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sábado, fevereiro 11, 2023

Revisitando 'Rambo: Programado Para Matar' - do cinema esquizo ao patriótico


O personagem John J. Rambo acabou sendo ressignificado pela propaganda nacionalista de Hollywood da Era Reagan. Uma propaganda feita para exorcizar a crise moral dos EUA pela derrota humilhante no Vietnã: do personagem disfuncional para o ícone fálico-exibicionista da máquina militar norte-americana. Por isso, o primeiro filme da franquia “Rambo: Programado para Matar” (Rambo: First Blood, 1982, disponível no MUBI) acabou contaminado pelos filmes posteriores. Esse filme precisa ser revisitado, pois foi um filme fora da curva num momento em que Hollywood produzia uma onda de “filmes recuperativos” para elevar o moral da América. Rambo é ainda o anti-herói que ecoa todos os anti-heróis do chamado “cinema esquizo” dos anos 1970 de filmes como “Um Estranho no Ninho” e “Taxi Driver”: protagonistas instáveis, obsessivos, paranoicos e disfuncionais que declaram guerra contra seu próprio país.

quarta-feira, junho 01, 2022

A produção social da loucura híbrida no documentário 'I Think We're Alone Now'


Não é por menos que a guerra híbrida tornou-se a tática de intervenção política mais bem-sucedida do século XXI, impulsionando “revoluções coloridas” por todo o planeta. A cultura pop, centrada no culto das celebridades, gerou a matéria-prima psíquica necessária para a criação das cismogêneses que evenenam as sociedades. O documentário “I Think We’re Alone Now” (2008) retrata dois fãs da cantora pop adolescente dos anos 1980, Tiffany, que passaram a acreditar que estavam envolvidos em um relacionamento intenso e pessoal com a celebridade. Fãs limítrofes prisioneiros na cilada imaginária do “duplo vínculo” (Gregory Bateson), condição esquizo criada por relações familiares danificadas e ampliada pela relação paradoxal dos espectadores com as mídias que diluem as fronteiras entre relação exclusiva/anonimato, intimidade/massificação, público/privado. Oferecendo a vulnerabilidade necessária para sociedades-alvo serem corroídas por dentro.

quarta-feira, maio 25, 2022

Em "Psicopata Americano" a psicopatologia foi normalizada no mundo corporativo


Vinte e dois anos depois, o filme “Psicopata Americano” (American Psycho, 2000) permanece tão afiado como sempre foi. Tanto o livro quanto o filme passaram por uma odisseia de produção, como uma batata quente pulando de uma mão para outra. Até finalmente virar um filme não só sobre narcisismo e materialismo de um Yuppie dos anos 1980. Mas uma metáfora atemporal sobre a loucura do trabalho no capitalismo flexível de aquisições e fusões: a corrosão do caráter, personalidades manipuladoras, frieza, amoralidade e a compulsão psicótica em literalmente superar a concorrência matando rivais. Com o auxílio de todo arsenal da literatura de autoajuda, manuais sobre sucesso etc. Porém, a principal piada de toda sátira de “Psicopata Americano” é que ninguém parece notar que há algo errado com ele. A psicopatologia foi normalizada pelo mundo do trabalho. 

sexta-feira, maio 22, 2020

Série "Undone": os entrelaçamentos quânticos ocultos na nossa vida cotidiana



A série “Undone” (2019-) pode ser considerada a próxima evolução na animação para adultos. Comum em filmes longa-metragem como “Scanner Darkly”e “Waking Life”, “Undone” é a primeira série que usa integralmente a técnica de rotoscopia. Decisão acertada, pela técnica criar uma atmosfera ao mesmo tempo suave e surreal, dando uma sensação de irrealidade e estranhamento. A mesma sensação da protagonista que, após um acidente de carro, deixa para trás uma vida chata e normal: é despertada nela uma capacidade latente de se libertar do contínuo tempo-espaço. E, juntamente com visões do seu pai falecido, faz um exame íntimo dos traumas pessoais e familiares. Descobrindo como a mecânica quântica que estrutura o cosmos também está presente nas impressões mais íntimas e cotidianas. Ir mais rápido do que a luz através do entrelaçamento quântico será o caminho para resolver um mistério que envolve pai e filha.

sábado, fevereiro 01, 2020

Autoajuda e sociopatia em "A Serial Killer's Guide To Life"


“A Serial Killer’s Guide to Life” (2019) é um filme para quem gosta de humor negro – uma arrasadora crítica à indústria da Autoajuda através de alusões a “Laranja Mecânica”, “Thelma e Louise” e, na sequência final, “Clube da Luta”. Uma jovem viciada em literatura de autoajuda involuntariamente se vê em uma onda de assassinatos com uma coach desequilibrada, que aspira se tornar uma autora comercialmente bem-sucedida na área. Como? Assassinando a concorrência! Organizada como um guia para o sucesso, a narrativa é dividida em sete passos com lições que revelam uma contradição fundamental na autoajuda: o primeiro passo para o crescimento é ser você mesmo, espontâneo, para libertar sua força interior. A ironia é que quanto mais você admite isso, mais precisará seguir as regras da autoajuda ditadas com um guru. E o resultado pode ser um comportamento sociopata.

domingo, março 10, 2019

O horror da elite poderosa e amoral no filme "Society"


Tente misturar referências cinematográfica como “Veludo Azul” com “Eles Vivem” e “Invasores de Corpos”, para depois se apropriar das obras de Salvador Dali, Goya e Bosch como se elas estivessem vivas e em movimento. O resultado estranho e bizarro será o filme cult de terror “Society” (1989): no subterrâneo da ensolarada vida em tons pastéis de mansões e ricaços de Beverly Hills, suspeita-se que se esconda algum tipo de lodo subterrâneo libidinoso e surreal de festas privadas, orgias e estranhos rituais. A suspeita e a paranoia farão os protagonistas suspeitarem de algo satânico, para descobrirem que é algo ainda maior e incompreensível, numa das sequências finais mais estranhas da história do cinema, podendo ser colocada ao lado de finais com viradas narrativas como Cidadão Kane e O Sexto Sentido. Mas também “Society” cria a perfeita metáfora de uma classe dominante rica, poderosa e amoral.
“Somos uma grande família feliz... Exceto por um pequeno incesto e psicose.”
(linha de diálogo do filme “Society”)

domingo, fevereiro 17, 2019

Deus e o Diabo querem nossas memórias e identidades em "Coração Satânico"


Em 1987 o filme “Coração Satânico” (Angel Heart) de Alan Parker (“Pink Floyd - The Wall” e “Fama”) alcançou o mesmo impacto de “O Sexto Sentido” de Shymalan: violentas viradas narrativas que comprovam como as nossas certezas em relação à realidade podem sumir em um instante. Porém, no thriller de horror “Coração Satânico” o problema fica mais complexo quando as próprias memórias e a identidade podem nos enganar. Um detetive particular é contratado para encontrar uma pessoa desaparecida. A investigação leva a um mergulho no obscuro mundo de religiões, magia negra e vodu. Mostrando que tanto Deus como o Diabo nos iludem ao criar a impressão de que nossos cultos e rituais nos mantém sob o controle do caos em que vivemos. Filme sugerido pelo nosso leitor infatigável Felipe Resende. 

sexta-feira, junho 22, 2018

Em "Rebirth" a liquefação das seitas no marketing e nas empresas


A produção Netflix “Rebirth” (2016) é mais uma dentro da recente onda de filmes sobre seitas ou cultos. Aos fazer constantes alusões a clássicos como “Vidas Jogo”, “Clube da Luta” e à série “Black Mirror”, o filme em alguns momentos torna-se previsível. Mas a grande virtude de “Rebirth” é mostrar como na atualidade as seitas estão se “liquefazendo” – deixam de serem exclusivas a grupos sectários místicos ou religiosos para se tornarem ferramentas motivacionais nas empresas, marketing e estratégia de vendas. Técnicas de manipulação como “breaking sessions”, “temor e intimidação”, “controle do tempo”, “love bombing” etc. integram-se ao cotidiano de empresas e marketing de rede. Enquanto assistimos na TV notícias sobre líderes malucos que levam grupos ao suicídio, sem sabermos podemos estar trabalhando agora mesmo em uma seita.  

domingo, setembro 10, 2017

Santos à espera do tsunami no feriado de sete de setembro


Cidade de Santos/SP. Feriado nacional de sete de setembro. Esse humilde blogueiro em mais uma caminhada pela cidade natal juntando lembranças da infância e juventude se confronta com uma sucessão de sintomas de um País psiquicamente doente. Ao redor do tradicional desfile cívico-militar na orla da praia, de singelas selfies de famílias com filhos e cachorros tiradas com soldados em trajes de ações de choques civis (talvez antevendo futuros distópicos) com reluzentes espadas a pessoas transtornadas gritando xingamentos contra Lula, Dilma etc.. Tudo isso ao lado de sem tetos e catadores de latas de alumínio nos jardins da praia replicando o mesmo ódio, dessa vez contra um escultor de areia acusado de fazer uma estátua da Dilma... A ex-presidenta falou em “calmaria que antecede o tsunami”. Mas talvez esse tsunami seja uma explosão de ressentimento sem direção ou sentido, apenas à espera de um gatilho sócio-econômico. Um tsunami bem longe da tradicional narrativa de “luta e resistência” tão apreciada pela esquerda. 

terça-feira, janeiro 24, 2017

Globo virou black bloc

A Globo ainda tinha a tênue esperança de que delegados dissidentes do Colégio Eleitoral não ratificassem a vitória de Trump. Mas a cerimônia da posse e o discurso “porrada” do presidente arrasaram qualquer sonho dos ainda incrédulos correspondentes da emissora nos EUA. Mais eis que os esquecidos black blocs voltam a ação nas manifestações anti-Trump em Washington, tirando os analistas da emissora da depressão. Entusiasmada, a Globo News até reprisou o documentário sobre os black blocs exibido na época das manifestações de rua em 2013 no Brasil. Agora a Globo assume uma espécie de anarcotautismo: entrar na onda de turbinar as manifestações contra Trump, assim como fez nas manifestações anti-Dilma. Mas o tautismo crônico da sua bolha virtual não consegue perceber os movimentos do “deserto do real” que Trump representa: a crise do “neoliberalismo progressista” que sustenta a ordem da Globalização: o alinhamento perverso entre correntes dos movimentos sociais (feminismo, LGBT, antirracismo, multiculturalismo, entre outros), o setor de negócios baseados em serviços simbólicos e tecnológicos (Vale do Silício e Hollywood) e o capitalismo cognitivo representado por Wall Street e a financeirização.

sexta-feira, outubro 28, 2016

O bizarro show da abertura do túnel suíço: sintoma da cultura do narcisismo


A bizarra e polêmica cerimônia de inauguração do Gothard Base Tunnel (o maior túnel ferroviário do mundo ligando Suíça à Alemanha) está rendendo comentários aqui no blog. O “Cinegnose” interpretou o evento pelo viés do “Sincromisticismo” e do “ecumenismo pós-moderno”. Nosso leitor Wilton Cardoso propôs mais uma interpretação, dessa vez associando a um sintoma psíquico da atual sociedade de consumo: a chamada “Cultura do Narcisismo”, tese do norte-americano Christopher Lasch – haveria uma linha de continuidade entre o pastiche religioso-mítico-ocultista da cerimônia do túnel suíço e o pastiche de produtos como “Harry Potter”, “Senhor dos Anéis” etc.

segunda-feira, agosto 29, 2016

Anjos, demônios e LSD no filme "Alucinações do Passado"


“Mestre Eckhart [teólogo da filosofia medieval] também viu o inferno. Sabe o que ele disse? Ele disse que a única coisa que queima no Inferno é a parte de você que não te deixa ir adiante na sua vida, suas memórias, suas amizades. Eles as queimam por completo. Mas eles não estão te punindo. Estão libertando a sua alma. Se você está com medo de morrer e resiste você verá demônios arrancando sua vida. Mas, se estiver em paz, então os demônios se tornam anjos libertando-o da Terra” - Louis (Danny Ayello) no filme “Alucinações do Passado”(Jacob's Ladder, 1990). 

terça-feira, agosto 09, 2016

Rebelião gnóstica e Hipótese Fox Mulder na série "Mr. Robot" - primeira temporada


A série de TV “Mr. Robot” (2015-) de San Esmail é vista pela crítica como um mix de “Matrix” com “Clube da Luta” onde a violência de socos e Kung Fu é substituída pela cultura do cyber-ativismo hacker. Mas a série vai mais além. Entra nos temas principais do gnosticismo sci-fi do escritor Philip K. Dick: paranoia, amnésia, esquizofrenia e identidade em um sistema onde a mentira é a base de toda a confiança: um sistema econômico onde débitos e dívidas se sustentam na crença de que, apesar de toda a virtualidade das transações financeiras, o dinheiro existe em algum lugar como base moral de todo o valor. E tudo pode ser destruído da noite para o dia por hackers que pretendem salvar o mundo através de linhas de programação. Como explicar essa mensagem de rebelião gnóstica em série de TV em uma grande rede dos EUA? Talvez a chamada “Hipótese Fox Mulder” explique.

terça-feira, julho 19, 2016

A teoria conspiratória do Projeto Montauk na série "Stranger Things"


A nova série Netflix “Stranger Things” (2016) faz um mergulho em um subgênero dos anos 1980 que levou as teorias conspiratórias aos blockbusters: “ET”, “Contatos Imediatos”, “Os Goonies”, “Viagens Alucinantes”, “A Coisa”, etc. Mas também leva a sério a mãe de todas as conspirações, aquela que os pesquisadores da área chamam de Teoria da Conspiração Unificada (TCU) por explicar todos os paradoxos científicos atuais: o chamado “Projeto Montauk”. A série “Stranger Things” (que originalmente se chamaria “Montauk”) se inspira nas especulações em torno desse nebuloso projeto do Departamento de Defesa dos EUA dos anos 1970-80 envolvendo guerra psicológica e psíquica, além de controle da mente à distância. Mas parece que produziu algum efeito colateral que fez o Projeto terminar abruptamente em 1983. E agora esse efeito ameaça uma pequena cidade dos EUA.

quarta-feira, julho 06, 2016

Motivação, alquimia e rebelião: 7 cenas sobre demissão no cinema


Por decurso de prazo e fim do prazo de validade, depois de 30 anos lecionando e pesquisando na Universidade esse humilde blogueiro foi demitido. Para espiar os demônios internos, nada melhor do que dar uma olhada em como o cinema representa esse divisor de águas na vida de qualquer um. Representações alquímicas, mensagens motivacionais, meta-demissões, cruel antropologia corporativa e mergulhos nas águas profundas da rebelião, com direito a automutilação e chantagens, estão nas sete melhores sequências de demissão no cinema recente selecionados pelo “Cinegnose”.

sábado, junho 18, 2016

Tudo está à venda no filme "Huckabees - A Vida é uma Comédia"


Quando lançado foi desprezado como uma enorme baboseira pretensiosa e cheia de diálogos sem sentido. Doze anos depois, “Huckabees – A Vida é uma Comédia” (2004) ganha sentido e atualidade e vale à pena ser revisto. Além de mostrar como é possível aliar entretenimento com uma séria discussão filosófica, o filme faz uma surreal metáfora da vida como uma grande loja de departamento onde tudo está à venda – da doença até o suposto remédio que iria nos curar com a paz de espírito. Como a esquizofrênica imagem da rede de lojas Huckabees (vende ao mesmo tempo consumismo e mensagens ecologicamente responsáveis) contamina a vida dos protagonistas que buscam soluções possíveis: ou a melancolia e pessimismo ou a fé nas imagens de sucesso. Mas outros vendedores aparecerão para lhes oferecer conforto no mercado filosófico: aristotélicos, sofistas e céticos.

quinta-feira, fevereiro 04, 2016

Curta da Semana: "O Sanduíche" - e no final do abismo tinha um sanduíche


Brilhante jogo de “narrativa em abismo” (um filme dentro de outro filme e dentro de outro filme e assim por diante), o curta “O Sanduíche” (2000) do brasileiro Jorge Furtado quer trazer o espectador dos simulacros da tela para a realidade de um set cinematográfico – o que um espectador acostumado a ver os filmes prontos na sala do cinema acharia de ver ao vivo o filme sendo produzido no próprio set de filmagem? É o que Furtado propõe: cair em um abismo narrativo até encontrar no final um prosaico sanduíche. Curta sugerido pelo leitor Rafael Mori.

Jorge Furtado é sem dúvida o cineasta brasileiro que mais profundamente explorou a linguagem do formato curta-metragem. Ilha da Flores (1989) é o curta mais lembrado do cineasta e o mais visto na história do cinema brasileiro – considerado pela crítica europeia um dos 100 curtas mais importantes do século passado.

sábado, dezembro 12, 2015

Filme "Lucia": você foi criado pela ilusão ou a ilusão foi criada por você?


Você foi criado pela ilusão ou a ilusão foi criada por você? Você é parte de um corpo ou o corpo é parte de você? Há espaço dentro da casa ou a casa está dentro do espaço? Para o filme hindu “Lucia” (2013) essas perguntas não são meros jogos de palavras: escondem a estranha natureza da realidade despertada por uma droga chamada “Lucia”. O filme “Lucia” não é um produto de Bollywood, mas do cinema canará da Índia que procura conciliar a estética bollywoodiana (muita música, carrões e mulheres) com séria crítica social e filosófica. Um lanterninha de cinema com sérios problemas de insônia experimenta uma droga chamada “Lucia” que produz sonhos lúcidos – a tal ponto que ele não mais saberá quando está acordado ou dormindo. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

A indústria de cinema hindu é a maior do mundo em termos de vendas de ingressos, entre os mais baratos do planeta. A cada três meses um número correspondente da toda população da Índia visita as salas de cinema, de multiplex a pequenos teatros de subúrbios das grandes cidades – os “talkies”.

Paradoxalmente, o cinema hindu (com muitos romances, melodramas e musicais que vendem sonhos de realizações e felicidade) se estabeleceu em uma sociedade com uma antiquíssima divisão religiosa em castas – grau social transmitido por herança que determina toda a existência de um indivíduo. Embora considerado ilegal pela Constituição, a divisão em castas mantém sua força na Índia e já registra mais de três mil classes e subclasses.

terça-feira, novembro 24, 2015

Uma jornada xamânica em "Blueberry: Desejo de Vingança"


Uma verdadeira cápsula do tempo. Um daqueles filmes que mereciam ser enterrados na época do seu lançamento para depois serem redescobertos como verdadeiras pérolas. O filme “Blueberry”  (aka "Renegade") do francês Jan Kounen (2004) foi ridicularizado pela crítica e público para hoje ser saudado como um western sobrenatural, um cult do xamanismo no cinema.  Blueberry não é apenas um filme sobre jornadas espirituais xamânicas de um protagonista à beira da morte: os próprios efeitos especiais e imagens cinéticas induzem o espectador a imergir em estados alterados de consciência. O desejo de vingança de um protagonista transforma-se em jornada xamânica de autoconhecimento desconstruindo as códigos do gênero faroeste – vingança, honra, dominação e conquista.

O gênero western já foi muitas vezes desconstruído no cinema por sátiras (Banzé no Oeste, 1974, de Mel Brooks), o exagero revivalista do spaghetti western italiano dos anos 1960-70, a fusão do western com séries policiais urbanas nos anos 1970 (McCloud – 1970-77) ou a paródia dos códigos e convenções dos duelos e violência nos filmes de Tarantino.

Mas nada se equipara ao western francês Blueberry. Baseado no faroeste em quadrinhos francês homônimo de Jean-Michel Charlier e Jean “Moebius” Giraud, o filme foi muito mais além da simples adaptação de um comic book: o filme transformou-se em uma jornada espiritual após o próprio diretor do filme se encontrar com índios xamãs que o iniciaram a rituais verdadeiros.

quinta-feira, setembro 17, 2015

Efeito colateral atinge telenovelas da TV Globo

Será que a culpa é da Internet? Ou as séries do Netflix seriam as culpadas? Será que o gênero é uma vítima do sucesso das tecnologias de convergência? São vários os diagnósticos do porquê da atual crise de audiência do principal produto da TV Globo – as telenovelas. Talvez sejam diagnósticos muito apressados por conterem o desejo político pelo fim do monopólio da Globo. Mas as pesquisas qualitativas com telespectadores feitas pela própria emissora têm uma pista: falam em “teledramaturgia pesada” e “desesperança” desde a novela “Em Família” . Em sua escalada oposicionista a Globo recruta as telenovelas como mais uma bomba semiótica, rompendo o sutil equilíbrio entre romantismo e realismo, projeção e identificação que sempre marcou o sucesso do gênero – a ficção deve agora reforçar subliminarmente o “quanto pior, melhor” do telejornalismo. A Globo estaria vivendo o efeito colateral da sua condição esquizofrênica: ser uma empresa e ao mesmo tempo um partido político.    

Mal recuperou-se da crise de audiência que obrigou a descaracterizar e encurtar às pressas a telenovela Babilônia, e o núcleo de teledramaturgia da Globo passa a viver novo sobressalto: reuniões foram convocadas às pressas para entender o problema da baixa audiência na estreia de A Regra do Jogo, nova produção do horários das 21 horas.

A Regra do Jogo teve a pior início na história das telenovelas globais (31 pontos, enquanto as antecessoras Babilônia (33), Império (32), Em Família (33), Amor à Vida (35), Salve Jorge (35), Avenida Brasil (37), Fina Estampa (41), Insensato Coração (36), Passione (37), Viver a Vida (43), Caminho das Índias (39) e A Favorita (35) se saíram melhor.

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