terça-feira, julho 29, 2014

Em "O Teorema Zero" Terry Gilliam revela seu niilismo gnóstico

Em “O Teorema Zero” (The Zero Theorem, 2013) Terry Gilliam retorna aos temas das produções anteriores “Brazil, O Filme” (1985) e Os 12 Macacos (1995), porém em um tom mais intimista e filosófico: enquanto espera uma misteriosa ligação telefônica que revelaria o verdadeiro sentido da vida, um analista de dados e programador é obrigado a comprovar matematicamente o contrário: que um dia todo Universo acabará sugado por um buraco negro e a vida não tem qualquer sentido ou propósito. Esse é o projeto secreto de uma gigantesca corporação, comprovar matematicamente o “Teorema Zero” – zero é igual a 100%. Gilliam vai abraçar alegremente esse niilismo gnóstico como a última esperança de libertação – zero é igual a 100% se aproxima da filosofia do filme “O Clube da Luta” de David Fincher: depois que perdermos tudo é que estaremos livres. Então encontraremos as respostas dentro de nós mesmos.

Quem não se lembra daquela situação nas aulas de álgebra e equações de segundo grau na escola onde você olhava para o enunciado da equação e intuitivamente já sabia o valor de X? Você escrevia X = 15, mas o professor não aceitava a reposta, embora correta, pois exigia que demonstrasse o método resolutivo que fez chegar ao resultado.

Pois é exatamente sobre isso que trata o novo filme de Terry Gilliam O Teorema Zero onde Christoph Waltz faz um “triturador de entidades” (Qoen Leth, um analista e programador de dados) que é incumbido de montar computacionalmente uma gigantesca equação cujos enunciados comprovem que 0 = 100%, ou seja, que todo o Universo um dia vai ser encolhido em uma pequena singularidade e engolir a si mesmo em um buraco negro. Colocado em termos filosóficos, ele deve comprovar matematicamente que a vida não possui qualquer sentido ou propósito, embora intuitivamente suspeite (e procure negar) isso.


O torturante conflito interior de Qoen em ser obrigado a participar de um projeto corporativo que vai contra todas suas esperanças lembra a famosa resposta do filósofo alemão Theodor Adorno (integrante da chamada Escola de Frankfurt) sobre o sentido da vida: “se você faz essa pergunta é porque intuitivamente suspeita que esse sentido não exista!”, proferiu certa vez o filósofo.

Gilliam ainda faz uma irônica alusão ao mundo em que vivemos imerso numa enxurrada de dados da Internet como a própria comprovação da ausência de sentido que homem procura através da tecnologia. Lembrando a velha Teoria da Informação que diferenciava mensagem/dados de informação, em O Teorema Zero as redes digitais nada mais fornecem do que uma caótica avalanche de dados onde caos e incerteza dominam. Internet é 100% de dados e mensagens, mas 0 de informação, uma quantidade caótica de dados aleatórios à espera de um filtro que reduza a incerteza.

Qoen vive trancafiado em uma igreja abandonada “triturando dados”, tentando encontrar a ausência de sentido, paradoxalmente por meio de algoritmos e equações que tentam encontrar o único sentido da existência: a sua ausência de sentido.

No mais filosófico filme da carreira de Terry Gilliam, o diretor dá um tratamento mais sofisticado à ideia central do antigo filme O Sentido da Vida do grupo inglês de humor Monty Python (do qual fazia parte): a vida é totalmente banal e sem propósito transcendente. Seu sentido se resumiria unicamente a “tentar ser bom, evitar comer gordura, ler um bom livro e caminhar regularmente”, como terminava concluindo cinicamente o filme de 1983. Paradoxalmente, Gilliam vai afirmar o sentido da vida por meio da sua própria negação.

Na filosofia, é a chamada via negativa: de um lado a Teologia Negativa (afirmar a existência de Deus por meio da sua negação) e do outro a Dialética Negativa (afirmar a existência de um sentido implica na intuição da sua inexistência). Essa espécie de niilismo filosófico acaba lembrando a máxima de Tyler Durden no filme O Clube da Luta “Depois que perdermos tudo é que estaremos livres” – isto é, a inexistência de sentidos ou propósitos divinos ou metafísicos nos daria a liberdade de construirmos um sentido realmente humano para a existência.

O Filme


O protagonista Qoen Leth parece o resultado do cruzamento do herói Sam Lowry (Brazil, O Filme) e James Cole (Os 12 Macacos): um programador operário de uma gigantesca corporação chamada Mancom (“Dá sentido às boas coisas da vida”, diz o slogan) angustiado à espera de um telefonema que supostamente lhe dirá o sentido da vida. Pela necessidade de ter que aguardar em casa esse chamado, Qoen propõe ao seu superior trabalhar em casa, fazendo upload do seu trabalho diretamente para o gigantesco mainframe da empresa – ou o “sexto sentido”, como diz o Administrador (Matt Damon).

“Não há lógica na perda de tempo de trabalharmos isolados em cubículos quando poderíamos aumentar a produtividade trabalhando em casa”, argumenta Qoen para o Administrador. Como condição para aceitar o pedido de Qoen, a empresa o coloca no projeto secreto Teorema Zero. A partir de então, Qoen ficará em casa diante do seu console retro-futurista lidando com equações tridimesionais, mas sempre a espera da ligação que supostamente lhe daria todas as respostas.

Interconectividade gera isolamento e solidão


Dessa maneira Gilliam inicia o filme com o tema de como o poder da interconectividade tecnológica atual pode produzir ao mesmo tempo isolamento e solidão. O homem depositaria na tecnologia toda a esperança de encontrar um propósito na existência, quando na verdade o isola cada vez mais.

Câmeras da Mancom monitoram 24 horas o trabalho domiciliar de Qoen, e uma psiquiatra on line tenta manter sua sanidade mental à distância. Muitos críticos observaram que O Teorema Zero parece ser o terceiro filme de uma trilogia composta por Brazil, O Filme e Os 12 Macacos. Gilliam parece revisitar todos os temas das produções anteriores (máquinas de vigilância, o homem contra o Estado, imaginação versus realidade etc.), porém com uma abordagem mais intimista e filosófica.

Para o diretor, o protagonista Qoen é a síntese do homem pós-moderno: vive em uma igreja abandonada infestada de pombas e tudo ao redor é formado por cacos de iconografias de um mundo que parece ter desmoronando e o sentido desaparecido. “Chateado com o Budismo? Não suporta filosofia religiosa? Então a Igreja do Batman pode ser a resposta”, diz um dos anúncios publicitários customizados que acompanham as pessoas nas calçadas no estilo do filme Minority Report.

A religião transformou-se em mais uma mercadoria à venda, associada a ícones pop. A mais simbólica imagem do filme é a estátua de Jesus crucificado no interior da igreja abandonada, cuja cabeça foi substituída por uma câmera de vigilância da Mancom, sempre monitorando o trabalho de Qoen. O poder de vigilância e controle da Igreja foi substituído pela dominação tecnológica das corporações. Em busca de um propósito da existência não mais através da religião, mas agora pela tecnologia, inadvertidamente o homem pulou da frigideira para cair no fogo.

O jogo perverso de Terry Gilliam


O jogo ironicamente perverso que Gilliam propõe no filme é esse: Por que a Mancom foi entregar o projeto Teorema Zero, que pretende matematicamente provar a ausência de sentido da existência, nas mãos de uma pessoa que mora numa antiga igreja e, tal qual um monge, procura um sentido religioso em tudo?

Terry Gilliam vai encontrar a resposta na via negativa da filosofia, como ele próprio admitiu em entrevista:
“Não há sentido para a vida: minhas células se dividem, as coisas estão acontecendo, as estruturas estão sendo formadas, outras coisas estão comendo outras coisas. É o maravilhoso caos organizado. Então o que significa que existe para a vida é o que você dá à sua vida. Você tem que fazer o trabalho, você não pode ficar esperando por um telefonema que vai dizer-lhe. O que eu sempre pensei que era engraçado em “O Teorema Zero” foi que o filme está tentando provar uma negativa positivamente. Essa é a coisa estranha quando você está tentando provar que 100% deve ser igual a zero, ou zero deve ser igual a 100%. Construímos essas estruturas que se mantêm caindo aos pedaços, que não conseguem produzir resultado”(The Meaning of Life: Terry Gilliam on the Zero Theorem in “The Skinny”).
Por que o Administrador (Deus?) entregou o mais secreto e importante projeto da Mancom para um homem perturbado por recorrentes imagens mentais onde vê o universo sendo sugado por um gigantesco buraco negro? Por que um homem como Qoen que tenta encontrar o sentido religioso da existência através da tecnologia (telefone e Internet) é ao mesmo tempo tentado por um site de sexo à distância (“sexo bio-telemétrico”) oferecido por uma mulher que conheceu numa festa?

Para Gilliam, Deus escreve por linhas tortas o caminho da sua própria negação. Quando o homem busca o sentido da existência é porque secretamente sabe que esse sentido não existe. O Teorema Zero abraça alegremente esse niilismo gnóstico como a última esperança de libertação – 0 é igual a 100% é a filosofia do filme Clube da Luta: quanto perdermos todas as esperanças de respostas, então as encontraremos dentro de nós mesmos.

Ficha Técnica


Título: O Teorema Zero
Direção: Terry Gilliam
Roteiro: Pat Rushin
Elenco: Christoph Waltz, Mélaine Thierry, Matt Damon, Tilda Swinton, David Thewlis
Produção: Voltage Pictures
Distribuição: Imagem Filmes
Ano: 2013
País: EUA, Reino Unido



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