sábado, junho 15, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Partindo do princípio de que o mix emocional de exaltação e melancolia da
adolescência representa o último grito de um espírito que nega a adaptação ao
futuro, “Moonrise Kingdom” (2012) constrói uma elaborada fábula sobre a inadaptabilidade
do jovem a um mundo onde os adultos dizem “somos tudo o que vocês têm”.
Enquanto filmes como a da franquia “Crepúsculo” ou “Harry Potter” representam
esses aspectos depressivos da adolescência de forma solipsista e platônica (a
felicidade só poderia ser alcançada nos sonhos ou em mundos mágicos e
sobrenaturais), “Moonrise Kingdom” constrói um elaborado simbolismo permeado de
misticismo e gnosticismo que não só desconstrói as formas de “cura” da revolta
adolescente como aponta para a felicidade como uma chama interior que deve ser
mantida acesa no mundo adulto que o aguarda. Um filme oportuno em tempos em que
jovens estão tomando as ruas em protestos.
O diretor Wes Anderson é conhecido por criar um
universo bem particular: em todos os seus filmes anteriores como “Os
Excêntricos Tenembauns” (2001) ou “O Fantástico Sr. Raposo (2009) ele é capaz
de criar um microcosmo onde os eventos e ações começam a ocorrer dentro de suas
própria regras e tudo começa a ser impulsionado por emoções e desejos tão convincentes
que se tornam mágicos.
Dessa vez o novo mundo criado por Anderson é uma
ilha em algum lugar na costa da Nova Inglaterra nos EUA, onde as casas,
fazendas, faróis, barcos parecem ser reproduções ampliadas de pequenos modelos
ou miniaturas. A composição dos enquandramentos é cheia de simetrias, o
movimento da câmera calculadíssimo e os personagens propositalmente
estereotipados e contidos. Por isso, Anderson é muito criticado pelo estilo dito
“maneirista”. Aqui, pelo menos, esse estilo passa a ter todo sentido: em uma
ilha cujo artificialismo dos personagens, paisagens urbanas e naturais lembram
muito a ilha de Seahaven do filme “Show de Truman” (The Truman Show, 1998)
criam uma sufocante atmosfera de ordem, disciplina e hierarquia, um casal de
adolescentes se rebela e planeja cuidadosamente e executa uma fuga: ela para
fugir da crise conjugal dos seus pais e ele da disciplina e mediocridade de um
campo de escotismo.
Tudo se passa em 1965, porém apenas alguns signos
remetem à época como o modelo do automóvel do policial Bruce Willys ou a
vitrola portátil de 45rpm à pilha que os adolescentes levam na fuga. O
microcosmo da ilha é de um artificialismo atemporal.
Essa atemporalidade de “Moonrise Kingdom” é que
torna o filme uma fábula sobre a condição de melancolia e inadaptabilidade do
adolescente, talvez o último momento das nossas vidas onde o espírito solta seu
último grito de agonia antes da inserção definitiva no mundo adulto. Depois, já
na vida adulta, olharemos para trás com melancólica nostalgia e o mal estar
espiritual será tratado ou pela religião ou pela variedade de técnicas
psicológicas e farmacológicas disponíveis.
O Filme
Nessa ilha tão atemporal que poderia ser a de Próspero
da peça teatral “A Tempestade” de Shakespeare há um farol onde vive a heroína
Suzy Bishop (Kara Hayward) com seus pais em crise (Bill Murray e Frances
McDormand) e um acampamento de escoteiros onde o outro herói Sam Shakusky
(Jared Gilman) entra em choque com as infantis regras do escoteiro-chefe
(Edward Norton) e com a mediocridade dos outros garotos do grupo. Suzy e Sam
têm 12 anos e, desde que começaram a trocar cartas há um ano, planejam
cuidadosamente uma fuga.
Suzy e Sam partilham a experiência de uma vida:
eles sabem que aquele será o último verão e que no próximo ano estarão velhos
demais para tamanha irresponsabilidade.
"Somos tudo o que ele têm"
O curioso no filme é que percebemos de início a
absoluta impossibilidade do sucesso da empreitada: o objetivo de Sam é reunir
todos os seus conhecimentos de escotismo e, através de uma antiga trilha
indígena, encontrar um esconderijo onde criará para a sua vaidosa namorada
amante das artes um paraíso só seu, o “Moonrise Kingdom”. Mas a ilha não é tão
grande assim (Wes Anderson pontua sempre a narrativa com um mapa do território,
para que o espectador acompanhe os deslocamentos dos personagens), isto é, dada
as condições geográficas da ilha não existe como se esconderem. Ainda mais que estão
nos seus encalços o policial da ilha e o escoteiro-chefe com o seu grupo de
disciplinados escoteiros.
Por isso, toda a peregrinação de Sam e Suzy parece
ter um significado muito mais simbólico do que prático. Na medida em que a fuga
avança, o diretor Wes Anderson vai tornando isso mais claro coma profusão de sequências simbólicas como a
cerimônia de casamento de Sam e Suzy (“não tem validade civil mas carrega um
peso moral dentro de si mesmos”), a inundação, o raio que cai na Igreja etc.
Exaltação e melancolia
Sam e Suzy parecem representar a condição atemporal
da tanto da adolescência, onde exaltação e melancolia, euforia e depressão,
criam um turbilhão de emoções e sensações (principalmente a descoberta da
sexualidade e do erotismo em cenas que Anderson dirige de forma sensível). O
resultado é a condição de “estrangeiro”, de inadequação, de sempre sentir que é
um intruso diante do que o adolescente tentará mitigar o problema de duas
formas: ou tentando ser um “garoto popular” consumista e admirado pelos amigos
ou através da melancolia, depressão ou mesmo raiva.
É marcante como em cada época a
cultura pop representou e explorou essa espécie de condição bipolar
adolescente: nos anos 70 tivemos o “rock horror” e “glam rock” dos anos 70 e
todo o universo trash e underground urbano sintetizado no filme "Rock
Horror Picture Show" - 1975. Nos anos 80 temos o “Dark” sintetizado em
ícones como Robert Smith do The Cure e Peter Murphy da banda Bauhaus. Músicas
cujas letras se inspiram no universo gótico da literatura romântica dos séculos
XVIII e XIX. Nos anos 90 o “Dark” é reciclado pelo “Gótico” e a literatura
romântica é substituída pelos contos de terror. Jovens cuja aspiração é a de se
tornar seres da noite, com longas capas pretas e lentas de contato especiais
que alteram a cor dos olhos.Nesse início do século XXI temos
a franquia de filmes “Crepúsculo” e o imaginário musical "Emo"
destilando essas tendências depressivas em jovens e adolescentes.
“Moonrise Kingdom”
vai mais fundo nessa condição atemporal do adolescente, indo além dessas
representações depressivas e platônicas da cultura pop sobre a melancolia do
jovem: Wes Anderson busca a gnose dos adolescentes, isto é, toda a jornada
inútil da fuga na verdade acabou se tornando uma peregrinação espiritual onde
descobrem que o paraíso idílico que buscam na verdade está dentro deles, em uma
fagulha que devem manter acesa mesmo após se estabelecerem no mundo adulto.
Em uma atmosfera
de comédia non sense, Wes Anderson vai
desconstruindo as duas formas de terapias para adolescentes revoltados: a
Igreja (atingida por um raio e a cerimônia de casamento tendo ao fundo uma cruz
improvisada feita de papel celofane) e a disciplina militar do escotismo – o
acampamento é arrastado por uma enxurrada e a autoridade do chefe-escoteiro é
constantemente ridicularizada.
Religião e
disciplina hierárquica, as duas formas são ao longo da narrativa colocadas em
xeque para que Sam e Suzy, embora vistos como “problemáticos” e “crianças
difíceis” por todos ao redor, possam criar um mundo interior todo deles, se
inserir nos papéis sociais da ilha (ele como futuro policial e ela como uma
amante da arte que renovará a família) para, quem sabe, no futuro construir
novos e mais progressistas papéis em uma outra sociedade. Os sorrisos finais
desafiadores de ambos parece apontar para isso.
A fantasia do “Moonrise Kingdom” é, na
verdade, a nostalgia do paraíso idílico da nossa infância (alegria,
espontaneidade, entrega cega, confiança etc.) que sabemos que vamos perder
quando crescermos. O que torna o filme de Wes Anderson virtuoso é que isso não
é representado de uma forma melancólica e platônica, como fazem as
representações pop adolescentes como a franquia “Crepúsculo” ou “Harry Potter”,
sempre colocando como a única solução para o adolescente o mundo solipsista dos
sonhos, fantasia e magia.
“Moonrise Kingdom” é desafiante como um
bom filme gnóstico: incita o adolescente a manter a chama acesa dentro de si,
ao mostrar que esse paraíso existe e já está dentro de nós, e não em regiões
mágicas, reinos encantados ou mundos sobrenaturais. E que essa chama pode
provocar um grande incêndio de renovação no mundo real.
Sam e Suzy voltam para suas vidas, cada
um com um sorriso enigmático no rosto como se pensassem: “Ah! Então é isso!”.
Assistindo ao filme “Moonrise Kingdom”
parece que somos instigados a deixar de lado a melancolia passiva dos vampiros
de “Crepúsculo” ou de Harry Potter. Ficamos fascinados com o amor militante de
Sam e Suzy e tudo que há de verdade na adolescência que os adultos teimam em tentar
“curar” com religião e disciplina.
Ficha Técnica
Título: Moonrise Kingdom
Diretor: Wes
Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola
Elenco: Bruce Willys, Bill Murray, Jared Gilman,
Kara Hayward, Edward Norton, Frances McDormand
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Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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