do outro, pesquisas
neurocientíficas que surgem por exigências do complexo da inteligência
bélico-militar norte-americana.
Por isso, a nova
animação da Pixar deve ser analisada como um documento histórico que reflete a
atual agenda tecnocientífica que esse blog denomina como “Projeto Cartografias
e Topografias da Mente” – o esforço interdisciplinar das neurociências,
psicologia cognitiva, cibernética, ciências computacionais, Inteligência
Artificial e teoria da informação para tentar criar um mapeamento e cartografia
digitais não só do funcionamento do cérebro mas também desvendar o enigma da
consciência. Os objetivos são imediatamente aplicáveis: manipulação
política e controle social – mais
informações sobre esse conceito clique
aqui.
Em postagem
anterior vimos como desde o filme Vanilla
Sky (2001), passando por Brilho
Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2003), chegando a A Origem (2010) ou Eva
(2011), o cinema vem explorando a possibilidade de mapeamentos literais ou
metafóricos da mente humana. Divertida
Mente é mais um exemplo de como a indústria do entretenimento repercute as
metas da atual agenda tecnocientífica.
O Filme
Divertida Mente começa com nada menos do que o
nascimento da consciência humana, no momento em que Riley está sendo embalada
nos braços dos seus pais – em um espaço abstrato surge um personagem amarelo em
um spot de luz chamado Alegria, e pressiona o único botão em um painel de
controle. Do lado de fora os olhos do bebê acendem e começa a sorrir. A vida de
Riley começou.
Todo o filme joga
com essas duas zonas simultaneamente: o mundo real da família de Riley e o
interior da sua mente – um sistema detalhado onde as experiências da menina são
transformadas em memórias esféricas que irão criar as bases da personalidade e
do crescimento da mente, ao mesmo tempo em que Alegria passa a ser acompanhada
por Tristeza, Raiva, Nojo e Medo, cujo papel é orientar as decisões de Riley no
mundo exterior.
As emoções
discutem e interagem entre si diante do painel de controle localizado no topo
de uma torre de onde pode se observar a detalhada cartografia e topografia da
mente com as ilhas das memórias-base – da Família, do Hóquei (esporte predileto
de Hiley), da Bobeira (as memórias mais infantis), da Honestidade etc., diante
uma planície onde está o labirinto das memórias de longo prazo, o vale dos
pensamentos abstratos e o abismo do subconsciente para onde diligentes
operários que fazem a manutenção das memórias jogam esferas de experiências que
não são mais necessárias. Caem no abismo do esquecimento e desintegram-se.
Divertida Mente trata justamente dos últimos dias da
infância de Riley para a entrada na pré-adolescência, quando seus pais de
Minnesota estão de mudança para São Francisco em busca de nova oportunidade de
trabalho. A narrativa descreve o caos mental e emocional de uma menina que
deverá reconstruir sua vida em uma nova escola e fazer novos amigos.
A heroína não é
exatamente Riley, mas Alegria que, numa crise emocional no primeiro dia de nova
escola, é acidentalmente ejetada da sala de controle, juntamente com Tristeza,
através de um tubo que as jogará para os recônditos mais obscuros da mente – a
Imaginação, o labirinto das memórias, as cavernas do subconsciente, os estúdios
de produção dos sonhos (análogo a estúdios cinematográficos) etc. Todo o filme
é a jornada de Alegria e Tristeza, perdidas na mente, tentando encontrar o
caminho de volta à torre de controle para restaurar a felicidade na vida de
Riley.
Enquanto isso, a sala
de controle ficará sob controle de Nojo, Raiva e Medo. Em suma, Riley se
transforma na típica adolescente problemática diante dos pais perplexos.
Modelo mental cognitivo X freudiano
Fica evidente que
o modelo da mente e consciência construído pela Pixar não é do psiquismo
freudiano, mas o da psicologia cognitiva e evolucionista darwinista. Esse é o
modelo que inspira a cibernética, a ciência dos computadores e a Inteligência
Artificial. E que a agenda tecnocientífica atual pretende aplicar à
interpretação da mente humana e a sua simulação.
Para esse modelo,
a mente é um complexo dispositivo de input
e ouput – assimilação de informação
do meio ambiente, processamento e feed-back:
o retorno eficaz e eficiente para o organismo se adaptar de forma bem sucedida
ao meio ambiente. Adaptar-se para sobreviver e evoluir – essa é o princípio
evolucionista darwiniano.
Mas seres humanos
são diferentes de máquinas, como, por exemplo, um termostato que cumpre todos
esses quesitos. Qual a diferença? Nós humanos temos emoções. Esse é o
complicador para esse modelo cognitivo de mente: as emoções atrapalhariam tudo
pois nos forçariam a dar feed-backs
“errados” ao meio ambiente. E o que são emoções? Reações bioquímicas que sem
sabermos podem nos controlar.
Esse parece ser o
conceito de Divertida Mente: somos
todos controlados por personagens em nossas cabeças. E precisamos conhece-las e
controla-las – isso chama-se “inteligência emocional”.
Subconsciente e Inconsciente
No filme não há
psiquismo ou inconsciente – há o abismo do “subconsciente” que nada mais é do
que o depósito de memórias deletadas, assim como a pasta “Lixo” de um
computador. Muito diferente do modelo dinâmico do psiquismo freudiano onde as
emoções são investidas de pulsões do inconsciente, fazendo-as retornar sempre.
A luta interna
entre indivíduo versus sociedade, inconsciente versus cultura é substituída
pelo modelo evolucionista onde memórias e emoções são ferramentas de adaptação
de um organismo ao meio ambiente – a más são deletadas e as boas tornam-se feed backs positivos.
Por isso o modelo
freudiano de psiquismo é esquecido pela atual indústria do entretenimento.
Pensar a passagem da infância para a adolescência como um mero problema de
“inteligência emocional” é muito mais conformista do que pelo modelo
psicanalítico do conflito entre indivíduo versus sociedade ou inconsciente
versus consciente.
Raiva e medo
adolescentes em Divertida Mente são
disfuncionais, respostas emocionalmente erradas. A Pixar extrai dessas emoções
qualquer momento de verdade, tal como rebeldia, contestação ou crítica.
Partindo da lógica desse modelo cognitivo, poderíamos considerar que, por
exemplo, toda a Contracultura jovem ou o movimento Punk nada mais foram do que
respostas emocionalmente erradas de adolescentes. Ou toda raiva, depressão ou
tristeza que produziram poesia, literatura ou música na história da cultura
nada mais foram do que formas ineficientes de adaptação à vida social.
É sintomático que
Riley aja da mesma forma que o cozinheiro Remy de outra animação da Pixar, Ratatouille (2007). Remy era controlado
na cozinha por um ratinho que puxava seus cabelos por debaixo do chapéu como os
fios que controlam um fantoche.
Por isso Divertida Mente quer ensinar para
crianças e adultos que as emoções são perigosas... podem transformar-se em homúnculos nas nossas cabeças.
Coerente com o
atual projeto das Cartografias e Topografias da Mente, a animação nos avisa:
comportem-se! Controlem-se! Seja pela via fármaco (as drogas de massas
legalizadas) ou pelo controle de massas através de dispositivos como o Neuromarketing que é, no final, a grande meta
dessa agenda tecnocientífica.
Ficha Técnica |
Título: Divertida
Mente (Inside Out)
|
Diretor: Pete Docter, Ronnie Del Carmen
|
Roteiro: Pete Docter, Michael Arndt, Meg LeFauve
|
Elenco: Amy Poehler, Phyllis Smith, Lewis Black, Bill Hader, Mindy Kaling
(vozes)
|
Produção: Pixar Animation Studios, Walt Disney Pictures
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Distribuição: Walt Disney Studios Motions Pictures
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Ano: 2015
|
País: EUA
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