Mostrando postagens com marcador Grupo de Pesquisas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Grupo de Pesquisas. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, dezembro 05, 2012

A dialética da família: de "Charlie e Lola" aos "Simpsons"

O irmão mais velho assume a imagem de mentor outrora ocupada pelos pais; duas meninas demonstram poder desenvolver valores sem a necessidade de qualquer tipo de influencia de adultos; e em outro caso um personagem no papel de pai cuja autoridade é rebaixada pela sua absoluta incapacidade de lidar com as tecnologias que o cercam. Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi desenvolvida por alunos da graduação da Escola de Comunicação encontra nas animações infantis, adolescentes e adultas a recorrência não só do desaparecimento simbólico ou mesmo literal da figura dos pais como, também, do anacronismo ou deficiência em desempenhar os papéis que deveriam ocupar na formação social dos filhos. Além disso, personagens e narrativas expressariam a chamada "dialética da família" contemporânea: a crítica à autoridade patriarcal como anacrônica e autoritária ao lado de um modelo familiar igualitário e liberal foram historicamente emancipadores, mas, por outro lado, expôs as novas gerações às insidiosas e sedutoras novas formas de manipulação.

Em postagem recente intitulada “Por que os pais desapareceram do imaginário infantil?” discutíamos como o anacronismo da família como agencia socializadora, suplantada pela indústria cultural das celebridades e entretenimento ao oferecer novos modelos de “super-pais”, estava sendo representado por animações infantis onde se verifica uma significativa recorrência de situações onde os pais desaparecem simbolicamente e até mesmo fisicamente.  

O grupo de estudantes formados por Ana Lucia Borsari, Eduardo Gomes, Laryssa Valverde, Leonardo Salles e Nicolas Gomes da graduação da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (UAM/SP) decidiu então aprofundar a discussão do post em um trabalho de iniciação científica para a disciplina Estudos da Semiótica, procurando matizar as animações em três tipos de públicos: infantis, adolescentes e adultos. Respectivamente, o universo da pesquisa foram “Backyardgans”, Charlie e Lola, Pink, Dink Doo”e “Milly e Molly”; Os Flintstones e os Jetsons; e o último grupo “Os Simpsons” e “Uma Família da Pesada”.

quarta-feira, agosto 01, 2012

A "materialidade" das produções midiáticas (parte 1): rupturas tecnológicas

Imagine um álbum ao vivo da banda Led Zeppellin como o “The Song Remains the Same” de 1973. O conteúdo (um show no Madson Square Garden, Nova York) foi imortalizado por diversas mídias sucessivas ao longo das décadas: vinil, fita cassete, VHS, CD e, finalmente, mp3. Cada uma dessas mídias criou uma “acoplagem” diferente do usuário com os dispositivos de reprodução: caixas de som, o mono e o stéreo, headphones, tubos catódicos, telas LCD etc. Poderiam essas diferentes “materialidades” das mídias moldarem a qualidade da recepção estética, ideológica ou política do conteúdo transmitido?  Sim, de acordo com a chamada “Teoria da Materialidade da Comunicação” de Gumbrecht.

Certamente uma das linhas de pesquisas atuais sobre produção midiática é a “teoria da materialidade da comunicação” desenvolvida por pesquisadores do departamento de Literatura Comparada da Stanford University. O principal articulador da Teoria das Materialidades é o alemão  Hans Ulrich Gumbrecht, ao lado de um grupo de pesquisadores europeus e norte-americanos como Jeffrey Schnapp, Niklas Luhman, Friedrich Kittler, entre outros. O termo “materialidades” no enfoque da comunicação não significa apresentar uma epistemologia absolutamente nova. Ao contrário, significa encarar, de uma maneira renovada, um aspecto bastante tradicional no fenômeno da comunicação.

Em primeiro lugar, quando se fala em “materialidades da comunicação” significa ter mente que todo ato de comunicação necessita de um suporte material para efetivar-se. Falar de “materialidades” a partir deste aspecto (significantes, suportes, meios etc.) parece tocar num aspecto tão óbvio ou já assentado no campo das discussões teóricas que nem parece ser digna de menção. Porém, esta aparente naturalidade parece ocultar aspectos decisivos: em que aspecto as diferentes mídias ou suportes (ou, então, canais) de comunicação alteram o regime de produção e troca de idéias? As mídias não podem ser consideradas apenas como diferentes sistemas de signos através dos quais os significados são transmitidos, de uma forma neutra e isenta de qualquer interferência. Cada mídia e dotada de uma ambivalência fundamental: por um lado transmite conteúdos e, ao mesmo tempo, altera o regime de produção e recepção e interfere nos próprios processos de recepção sentido das mensagens.

terça-feira, julho 31, 2012

A materialidade das produções midiáticas (parte 2): as "acoplagens"

Quais as diferentes “acoplagens” que os receptores têm com as diferentes mídias? Ao longo da história da comunicação, cada mídia criou um diferente regime de recepção (temporal e espacial). Oralidade, manuscrito, escrito até chegarmos ao impresso, cada uma dessas mídias criou uma cultura própria que altera a recepção, assimilação e compreensão de conteúdos. Discos de vinil e CDs foram os últimos representantes da “acoplagem” inaugurada pela cultura tipográfica que será desmaterializada pela cultura digital do mp3.

Sendo as materialidades da comunicação “a totalidade dos fenômenos que contribuem para a constituição do sentido sem serem, eles próprios, sentido”[1], vamos fazer uma breve análise de como os diferentes suportes (indiciais, icônicos e simbólicos) produzem distintas formas de interações ou “acoplagens” entre o usuário e a mídia, alterando os regimes de produção de sentido: as relações entre enunciado e enunciação, a natureza do discurso e a própria experiência temporal. Isso poderá ser mais drasticamente observado na passagem das mídias icônicas para as simbólicas, ou seja, dos processos de inscrição analógicos para as digitais. Aqui, novamente, poderemos constatar a crise das noções de referência, tempo e totalidade descritas por Gumbrecht.

segunda-feira, julho 30, 2012

A materialidade das Produções midiáticas (parte 3): as desreferencializações

Imagine uma pessoa chegando a um restaurante. Ela pede o cardápio e começa a comer os signos dos pratos (as fotos) ao invés dos referentes (as comidas que são representadas no cardápio). Pois algo parecido ocorre nas mídias eletrônicas e digitais: passamos a tomar ícones, imagens e a própria tela como fosse o próprio real e não mais uma representação, como tínhams consciência nas mídas anteriores. O resultado é que nas novas tecnologias paradoxalmente as mídias atuias retornarão a muitas características das formas presenciais e orais de comunicação. As consequências encontraremos em diversos gêneros televisivos e digitais.


Como afirmamos na postagem anterior (veja links abaixo), a produção imagética eletrônica e digital, aparentemente icônica, podemos classificá-las como simbólicas. Se o signo simbólico caracteriza-se pelo corte semiótico, ou seja, a transferência da coisa para o signo, a autonomia e o desligamento do mundo significante, encontramos esta característica nas mídias das novas tecnologias. A relação contígua com objeto presente tanto na fotografia como no cinema desaparece nas tecnologias eletrônicas e digitais. O objeto é trans-codificado ou transcrito para a cadeia algorítmica dos significantes digitais. 

Aqui não encontramos nem a contigüidade e nem a similaridade icônica. Cores, tonalidades, luzes e sombras são convertidas para CDs e discos rígidos em seqüências de dígitos ou algoritmos. Temos a relação semiótica arbitrária dos símbolos com os traços sensíveis do objeto. Abertos estes arquivos numa tela de computador, temos a simulação de uma imagem a partir de uma matriz numérica.

Mesmo na TV temos a simulação através do bombardeio de raios catódicos nos pixels do tubo de imagem, originados a partir do sinal hertziano proveniente do rastreio eletrônico de uma imagem contiguamente criada na câmera dentro do estúdio. Tanto nas mídias eletrônicas como digitais temos a recriação ou transcrição do objeto, seja em pixels ou em algoritmos. Esta categoria de simulação é central para compreendermos a natureza crítica das novas tecnologias de comunicação.

sexta-feira, dezembro 16, 2011

Segundo Aniversário do Blog "Cinema Secreto: Cinegnose" - um resumo

Esse mês o blog "Cinema Secreto: Cinegnose" comemora o segundo aniversário. Desde o início seu desafio foi divulgar de forma concisa, didática e compreensível discussões do grupo de pesquisas CNPQ "Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual" e dar continuidade ao projeto de mestrado "Cinegnose" da Universidade Anhembi Morumbi (UAM-São Paulo). Encerramos esse ano atingindo um objetivo: trazer as discussões do Gnosticismo para o cotidiano: o fílmico, o político, o econômico e o cultural.


No dia 8 de dezembro de 2009 era publicado o primeiro post do blog “Cinema Secreto: Cinegnose”: “O Filme Gnóstico: uma Introdução”. O Blog é uma continuidade do projeto de mestrado desenvolvido na Universidade Anhembi Morumbi entre 2007 e 2009 “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na recente produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005)” sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Antônio Vadico e do Grupo de Pesquisa CNPQ “Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual”.

A principal preocupação editorial do Blog nesse segundo ano foi a de trazer para a prática as reflexões da filosofia gnóstica. Depois do primeiro ano onde a preocupação inicial era amadurecer os principais pontos filosóficos, teológicos e cosmológicos do Gnosticismo, além de dar aos leitores a sua dimensão histórica (origem, evolução e, principalmente, o atual “revival” na indústria do entretenimento), nesse segundo ano procuramos dar uma linha menos “doutrinária”.

Percebíamos na oportunidade que o termo “gnosticismo” estava carregado de uma percepção religiosa, sectária ou doutrinária. A filosofia gnóstica pode ser tudo, menos isso: pelo contrário, ao sustentar posições heréticas e anti-religiosas por oferecer uma compreensão “invertida” e teologicamente “negativa”, o Gnosticismo se situa historicamente numa posição underground de rebelião.

Nesse segundo ano, portanto, o blog procurou seguir duas linhas editoriais: primeiro, uma massiva análise fílmica indo para além dos clássicos filmes gnósticos na área sci fi, fantástico etc. Procuramos demonstrar que as narrativas míticas e arquétipos gnósticos estão presentes em diversos gêneros, desde dramas ou animações hollywoodianos (“O Paraíso é logo Ali” ou “Kung Fu Panda”, filmes “trashs” e indepentes (“Ultrachrist” e “Rubber, o Pneu Assassino”) e produções audiovisuais (Mister Maker: o sabor gnóstico para crianças).

domingo, novembro 28, 2010

Cartografias e Topografias da Mente no VI Encontro Científico da Universidade Anhembi Morumbi

Abaixo um resumo da apresentação dos resultados iniciais e das primeira hipóteses da pesquisa "Cartografias e Topografias da Mente" dentro do VI Encontro Científico e de Iniciação Científica da Universidade Anhembi Morumbi realizado na última sexta-feira. Se o cinema representa o imaginário social de uma determinada sociedade e de uma determinada época, o cinema atual reflete uma agenda tecnocientífica marcada pelo impacto das Neurociências e Ciências Cognitivas. Essa agenda tecnocientífica perpassa hoje a Internet com o frenesi das pessoas, espontaneamente, quererem registrar sua experiências privadas por meio de "lifestreams", life-trackings" "inner geographies" e toda uma gama de cartografias da vida mental.

Quem acompanha a evolução temática das postagens do Blog "Cinema Secreto: Cinegnose", percebe que, em diversas análises de filmes, identificamos a recorrência de argumentos, ideias e narrativas que refletem o que chamamos de agenda tecnognóstica. 

domingo, maio 09, 2010

Grupo de Pesquisas da UAM discute a "materialidade das imagens"

A ruptura do paradigma tecnológico no cinema atual (a ruptura com o referencial "realista" do dispositivo cinematográfico com as tecnologias digitais) proporciona a "materialização" de todo o imaginário mítico ou arquetípico humano diante de nossos olhos. Qual a implicação disso na experiência da gnose no Cinema? Esse foi o principal tema discutido na reunião do Grupo de Pesquisa sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM)

Neste último sábado (08/05) continuei a apresentar os resultados das minhas pesquisas sobre o tema Cinema e Gnosticismo dentro da programação de Seminários Avançados do Grupo de Pesquisas sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM). Participaram do encontro o Prof. Dr. Luiz Vadico, a profa. Celina Paiva, Profa. Ilca Moya e Karyna Berenguer.

Basicamente a apresentação expôs o tema das últimas postagens desse blog: O porquê o cinema gnóstico ser uma tendência norte-americana e hipóteses para explicar o Gnosticismo em Hollywood (clique aqui para ler). A hipótese do “Sincromisticismo”, proposta por Jason Horsley (“The Secret Life of Movies: Schizophrenic and Shamanic Journeys in American Cinema”), proporcionou as maiores discussões. Horsley faz um mapeamento da esquizofrenia e paranóia no cinema norte-americano, procurando entender como o cinema pode ser visto como um diagnóstico de uma sociedade igualmente paranóica e esquizofrênica. Mais do que um diagnóstico, o cinema poderia possibilitar “jornadas xamânicas”, a possibilidade de o espectador experimentar um estado alterado de consciência, vivenciando simultaneamente lugares diferentes (a experiência do 3D poderia ser um exemplo disso). Explicando melhor, se a vida é mito (negada pela racionalização da sociedade), a única forma de compreender a própria realidade seria por meio de uma “jornada xamânica” (gnose) atraavés de narrativas fílmicas esquizos e paranóicas.

O Prof. Dr. Luiz Vadico propôs um interessante fator complicador para essa hipótese, ao sugerir que na atualidade está ocorrendo uma profunda alteração no próprio dispositivo cinematográfico: com a evolução dos recursos digitais, croma key etc., progressivamente o cinema ou a própria câmera estão se desconectando da realidade. Se no passado, o dispositivo cinematográfico partia do objeto real (atores, cenografia, iluminação etc.), hoje, cada vez mais, prescinde de um referencial “realista”. Todos os recursos digitais de edição, montagem, efeitos especiais, na medida em que se virtualizam, estão cada vez mais materializando o imaginário (mitologia, fantasias etc.). O espectador tem, à sua frente, a transformação em imagens de todos os mitos, sonhos e fantasias. Se para o Gnosticismo o processo da gnose é a ascese, ou seja, a elevação a partir da condição somática, como ficaria essa possibilidade com a materialização do próprio imaginário por meio das imagens? Se a “vida secreta” do cinema é o mito (o sub-texto do roteiro), não teríamos hoje a concreção dessa dimensão mítica? O virtual estaria se tornando atual? Voar sem asas, tomar banho em cachoeiras de chocolate realizam-se diante dos nossos olhos, sem uma disciplina ascética, sem qualquer experiência mística ou estado alterado de consciência.

Desde movimentos artísticos como o Surrealismo ou o Expressionismo Alemão, procura-se materializar, diante dos nossos olhos, sonhos, mitos e pesadelos. No caso do Expressionismo Alemão, seus artífices tiveram à época todo o know how resultante das experiências em edição, montagem para produzir densas atmosferas de pesadelo e paranóia. É claro, que na atualidade as novas tecnologias rompem com o velho paradigma cinematográfico (o referente real e a película) para produzir imagens míticas muito mais “verossímeis”, com a imersão do próprio espectador nelas. Talvez estejamos diante de mais um exemplo do “atalho para Satori” (na expressão de Theodore Roszak), motivação secreta do tecnognosticismo: por meio das novas tecnologias computacionais alcançar a gnose sem a necessidade da ascese (em termos alquímicos, sem a necessidade de redimir a matéria, simplesmente descartando-a).

Se Horsley observou todo um movimento de reação dentro do cinema hollywoodiano em criar plots racionalizantes nos roteiros para confinar as experiências fílmicas esquizos e xamânicas dentro de limites politicamente seguros, talvez essa tecnologização tecnognóstica da experiência cinematográfica seja mais um movimento racionalizante e de confinamento da experiência do sagrado. As próprias tecnologias dos efeitos especiais tornam-se o marketing promocional do próprio filme. É a fetichização da técnica. Como em Avatar ou Titanic, o filme é promovido muito menos pelas qualidades artísticas do roteiro ou narrativa (aliás fracos) e muitos mais pelos making offs dos efeitos especiais e das novas tecnologias empregadas e, principalmente, dos custos astronômicos envolvidos (sempre ouvimos falar em “filmes mais caros da história”).

Os aspectos místicos ou metafísicos da experiência são colocados em segundo plano pelas crifras astronômicas e pelas façanhas da indústria e da tecnologia.

O próximo encontro do grupo será no dia 05 de junho com a apresentação do seminário da Profa. Ilca Moya sobre a sua pesquisa sobre as relações entre o Sexo e o Sagrado.

segunda-feira, abril 19, 2010

Reunião do Grupo de Pesquisas da UAM discute relações entre Gnosticismo e Cinema

No seminário avançado na última reunião do Grupo de Pesquisas sobre Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM) aprofundou-se as discussões em torno da recorrência de elementos gnósticos na recente produção cinematográfica. Foi abordado desde a natureza do Sagrado na experiência da gnose presente nas narrativas fílmicas até a experiência tecnognóstica propiciada pela introdução do 3D no dispositivo cinematográfico.

Dando continuidade aos seminários avançados do grupo de pesquisas sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, apresentei os resultados das minhas pesquisas sobre Cinema e Gnosticismo. Participaram das intensas discussões do seminário na tarde do último sábado (17/04) o Prof. Dr. Luiz Vadico (professor do Mestrado da UAM), a Profa. Ilca Moya da UAM e Geraldo de Lima (Mestre pela UAM).

A apresentação se iniciou com a minha proposta sobre a busca pela “Negatividade do Sagrado”, já discutido em postagens anteriores neste blog (clique aqui para ler sobre o conceito de “negatividade do sagrado”). A partir da tese de doutorado de Eduardo Losso “Teologia Negativa e Adorno – a secularização da mística na arte moderna” (Faculdade de Letras da Universidade federal do RJ) onde se discute as diferenças entre Teologia Positiva, Teologia Negativa e Metafísica dentro do pensamento de Theodor Adorno, procurei traçar o gnosticismo como uma Teologia Negativa ou herética e como essa natureza se manifesta no filme gnóstico.

O primeiro aspecto é a diferença entre gnose e auto-conhecimento (tal como preconizado pela literatura de auto-ajuda) nos filmes gnósticos. Embora possamos qualificar a gnose como uma “reforma íntima” do protagonista, não se confunde com o auto-conhecimento. Enquanto a gnose se origina na Teologia Negativa (onde o indivíduo não se submete à Totalidade mas rompe com essa ordem criada pelo Demiurgo), ao contrário, o auto-conhecimento busca inserir o indivíduo numa totalidade racionalizante e confortadora (seja religiosa ou científica). Essa é a Teologia Positiva onde a verdade está na Totalidade e não na existência individual. Por isso, esse discurso da auto-ajuda ou New Age (“Somos todos um”) se converteria numa falsa experiência do sagrado, porque totalitária: o sagrado como uma percepção intuitiva do Todo. Diferente desse ideário, a gnose é a percepção intuitiva de uma ausência de sentido no Todo, porque constructu arbitrário e corrompido de um Demiurgo (o reality show de Show de Truman ou o mundo virtual da Matrix).

O segundo aspecto está na construção narrativa dos filmes gnósticos onde não há restabelecimento da ordem: nos filmes gnósticos o protagonista não é punido pela transgressão da ordem. Ao contrário das exigências decorrentes dos gêneros comerciais onde o clichê de quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem é dominante, no filme gnóstico a quebra da ordem não é punida, isto é, não há um restabelecimento da ordem (seja social, política, institucional, familiar, moral ou pessoal) com a punição das pretensões de ruptura das ilusões da realidade material.

Filmes 3D, Imersão e estado de suspensão gnóstica

Vadico propôs se os recursos digitais e do 3D no cinema estariam introduzindo não apenas a alteração da relação do público com o filme (de espectador passivo a uma relação de jogo) mas de criar uma experiência gnóstica de transcendência do corpo ao simular uma situação de imersão. Teríamos, dessa forma, a alteração não apenas da recepção como também do próprio dispositivo cinematográfico.

Para mim, essa aproximação das inovações tecnológicas do dispositivo cinematográfico e uma experiência espiritual tecnognóstica lembra o estado de “suspensão” de Basilides (filósofo gnóstico de Alexandria - 117-138 DC- possivelmente originário de Antioquia). Para ele, a gnose somente poderia ser buscada por um específico estado alterado de consciência: o silêncio, o esvaziamento da mente de todo ou qualquer pensamento pois a linguagem e o conhecimento são fontes de erro (Deus é inapreensível e icogniscível) e o estado mental de suspensão. Essa hipótese tecnognóstica no dispositivo cinematográfico mostrou-se interessante nas discussões, pois se associou ao personagem gnóstico do Viajante. A simulação de imersão do espactador no filme lembra um estado de suspensão (entre o corpo físico e a narrativa fílmica, isto é, o espectador tem a sensação de estar sendo impelido para uma outra dimensão sensorial mas, ao mesmo tempo, sabe estar em uma situação ficcional).

Como vimos em postagens anterioras desse blog a respeito dos protagonistas nos filmes gnósticos (clique aqui para ler), essas são características do personagem Viajante e o tema é “O Jogo”. Se a experiência de imersão do 3 D cria uma relação de jogo entre espectador e narrativa fílmica, estaríamos diante de uma tendência onde o filme gnóstico (como Avatar, por exemplo) estaria explorando a recorrência de elementos do gnosticismo não apenas na narrativa, mas, inclusive, na relação do público com o dispositivo ao simular estados alterados de consciência tecnognósticas.

Isso suscitou outra questão: qual o sentido dessa experiência “tecnognóstica”? É uma verdadeira experiência de gnose ou de sagrado? Isso levou a lembrar das críticas de autores como Erick Felinto e Theodore Roszak (veja de Felinto o livro “Religião das Máquinas” e de Roszak o livro , “From Satori to Silicon Valley: San Francisco and the American Counterculture”) fazem dessa aproximação paradoxal entre novas tecnologias e o impulso místico do Gnosticismo. Roszak, ironicamente, afirma que a tecnologia seria um “atalho para Satori”, um atalho para mais rapidamente alcançar o descarte da existência física do corpo.

Lembrei que devemos diferenciar entre duas vertentes históricas do Gnosticismo, a partir do Gnosticismo clássico do início da era cristã: o Gnosticismo Cabalístico e o Gnosticismo Alquímico. Enquanto o primeiro vê a matéria como disforme, caótica e sem vida própria, necessitando ser organizada e vivificada pelo espírito (e, por esse motivo, encarada como grilhões que confinam a plenitude espiritual), no segundo a matéria não deve ser simplesmente descartada, mas redimida (a manipulação alquímica da matéria tem a ver com o próprio refinamento espiritual). Esse tecnognosticismo cinematográfico se enquadraria nessa busca de um atalho para a gnose, de forma rápida, lúdica e irrefletida. Essas formas tecnognósticas levariam a conseqüências como o solipsismo e a uma liquidação do indivíduo no interior de uma totalidade tecnocientífica.

domingo, março 07, 2010

Grupo de Pesquisas da UAM discute filmes de Mel Gibson

Filmes dirigidos por Mel Gibson, principalmente o polêmico A Paixão de Cristo, buscam uma transcendência religiosa ou filosófica ou são meros reflexos do neo-conservadorismo político e cultural da passada era Bush?
O Grupo de Pesquisas sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual, formado no ano passado na Universidade Anhembi Morumbi (UAM), deu início ao ciclo de seminários avançados. O primeiro componente do grupo a expor suas pesquisas foi Cléver Cardoso T. de Oliveira (estudante de Rádio e TV da UAM e estudante de Filosofia da USP) onde apresentou as conexões entre dois filmes de Mel Gibson (Paixão de Cristo - The Passion of Christ, 2004 e Apocalypto - Apocalypto, 2006) com conceitos do filósofo político teuto-americano Leo Strauss (1899 - 1973).

Autor do livro "Direito Natural e História" é tido por muitos como o pai intelectual de todo o neo-conservadorismo norte-americano e da cúpula de dirigentes do governo Bush e das suas políticas neo-liberais. Sua obra procura combater o relativismo do olhar multiculturalista da antropologia, isto é, através da Razão e do Direito Natural, tenta encontrar um ponto de referência filosófico que permita o estabelecimento de juízos sobre culturas diversas no tempo e no espaço.

Através desse referente, por assim dizer, fixo que pairaria sobre todos os relativismos culturais, poderíamos entrar no interior de uma cultura e participar dela, ao contrário do olhar antropológico ocidental que se distância por meio de uma espécie de “olhar de sobrevôo”.

Para Cléver, os filmes de Mel Gibson A Paixão de Cristo e Apocalypto procuram exatamente isso ao utilizar-se de recursos fílmicos que permitam ao espectador, muito mais do que uma identificação, entrar no corpo do próprio protagonista e personagens.

Recursos como o da linguagem falada nos filmes ser a da própria época retratada (aramaico em Paixão de Cristo e a linguagem maia Yucateco em Apocalypto), um áudio “hiperreal” (sons exageradamente audíveis como a dos instrumentos de flagelo de Cristo utilizados pelos soldados romanos, o ranger da madeira da Cruz sob o peso de Cristo, as flechas que cortam o ar em Apocalypto etc.), os planos de câmera em ponto de vista (como de Cristo que cai quase sem sentidos após ser torturado e vê a todos ao redor de um plano invertido, o ponto de vista das cabeças decepadas que rolam pela escadaria da pirâmide maia, entre outros exemplos analisados por Cleverson.

A discussão ficou em torno dessa questão: será que essa transcendência que Mel Gibson procura no sentido de que nos despojemos do ponto de vista da cultura da atualidade e entremos na cultura daquela época retratada para que possamos fazer um juízo racional (será que os judeus foram os verdadeiros assassinos de Cristo? Será que a vingança do protagonista em Apocalypto foi justa ao defender sua família a fúria sanguinária dos maias) é muito menos religiosa ou filosófica e muito mais reflexo do conservadorismo político da era Bush? Afinal, esse esforço em buscar um D

ireito Natural para além do Direito Positivo que nos permitiria julgar ações no interior de uma dada cultura não seria um discurso que cairia como uma luva para a política internacional de luta contra o “eixo do mal” do governo Bush Jr.? Como, por exemplo, impor a democracia, mesmo que seja à força através do sacrifício de milhares de civis inocentes, a países distantes geográfica e culturalmente.

Em Apocalypto, por exemplo, a cena final do filme (os maias avistando a chegada das caravelas dos conquistadores espanhóis) vai de encontro ao ponto de vista da xenofobia do neo-conservadorismo: a força dos estrangeiros é proporcional ao enfraquecimento moral interno da cultura ocidental (vítima do relativismo e do niilismo). A epígrafe que abre o próprio filme (“Uma grande civilização não é conquistada de fora, até que tenha destruído a si mesma por dentro”) é uma pista para podermos considerar esse filme uma fábula neo-conservadora sobre a política internacional.

Postagens Relacionadas:

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Grupo de Pesquisas sobre Cinema e Audiovisual realiza seu primeiro encontro



O Grupo de Pesquisas sobre Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual, da Universidade Anhembi Morumbi, realizou seu primeiro encontro que definiu as linhas de pesquisa, a sistemática de trabalhos e forma de publicação dos resultados das pesquisas




Realizou-se no dia 06/02 a primeira reunião do Grupo de Pesquisas formado na Universidade Anhembi Morumbi sobre “Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual”. Contou com a participação do Prof. Dr. Luiz Vadico do Programa de Mestrado da Universidade (expondo seu tema sobre o desenvolvimento dos filmes sobre Cristo e o desenvolvimento do conceito de “filme religioso”, da Profa. Ilca Moya da UAM (apresentando sua proposta de estudos sobre as relações entre o Sagrado e o Sexo a partir das idéias de Bataille),da mestranda da UAM Karyna Berenger (expondo sua proposta de aprofundar as relações da religião e do sagrado na obra cinematográfica de Andrei Tarkovsk), do aluno do curso de Rádio e TV da UAM Clever Cardoso Teixeira de Oliveira (que expôs a sua proposta sobre uma ontologia do cinema a partir de Gilles Deleuze e, também, uma discussão teológica a partir de Santo Agostinho e a relação com o cinema de Win Wenders – principalmente “Asas do Desejo”), Marcos Aleksander Brandão (apresentando sua proposta a partir da sua dissertação defendida no mestrado da UAM – “Transtextualidade Remixada em Moulin Rouge” – com a discussão da aceleração das imagens no cinema e o sagrado e o profano, e Wilson Roberto V. Ferreira (expondo as pesquisas em torno do tema Gnosticismo e Cinema e suas relações com a Teologia Negativa em T. Adorno).

Até o final do ano, o grupo de pesquisa pretende reunir o resultado das pesquisas individuais dos componentes em uma coletânea a ser publicada.

Como proposta de sistemática de trabalho, a cada encontro mensal ocorrerá a apresentação de dois seminários com os participantes do Grupo. Para o próximo encontro, dia 06/03, Clever de Oliveira e Wilson Ferreira farão as primeiras exposições e discussões dentro do programa de seminários.

Postagens relacionadas:

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Criado na UAM Grupo de Pesquisas "Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual"


Grupo de Pesquisas da Universidade Anhembi Morumbi objetiva ampliar, incentivar e divulgar a pesquisa na área.


O grupo dedica-se ao estudo das diferentes manifestações da Religião e do Sagrado no cinema e no audiovisual. O objetivo é compreender a forma como as diversas práticas religiosas lidaram e se apropriaram dos meios de comunicação, bem como buscar entender a experiência que permite a sobrevivência de fragmentos do discurso religioso, e do sagrado, na contemporaneidade. Essa compreensão passa pela busca de novos métodos de análise que permitam disponibilizar maneiras adequadas a todos os pesquisadores para lidarem e reconhecerem as várias facetas dos veios religiosos. Formam o grupo os seguintes pesquisadores:

Linha 1:

  • Celina Paiva: Busca compreender as múltiplas facetas da violência contemporânea e o sagrado.

  • Ilca Moya: Pretende aprofundas os estudos nas relações entre Sexo e Sagrado.

  • Geraldo de Lima: aprofunda suas pesquisas no campo dos mundos paralelos e examina os mundos propostos pelo sagrado.

  • Karyna Berenguer: aprofunda as relações do sagrado e da religião na obra de Andrei Tarkovsk.

  • Wilson Ferreira: Aborda a questão do Gnosticismo no cinema Contemporâneo.

Linha 2:


  • Angelúcia Habert: seu último trabalho analisava os gestos das benzedeiras no documentário de Andréia Tonacci. Situando-se nas relações antropológicas do tema.

  • Luiz Vadico: Estuda estética, narratividade e formação dos Filmes de Cristo, e desenvolve trabalho com o Campo do Filme Religioso.

  • Daniel Paes: Verifica a influência Católica no Cinema através das Revistas de Crítica cinematográfica mantida pelas instituições religiosas.

  • Marcos Brandão: aprofunda o tema da redenção e do sacrifício e as suas influências estéticas e narrativas nos musicais.

  • Miguel Serpa Pereira: Aprofunda as discussões relativas ao Cinema praticado por cineastas cristãos.
Leia mais no Blog "Luiz Vadico - Religião e Audiovisual"

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review