quinta-feira, dezembro 02, 2021

Guerra semiótica eleição 2022: microtargeting, marketing invisível e armadilhas para esquerda

O bem-sucedido encontro de Lula com lideranças europeias forçou a grande mídia a antecipar a campanha eleitoral 2022. Não sem antes encontrar um plot no qual pudesse encaixar o “tour” do ex-presidente, depois do orquestrado silêncio midiático. Um plot composto por uma narrativa, uma futura bomba semiótica guardada no bolso do colete, e uma armadilha que poderá custar caro para a esquerda – primeiro, forçar o “isomorfismo semiótico” Bolsonaro/Lula (os dois seriam os dois lados de uma mesma moeda) para transformar o ex-juiz Moro no candidato antissistema que enfrenta ex-condenados e ex-indiciados da Lava Jato (a dobradinha Lula/Alckmin cairia como uma luva para Moro...). Segundo, a armadilha: fazer a esquerda acreditar que Moro vai dividir votos da direita. Errado! O ex-juiz visa a “maioria silenciosa” por meio do corpo a corpo digital e presencial (microtargeting e marketing invisível) já em atividade, que vai muito além do primarismo dos “disparos de massa” investigados tanto pelo STF quanto pelo STE.

A campanha eleitoral 2022 foi antecipada para um pouco antes do final desse ano. E a “queima” da largada foi a viagem pela Europa do ex-presidente Lula, com uma agenda de chefe de Estado e encontros com as principais lideranças do continente: o futuro chanceler alemão, Olaf Scholz; o presidente francês Emmanuel Macron, com honras de chefe de Estado; discursos marcantes no Parlamento europeu, em Bruxelas, e no Instituto de Estudos Políticos de Paris, além de encontros com sindicalistas europeus.

Aplausos de pé, ovações, além de o futuro chanceler alemão declarar-se “muito satisfeito com o encontro” com Lula e ressaltando: “espero continuar o diálogo”.

A bem-sucedida entrada de Lula no vácuo político deixado pelo atual presidente, (Bolsonaro está mais interessado em estreitar laços com monarquias absolutistas como Emirados Árabes, Baharein e Catar) foi recebida inicialmente com um silêncio orquestrado da grande mídia brasileira.

Até então, o xadrez político mantinha-se em banho-maria com a lenta aproximação de Moro ao cenário político e Bolsonaro ainda reticente sobre a filiação partidária.

Manteve-se em silêncio o quanto pode, até que tudo tornou-se muito barulhento: enquanto a grande mídia internacional repercutia os encontros de Lula na Europa, editores, chefes de jornalismo e colunistas aqui no Brasil tentavam achar algum plot, alguma estratégia semiótica na qual pudesse encaixar o sucesso do ex-presidente, neutralizando-o.

Aqui e ali surgiram termos como “tour” ou “giro pela Europa”, tentando banalizar as notícias over seas– como a viagem do ex-presidente fosse um episódio sem compromisso, corriqueiro.



Porém, não foi suficiente: fotos e vídeos de seus encontros circulavam pelas redes sociais, enquanto jornalistas europeus insistiam em entrevistá-lo na mídia impressa e eletrônica.

Então, a solução foi encaixá-lo no plot das notícias diversas do início da disputa eleitoral. Em outras palavras, a grande mídia não teve outra alternativa senão dar o start antecipado da campanha eleitoral: Lula seria um “calculista político” e já estaria em campanha nesse “tour” europeu. Assim como Bolsonaro, que promoveu mini motociatas nos Emirados e disse que a Amazônia não queima porque é “úmida”.

Em outras palavras, os dois estariam apenas “de olho na eleição”. 

Ato contínuo, a grande mídia passou a dar tempo (e muito mais tempo) à cobertura da filiação do ex-juiz Sérgio Moro no Podemos e a guerra intestina ao vivo do PSDB – em longas coberturas sobre o porquê do aplicativo de votação das prévias não funcionar. Tudo para terminar com a vitória de João Doria Jr., fazendo questão de acenar com um possível “Moro-Doria” para “fortalecer a terceira via”.



O único momento em que Lula foi promovido às manchetes foi quando, na entrevista ao El País, teria revelado uma “noção elástica de democracia”: visita países democráticos, mas defende ditaduras de esquerda como de Daniel Ortega, na Nicarágua. A velha estratégia semiótica de retirar frases de contexto para confundir a defesa de soberania política de um país com defesa de um governo em particular.

Isomorfismo

Por isso, Lula ganhou o rótulo de “negacionista” de ditaduras de esquerda, da mesma forma que Bolsonaro é um “negacionista” ambiental e sanitário – Lula e Bolsonaro seriam os “extremos”, os dois lados de uma mesma moeda. 

Estratégia de isomorfismo semiótico para construir o imaginário da “terceira via”, com muito espaço midiático: enquanto a Moro são dedicadas hipérboles como “Moro se encontra com pesos pesados do mercado financeiro” (Daniela Lima, no CNN 360), seu parceiro Dellagnol concede uma entrevista à CNN, com muita rasgação de seda, apenas para fazer o recall da Lava Jato, combustível imaginário (judicialização, justiçamento e meganhagem) da candidatura Moro. 

Sabendo-se que ainda a parceria grande mídia/Moro guarda, no bolso do colete, mais uma bomba semiótica, para ser lançada no futuro: se eventualmente vingar a chapa Lula/Alckmin, Moro terá nas mãos uma bomba semiótica isomórfica para detonar – o candidato antissistema que enfrenta um sistema político que permitiu um ex-condenado e um ex-indiciado da Lava Jato se candidatarem a presidente e vice...

Faz parte da construção semiótica da terceira via, através do isomorfismo Lula/Bolsonaro, atrair o indefectível wishiful thinking da esquerda ao sugerir que Moro supostamente quer conquistar votos de bolsonaristas e, portanto, dividir os votos da direita. 

Por exemplo, as comparações feitas pelo jornalismo corporativo entre a filiação de Moro ao Podemos e a de Bolsonaro no PL passou, inclusive pela iconografia do cenário dos eventos: ambos figuram a bandeira nacional em telões e painéis, como se Moro quisesse retomar o símbolo nacional da extrema-direita.

Se a esquerda cair nessa miragem acenada pelos analistas sabujos da grande mídia, estará perdida. Por quê? Porque Moro não pretende seduzir os convertidos bolsonaristas: nem com todo o seu appeal lavajatista conseguirá seduzir os fanáticos das “guerras culturais” – é visível como Bolsonaro continua no mesmo diapasão, com alusões à vitória do “verde-amarelo” sobre o “vermelho” nos corações dos brasileiros, no discurso de filiação ao Podemos. 



Maioria silenciosa e microtargeting

Moro na verdade está mirando a chamada “maioria silenciosa” – conceito de Jean Baudrillard para designar a maioria dos receptores dos meios de comunicação, um novo estágio histórico da evolução das massas, agora não mais “passivas” (como nas clássicas teorias da comunicação) mas paradoxalmente ativas na sua indiferença e vazio de sentido: absorve energia, informações, mas não refrata e nem reflete – sobre esse conceito clique aqui.

Uma espécie de buraco negro de sentido capaz de, por exemplo, os mesmos eleitores que um dia votaram em Lula, depois votarem em João Doria para a prefeitura de São Paulo – clique aqui.

Numa aproximação, poderíamos chamar de “voto não ideológico”, mas ainda não seria exato. A maioria silenciosa é orientada por uma espécie de “sexto sentido” que capta climas de opinião, movimentos de “espirais de silêncio” e outros fenômenos de contínuo atmosférico midiático. Como esse humilde blogueiro já descreveu no texto “Bombas Semióticas: o acontecimento comunicacional na guerra híbrida”, na revista científica “Transaberes” – clique aqui.

E essa estratégia de conquista das maiorias silenciosas e não do voto dos bolsonaristas já começou no corpo a corpo seja virtual ou físico com táticas digitais como de microtargeting e presenciais com o chamado “marketing invisível”.

Quem nos informa é a professora do Departamento de Comunicação da UFMG, Ângela Carrato, sobre a antecipação da eleição 2022 com a colocação em prática de técnicas de corpo a corpo tanto digital como presencial – clique aqui. Técnicas que vão muito além daqueles investigadas pelo inquérito das fake news do ministro Alexandre Moraes – aliás, um inquérito que apenas investiga “disparos em massa de notícias falsas”, quando a atual mineração algorítmica de big data está além desse estereótipo dos primeiros tempos do e-commerce.

Carrato fala sobre a “nova” estratégia de corpo a corpo – para este Cinegnose, não é nova, mas é a essência da mineração de big data, desde a seminal experiência do Brexit: o “microtargeting”, bem diferente aos ameaçadores “disparos em massa” imaginados por Alexandre Moraes e o STE.




A partir da mineração algorítmica da big data para criar perfis psicométricos, centrais identificam pessoas que, por suas postagens, podem ser consideradas sem opinião formada sobre temas políticos. A abordagem desse perfil é feita, educadamente, por meio de um outro perfil que pergunta, por exemplo, o que achou da viagem de Lula na Europa.

Se a pessoa não sabe do que se trata ou demonstra não ter opinião, o mesmo perfil compartilha material “a título de informação” sobre, por exemplo, que Lula “defendeu ditadores e apoia a prisão de seus opositores”. 

Segundo Carrato, esses perfis que fazem o corpo a corpo pertencem “a jovens brancos, atuando em empresas nacionais de porte ou no sistema financeiro, com frequentes postagens identitárias (combate à violência contra as mulheres). Todos exibem traços de que são felizes e possuem amigos. Invariavelmente receberam uma infinidade de mensagens de parabéns pelo aniversário”.

A questão aqui, não é se o material é fake news ou não. A questão é o mapeamento psicométrico no qual os “disparos” serão modulados a microtargetings, e não mais massificação de notícias falsas ou memes. O estratégico é o mapeamento dessa maioria silenciosa para novas e mais eficientes abordagens ao longo da campanha.

Marketing invisível

Carrato descreve também como esse corpo a corpo digital é combinado com abordagens presenciais em locais de intensa circulação de pessoas como bares, aeroportos e restaurantes. A professora descreve uma situação passada por uma passageira que desembarcou no aeroporto de Confins (Belo Horizonte):

Além dos táxis e ubers, motoristas com seus próprios carros, discretamente também se oferecem para o serviço de translado entre o aeroporto e a capital mineira. No aeroporto de Confins, por exemplo, chamou a atenção desta passageira o “carrão” preto (um Toyota), dirigido por um motorista alto, negro e igualmente trajando negro da cabeça aos pés.

Durante a viagem – 40 km separam o aeroporto de Belo Horizonte – o condutor buscou, de forma elegante, entabular uma conversa com a passageira.

O início do papo foi “o sol que finalmente tinha voltado a brilhar”, mas poderia ter sido qualquer outra amenidade. Lá pelas tantas, ao passar por locais onde há grande concentração de pessoas morando em barracas, o condutor saiu-se com constatações do tipo: “olha o que a pandemia fez com o nosso país!”

Se a passageira concordasse, a missão teria sido bem-sucedida. Só que a passageira em questão não concordou.Argumentou que a pandemia pode ter agravado a crise, mas que ela era anterior ao covid-19 e que os principais responsáveis por sua existência são Moro e a Operação Lava Jato, além da política ultra-neoliberal adotada pela dupla Bolsonaro-Paulo Guedes.

Educadamente, relata a passageira, o motorista insistiu na argumentação, tentando mostrar que “o governo tem feito de tudo para minimizar os problemas”, a exemplo do novo programa social, o Auxílio Brasil, “que vai garantir mais recursos para quem realmente precisa”. Diante dos argumentos da passageira de que o novo programa era pior do que o Bolsa Família, o motorista sugeriu que ela se informasse melhor. O resto da corrida transcorreu em silêncio – clique aqui.

Esse tipo de abordagem é denominado “marketing invisível”: agentes virais (atores, por exemplo) são infiltrados nesses lugares para explorar a autenticidade das relações humanas. Forma de influência parasitaria porque simula ser espontânea.

“O marketing viral e invisível é uma forma de corrupção a partir do instante em que invade a nossa paisagem cultural. É muito mais insidioso porque o Marketing está criando uma estranha forma cultural em um nível mais básico, nas ruas e lugares onde nós vivemos” (HOWARD, Martin. We Know What You Want. New York: Desinformation Co., 2005, p. 124).

 



Mas para que tudo isso funcione, é fundamental que dê certo a jogada semiótica do isomorfismo: converter Lula e Bolsonaro como dois lados de uma mesma moeda. Para encaixar o script da grande mídia que, de fato, o ex-juiz Sérgio Moro é contra um sistema que absolve criminosos e que tenta enquadrar a Lava Jato.

Entra em ação o jornalismo metonímico, como o verificado na edição do Jornal Nacional dessa terça-feira (30/11): após os três minutos de cobertura da filiação de Bolsonaro ao PL, entra a matéria da entrevista de Lula a uma rádio gaúcha falando sobre a possibilidade de formar uma chapa tendo Alckmin como vice – clique aqui

Essa contaminação metonímica é recorrente nos telejornais não só da Globo nesses últimos dias – o que revela a importância subliminar na sucessão de matérias e as divisões em blocos de notícias em telejornais.

A “noivinha do Aristides”

Portanto, esses são os movimentos iniciais da guerra semiótica projetada para 2022:

(a) Isomorfismo semiótico: contaminar metonicamente o “cálculismo político” de Bolsonaro e Lula: p. ex., termos como “negacionismo” estão sendo aplicados para ambos os candidatos

(b) Transformar esse isomorfismo em “sistema” e Moro o candidato antissistema: o script do ex-juiz que, a contragosto, teve que ir para a política porque o “sistema” enquadrou a Lava Jato e liberou condenados e indiciados. Chapa Lula/Alckmin seria a prova de que o “sistema” existe. 

(c) Analistas da grande mídia e institutos de pesquisa induzem a esquerda a acreditar que Moro enfraquecerá a direita ao disputar votos bolsonaristas – ocultação das técnicas algorítmicas mais profundas de microtargeting e presenciais de marketing invisível que confirmam o verdadeiro alvo de Moro: a maioria silenciosa. Os discursos dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre Moraes, obcecados pela ameaça dos “disparos de massa” ajudam a ocultar essas técnicas mais profundas de mineração de big data pela direita.

Por fim, o episódio da “noivinha do Aristides” (posando-se de popular, Bolsonaro postou-se à beira de uma estrada e ouviu o xingamento “noivinha do Aristides”, que levou uma mulher à prisão) demonstra a necessidade de a esquerda lutar no mesmo campo simbólico da direita.

Por quê? Porque xingar Bolsonaro de “genocida” é até um elogio à sua estratégia de comunicação (afinal, é tudo o que ele quer: a atitude sempre reativa do adversário). Mas, um xingamento homofóbico cala fundo no capitão da reserva porque baixou ao campo simbólico da extrema-direita... princípio homeopático da cura pelos semelhantes.

A esquerda também deve conquistar os corações e mentes da maioria silenciosa. Com as mesmas técnicas algorítmicas e presenciais. 

 

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