O pânico cromático provocado pela cor vermelha está de volta. Dessa vez, para tentar salvar das enchentes o governador do RS, Eduardo Leite. Depois do pânico das ciclofaixas pintadas de vermelho em SP, do pavor de símbolos vermelhos entrarem na bandeira brasileira e de a Folha exaltar a retirada da cor vermelha dos pilares do MASP, agora o pânico cromático retorna na politização da catástrofe ambiental que o jornalismo corporativo diz que não deve ser feito. A jaqueta vermelha do ministro da Reconstrução do RS, Paulo Pimenta, provocou pavor semiótico na Globo News. O apalermado Eduardo Leite estaria de cara amarrada por estar diante de uma propaganda política explícita do PT. Segundo a Globo News, ao contrário, o jovem ativo político midiático estaria “neutro”, com colete da Defesa Civil. Grande mídia diz combater as fake news da extrema direita. Mas continua alimentando com pautas, imagens etc. as redes bolsonaristas. “Eritrofobia” é termo psiquiátrico dado ao pavor irracional pela cor vermelha... será que os jornalistas corporativos sofrem disso?
“Gestão moderna e competente, que agrega resultados. Faz diagnóstico dos problemas com base em evidências e dados, e comunica a sociedade, apresenta as propostas de reformas e, com diálogo, negocia sua aprovação”.
Foi assim que a ex economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, em sua coluna no jornal “O Globo” comemorava a “gestão moderna” do governador Eduardo Leite. Incensado pela grande mídia que comemorava o superávit orçamentário do Estado de R$ 3,3 bilhões no ano passado.
Em um vídeo animado, um confiante Eduardo Leite anunciava o processo de concessão à iniciativa privada do Cais Mauá em que enaltecia a derrubada do Muro da Mauá, estrutura que faz parte do sistema de contenção das águas do Guaíba – derrubar para “fazer as pessoas andar circulando livremente sem ter aquele muro...”.
Pois a catástrofe ambiental do Rio Grande Sul derrubou tudo. E está quase desmoronando o legado político do governador.
Por isso, nesse momento, o jornalismo corporativo está fazendo um esforço hercúleo para salvar o ativo político que é a esperança da mídia hereditária ter finalmente um representante competitivo da direita democrática.
Esse esforço está na relação direta de como William Bonner vem sendo ameaçado e hostilizado diariamente em Porto Alegre, de onde está ancorando o Jornal Nacional – durante anos de jornalismo de guerra a emissora deu visibilidade ao ódio e violência da extrema direita para engrossar o lavajatismo e a onda anti-PT. Nem que fosse ao custo de expor seus jornalistas a essa mesma violência.
Agora, não consegue mais colocar o Brasil profundo de volta às suas profundezas.
Pânico semiótico
Por isso, salvar Eduardo Leite da enchente passou a ser uma questão existencial: limpar as mãos da lama psíquica com a qual a extrema direita foi moldada, e colocar no lugar uma direita limpinha e democrática.
Esse desespero leva a momentos patéticos, como o pânico com a cor da jaqueta vermelha de Paulo Pimenta do Ministro da Reconstrução do RS empossado por Lula na cerimônia de quarta-feira (15) em São Leopoldo, RS.
A apresentadora da Globo News, Daniela Lima, num esforço de silogismo semiótico (O PT é vermelho/Paulo Pimenta trajava casaco vermelho/logo, ele faz propaganda do PT), tentou demonstrar que Lula e seu ministro estavam com o dress code errado, politizando a catástrofe e, por isso, irritando Eduardo Leite que se manteve de cara amarrada, sem aplaudir.
Essa foi a introdução da jornalista Daniela Lima para descrever um suposto bastidor de que os tucanos não gostaram da cena:
Em política, gente, a imagem fala muito, eu chamo a sua atenção para o casaco de Paulo Pimenta. Poderia ter usado um tom neutro, um tom que remetesse à Defesa Civil, como faz o governador Eduardo Leite, que está com uma cara de poucos amigos e em nenhum momento aplaude [...] estava lá (Paulo Pimenta) com a partidária, com a cor do PT e é criticado por isso",
Convenhamos: a cara amarrada de Eduardo Leite não era pela cor vermelha da jaqueta de Paulo Pimenta (“pimenta” também tem cor vermelha... vão dizer que a sua indicação foi também por causa desse detalhe cromático subliminar...).
Estava de cara feia ao sofre uma intervenção federal no seu Estado que ameaça ao seu futuro político – diante do boicote de muitos prefeitos em atrasar o envio de ofícios solicitando aporte financeiro do Governo Federal (tomar moradores como refém para demonstrar um suposto desinteresse do Governo) e a possibilidade de os produtores de arroz estocarem o produto para especular preços, Lula interveio no Estado.
Pequena história do pânico cromático
Esse pânico cromático pela cor vermelha começou nos tempos de jornalismo de guerra promovendo a histeria anti-PT.
O início de tudo está lá em 2014, quando a professora da PUC/SP especialista em Semiótica, Lucia Santaella, alertou nas redes sociais sobre o perigo subliminar das ciclo faixas pintadas de vermelho em São Paulo.
“Essas faixas não passam da mais descarada propaganda vermelha do PT, encomendadas pelo Diabo em pessoa”, alertou Santaella. Certamente, esse “Diabo em pessoa” era o então prefeito da cidade Fernando Haddad.
A denúncia de uma eminente autoridade em Semiótica fez o deputado estadual do PSDB, Joseph Jo Raymond Diwanm, a entrar na Justiça Eleitoral para retirar a cor das ciclovias – não obstante o fato de todos saberem que o vermelho é o padrão internacional de sinalização de ciclofaixas.
Começava a estratégia da grande mídia em dar pernas a não-notícias. Dar relevância e visibilidade ao bestiário político que começou a gestar a retórica da extrema direita.
A ameaça do vermelho que poderia tomar conta da nossa bandeira passou a ser retórica extremista. Quando, por exemplo, extremistas invadiram a Câmara dos Deputados em 2016 pedindo “intervenção militar institucional”. Uma manifestante gravou um vídeo em que denunciava um “projeto nojento” de colocar um símbolo vermelho na bandeira brasileira.
Na verdade, era a bandeira do Japão, estilizada e mesclada com a brasileira em um painel comemorativo dos 100 anos da imigração japonesa no País.
Mais recentemente, foi o jornal “Folha de São Paulo” a contribuir como pânico cromático ao enaltecer a remoção da cor vermelha dos pilares e da laje do MASP. O museu de arte está sendo restaurado, levando à raspagem da tinta para posterior pintura.
O jornalão comemorou o retorno do cinza “que fazia parte do projeto original da sua criadora, Lina Bo Bardi”. E mais: a ausência do vermelho “aguça a memória daqueles que transitaram pela cidade antes de 1991”.
A Folha só viu efeitos positivos com a retirada da cor. Mas, infelizmente para o lobby do jornalão, os pilares serão repintados com a mesma cor ao longo da restauração do patrimônio histórico.
Mais uma não-notícia (certamente se fosse outra cor, não seria “notícia”) cujas pernas foram dadas por outros veículos como CNN, Uol, Globo etc.
Globo andando no arame
Voltando às considerações da Globo News em relação a jaqueta vermelha do Paulo Pimenta, essa estratégia semiótica do pânico cromático tem dois objetivos aparentemente contraditórios. Demonstrando como a grande mídia, principalmente a Globo, está nesse momento andando no arame:
(a) Reforçar o pânico à cor vermelha, um dos elementos principais do bestiário imaginário do bolsonarismo – afinal, o cenário está cada vez mais adverso à criação de um candidato de direita democrática. Embora alguns setores do jornalismo corporativo insistam em definir o “bandeirante-frankenstein” Tarcísio de Freitas como um “bolsonarista moderado”. Nunca se sabe quando será preciso fazer a grande aposta entre Tarcísio, Caiado ou Zema;
(b) O pânico pela jaqueta de Paulo Pimenta é mais um exemplo de como a Globo está a todo custo tentando salvar Eduardo Leite das enchentes – enquanto Eduardo Leite é tido como neutro e sóbrio, trajando o colete da defesa civil, o ministro de Lula faz “política” (aqui no sentido depreciativo, para desmoralizá-la) fazendo propaganda do PT. Supostamente pensando na sua possível candidatura ao governo do Estado.
Tentar salvar um jovem ativo político de direita é o sonho da Globo. Para trocar os ares políticos para não mais ver seus jornalistas transformados em boi de piranha.
Em Psicanálise há um diagnóstico para o medo irracional à cor vermelha: Eritrofobia. Mais precisamente, o medo excessivo e irracional do rubor facial, quando o rosto fica vermelho involuntariamente – que propicia ansiedade e medo de situações sociais.
Mas pelo menos disso “colonistas” e jornalistas corporativos estão livres: são capazes de protagonizar uma cena tão patética como de Daniela Lima da Globo News sem ficar vermelho de vergonha.