sexta-feira, março 30, 2012

A Ironia do Foguete de Brinquedo da NASA

Depois da corrida espacial que culminou com a chegada do homem na Lua em 1969 e de toda a construção da mitologia em torno dos astronautas como “eleitos” e símbolos da ideologia do “destino manifesto” norte-americano, ironicamente tudo isso se converteu em brinquedos e souvenirs licenciados pela NASA. Foguetes retros e nostálgicos de uma época que acabou, onde os riscos e gastos econômicos substituiriam o espaço sideral pelo ciberespaço . Toda a tele-exploração através de sondas automáticas e robôs desde o Projeto Viking em Marte nos anos 1970 resultaram na aposentadoria dos heroicos astronautas e o desenvolvimento da tecnologia telemática aplicada à endocolonização do planeta Terra por meio de satélites, estações orbitais e GPS para finalidades de monitoramento e controle.

Nessa semana meu filho de quatro anos chegou da escola acompanhado de seu amiguinho que, percebi, segurava um brinquedo colorido e brilhante. Aproximei-me para recebê-los e observei mais atentamente o brinquedo: era um foguete espacial, grande, aerodinâmico, com belas asas arredondadas. Atentei a um detalhe na fuselagem do foguete. Era o logo da NASA, a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos EUA, em destaque no centro do foguete, o que dava ao brinquedo um ar de ser licenciado pela agência americana.

O brinquedo havia sido comprado pela Internet em um site chamado “Space Store & NASA Gift Shop” com produtos licenciados pela agência aeroespacial: roupas de astronauta, jogos e tudo o que envolve a conquista do espaço para crianças e jovens.

Uma franquia da NASA? Sim. Todo o imaginário da corrida espacial transformado em brinquedos e souvenirs. Há uma ironia nesse brinquedo: toda a heroica e épica aventura da conquista do espaço que culminou, em 1969, com a chegada do homem na Lua transformado em uma franquia que vende brinquedos com um indiscutível ar retro ou nostálgico. O design aerodinâmico e as asas arrojadas do brinquedo lembram os velhos tempos do início da corrida espacial representados em desenhos animados do Pica-Pau ou séries de TV como “Jornada nas Estrelas” das décadas de 1950-60.

sábado, março 24, 2012

°°°°°°°°°A Paranoia Gnóstica de Philip K. Dick no Filme "O Homem Duplo"

Baseado no livro escrito por Philip K. Dick em 1977, o filme “O Homem Duplo” (A Scanner Darkly, 2006) foi profético, principalmente após as recentes notícias do projeto da CIA em fazer uma “Internet das coisas” a partir da tecnologia de “computação em nuvem”: o monitoramento total a partir dos objetos que utilizamos no dia-a-dia. “O Homem Duplo” narra uma sociedade devastada por uma droga sintética e monitorada integralmente por um “scanner holográfico” e apresenta a paranoia como a única possibilidade de encontrar a “centelha interior” em um mundo onde a tecnologia supera todos os pesadelos criados pela literatura ou pelo mundo onírico. 

 Desde 1982 com o filme “Blade Runner – O Caçador de Andróides” roteiristas e produtores de Hollywood passaram a ter um nítido interesse pela obra do escritor de sci fi assumidamente gnóstico Philip K. Dick. As diversas adaptações posteriores dos livros do autor (“O Vingador do Futuro”, “Minority Report”, “O Pagamento” etc.) sempre acabaram ressaltando os atributos heroicos dos protagonistas em tramas movimentadas para se conformar aos ditames de Hollywood. 

Em “O Homem Duplo”, adaptação do livro de 1977 “A Scanner Darkly”, encontramos o mesmo protagonista dividido, tema recorrente em sua obra – como era o próprio autor que tinha a vida marcada pela divisão esquizofrênica: a ambiguidade que as pessoas devem assumir em uma sociedade de vigilância total onde a paranoia diante de um inimigo invisível rege a vida de todos. 

Temos um filme focado não mais nas ações hollywoodianamente heroicas dos protagonistas, mas na paranoia de “losers” imersos em uma sociedade totalitária.

No caso do livro “A Scanner Darkly”, K. Dick foi profético ao mostrar uma sociedade monitorada integralmente por um “scanner holográfico” e ao apresentar a percepção paranoica como a única possibilidade de verdade em um mundo onde a tecnologia supera todos os pesadelos criados pela literatura ou pelo mundo onírico. 

sexta-feira, março 23, 2012

O Fim do "Modelo Matrix" de Gnosticismo Pop

A partir do bombástico lançamento do Windows 95, tivemos o crescimento especulativo das potencialidades da Internet e das tecnologias computacionais. Paralelo a isso, o crescimento das técnicas motivacionais e de auto-ajuda explicitamente inspirados em modelos de programação de computadores. Em 2.000 tivemos a quebra das empresas “ponto com” e da bolsa Nasdaq e, com isso, a desaceleração de toda uma ciberutopia. Os filmes gnósticos refletem essa mudança com a crise do "modelo Matrix" de gnosticismo pop e a mudança na busca da gnose, cada vez mais focada em conflitos internos do protagonista.

Para o historiador francês Marc Ferro todo filme é um documento porque representaria o imaginário de uma determinada sociedade ou período histórico: "o imaginário é tanto história quanto História, mas o cinema, especialmente o cinema de ficção, abre um excelente caminho em direção aos campos da história psicossocial nunca atingidos pela análise dos documentos" Não importa se o filme refere-se a um passado remoto ou imediato, pois sempre vai além do seu conteúdo.

Fortemente conectado com o imaginário social deste final e início de novo século, a produção cinematográfica atual, em particular a norte-americana, refletiria não apenas o imaginário tecnológico transcendentalista como, também, questões existenciais, éticas e espirituais decorrentes de tal imaginário.

Percebe-se uma nítida alteração temática nos filmes gnósticos na passagem de final de século para início de novo século. Os anos de 1999-2000 marcam uma mudança da representação da irrealidade do mundo no qual o protagonista vive.

quarta-feira, março 21, 2012

A Metástase do Mal no Filme "REC 2 - Possuídos"

A crítica especializada é unânime em afirmar que “REC 2 - Possuídos” ([REC]2, 2009) decepciona em relação ao primeiro filme. Por outro lado, sua virtude parece ser a de confirmar as teses do sociólogo polonês Zygmunt Bauman a respeito da era da “modernidade líquida” onde as noções de “saúde” e “doença” tornaram-se instáveis e imprecisas. O resultado é uma cultura obcecada pela saúde cujo horror à contaminação viral é a sua melhor metáfora, explorada nas últimas décadas por uma galeria de filmes onde “REC 2” torna-se o mais novo integrante. O vírus como o “outro lado” da saúde, aquilo que está adormecido como uma bomba relógio pronta para entrar em metástase a qualquer momento. Assim como os zumbis possuídos pelo Mal que, de repente, pululam por todos os lados no prédio em quarentena de “REC”. O Mal como metástase, dessa vez demoníaca.

Quando o filme espanhol “REC” estreou em 2007 todos se surpreenderam com a proposta da dupla de diretores Jaune Balagueró e Paco Plaza. Um filme que fugia dos pastiches dos filmes de zumbis atuais, fazendo juz à saga iniciada com “A Noite dos Mortos Vivos” de George Romero em 1968: os zumbis agora vistos pelo ponto de vista da epidemiologia e vigilância sanitária. Repórter, cinegrafista e bombeiros presos em um prédio posto em quarentena enquanto uma espécie de vírus se propaga e zumbis pululam por todos os lados. A narrativa fazia realmente a câmera existir na realidade do filme com imensos planos sequência e forte sensação de realismo documental.

Três anos depois, e com mais dinheiro para a produção, a dupla de diretores retorna para o mesmo prédio momentos depois do término do primeiro filme. Agora vemos as imagens da própria SWAT espanhola que vai entrar no prédio posto em quarentena com a função de proteger o Dr. Owen, um suposto sanitarista que vai procurar uma resposta para a estranha contaminação.

Como avisa o título, Dr. Owen vai descobrir que as pessoas que se transformaram em raivosos e violentos zumbis não estão meramente infectados: elas podem estar possuídas por uma entidade demoníaca que se propaga viralmente.

domingo, março 18, 2012

A controvérsia sobre a definição do termo "Gnosticismo"

Mestrando pela Universidade de Lisboa, o nosso leitor Douglas Remonatto nos envia uma contribuição para a discussão em torno de termos tão fugidios como Gnosticismo e Gnose. De heresia cristã, hoje reconhece-se o Gnosticismo como um sistema autônomo e paralelo às grandes religiões, embora  composto por diversas correntes. Portanto, é necessário compreender como cada corrente interpreta concepções associadas ao Gnosticismo como dualismo, centelha divina presente no homem, entre outros.


ATUALIDADES DO GNOSTICISMO
Por Douglas A. Remonatto

Hoje, mais que nunca, sabe-se que muitos problemas circundam uma possível definição do termo “Gnosticismo”. É necessário, para bem compreender a complexidade conferida a esse termo, possuir uma visão ampla do fenómeno, observando-o em cada momento de sua especificidade histórica.

A tentativa de uma análise mais profunda, no campo filosófico, do fenómeno que hoje denominamos “gnosticismo” é algo relativamente novo. No entanto, mesmo em meio a sua contemporaneidade, muitas das abordagens académicas disseminadas já encontram-se ultrapassadas. Isso por que os critérios metodológicos utilizados por alguns pesquisadores[1] há três décadas atrás, já não se enquadram dentro da perspectiva critica histórico-filosófica actual.

Nos primeiros séculos cristãos era possível encontrar um número muito grande de correntes ditas gnósticas (Ásia Menor, Síria, Palestina, Egito…). Esta diversidade esteve presente de tal maneira ao longo da história que hoje, os pesquisadores, já não se propõem a encontrar uma única definição para o termo “gnosticismo” e passaram a assumir a sua pluralidade. Logo, o mais correto seria falar de gnosticismos.

sexta-feira, março 16, 2012

Uma Estranha Distopia no Filme "O Homem Que Incomoda"

É uma alegoria religiosa? Uma declaração política? Um filme de horror e fantástico? Ou uma sátira surrealista sobre a superficialidade da sociedade de consumo? Certamente é tudo isso, o que torna o filme norueguês “O Homem Que Incomoda” (Den Brysomme Mannen, 2006) uma estranha distopia: um homem sem memórias preso em uma espécie de mundo alternativo que, de tão perfeito e correto, a comida não tem sabor ou cheiro e o álcool não embriaga. Não temos o tom de crítica política explícita sobre estados totalitários como em livros ou filmes como “1984” ou “THX 1138”. Mas presenciamos o esgarçamento da noção de realidade ao representá-la como algo fabricado, artificial e essencialmente corrompido (um simulacro), como uma armadilha cósmica criada por alguém que não nos ama. O resultado do ardil de alguma divindade maquiavélica.

Com seu terno amarrotado, despenteado barba e boné de beisebol puxado para baixo sobre os olhos, Andreas Ramsfjellf (Trond Fausa Aurvaag) desembarca de um ônibus em um posto de gasolina em ruínas no meio do nada. Ele não lembra como veio parar ali e quem ele é. Ao chegar é saudado por um estranho sob uma faixa estendida escrito "Bem Vindo". O estranho leva Andreas em um carro, passando por arredores rochosos e áridos até chegar a uma cidade nas cercanias de um verde luxuriante, onde os casais felizes jogam badminton e todos sorriem e passam o tempo discutindo sobre consumo e decoração. O estranho entrega para Andreas as chaves do seu novo apartamento e o endereço do seu novo emprego.

Tudo sobre a vida nova Andreas parece perfeito, mas durante a sua hora de almoço, ele começa a sentir que algo não está certo. Ninguém parece notar um homem morto, brutalmente empalado pelas grades da cerca de um prédio. Os transeuntes passam indiferentes diante do sangrento cenário, enquanto calmamente o corpo é removido por estranhos agentes que nunca demonstram emoções.

Naquela noite em um bar, Andreas percebe que não importa o quanto ele consuma bebidas alcoólicas: ele permanece sempre sóbrio.  Alimentos não têm qualquer gosto ou cheiro. No dia seguinte no trabalho, Andreas submete-se a um impulso perverso de enfiar o dedo em uma máquina trituradora de papéis. Seus colegas de trabalho reagem com uma estranha calma. Quando volta a si, Andreas percebe que o dedo de alguma forma foi recolocado no lugar e está completamente curado. 

sábado, março 10, 2012

O filme "REC" e a Natureza dos Monstros Contemporâneos

Longe dos pastiches dos atuais filmes sobre zumbis, o espanhol “REC” (2007) faz jus à saga iniciada por George Romero em 1968 com “A Noite dos Mortos Vivos”: os zumbis são vistos por um ângulo diferente como um problema de epidemiologia e vigilância sanitária (repórter, cinegrafista e bombeiros presos em um prédio posto em quarentena enquanto o vírus se propaga e zumbis pululam por todos os lados). Por isso, “REC” faz parte de imensa galeria de novos monstros que vão dos zumbis de Romero à criatura de “Cloverfield – Monstro” (2008) que romperam com o paradigma clássico da monstruosidade (“o disforme, o feio e o mau”). O que há por trás dessa mudança da representação dos monstros no cinema contemporâneo?


O filme inicia com uma jovem e telegênica apresentadora (Angela Vidal) do programa “Enquanto Você Dorme” que apresenta a vida daqueles que trabalham nas madrugadas. Nessa noite Angela, junto com o seu cinegrafista Pablo, vai passar a noite em um agrupamento de bombeiros para mostrar sua rotina. Percebemos que a narrativa transcorrerá por meio da tensa estética de ponto de vista de uma câmera de mão, pontuada pelo liga-desliga da câmera, trepidações, e longos plano-sequência tal como a estética dos já clássicos filmes como “A Bruxa de Blair” e “Cloverfield-Monstro”.


Tudo transcorre em amenidades sobre a vida dos bombeiros até o agrupamento receber um chamado sobre uma senhora que supostamente estaria presa em um apartamento, gritando histericamente e deixando os vizinhos assustados. Angela, Pablo e mais dois bombeiros entram no prédio e são recebidos por um apavorado grupo de moradores e dois policiais diante de uma sinistra escada em espiral que conduzirá ao apartamento onde se iniciará o pesadelo: lá encontram uma senhora idosa, em pé, transtornada e enraivecida com a pele repleta de espécie de feridas e pústulas. Ela investe contra um deles e morde violentamente o pescoço provocando uma hemorragia fatal.


De um momento para o outro a situação se converte em um infernal pesadelo: quando tentam sair do prédio descobrem que a polícia fechou todas as saídas, agentes sanitários estão lacrando o prédio sob um inédito “protocolo NBC” que se usa frente a ameaças de armas nucleares, biológicas e químicas. Todos caem em si. O prédio está infectado por uma bizarra doença que enlouquece tornando-as espécie de zumbis raivosos que atacam as vítimas para comê-las ou apenas mordê-las, transmitindo a doença por meio de sangue e saliva.

sexta-feira, março 09, 2012

Resposta ao Post "A Dialética Negativa: Theodor Adorno Gnóstico"

Por Douglas A. Remonatto 
Uma resposta de Douglas Remonatto (mestrando em Filosofia pela Universidade de Lisboa) à postagem anterior "Dialética Negativa  Theodor Adorno Gnóstico": Se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis)                                     
Se para Adorno a dialética positiva de Hegel erra ao abandonar a realidade concreta, ignorando a experiência do particular em prol de uma busca por transcendência através da “síntese do Espírito Absoluto”, para Hegel não buscar nada além da experiência pessoal é iludir-se com fragmentos do processo teleológico, sem nunca ter a possibilidade de contemplar o processo como um todo, nos privando assim de autodescobrirmos nossa essencialidade. 


E se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel cujo pensamento filosófico tem por base o processo pelo qual, de uma situação alienada, o espirito passa a se encontrar em si mesmo através do conhecimento de sua verdadeira natureza absoluta. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis). 

quinta-feira, março 08, 2012

"A Dialética Negativa": Theodor Adorno Gnóstico (atualizado)

Ao ler dois tópicos do livro “Dialética Negativa” de Theodor Adorno ("Experiência Metafísica e Felicidade"e "Niilismo") encontramos uma crítica à religiosidade vulgar, aquela que iguala o impulso por transcendência à busca do chamado "sentido para a vida". Para Adorno, se manifestamos a dúvida se a vida poderia ser dotada de sentido é porque a existência não tem sentido mesmo: através dessa “via negativa” ele identifica nessa religiosidade vulgar um movimento que apenas reforça a Totalidade que cria em nós o mal estar e o desespero que nos faz em vão buscar um sentido para a dor. Mas Adorno surpreendentemente busca uma alternativa de libertação: o niilismo gnóstico e elege Marcel Proust como o exemplo para o seu projeto da "Dialética Negativa".

"O Todo é a Verdade" (Hegel)
"O Todo é o Falso" (Adorno)

Considerada a obra de maior envergadura do filósofo e expoente da chamada Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, “A Dialética Negativa” (1966) é não somente um acerto de contas com o hegelianismo no último livro da sua vida. É também uma supreendente busca de esperança de saída após obras apocalíticas como “A Dialética do Esclarecimento” e todos os estudos em torno do conceito de Indústria Cultural que apontavam para cenários monolíticos de dominação do Capitalismo Tardio.

Através da “via negativa” Adorno vai buscar a alternativa na “metafísica em queda”, ou seja, ao invés de buscar a transcendência no Absoluto, ele vai encontrar a Verdade no particular, no precário, no singular, na experiência irreprodutível. Isto é, em tudo aquilo que a filosofia Ocidental liquidou em nome das abstrações (Logos, Deus, Mercadoria e Capital) e dos conceitos.

sábado, março 03, 2012

As Feridas da Civilização do Automóvel no Filme "Crash - Estranhos Prazeres"

Ao mostrar pessoas que constroem uma estreita relação entre acidentes automobilísticos, prazer sexual e morte o  filme “Crash – Estranhos Prazeres” (Crash, 1996) do cineasta David Cronenberg torna-se perturbador não somente por explorar os limites entre a pornografia e a violência. O que há de inquietante nesse filme é a possibilidade de estarmos não apenas diante de perversões e obsessões de personagens perdidos em um submundo, mas diante do fato de que a tecnologia atual torna-se um atraente fetiche e objeto de fantasias de fusão entre metal e carne, despertando forças do inconsciente que estavam adormecidas.

Desde a Revolução Industrial e a invenção de máquinas cada vez mais poderosas e fascinantes, críticos, teóricos, artistas plásticos e cineastas têm explorado os efeitos das tecnologias. Fundador do movimento futurista, Marinetti defendia os efeitos da tecnologia: velocidade, mudança, limpeza e purificação. Os surrealistas foram rápidos em explorar as conexões entre tecnologia e desejo. Buñuel em seu escandaloso filme “Um Cão Andaluz” (Un Chien Andalou, 1929) retrata um homem sexualmente excitado pela visão de uma jovem mulher atropelada por um automóvel em alta velocidade.

Três décadas antes, Emile Zola fazia uma conexão similar no livro “A Besta Humana” onde escrevia: “Ela adorava acidentes: qualquer menção de um animal atropelado, um homem cortado em pedaços por um trem, obrigava-a a correr para o local”.

Épicos envolvendo desastres produzidos por máquinas fascinaram o cinema desde o início: “Titanic” (versões 1953 e 1997), “Inferno na Torre” (1994), Aeroporto (1970), sem falar os filmes sci fi que exploram as relações entre homem e robô (“Metrópolis”- 1927), homem e ciborgue (“Exterminador do Futuro”, 1984), carne e metal (“Tetsuo, The Iron Man”, 1989) e o amor entre homem e uma replicante (“Blade Runner”, 1982)

Baseado no livro homônimo de J.G. Ballard, o filme “Crash – Estranhos prazeres” do diretor canadense David Cronenberg vai associar-se a esse rico patrimônio, porém de uma forma radicalmente diferente ao erotizar os dois principais fundamentos da modernidade: a tecnologia e o acidente. Se o pesquisador francês Paul Virilio estiver correto, esses dois fundamentos estruturam a experiência da modernidade: “toda tecnologia que é inventada, toda nova energia que é aproveitada, todo novo produto que é fabricado, também inventa uma nova negatividade, um novo tipo de acidente” (Veja VIRILIO, Paul. “Velocidade e Informação - Cyberspace Alarm!”)

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