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quinta-feira, fevereiro 15, 2024

Arte, capitalismo e crime em um microcosmo gnóstico no filme 'Dentro'


Willem Dafoe é um ladrão especializado em roubo de obras de arte milionárias que fica acidentalmente preso em uma cobertura high tech em Manhattan. Trancafiado e incomunicável com o mundo exterior, ironicamente está preso com os milhões de dólares de um colecionador de artes. Arte que se tornou supérflua na sua luta por água e comida numa situação ironicamente cruel. “Dentro” (Inside, 2023, disponível na Amazon Prime Video) é uma cínica e irônica reflexão sobre arte, capitalismo e crime, mas principalmente sobre como a dimensão estética pode ser inspiradora na fuga de uma cobertura que vira um microcosmo da condição humana. Principalmente depois de o ladrão encontrar uma edição do “Casamento do Céu e do Inferno” de William Blake, o filme ganha tons gnósticos.  

quinta-feira, janeiro 25, 2018

Morre Mark E. Smith, a Dialética Negativa do rock


Para muitos foi um compositor e vocalista que mudou tudo o que se pensava sobre palavras e linguagens. Capaz de produzir um efeito sísmico sobre o poder da música e as possibilidades do som, demonstrando que o rock poderia vir de algum lugar mais profundo e escuro. Muito além do entretenimento. Morreu aos 60 anos Mark E. Smith, líder do “The Fall”, banda que por 40 anos resistiu a todos os tipos de rótulos da indústria do entretenimento. Embora solidamente enraizado no punk das cidades industriais inglesas dos anos 1970, o prolífico compositor de 32 álbuns Mark E. Smith conseguiu produzir uma música atemporal, cujas composições referenciam nomes como Camus, Philip K. Dick, HP Lovercraft e Edgard Alan Poe, criando uma atmosfera de pesadelo sci-fi. Assim como B.B. King esteve para o blues, Mark Smith também esteve para o rock: criar na música aquilo que Theodor Adorno chamava de “dialética negativa” – a recusa de conciliação com esse mundo. Ao invés de síntese, criar o antagonismo radical: manter para sempre na música a memória da rudeza da vida nas notas atonais, nas composições obscuras e cheias de hipérboles ao estilo da escrita de Charles Bukowski.

segunda-feira, maio 18, 2015

Com B.B. King morre a dialética negativa do Blues

B.B. King talvez tenha sido um dos últimos músicos a ver a guitarra elétrica não como um meio para demonstrar velocidade, técnica e virtuosismo (valores caros para a atual indústria do entretenimento que alimenta o mito dos artistas virtuosos e narcisistas que divertem o público), mas como instrumento para expressar os sentimentos antagônicos do Blues: dor/alegria, tristeza/redenção e melancolia/celebração. Sua morte não significou apenas a passagem de alguém que inspirou gerações de músicos de Jimi Hendrix a Steve Ray Vaughan. Morreu um pouco mais um tipo de gênero musical cujas origens anteriores à indústria do entretenimento conferia a sua arte uma, por assim dizer, “dialética negativa”: uma música que produzia alegria e diversão e, ao mesmo tempo, invocava a memória de que o Blues tinha surgido em meio à injustiça e segregação. B.B. King viveu ainda a tempo de ver o Blues se transformar em um standard de entretenimento que concilia a música com um mundo injusto no qual ela própria nasceu. 

Eu vou fazer as malas
E seguir o caminho
Sim
Eu vou fazer as malas
E seguir o caminho
Onde
Não há ninguém preocupado
E não tem ninguém chorando
(“Every Day I Have the Blues”, Elmore James)

Dizem que o nome da guitarra de B.B. King, Lucille, surgiu de um incidente em um show num salão de danças no Arkansas em 1949.

             Para aquecer o ambiente foi aceso um barril cheio de querosene, solução bastante comum naquela época. Durante o show dois homens começaram a brigar, esbarrando no barril que espalhou o conteúdo por todo lado e iniciando um incêndio. Com as chamas em todo salão, todos correram para fora do lugar quando B.B. King percebeu que na fuga deixara sua guitarra, a amada Gibson de 30 dólares. Voltou ao edifício em chamas e a recuperou. No dia seguinte soube que dois homens morreram naquele incêndio e o motivo da briga que iniciou a tragédia: o pivô de tudo teria sido uma mulher chamada Lucille.

segunda-feira, abril 07, 2014

A dialética gnóstica do senhor e escravo no filme "Expresso do Amanhã"

Mais um filme hollywoodiano de ficção científica distópico e pós-apocalíptico? Com elenco estelar dirigido pelo coreano Jooh-ho Bong em sua estreia em filmes de língua inglesa, “Expresso do Amanhã” (Snowpiercer,  2013) narra como uma espécie de arca ferroviária com sobreviventes da espécie humana após uma catástrofe climática que fez o planeta entrar em nova Era do Gelo, se transforma em um microcosmo da Terra. Em um gigantesco trem com centenas de vagões que circula indefinidamente pelo planeta cria-se um sistema totalitário com luta de classes, exploração, dominação e manipulação psicológica. Mas as dificuldades de distribuição e lançamento do filme apontam para uma produção com narrativa não convencional que foge da dualidade Bem/Mal lembrando a famosa dialética do senhor e escravo tal como descrita pelo filósofo alemão Hegel. Porém, com desfecho não convencional nem para Hollywood e nem para Hegel. Filme sugerido pelo nosso leitor Joari Carvalho.

Um filme com diversos problemas de produção e, principalmente, distribuição. A ideia de associar o ótimo diretor coreano Jooh-ho Bong com atores conhecidos nos EUA como Chris Evans (Capitão América), John Hurt, Ed Harris e Tilda Swinton era promissora dentro da atual política de Hollywood em globalizar os aspectos de direção e produção cinematográficas. Porém, algo não deu certo: mesmo já tendo sido exibido na Ásia, o filme ainda não estreou no Ocidente (nos EUA até o dia 31/03 não havia estreado e no Brasil e era esperado para esse mês nos cinemas brasileiros) e sua estreia tem sido adiada diversas vezes: diversas versões do filme parecem terem sido criadas, com diversos cortes que chegam a totalizar 20 minutos, tentando agradar os estúdios e desagradar o diretor Bong.

sexta-feira, março 09, 2012

Resposta ao Post "A Dialética Negativa: Theodor Adorno Gnóstico"

Por Douglas A. Remonatto 
Uma resposta de Douglas Remonatto (mestrando em Filosofia pela Universidade de Lisboa) à postagem anterior "Dialética Negativa  Theodor Adorno Gnóstico": Se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis)                                     
Se para Adorno a dialética positiva de Hegel erra ao abandonar a realidade concreta, ignorando a experiência do particular em prol de uma busca por transcendência através da “síntese do Espírito Absoluto”, para Hegel não buscar nada além da experiência pessoal é iludir-se com fragmentos do processo teleológico, sem nunca ter a possibilidade de contemplar o processo como um todo, nos privando assim de autodescobrirmos nossa essencialidade. 


E se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel cujo pensamento filosófico tem por base o processo pelo qual, de uma situação alienada, o espirito passa a se encontrar em si mesmo através do conhecimento de sua verdadeira natureza absoluta. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis). 

quinta-feira, março 08, 2012

"A Dialética Negativa": Theodor Adorno Gnóstico (atualizado)

Ao ler dois tópicos do livro “Dialética Negativa” de Theodor Adorno ("Experiência Metafísica e Felicidade"e "Niilismo") encontramos uma crítica à religiosidade vulgar, aquela que iguala o impulso por transcendência à busca do chamado "sentido para a vida". Para Adorno, se manifestamos a dúvida se a vida poderia ser dotada de sentido é porque a existência não tem sentido mesmo: através dessa “via negativa” ele identifica nessa religiosidade vulgar um movimento que apenas reforça a Totalidade que cria em nós o mal estar e o desespero que nos faz em vão buscar um sentido para a dor. Mas Adorno surpreendentemente busca uma alternativa de libertação: o niilismo gnóstico e elege Marcel Proust como o exemplo para o seu projeto da "Dialética Negativa".

"O Todo é a Verdade" (Hegel)
"O Todo é o Falso" (Adorno)

Considerada a obra de maior envergadura do filósofo e expoente da chamada Escola de Frankfurt, Theodor Adorno, “A Dialética Negativa” (1966) é não somente um acerto de contas com o hegelianismo no último livro da sua vida. É também uma supreendente busca de esperança de saída após obras apocalíticas como “A Dialética do Esclarecimento” e todos os estudos em torno do conceito de Indústria Cultural que apontavam para cenários monolíticos de dominação do Capitalismo Tardio.

Através da “via negativa” Adorno vai buscar a alternativa na “metafísica em queda”, ou seja, ao invés de buscar a transcendência no Absoluto, ele vai encontrar a Verdade no particular, no precário, no singular, na experiência irreprodutível. Isto é, em tudo aquilo que a filosofia Ocidental liquidou em nome das abstrações (Logos, Deus, Mercadoria e Capital) e dos conceitos.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

"Somos Todos Um": o totalitarismo por trás do humanismo New Age

Somos Todos Um (One: The Movie, 2005) sob a aparência humanista do Espiritualismo, New Age e Auto-Conhecimento perpetua a liquidação do indivíduo lá onde pretende acabar com todos os dualismos.
“Se o sentido da vida existisse não estaríamos formulando essa pergunta”(T. Adorno)
“Às 6:45 A.M. em 13 de Abril de 2002 um pai de meia idade de três filhos do centro-oeste dos Estados Unidos desperta de um sono profundo com uma estranha idéia de fazer um filme independente explorando a questão do sentido da vida”. Assim inicia o documentário “Somos Todos Um”. Com o apoio da esposa Diane e a e a participação de alguns amigos, Ward Powers organizou um questionário com "as maiores perguntas relativas à vida, a todo tipo de pessoas" (perguntas como “para onde vamos quando morremos?”, Por que estamos aqui? etc.) com o grandioso objetivo de demonstrar a "unicidade da humanidade".

O que começou como brincadeira logo ganhou força, com a participação de líderes religiosos, arquitetos sociais, místicos, monges, ateus, nobres e filósofos, representando uma gama completa de tradições espirituais, num amálgama de opiniões que se fundiam às do povo nas ruas. Todos receberam 20 perguntas sobre questões profundas como o sentido da vida, o conceito de Deus, o motivo do sofrimento e a justificativa da guerra.

A questão que inicia e sustenta todo o documentário (qual o sentido da vida) lembra a fala de Theodor Adorno: “Se o sentido da vida existisse não estaríamos formulando essa pergunta”. Essa resposta de Adorno no seu livro Dialética Negativa é mais do que uma afirmação irônica ou retórica. Há um sério pressuposto crítico nessa afirmação: a imanência desse discurso que pretende se perguntar sobre o sentido da existência. Isto é, essa pergunta não é “desinteressada” ou neutra, mas parte de uma ideologia historicamente determinada. A pergunta já contém em si a resposta que procura.

A questão sobre o sentido da vida parte do pressuposto de todos os discursos totalizantes e totalitários: quem formula a questão ignora o sentido da vida. Sua ignorância decorre do fato de o emissor ser um simples indivíduo, sendo que a verdade lhe escapa, pois está no TODO. Desgraçadamente pelo fato do indivíduo ser uma pequena parte, nunca apreenderá a verdade pois ela está além do particular, está na totalidade. Portanto, essa questão reproduz as velhas dualidades da Teologia, matriz tanto da Religião quando da Ciência: parte/todo, particular/universal, matéria/espírito e assim por diante.

Se a Verdade está no Todo (Absoluto, Espírito, Infinito etc.) o indivíduo só pode ser ignorante por não conseguir apreender as conexões em torno dele. O documentário “Somos Todos Um” bate exaustivamente nessa mesma tecla: a experiência individual é a fonte dos erros e conflitos (medo, egoísmo, materialismo) que impedem a paz mundial e a revelação da Unidade. O pressuposto teológico é que essa insuficiência individual decorre ou pela imersão do espírito na matéria (pecado) ou pela ignorância das conexões do todo, somente esclarecidas por um discurso “técnico” (espiritualista ou científico).

O desprezo pelo indivíduo e o potencial perigosamente totalitário pode ser percebido em frases do documentário como essa: “Qual o sentido da vida? Você começa a lembrar e começa a ver...as nebulosas do pensamento, moléculas e átomos nascendo...essa teia dourada da vida. É silencioso, é eterno, é cintilante. Você e eu não passamos de uma tapeçaria de sonhos.” 

Nessas afirmações parece haver o esforço de construir um novo paradigma de união entre Religião e Ciência que acabaria com todos os dualismos (afinal, o discurso utiliza termos científicos como “nebulosas”, “moléculas” e “átomos” ao lado de termos místicos como “eterno”, “cintilante”), mas o problema é falso. Ciência e Religião secretamente já estão unidas há muito tempo a partir da mesma matriz teológica que liquida a experiência individual como fonte de erro, insuficiência ou pecado.
O momento de verdade

Mas, parafraseando Adorno, em toda ideologia há um momento de verdade. Essa angústia pelo sentido da vida é real. Se a pergunta é formulada é porque a percepção de um sentido desapareceu ou nunca existiu. Tal angústia é um sintoma da dor e do sofrimento que essa totalidade (social, histórica ou espiritual) impõe ao indivíduo, e não o contrário – pelo anseio por uma transcendência à totalidade.

O mal-estar do indivíduo nesse mundo é desprezado por esse discurso espiritualista (na verdade uma teologia secularizada) como medos que limitam o potencial espiritual. É a mensagem de todos os vídeos de auto-ajuda ou espiritualistas: liberte-se de si mesmo e venha para o TODO. Dessa forma é descrito como se inicia uma jornada espiritual pelo padre Thomas Keating, líder do Movimento Interdenominacional para revitalizar a prática contemplativa cristã:
“O início da jornada espiritual é o reconhecimento...não apenas a informação, mas a real convicção interior..de que há uma força superior, ou Deus. Ou, para facilitar ao máximo para todos...de que há um Outro, com "O" maiúsculo. Segundo passo: tentar se tornar o Outro. Ainda com "O" maiúsculo. E finalmente, o reconhecimento de que não há Outro. Você e o Outro são um só. Sempre foram. Sempre serão.Você simplesmente acha que não é.”

À dor e sofrimento concretos nesse mundo, esse discurso oferece a racionalização e o desprezo pela percepção individual: você com sua dor não existem! Venha para o Todo e esqueça seus problemas mesquinhos!

Porém esse todo não é algo tão rarefeito ou metafísico. Tem uma identidade bem concreta: é o meio corporativo por trás da Globalização política e financeira, os principais consumidores interessados por esses tipos de vídeo, para aplicar em estratégias motivacionais em grupos de dirigentes a vendas. Tal como Deepak Chopra (entrevistado em “Somos Todos Um”): de místico e filósofo a um dos principais palestrantes motivacionais em organizações nos EUA.

Somente uma Dialética ou Teologia negativas podem se contrapor a essa teologia secularizada: fazer justiça à verdade da dor e sofrimento do indivíduo ao conseguir inverter o sentido da transcendência – não é do todo para a parte. Ao contrário, é a carne, a parte, o singular que aspiram à transcendência. Ou, como conclui emblematicamente Adorno, “ O que há de doloroso na dialética é a dor em relação a este mundo, elevada ao âmbito do conceito"

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