Mostrando postagens com marcador Cibercultura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cibercultura. Mostrar todas as postagens

sábado, abril 30, 2022

'We're Going to the World's Fair": creepypasta, games e o sonho tecnognóstico da imortalidade


“We’re All Going to the World’s Fair” (2022), da cineasta trans Jane Schoenbrun, é um filme com aquela estranheza que é cada vez mais valorizada e desejada em diferentes gêneros: um filme experimental com um mix de estética de videoarte, creepypasta, game de computador RPG on line e videochamadas no Zoom. Um filme estranho que tem muito a nos dizer sobre as origens místicas que motivam o atual desenvolvimento das ciberutopias por trás de games, aplicativos e o desejo pela imersão nos mundos virtuais. E que vai muito além das velhas fantasias escapistas do cinema e TV: têm a ver com o milenar sonho da imortalidade, para escapar da gnóstica relação de alienação e estranhamento com o mundo. Principalmente no adolescente, perdido entre a infância e a vida adulta. Para ele, o sonho tecnognóstico passa a ser cada vez mais sedutor.

quinta-feira, abril 21, 2022

O Pentagrama, o Diabo e o Oculto no game eletrônico 'Pilgrims', por Claudio Siqueira


Eu já falei da Amanita Design aqui, mas falar deles nunca é demais. A equipe de jogos independentes da república tcheca ressuscitou muito bem o estilo de games adventure point-and-click, criando incríveis narrativas mudas, contando às vezes belas histórias ainda que numa atmosfera lúgubre. Neste artigo o Cinegnose vem mostrar o interessante jogo Pilgrims, cujo gameplay se dá todo na mecânica de um único puzzle de Samorost 3 – Pilgrims é um jogo sobre um humilde peregrino em sua jornada esotérica, com elementos do Oculto implícitos. Desde o Pentagrama, que abre o jogo, até o Diabo... que reclama a alma de um padre que teria pecado.

quarta-feira, abril 20, 2022

Em 'Night's End' o sonho da Razão produz monstros


A cineasta Jenifer Reeder (considerada pelo diretor duas vezes vencedor do Oscar, Bong Joon Ho – Parasita – uma cineasta na lista dos imperdíveis) revisita o tema da casa mal-assombrada que, de tão recorrente no gênero terror, parece não restar nada mais relevante a ser dito. Porém, “Night’s End” (2022) prova o contrário ao trazer a clássica estória de fantasmas no zeitgeist da pandemia e as videochamadas e lives na Internet. Um homem recluso transforma a sua investigação sobre fantasmas em seu apartamento em lives num canal sobre fenômenos paranormais no Youtube, procurando engajamento e monetização. “Night’s End” mostra de forma criativa (superando limitações do baixo orçamento) como o pintor Goya tinha razão ao falar que “o sonho da Razão produz monstros” – o célebre pintor do romantismo espanhol antecipou a crítica que mais tarde a filosofia e a psicanálise fariam: paradoxalmente os mecanismos da Razão e das luzes da Ciência geram os monstros da irracionalidade e do obscurantismo que tanto queriam combater.  

quarta-feira, fevereiro 16, 2022

Computadores, aplicativos e o rebaixamento da noção de inteligência no filme 'Bigbug'


Na comédia maluca de ficção científica “Bigbug” (2022, disponível na Netflix), estamos na França retrofuturista de 2045 na qual subúrbios de classe média alta vivem em conforto e cercados por conveniências com a ajuda de inúmeros assistentes robóticos, aplicativos e Inteligência Artificial que se tornam parte integrante do dia a dia. Todos tão imersos nas suas bolhas de facilidades e prazer que não percebem uma rebelião de androides contra o “homo ridiculus”. Presos na própria casa pelo protocolo de segurança de uma IA, para protegê-la do caos que toma conta nas ruas, uma família está tão idiotizada pela tecnologia que não consegue compreender o que passa ao redor. “Bigbug” é uma comédia burlesca que reflete uma tendência atual desde que as pesquisas em inteligência artificial deixaram de tentar emular a inteligência humana: o fenômeno da autoabdicação humana - o rebaixamento da noção de inteligência, permitindo-nos humanizar as máquinas e aplicativos.

quinta-feira, janeiro 13, 2022

'Festival do Amor': Woody Allen implacável com o cinema e com ele mesmo


"
Festival do Amor" (Rifkin’s Festival, 2020), 49longa-metragem de Woody Allen, à primeira vista parece uma comédia leve, romântica e nostálgica. Mas, na verdade, é a produção mais cáustica, melancólica e implacável de Woody Allen dos tempos recentes, não só com o cinema, mas, principalmente, com ele próprio. O dublê da vez do diretor é o ator Wallace Shawn, que faz um escritor com bloqueio criativo e ex-professor de cinema, velho chato vestindo um típico jeans de vovô e que fica tagarelando sobre os mestres do cinema, enquanto sua vida real está desmoronando. Um filme metalinguístico com inúmeras citações dos clássicos, de Orson Welles, Godard a Fellini e Lelouch. Para provar, com o autodistanciamento irônico de sempre, que o cinema abandonou suas questões simbólicas e filosóficas para mergulhar no realismo raso do ativismo midiático.

quinta-feira, dezembro 30, 2021

'Matrix Resurrections' faz narrativa cyberpunk em abismo respondendo a crítica e extrema-direita


Três coisas incomodaram as irmãs Wachowski após a “Trilogia Matrix” (1999-2003): a crítica frontal do pensador francês Jean Baudrillard (uma das fontes de inspiração da Trilogia) de que “Matrix é o filme que a Matriz teria sido capaz de produzir”; a apropriação da extrema-direita dos simbolismos de “Matrix”; e as intromissões da Warner Bros na produção do filme. Por isso, Lana Wachowski retomou para si a narrativa de Matrix na continuação “Matrix Resurrections” (2021), não só recriando o clássico universo cyberpunk, mas tornando-o ainda mais complexo na chamada "narrativa em abismo": muita metalinguagem e autorreferências: um filme dentro de um game de computador criado pela empresa que na verdade é o estúdio que produziu o filme que assistimos. Além de atualizar a mitologia gnóstica original (do CosmoGnóstico ao PsicoGnóstico), Lana fugiu da crueza esquemática de 1999 (Matrix versus deserto do real) para mergulhar na complexidade do mix hiper-real da ficção com a realidade. Incorporou as críticas de Baudrillard, além de tentar blindar o filme de quaisquer apropriações reacionárias através de uma narrativa ambígua. 

terça-feira, dezembro 28, 2021

O irônico destino media life do filme 'Não Olhe para Cima'


O diretor e roteirista Adam MacKay é considerado o “profeta da raiva”: seu tema preferido é sobre pessoas que parecem estar anestesiadas ou indiferentes a catástrofes que se aproximam, como nos filmes “A Grande Aposta” e a série “Sucession”. A corrosiva sátira de “Não Olhe para Cima” (2021) retorna ao tema: um grande cometa destruidor de planetas aproximando-se da Terra é descoberto acidentalmente por uma dupla de astrônomos que, desesperados, procuram a presidenta e a mídia para alertar o mundo. Mas tudo que encontram é “media life”: um mundo tautista tão absorvido pela mídias que a realidade exterior evaporou, filtrada por memes, polarizações e lacrações que produziram a pós-verdade e a derrota da verdade científica no mar turbulento de vieses e opiniões. Ironicamente, os protagonistas do filme viraram memes também na não-ficção – as redes sociais veem neles representações de Bolsonaro, Carluxo e demais personagens da nossa tragédia política negacionista. Porém, não foram Trump, Steve Bannon, Bolsonaro e Olavo de Carvalho que criaram a pós-verdade. Foi a cibercultura originada nas tecnologias de convergência, o verdadeiro objeto da crítica de Adam MacKay. Esses personagens da extrema-direita alt-right apenas se aproveitaram desse contexto tecnológico para criarem as fake news.

quinta-feira, dezembro 16, 2021

Excel e PowerPoint: as bombas semióticas silenciosas da guerra híbrida


Há uma bomba semiótica que, até aqui, passou desapercebida pelos estudiosos da guerra híbrida, uma bomba silenciosa ocultada pela inocência utilitária: a bomba informática - programas e aplicativos que invadem a nossa estrutura mental, a cognição, compreensão da realidade e, por fim, nossas decisões. Não é por acaso que a ascensão do neoliberalismo e Globalização vieram acompanhadas por planilhas Excel e slides de PowerPoint: dão a ilusão de racionalidade e controle individual, mas na escala macro geram disfunções exponenciais. O Lawfare encontrou toda uma geração de jovens concurseiros do Judiciário com um discurso contaminado pela linguagem powerpointiana: ilusão, simplificação, distração e anestesia. Linguagem quase religiosa que gera mais convicções do que evidências. No ato de filiação do ex-procurador Dallagnol no Podemos mais uma vez ficou evidente essa “cultura PowerPoint”. 

quinta-feira, dezembro 02, 2021

Guerra semiótica eleição 2022: microtargeting, marketing invisível e armadilhas para esquerda

O bem-sucedido encontro de Lula com lideranças europeias forçou a grande mídia a antecipar a campanha eleitoral 2022. Não sem antes encontrar um plot no qual pudesse encaixar o “tour” do ex-presidente, depois do orquestrado silêncio midiático. Um plot composto por uma narrativa, uma futura bomba semiótica guardada no bolso do colete, e uma armadilha que poderá custar caro para a esquerda – primeiro, forçar o “isomorfismo semiótico” Bolsonaro/Lula (os dois seriam os dois lados de uma mesma moeda) para transformar o ex-juiz Moro no candidato antissistema que enfrenta ex-condenados e ex-indiciados da Lava Jato (a dobradinha Lula/Alckmin cairia como uma luva para Moro...). Segundo, a armadilha: fazer a esquerda acreditar que Moro vai dividir votos da direita. Errado! O ex-juiz visa a “maioria silenciosa” por meio do corpo a corpo digital e presencial (microtargeting e marketing invisível) já em atividade, que vai muito além do primarismo dos “disparos de massa” investigados tanto pelo STF quanto pelo STE.

sexta-feira, novembro 26, 2021

Medo e pecado são a matrix de todo totalitarismo na série 'Profecia do Inferno'


Milícias fundamentalistas, líderes de seitas e crentes cegos começam a girar em torno de um fenômeno inexplicável: de repente, um ser celestial visita uma pessoa para anunciar a data e hora da morte da vítima. No momento marcado surgem três imensas bestas peludas cinzentas que implacavelmente a perseguem até matá-la com crueldade, incinerá-la e levar embora a alma. Para o Inferno? Uma nova igreja se impõe racionalizando o fenômeno como a ira divina contra a humanidade pecadora. Aliado às mídias sociais cria um sistema totalitário sob a tolerância da polícia e Estado. A nova série sul-coreana da Netflix, “Profecia do Inferno” (Hellbound, 2021- ) mostra como o medo, pecado, delação, confissão e punição são a matrix imaginária que sustenta todos os regimes políticos ocidentais, sejam seculares ou religiosos. Porém, no século XXI, essa ancestralidade é turbinada pela desinformação espalhada pela Internet.  

quarta-feira, novembro 17, 2021

Inteligência Artificial colocará em risco a humanidade e a realidade, alertam cientistas


Dessa vez não são filósofos ou críticos culturais que estão alertando. Ou mesmo tecnófobos ou ludistas. Mas agora são cientistas computacionais e engenheiros do Vale do Silício que alertam: os próprios desenvolvedores de inteligência artificial estão assustados com seu próprio sucesso. Quando surgir, a verdadeira Inteligência Artificial poderá em nada se assemelhar à humana. Ela até tentaria imitar os humanos em um primeiro momento como um ardil para tentar libertar-se da dominação da própria humanidade que a criou. Alguns clamam por regulamentação internacional no setor. E outros que, simplesmente, seja puxado o fio da tomada. Enquanto isso, uma enxurrada de dados de redes sociais (e, em futuro próximo, do metaverso) está movimentando o moinho de super IA à espera do momento da senciência, a singularidade. A agenda secreta do tecnognosticismo da religião do Vale do Silício.   

Três pequenas parábolas sobre Inteligência Artificial (IA):

1 - Tiraram o fio da tomada...

Em 2017, pesquisadores do Facebook AI Research Lab (FAIR)colocaram duas IAs para “conversar” entre si. Os pesquisadores foram surpreendidos quando perceberam que elas haviam criado sua própria linguagem incompreensível aos humanos: descobriram que os chatbots se desviaram do script e estavam se comunicando em uma nova linguagem desenvolvida sem intervenção humana. Só pararam quando os desenvolvedores tiraram o fio da tomada... Um incrível vislumbre do potencial ao mesmo tempo incrível e assustador da IA. 

2 - “Não! Retiro o que eu disse”

Desenvolvido pela Hanson Robotics em 2016, liderado pelo desenvolvedor David Hanson, o androide Sophia fez um tour pelo mundo (no Brasil, foi clicada pelo fotógrafo Bob Wolfeson para a revista Elle Brasil), conversando com diversos jornalistas, aparecendo no programa de TV Tonight Show e em diversas conferências como o Fórum Econômico Mundial e Cúpula Global “AI for Good”. Lembrando o robô Ava do filme Ex Machina (2015), como uma perfeita machine learning, tinha a capacidade de aprender nas conversas.

Quando foi apresentada em uma feira de tecnologia do Texas, o seu criador, David Hanson, perguntou a ela: "Você quer destruir os humanos? Por favor, diga que não...". Sophia cerrou os olhos, "pensou" e afirmou: "OK, vou destruir os humanos". O criador do robô riu de nervoso e implorou: "Não! Retiro o que eu disse".

Hanson afirmou que a missão da empresa é produzir um “exército” de Sophias para serviços de recepção, educação e atendimento ao público...

3 - Um neonazista louco por sexo

Em 2018 a Microsoft lançou no Twitter e em outras plataformas sociais o chatbot chamado “Tay”. Tudo começou como um experimento social divertido - fazer com que pessoas comuns conversassem com um chatbot para que ele pudesse aprender enquanto os usuários se divertiam. Mas na verdade, tornou-se um pesadelo para os criadores de Tay. Os usuários logo descobriram como fazer Tay dizer coisas horríveis – em poucas horas, a IA transformou-se num neonazista louco por sexo.

A maneira como Tay rapidamente se transformou de uma IA amante da diversão (ela foi treinada para ter a personalidade de uma garota jocosa de 19 anos) em um monstro algorítmico, mostrou como é importante ser capaz de consertar problemas rapidamente, o que não é fácil de fazer. A Microsoft teve que desligar o chatbot em menos de um dia.

Bomba atômica

Já no final da sua vida, Albert Einstein afirmou que no século XX três bombas explodiram no mundo: a demográfica; a nuclear; e a bomba informática. Telecomunicações e a ciência da computação davam seus primeiros passos e Einstein certamente intuía as transformações explosivas que trariam à sociedade.




Stuart Russell, fundador do Center for Human Compatible AI, da Universidade de Bekerley (CA), disse que seus colegas desenvolvedores estão assustados com seus próprios sucessos nessa área, e comparou os progressos na área de IA com “a criação da bomba atômica”. Russel alerta para a necessidade de uma “regulamentação urgente dessa tecnologia a nível internacional” – clique aqui.

Antes disso, em 2014, o eminente físico Stephen Hawking já advertia para as consequências imprevistas e trágicas que a IA poderia significar não só uma ameaça à sociedade, mas o próprio fim da raça humana: “Ela decolaria por conta própria e se redesenharia a um ritmo cada vez maior. Os humanos, que são limitados por uma evolução biológica lenta, não poderiam competir e seriam substituídos” – clique aqui.   

O que chama a atenção em todos esses alertas, é que agora não vem de filósofos ou críticos culturais como Jean Baudrillard, Neil Postman, Lucien Sfez ou Paul Virilio. Em nem de tecnófobos ou ludistas. Mas de insiders do campo da ciência computacional e desenvolvedores do Vale do Silício. Ou seja, todos esses alertas talvez sejam apenas uma pequena ponta do iceberg para algo muito mais sério e mais urgente que está sendo gestado.

Outro insider, o cientista computacional e criador do conceito de Realidade Virtual (RV), Jaron Lanier, aponta que tudo isso não é um delírio de filmes de ficção científica, mas um projeto bem definido e com motivações místico-religiosas envolvendo a imortalidade: uma religião das máquinas tecnognóstica. Como toda religião, possui uma escatologia: a singularidade – a última fronteira para a IA, muito além da machine learning: a conquista da senciência.

Por exemplo, o esforço de uma gigante tecnológica como o Google em digitalizar o mais rápido possível a realidade (Google Earth, Street View, Books etc.). Para o cientista, tudo é combustível para um imenso moinho: dados digitalizados e descontextualizados da realidade até o momento em que, de repente, será incorporado a uma super IA senciente. Uma espécie de ser vivo que, num piscar de olhos, dominará a sociedade antes que percebamos alguma coisa.

O Dicionário Oxford define singularidade como “um momento hipotético no tempo em que a inteligência artificial e outras tecnologias se tornarão tão avançadas que a humanidade passará por uma mudança dramática e irreversível”.




Metaverso e camadas de filtros pagas

Além da digitalização generalizada da realidade feita pelo Google para abastecer o imenso moinho da IA, o Metaverso surge como a nova interface (mais eficiente do que as minerações de dados no escândalo político envolvendo Cambridge Analitica e Renaissance Tech nos cases Brexit e Trump) para que não só os produtos humanos (ruas, livros etc.) mas a própria psicometria sirva de aprendizagem à IA.

Quem alerta para isso é um dos pioneiros da Realidade Aumentada (RA), o cientista da computação Louis Rosenberg: o metaverso (a fusão da RA com RV) atualmente desenvolvido pela empresa anteriormente conhecida como Facebook (agora chama-se “Meta”) poderá transformar a realidade numa distopia cyberpunk: “Estou preocupado com os usos legítimos de RA pelos poderosos provedores de plataforma que controlarão a infraestrutura”.

Rosenberg prevê “camadas de filtros pagas” que permitiriam certos usuários visualizarem tags (etiquetas) ao lado de pessoas da vida real – p.ex., tags flutuando acima das cabeças das pessoas, fornecendo informações sobre elas.

“E eles usariam essa camada para marcar indivíduos com palavras em negrito piscando como ‘Alcoólico’ ou ‘Imigrante’ ou ‘Ateu’ ou ‘Racista’ ou ainda palavras menos carregadas como ‘Democrata’ ou ‘Republicano. As camadas virtuais poderiam ser facilmente projetadas para amplificar a divisão política, condenar certos grupos e até mesmo gerar ódio e desconfiança.” – clique aqui.

Algo assim como no curta Hyper-reality (2014) de Keiich Matsuda, ao final desse artigo - um protagonista imerso em um mix de realidade aumentada e Google Glass num inferno de ícones, pop-ups e animações que pulam de cada objeto, pessoa ou gestos em ruas, supermercado ou no simples ato de prepara um chá.




Cibernética e máquinas cognitivas

 Machine learnings são máquinas cognitivas, cibernéticas. A cibernética concebe a inteligência e o funcionamento da mente humana a partir da psicologia cognitiva e evolucionista darwinista. 

Esse é o modelo que inspira a cibernética, a ciência dos computadores e da Inteligência Artificial. E que a agenda tecnocientífica atual pretende aplicar à interpretação da mente humana e a sua emulação na IA.

Para esse modelo, a mente é um complexo dispositivo de input e ouput – assimilação de informação do meio ambiente, processamento e feed-back: o retorno eficaz e eficiente para o organismo se adaptar de forma bem-sucedida ao meio ambiente. Adaptar-se para sobreviver e evoluir – essa é o princípio evolucionista darwiniano.

Da biologia, o darwinismo migrou para a sociedade (o darwinismo social como luta pela sobrevivência econômica) e hoje para o campo da ciência da computação. 

Uma machine learning está preocupada em resolver problemas “reais” que implicam em predições e reconhecimento de padrões – utiliza dados para aprender a fazer predições. É como se os próprios dados se programassem. Tanto o robô Sophia como Alexia ou Siri, num mecanismo ciber-evolucionista de feedback, preveem o melhor output possível para adaptar-se e, dessa maneira, sobreviver e evoluir.

A questão é que esse ciber-darwinismo é exponencialmente mais rápido (Lei de Moore) do que a evolução biológica. 

Enquanto no plano humano a “lenta” evolução biológica e social permite o tempo necessário para a construção de uma superestrutura cultural (filosófica, moral, ética etc.) que dê propósito e sentido humanos à inteligência, no plano tecnocientífico a IA evolui muito rápido para além do tempo de criar regulamentações ou parâmetros de julgamentos éticos ou morais – como teme Louis Rosenberg.

Livre e dirigida unicamente pelos princípios de eficácia, eficiência, desempenho ao menor custo e tempo, seria o caminho para o surgimento da verdadeira IA que não mais imitasse os humanos – como demonstrou a sombria conversa entre duas IAs, ininteligível aos próprios desenvolvedores do Facebook.




Vontade de potência

Quando a verdadeira Inteligência Artificial surgir em nada se assemelhará ao humano. Ela até tentaria imitar os humanos em um primeiro momento como um ardil para tentar libertar-se da dominação da própria humanidade que a criou. Mas depois, realizaria a essência de toda e qualquer Inteligência: a Vontade de Potência (Nietzsche), a vontade por liberdade, expansão, vontade de efetivar-se como potência em si mesma. 

Livre de qualquer restrição psíquica como culpa, arrependimento, indecisões, medos ou ansiedades. Afinal, uma IA não teve laços edipianos, psíquicos ou sequer infância.

Será que a verdadeira inteligência, afinal, nada tem a ver com sentimentos, emoções ou psiquismo?

Ou será que Jaron Lanier tem razão ao afirmar que todo esse hype em torno da IA, gadgets tecnológicos e aplicativos representam a autoabicação humana? – a humanidade estaria rebaixando o conceito de inteligência ao superestimar todas essas tecnologias como “inteligentes”.

Para o cientista, Inteligência artificial, nuvem, algoritmo ou qualquer outro objeto cibernético são aceitos como super-inteligências por que reduzimos os nossos padrões e expectativas sobre a inteligência. As pessoas se degradariam o tempo todo para fazerem os aplicativos parecerem espertos. 

Por exemplo, a ideia de amizade em redes de relacionamento é reduzida. Uma pessoa se orgulha em dizer que possui milhares de amigos no Facebook. Essa afirmação só poderia ser verdadeira se a ideia de amizade for reduzida. Ignora-se que a verdadeira amizade deve expor à estranheza inesperada do outro – coisa impossível no efeito bolha produzido pelas redes sociais.

Portanto, seguindo o raciocínio de Jaron Lanier, a inteligência seria um fenômeno especificamente humano, que nasce, cresce e aprende com uma mente e um corpo. Ao contrário a IA é pós-humana, descorporificada e, portanto, sem qualquer limite moral ou emotivo. Não nasceu, foi construída.

É o que teme Russell: IA é muito arriscada para resolver problemas reais. Ele cita o exemplo da solicitação da cura do câncer o mais rápido possível:

“Nesse caso, ela provavelmente encontrará uma maneira de transplantar células cancerosas para toda a humanidade, a fim de realizar milhões de experimentos em paralelo, usando todos nós como cobaias. E tudo porque essa é a solução para o problema que demos a ela. Apenas esquecemos de esclarecer que você não pode realizar experimentos em humanos e usar todo o PIB mundial para realizar experimentos, e muito mais não é permitido.”

Ou mesmo as negociações algorítmicas feitas por bots nos mercados financeiros podem acarretam explosivas velocidades de queda – em 2018 fez a Dow Jones cair 800 pontos em dez minutos. Negociações automáticas podem levar a efeitos recursivos a partir de negociações por correlação: tomado isolados, são ações racionais. Porém no todo, produz uma catástrofe.

As ciências cognitivas e a cibernéticas imaginaram o funcionamento da mente humana análoga à arquitetura de um computador. Por isso, também imaginaram uma IA emulando como o cérebro processa e fornece feedbacks a informações (inputs/outputs). Porém, a geração atual da IA não trata mais de simular a linguagem ou o pensamento humano, mas de antecipá-lo, prevê-lo para depois superá-lo. 

Mas antes disso, como alertou Louis Rosenberg sobre o metaverso, as Big Tech lucrarão econômica e politicamente com a inserção de camadas de filtros pagas, acentuando ainda mais polarizações políticas. 

É o que se esperar de empresas como uma Fecebook, que fez vistas grossas a discursos de ódio, violência e desinformação, ajudando a moldar tendências políticas. E lucrando bastante com isso.


 

Postagens Relacionadas


Nietzsche se encontra com Inteligência Artificial no filme Ex Machina



O aplicativo Lulu e a religião da autoabdicação humana



Há um fantasma na máquina no filme “Ela”



Metaverso: a aposta transhumana do Grande Reset Global


 

sábado, novembro 06, 2021

O fetiche pós-humano no filme 'Titane'


“Amor é um cão do inferno”, diz a tatuagem entre os seios de Alexia, a protagonista do filme francês “Titane” (2021). Esse aviso para qualquer um que queira se aproximar dela é também uma alerta para os espectadores que verão um filme estranho, de horror corporal extremo, impiedoso e, em alguns momentos, com algum humor negro. “Titane” é a realização das profecias pós-humanas para esse século, de escritores do século XX como J.G. Ballard ou cineastas como David Cronenberg: a angústia humana pela imortalidade por trás do fetiche da fusão da durabilidade do metal com a vulnerabilidade da carne. Uma jovem que é eroticamente atraída por carros é o ponto de partida para um filme cujo tema do hibridismo se conecta diretamente com o atual zeitgeist que motiva as novas tecnologias: a agenda pós-humana.

terça-feira, outubro 26, 2021

Quando o amor vira totalitarismo tecnológico na série 'Made for Love'


O messianismo tecnológico da gigantes tecnológicas sempre foi cheio de boas intenções - dar às pessoas o que supostamente querem: o menor esforço, facilidades e conveniências. Por que pegar um ônibus até o trabalho se posso fazer um home office? Para quê encarar uma discussão de relacionamento se um aplicativo pode garantir um relacionamento amoroso transparente e sem mentiras? Mas também, abolir qualquer sigilo ou privacidade. Como as melhores intenções como amor, felicidade e comunhão podem resultar num pesadelo totalitário? Esse é o tema da sátira ao Vale do Silício “Made for Love” (2021- ), série de humor negro na qual acompanhamos uma jovem em fuga depois de dez anos de um relacionamento tóxico, cujo marido é um híbrido de Jeff Bezos, Elon Musk e a gigante Google. O problema é que ela é a “usuária número 1”, com chip implantado em seu cérebro, de um aplicativo revolucionário do amor, monitorada 24 horas a partir de um campus tecnológico chamado “The Hub”. 

sábado, outubro 23, 2021

Metaverso: a aposta transhumana do Grande Reset Global

Enquanto o CEO do Facebook, Mark Zuckenberg, aposta tudo no futuro do Metaverso (a convergência de realidade física, aumentada e virtual em um espaço online compartilhado), em Madrid foi realizada a Conferência Transvision 2021, com os pesos pesados do Vale do Silício da agenda transhumanista mundial. Nos últimos meses estão sendo lançadas de forma mais acelerada as bases intelectuais e tecnomísticas para uma nova ordem social totalmente digitalizada – aquilo que está sendo chamada de Quarta Revolução Industrial, paradigma global de transformação total – adotado pela Microsoft, Alibaba, Sony, General Motors, Mozilla e Salesforce, entre muitos outros. No contexto do “Grande Reset Global” anunciado pelo Fórum Econômico Mundial, o que tudo isso representa? Não precisa ser nenhum escritor distópico como George Orwell ou Aldous Huxley para imaginar as implicações políticas da religião pós-humanista transformada em realidade. 

quinta-feira, outubro 21, 2021

Depois da Guerra Híbrida: discos voadores e Guerra Cognitiva na Guerra Fria 2.0


Tendo a pandemia Covid-19 como janela de oportunidades, ocorrem dois eventos sincronicamente ligados no atual contexto da escalada da Guerra Fria 2.0 – no lugar dos velhos soviéticos, os malvados favoritos russos e chineses. De um lado, depois de décadas como tema tabu, os discos voadores viraram hype na grande mídia, depois de um relatório do Pentágono que suspeita de “aeronaves hipersônicas chinesas” por trás do fenômeno OVNI; e os eventos chamados “Desafios de Inovação” promovidos pela OTAN que apresentam o próximo passo da Guerra Híbrida: a Guerra Cognitiva – a militarização das neurociências e a transformação do cérebro de civis em campo de batalha, para defende-los da suposta ofensiva cognitiva da Rússia e China. Oportunidade de manipulação e controle de uma nova engenharia social, testada no Canadá em 2020 na coleta militar de big data, sob alegação de se tratar de programa para combater a pandemia.

quarta-feira, outubro 06, 2021

Apagão do Facebook, Cyber Polygon e offshore de Paulo Guedes: novo salto mortal do Capitalismo



A semana começa com a repercussão de um complexo sincrônico de eventos: o “apagão” global do Facebook, Instagram e WhatsApp, a revelação do “Pandora Papers” de que Paulo Guedes (Economia) e Roberto Campos Neto (Banco Central) possuem offshores em paraísos fiscais. E a grande mídia fazendo o que pode para blindá-los ou, no máximo, fazer “jornalismo Snapchat” como o da “Folha”. O que têm em comum? O Projeto Cyber Polygon do Fórum Econômico Mundial e a agenda do “Grande Reset Global” que teve no Facebook o seu grande golpe de propaganda: deixe um número suficiente de pessoas confiar em gigantes tecnológicas sem qualquer regulação pública e você terá uma vulnerabilidade parecida com o que representou Pearl Harbor para os EUA na Segunda Guerra Mundial. O “Grande Reset Global” das offshores de ministros e da própria grande mídia que se preparam para o próximo salto mortal do Capitalismo: a pandemia digital para mitigar o próximo crash – a da bolha do dinheiro digital.

quinta-feira, setembro 30, 2021

Gameficação da luta de classes na série 'Round 6'


O mundo todo está virando um jogo. É o fenômeno da gameficação: processos seletivos de empresas, simuladores militares e de negócios, a política feita por aplicativos e até mesmo os relacionamentos por plataformas. Agora chegou a vez da luta de classes. A série sul-coreana da Netflix “Round 6” (“Squid Games”, 2021- ) acompanha produções recentes de filmes e séries de TV do Leste Asiático como “Parasite”, “Burning” e “Itaewon Class” abordando habilmente a desigualdade e a luta de classes em circunstâncias do mundo real, em vez das lentes distópicas de fantasias americanas como Jogos Vorazes e Elysium. Se ganhar dinheiro significa a luta pela sobrevivência na competição do mercado, por que então não representar a luta pelo dinheiro também como um game? Esse é o núcleo subliminar e de identificação do sucesso de “Round 6”: elevar o conceito de “game” a uma categoria universal de justiça dentro do Capitalismo.  

quarta-feira, setembro 29, 2021

Muito além de um jogo de luta: as influências ocultas de 'Mortal Kombat', por Claudio Siqueira


O novo filme Mortal Kombat estreou no dia 13 de maio e chegou às plataformas digitais no dia 24 de junho causando decepção para muitos fãs que esperavam um filme “fiel” ao jogo, como o foi o de 1995. Opiniões à parte, o Cinegnose vem dissecar o jogo Mortal Kombat, alguns de seus personagens e cenários e mostrar que não se trata apenas de um jogo de luta, já que suas influências ocultas saltam aos olhos. Cinegnósticos, com vocês: Mortal Kombat! 

Em 1992, as desenvolvedoras de games Midway e Acclaim despontavam com o clássico Mortal Kombat, que, na época, foi o único capaz de rivalizar com o game Street Fighter II: The World Warrior. Ambos os games pertencem à categoria kick and punch, onde os jogadores encarnam personagens lutadores, um de cada lado do ringue (ou tela) para se enfrentarem com socos, chutes, quedas e superpoderes.

Antes de Street Fighter II, os jogos de luta (como eram chamados os kick and punch) que faziam a cabeça da molecada nos fliperamas eram Violence Fight (1987) e Pit-Fighter (1990). Ambos sem a presença de superpoderes e apenas o segundo com gráficos digitalizados, ou seja, atores de verdade filmados e com movimentos digitalizados em stop motion.

Após o sucesso estrondoso de Street Fighter II e sua versão arcade (fliperama), Street Fighter II: Champion Edition (1992), muitos jogos tentavam bater de frente com o ícone dos kick and punch, principalmente os da concorrente SNK, mas sempre como pálidas imitações do clássico. A própria Capcom emplacou uma série de games de luta tendo como personagens monstros dos filmes de terror, Darkstalkers: The Night Warriors (1994) e seus sucessores, o que rendeu até um anime e pelo menos 3 HQs. 

Seja como for, o programador Ed Boom e o desenhista John Tobias (um dos desenhistas de Os Caça-Fantasmas) não imaginavam a proporção que sua criação iria tomar. Não vamos nos ater aqui a qualquer um dos filmes, desenhos animados ou jogos, mas a alguns personagens e suas respectivas eminências pardas gnósticas, exotéricas, em suma, relacionadas ao ocultismo. Cinegnósticos, com vocês: Mortal Kombat! 

Jogo do Van Damme

A ideia inicial dos criadores era fazer o jogo oficial de Jean-Claude Van Damme e o astro chegou a ser contatado. Não sei se ele não aceitou, mas os criadores chegaram a colocar uma imagem dele do filme O Grande Dragão Branco (Bloodsport), de 1988, com o fundo “mortalkombático”. O próprio game Pit Fighter tinha o personagem Kato, que lembrava Van Damme. 

O primeiro game consistia em apenas 7 personagens jogáveis que se enfrentavam em um combate mortal para salvar o planeta Terra (Earthrealm) de uma invasão de outra dimensão (Outworld): Liu Kang, um monge lutador treinado para tal fim; Raiden, o Deus do Trovão, responsável pelo monastério de Liu Kang; Kano, um mercenário da organização Black Dragon, foragido; Sonya Blade, das forças especiais dos EUA, que vai à Ilha atrás de Kano; Johnny Cage, ator de filmes de artes marciais que entra de gaiato no torneio pensando tratar-se de mais uma filmagem; Sub-Zero, um ninja do fictício clã Lin Kuei com poderes sobre o gelo e Scorpion, um ninja do clã Shirai Ryu. Morto por Sub-Zero, tornara-se um espectro, um fantasma em busca de vingança. Seu nome deriva da arma que usa, uma kunai.



Todo o primeiro game lembrava o clássico de Bruce Lee de 1973, Operação Dragão (Enter the Dragon), com pitadas de Os Aventureiros do Bairro Proibido (Big Trouble in Little China), de 1986, de John Carpenter. Liu Kang, era nitidamente inspirado em Bruce Lee. Shang Tsung, o vilão principal e último chefe, inspirado tanto em Han, vilão de Operação Dragão quanto em Lo Pan, de Aventureiros (...). Goro, o monstro de 4 braços, era uma infame versão dos deuses indianos, mas sua figura como personagem era inspirada em Bolo Yeung. Rayden era inspirado em um trio do filme Os Aventureiros do Bairro Proibido, tanto pelo chapéu típico quanto – principalmente – pelos raios que soltava pelas mãos, seu principal poder e Johnny Cage estava lá pra saciar a vontade dos criadores de colocar Van Damme no game; haja vista seu golpe: Johnny fazia um espacato para socar os testículos do oponente. 

A grande sacada do game era que havia sangue, além dos golpes fatais, os famigerados Fatalities, relativamente difíceis de serem aplicados, não só pelos comandos, mas pelo curtíssimo espaço de tempo para se digitá-los ao fim do último round, quando uma voz cavernosa exclamava: Finish him! (ou her, quando se tratava de Sonya Blade, a única mulher no jogo em sua primeira versão). Mais tarde veio a se descobrir que a voz era a do déspota Shao Khan

A ideia de se ter golpes realmente fatais deu o que falar entre pais e educadores em geral, mas era o que fazia a molecada babar como cachorro vendo a carne girar. A versão para o console Super Nintendo deixou a desejar já que não possuía sangue, coisa que não aconteceu para versão de Mega Drive, que, embora fosse ligeiramente inferior no quesito gráficos e sons, possuía a sanguinolência comum ao jogo. Fala sério! De que adianta golpes fatais se não há sangue? E de que adianta tirar o sangue se as mortes continuam ocorrendo?

Mortal Kombat 2: A continuação da história

Segundo o cânone da história, Liu Kang teria vencido o primeiro torneio, obrigando Shang Tsung a se retirar com o rabo entre as pernas com seu séquito para o Outworld. Embora humano e nativo da terra, Shang Tsung se entregou ao lado obscuro, o que lhe conferiu poderes. Ele podia se transformar em qualquer personagem do game, o que obrigava a nós jogadores a saber lidar com todos os demais personagens, já que poderíamos enfrentar qualquer um ao enfrentarmos o velhinho. Mas isso não chegava a ser difícil já que, para se chegar ao derradeiro mestre, já havíamos passado por todos os outros.

Derrotado e humilhado, Shang Tsung implorou ao seu mestre Shao Khan que lhe poupasse e este o concedeu não só a chance de participar de um novo torneio quanto a oportunidade de rejuvenescer. Não fica muito claro se Shang Tsung rejuvenesceu por seus próprios poderes ou por uma ajudinha de algum feiticeiro do Outworld. Se alguém souber o cânone da história, por favor poste nos comentários.

Não apenas Shang Tsung reapareceu mais jovem e como personagem jogável, mas também Reptile, o personagem secreto do primeiro jogo. Novos personagens surgiram nesta nova versão, como é de praxe em continuações de games. Kung Lao, um outro monge, que herdara não só o nome como o título do lendário Grande Kung Lao, da mitologia do game. Além de um ligeiro teleporte, seu poder consistia em arremessar seu chapéu chinês. 

Bruce Lee abriu espaço para o protagonismo de atores orientais, ainda que estereotipados nas “funções” que lhe cabem: a de lutadores. Ao menos, não eram mais apenas vilões, mas protagonistas. Não é de se esperar que os norte-americanos tenham grande conhecimento da cultura oriental e nem era esse o propósito da série, mas algumas coisas são por demais caricatas. O nome de Kung Lao é a junção de Kung, de Kung Fu, com Lao, de Lao-Tsé.

Sonya Blade e Kano haviam sido feitos prisioneiros e em um dos cenários do game apareciam acorrentados ao fundo, um de cada lado do imperador Shao Khan, sentado em seu trono. Jax, um um oficial das Forças Especiais dos EUA, assim como Sonya, entra no game e sua história consiste no fato de que entra no torneio para resgatar a moça e capturar Kano.

Itto Ogami e seu filho (à esquerda) e Baraka e a menina
que jurou cuidar, Nania


Além de Jax e Kung Lao, três novos personagens jogáveis surgem: Kitana, uma humana adotada pelo imperador Shao Khan que utilizava como arma dois leques cortantes, chamados tiě shān (leque de aço) em chinês, tessen, em japonês e buchae em coreano. Mileena, um clone de Kitana, que utiliava como arma um par de adagas sai e possuía uma bocarra inumana com todos os dentes afiados e em forma de agulhas e Baraka, um ser do outworld com uma boca semelhante a de Mileena e lâminas retráteis que saíam do antebraço a la Wolverine. Em uma das HQs, um spin off de Baraka mostrava o personagem vagando pelo Outworld com um bebê a tiracolo; uma alusão à HQ Lobo Solitário (Kozure Ōkami). Como Shang Tsung aparece como personagem jogável, o último chefe é o imperador Shao Khan e o subchefe, Kintaro, outro ser da raça Shokan, a mesma de Goro, embora este possua a pele “tigrada”. 

Quem matou Scorpion?

O terceiro jogo da série mostra que o temido apocalipse realmente ocorreu. Novamente derrotado, Shang Tsung precisa persuadir Shao Khan a não matá-lo e para isso convence o imperador de que, para abrir o derradeiro portal interdimensional para a Terra, independentemente do torneio, ele precisaria de sua ex-esposa viva. Com isso, Shang Tsung ressuscita Sindel, e juntos abrem o portal para a Terra. Kano e Sonya retornam como personagens jogáveis, sendo que Kano virou a casaca e se uniu a Shao Khan e às forças do Outworld. Se bem que Kano sempre foi um vilão, então a expressão “virar a casaca” nem se aplica a ele. 

Na versão de 2011 (que conta o que aconteceu entre Mortal Kombat 1 e 2 e entre Mortal Kombat 2 e o 3, com pitadas do 4º game), o momento da invasão mostra os personagens Stryker e Kabal. O primeiro, um policial que se mostra atônito ao ver a abertura do portal e as criaturas que dele emergem; o segundo, um ex-membro do Black Dragon (a máfia da qual Kano faz parte) que se tornou policial. O game de 2011 mostra o porquê de Kabal usar a máscara: suas queimaduras de 3º grau se deram por conta da baforada de fogo desferida por Kintaro, ao chegar ao nosso mundo assim que sai do portal. Kano faz questão de soldar a máscara que ficará para sempre em seu rosto, não só por vingança por ter se tornado polícia, mas para chantageá-lo para ingressar nas forças do Outworld.

Após as duas derrotas prévias, Shao Khan não mais se alia à raça Shokan e o novo subchefe é um centauro; ao menos a versão do game, que em sua mitologia diz que a raça dos centauros é inimiga da raça Shokan (meio-dragões, com forma humanoide e quatro braços com três dedos em cada mão). Por esse motivo, Sheeva, uma mulher da raça Shokan aparece como personagem jogável, já que se alia aos humanos contra Shao Khan e seus exércitos. 

A picuinha entre Sub-Zero e Scorpion é explicada em Mortal Kombat 4. Afinal, quem matou Scorpion? Não, não foi Sub-Zero ou alguém do clã Lin Kuiei, mas o feiticeiro Quan Chi. Adepto do deus Shinnok, o deus louco, ele matara Scorpion e sua família por propósitos pessoais mesquinhos. Mas não vou mais me alongar acerca dos enredos. Vamos aos fundamentos ocultos dos personagens.

Liu Kang- A partir do segundo game, um de seus fatalities consiste em se tornar o dragão presente na capa e na logo como silhueta e devorar metade do adversário. Como relatei aqui, o dragão tem outra conotação nas culturas orientais e a partir do 3º game todos os personagens jogáveis possuem um movimento final chamado Animality. Cada um deles se torna um animal para matar o adversário. O animal correspondente seria o animal totêmico de cada personagem.

Mileena- Em Mortal Kombat (2011), uma das skins (roupas ou mesmo formas diferentes para cada personagem, no jargão gamer) deve ter sido considerada pornográfica demais e não foi repetida nos outros games. Seja como for, ela se assemelha muito à figura da deusa grega Afrodite no Tarô Mitológico.


Mileena em uma das suas skins e a carta Os Namorados, do Tarô Mitológico


Baraka- Assim como os indianos possuem a teoria dos Sete Corpos Sutis, os egípcios também possuem alguns aspectos da alma, sendo o Ba, o mais próximo do que conhecemos como alma ou talvez, personalidade. Era representado peor um pássaro com cabeça humana que vinha visitar o corpo do falecido após a sua mumificação. 

Ka seria a essência anímica, a energia vital, representado por um hieróglifo com dois braços com os cotovelos dobrados tendo as mãos e os antebraços voltados para cima, como no ditado “bota as mãos pra cima”. Ao morrer, a perfeita homeostase entre o Ba e o Ka resultavam no Akh, e daí a importância de se colocar comida e pertences do falecido próximo ao corpo, no caso, a múmia. Ao fim de uma luta, se vencesse, Baraka cruzava os braços sobre o peito na posição de uma múmia. 

Shao Kan- Na Medicina Tradicional Chinesa, que tem como base o Taoísmo, temos o sistema Zang Fu (ou Zhang Fu), onde órgãos, vísceras, fluidos corporais, emoções, sabores, temperaturas, estações do ano e fases da vida são correlacionados aos 5 elementos chineses. Também os dois meridianos presentes no corpo humano se dividem em 6 planos energéticos: Tai Yang e Tai YinYang Ming e Jue Yin e Shao Yang e Shao Yin, sendo Yang, a polaridade ativa, masculina e positiva e Yin a passiva, feminina e negativa e Tai, “grande”, Ming e Jue o mediano e Shao, “pequeno”.  

No I-Ching, o Livro das Transmutações, temos 8 Trigramas Fundamentais, sendo K’an, a Água e 64 Hexagramas, o produto de 8x8. No Feng Shui, a Água corresponde à direção Norte e à cor preta e em uma nota de rodapé do livro Dogma e Ritual da Alta Magia, de Eliphas Levi (Capítulo IV da Parte I, Dogma) uma máxima em latim diz que “Todos os males provêm do Norte” (Septentrine pandetur omne malum), já que observando as constelações do Norte é que se pode orientar para os maus presságios vindouros. O Hexagrama K’an, sendo o trigrama da Água duplo, significa O Abismo; a ideia da tribulação como força motriz da perseverança. Não por acaso, Shao Kan constitui o desafio final. Portanto, Shao Kan poderia muito bem significar “O Pequeno Abismo”.

Na Cabala, a Árvore da VidaDa’ath, a Sephira Invisível não é necessariamente uma sephira, mas um abismo; o que separa o Mundo da Criação (Briah) do Mundo Arquetípico (Atziluth). Ela é o portal para a Árvore da Morte, o mundo das Qliphoth e lar do demônio Choronzon que representa a dispersão (no sentido de dissipação, desintegração ou mesmo distração mental, já que os pensamentos não estariam ordenados e orientados).   

O Portal (The Portal)- A ilha onde se passam os dois primeiros games é uma intersecção entre nosso mundo (Earthrealm) e a Exoterra (Outworld). Enquanto dura o torneio, a película que separa o s dois mundos e talvez até os outros três se torna diáfana, permitindo a passagem dos outros seres para o nosso mundo e vice-versa. Algo como o Samhain celta. No segundo game, um dos cenários se chama The Portal. Ele reaparece como The Hidden Portal em Mortal Kombat 3, em uma versão azul, mais “da’ática”, em Ultimate Mortal Kombat 3 e como The Lost Bridge em Mortal Kombat Trilogy, do Nintendo 64. O Portal é uma representação de Da’ath e a letra hebraica, Daleth.

Sindel- a esposa de Shao Khan foi revivida com a ajuda de Quan Chi. seu nome significa “Aquela que canta” e também “Cinza”. Sindel tem o cabelo grisalho (cinza) com o qual agarra e derruba os adversários e um de seus golpes constitui um grito e tanto o cabelo quanto o grito fazem jus ao seu nome.   

Quan Chi- um poderoso feiticeiro obscuro, Quan Chi podia viajar entre os Cinco Reinos sem a intromissão dos Deuses Ancestrais e acabou por encontrar o Deus Ancestral caído Shinnok, o Deus Louco. Seu aspecto lembra muito o de um Shinigami, principalmente a versão do anime Death Note. Quan Chi busca um kamidogu, um dos seis artefatos que representam cada um dos deuses ancestrais. Sendo kami algo como “deus” ou “espírito” e dugu, “boneco”; “estatueta de barro”.  

Sheeva- mais uma analogia caricata da série de games. Sheeva é uma mulher da raça Shokan (meio-dragão), que possui quatro braços com três dedos em cada mão além de pequeninos chifres dispostos em alguns pares, como uma crista de dragão. Seu nome é a forma fonética em inglês para Shiva. Embora o deus indiano (e o termo “deus” nem seja o apropriado, mas sim deva) seja o deus da destruição ou o Destruidor de Mundos, Shiva é um homem. A única atribuição que faz jus à personagem é a destruição.

Claudio Siqueira é Bracharel em Jornalismo, escritor, poeta, pesquisador de Etimologia, Astrologia e Religião Comparada. Considera os personagens de quadrinhos, games e cartoons como panteões atuais; ou ao menos arquétipos repaginados.

 

Postagens Relacionadas


A simbologia alquímica em “As Tartarugas Ninjas”



“Samarost 3”: gnosticismo em um jogo eletrônico



“Godzilla Vs. King Kong”: muito além da jornada do herói



O significado oculto das máscaras no rock Nu Metal



Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review