sexta-feira, junho 21, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se o demônio existe, ele está na intersecção desses mundos: a pregação evangélica combinada com técnicas de vendas e coaching “ontológico”. O argentino Maximiliano Cositorto conseguiu isso e criou um dos maiores golpes recentes de “Esquema Ponzi”: a plataforma financeira Geração Zoe, uma espécie de Matrix financeira em que os trader lidavam com número irreais, gerando lucro imaginários exorbitantes. O documentário argentino Netflix “O Vendedor de Ilusões: O Caso Geração Zoe” (2024) narra a ascensão e queda de um negócio que prometia ganhos estratosféricos e transformação pessoal coaching. Hoje Cositorto está preso e se diz vítima do sistema que o teria sabotado. Seguindo a pista deixada por Durkheim sobre a função social dos crimes, podemos compreender porque entidades reguladoras parecem fazer vistas grossas ao surgimento desses esquemas. Por contraste, ajuda a ocultar que na verdade toda a financeirização do capitalismo já é um gigantesco Esquema Ponzi.
segunda-feira, fevereiro 26, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como um título em português pode estragar a exata compreensão de um filme! É o caso da produção argentina “Cuando Acecha la Maldad” (2023), de Demián Rugna (“Aterrorizados”), que mereceu em português o título “O Mal que Nos Habita”. Rugna impacta com sua brutalidade anárquica. Principalmente porque rompe com tabus e o cânone do gênero da representação do Mal e da monstruosidade. No filme, o Mal não é mais moral, punindo pecadores de forma exemplar. Mas ontológico, gnóstico. Uma combinação visceral de possessão demoníaca como fenômeno viral e epidemiológico num lugar remoto no interior da Argentina. Ele não nos habita, mas nos cerca e nos espreita. O Mal está na Criação, não em nós. O filme leva essa ideia a uma poderosa metáfora política da Argentina atual.
sábado, janeiro 06, 2024
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Está fazendo 40 anos da estreia da série mexicana “Chaves” (El Chavo Del Ocho) aqui no Brasil Criado por Roberto Gómez Bolaños, falecido em 2014, era apelidado de Chespirito - “Pequeno Shakespeare”. Mas ele sempre esteve muito mais próximo de Stephen King e do escritor francês Camus. Se King dizia que o inferno era a repetição e Camus via no homem moderno atualização do mito de Sísifo, Bolaños vai mixar esses insights em uma pequena vila de pobres e remediados em algum lugar no Distrito Federal do México. Uma galeria de personagens que parecem condenados a repetir seus pecados na eternidade, assim como Sísifo rolava uma pedra montanha acima numa tragédia sem fim. Mas se fosse apenas isso, “Chaves” não seria tão cultuado por tantas gerações. Há algo mais: se por um lado a série revela um sentido auto moralizante onde cada personagem repete "ad aeternum" seus pecados mortais, do outro ninguém demonstra o menor respeito pela Ordem, seja a de Deus ou a do Diabo. A receita de um cult: a ambígua da mistura da culpa com a fúria.
quinta-feira, setembro 21, 2023
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No aniversário de 50 anos do violento golpe militar do Chile (que em 1973 derrubou o governo socialista de Salvador Allende), estão sendo exibidos muitos filmes e documentários sobre aqueles acontecimentos. Mas nada se compara à produção Netflix “O Conde” (El Conde, 2023): Augusto Pinochet, assume a forma de um monstro político, um vampiro centenário condenado a viver para sempre escondido depois de fingir a própria morte, para evitar a punição merecida depois de anos de assassinatos e corrupção. Um fascista-vampiro que passou séculos lutando contra qualquer revolução socialista ou democrática. E uma freira-exorcista decide extirpar o Mal daquele corpo, para livrar o mundo do golpismo diabólico. “O Conde” é um exemplo da estratégia semiótica da “teratopolítica”: demonizar o inimigo político até transformá-lo em uma anormalidade, aberração e perigoso veículo de contágio de ódio e violência. Uma estratégia ambígua que pode despolitizar cenários políticos complexos.
sábado, agosto 26, 2023
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dos cálculos das milhagens do cartão de crédito à cultura dos aplicativos, cada vez mais as métricas estão tomando conta não só da vida pública. Também da privada, como, por exemplo, nos aplicativos de relacionamentos. A comédia argentina da Netflix “Matrimilhas” (Matrimillas, 2022) leva essa tendência às últimas consequências quando um casal tenta salvar o seu casamento em crise. A solução para reacender a chama do relacionamento só poderia ser encontrada em três elementos que compõe o imaginário da classe média atual: a cultura dos aplicativos, as milhagens do cartão de crédito e o negócio das criptomoedas – um App que promete esquentar o amor entre casais através do acúmulo de milhagens na medida em que cada uma satisfaça o parceiro. Através dos algoritmos, o amor se transforma num game interesseiro.
quarta-feira, setembro 07, 2022
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A direita ganhou no plebiscito que recusou a nova constituição para o Chile. Quer entender o porquê? Então assista ou reveja o filme “No” (2012) – indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2013. Um filme sobre outro plebiscito chileno, trinta e quatro anos atrás, no qual o país decidiria se o General Augusto Pinochet permaneceria mais nove anos no poder, estendendo a ditadura militar. Um filme sobre a campanha de propaganda do “Não” que enfrentou vitoriosamente a campanha de desinformação do “Sim”, mostrando que o “hype” das fake news não é nenhuma novidade. Porém, o que torna as estratégias nas redes digitais mais letais do que a propaganda política do passado é sua contaminação semiótica de natureza metonímica, exponencial, em tempo real – muito além da velocidade processual da Justiça e das legislações. Às vésperas das eleições brasileiras, a esquerda deve se precaver: será que o gato está subindo no telhado?
quarta-feira, janeiro 26, 2022
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No pôster promocional vemos um personagem emulando o célebre gesto Thelêmico do bruxo Aleister Crowley. E o título do filme argentino da Netflix, estreia em longas do diretor Cristian Ponce (conhecido pela web série “Frequência Kirlian”), é instigante: “A História do Oculto” (2020). Uma espécie de mix entre o clássico “Todos os Homens do Presidente” (1976) com bruxaria: um thriller de terror político-paranormal. Mas o filme vai além do clichê de sociedades secretas controlando candidatos manchurianos. Estende o conceito de magia à tecnologia e meios de comunicação, capazes de criar falsas realidades “mágicas”. Um grupo de jornalistas e produtores corre contra o tempo para colocar no ar, em um talk show, provas que podem derrubar o presidente da Argentina: as suas conexões com uma confraria de bruxos e fundadores de uma corporação beneficiada pelo governo.
quinta-feira, agosto 26, 2021
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quando falamos em ditaduras, logo imaginamos um governo totalitário que suspende as liberdades individuais e o Estado de Direito mantendo uma nação subjugada por um forte aparato repressivo policial e militar. Essa é uma ditadura clássica, mas não perfeita, porque ainda necessita do terror, violência e censura e a mídia é o seu maior inimigo. No filme mexicano “A Ditadura Perfeita” (“La Dictadura Perfecta”, 2014, disponível na Netflix) encontramos o estado da arte de uma ditadura híbrida e perfeita, sob o véu da democracia formal, fundada na relação promíscua entre grande mídia, políticos, narcotráfico e Forças Armadas. Uma sátira mordaz da política do México na qual a gestão dos meios de comunicação e dos escândalos de corrupção fazem eleger qualquer presidente que a aliança narco-militar-midiática queira. Ser o leitor encontrar no filme qualquer semelhança com a realidade política brasileira NÃO é mera coincidência.
quarta-feira, junho 16, 2021
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A crítica especializada brasileira simplesmente não entendeu o filme mexicano “Nova Ordem” (Nuevo Orden, 2020, disponível na Amazon Prime Video) de Michel Franco. Será que o filme descreve uma revolução? Um golpe militar? Algum fenômeno distópico como em “Uma Noite de Crime”? “Um filme que não decide qual discurso seguir”, sentencia a crítica. Ambientado em um futuro próximo, no México, vemos uma sociedade com divisões profundas entre classes sociais que, em questão de minutos, vai da ordem ao caos: a Cidade do México é sacudida por saques, violência e mortes onde massas de miseráveis invadem os bairros de elite para matar e roubar. O problema para a crítica é que Michel Franco descreve de forma seca e brutal não um golpe militar latino-americano clássico (quarteladas clichês no cinema, com generais ao estilo sargento Garcia, de “Zorro”), mas uma PsyOp militar operada como guerra híbrida que explora o demasiado humano: ódio, ressentimento e revolta. Qualquer semelhança com o Brasil NÃO é mera coincidência.
terça-feira, março 30, 2021
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que tem a ver tatuagens e HQs com uma invasão alienígena através do hackeamento das transmissões de celulares e mídias de massa? A nossa própria pele, porque ela se tornou mais uma forma midiática de tela na cultura tattoo, através da qual queremos nos auto-expressar. Esse é a analogia que a estranha animação argentina “Lava” (2019) pretende fazer ao acompanhar uma bizarra invasão de gatos, serpentes e bruxas gigantes na cidade de Buenos Aires. E tudo começa com uma transmissão hipnótica nas telas de celulares e TVs. “Lava” acompanha essa invasão numa atmosfera lisérgica e onírica com uma crítica social: a obsessão da humanidade pelas mídias e como os dispositivos absorvem totalmente nossa atenção.
terça-feira, agosto 18, 2020
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme argentino “Um Amor Inesperado” ("El Amor Menos Pensado", 2018) aparentemente é mais uma comédia romântica, um subgênero marcado por clichês e personagens estereotipados. Mas essa produção mostra que ainda é possível fazer uma comédia romântica sofisticada para adultos. Quando o filho único deixa a casa para estudar na Espanha, seus pais chegam à conclusão que o único motivo para estarem juntos se foi. Síndrome do ninho vazio? O filme vai além das situações tragicômicas de um casal recém-separado em desventuras amorosas: coloca em questão como o esvaziamento da função de elo geracional dos pais potencializa duas facetas da condição humana: a angústia existencial e a intransitividade do desejo e do amor.
terça-feira, junho 25, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como todo bom
filme de terror não falado em inglês, logo Hollywood se interessa rapidamente
em fazer um remake. É o caso da produção argentina “Aterrorizados”
(“Aterrados”, 2017) na qual acompanhamos o que poderiam ser espíritos e
fenômenos poltergeist infernizando a vida dos vivos. Mas agora, não é uma casa
mal-assombrada. É uma rua inteira em uma tranquila rua de classe média de Buenos
Aires. E não o mal como aparentemente conhecemos: surge de ralos, canos e
fendas de paredes. O filme joga com uma interessante metáfora de uma sociedade
que acredita que se eliminar tudo aquilo que é incômodo, ele desaparece. Assim
como quando apertamos o botão da descarga do vaso de um banheiro. Mas o
reprimido retorna numa espécie de “pressuposto da privada”.
terça-feira, abril 16, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No passado Renzo Nervi foi
um pintor bem-sucedido. Hoje, não consegue vender um único quadro. Amargo,
ressentido e à beira da indigência, ele recebe a ajuda de um amigo marchand
dedicado a lucrar com a arte alheia. Até que um inesperado acidente proporciona
a oportunidade inédita (e ilegal) de ganhar dinheiro em um mercado de arte onde
o luxo e o esnobismo concorre com o artifício e a mentira.No filme argentino “Minha
Obra-Prima” (“Mi Obra Maestra”, 2018) acompanhamos uma comédia farsesca de
humor negro que apresenta o destino da arte no mundo pós-moderno: a simulação -
simular o valor de uma obra como se fosse puramente artística, quando na
verdade é tão vazia quanto um suspiro. Não se trata mais, como no passado, de
dissimular a falsidade. Mas agora de simular qualquer vocação artística.
Theodor Adorno acreditava
que a arte continha a alteridade e a transcendência. Como obra do espírito, a
arte tendencialmente pretenderia ultrapassar a si mesma, criando uma tensão com
a sociedade e o próprio espírito – a negação do Todo, social, político,
econômico etc.
Como músico que era, além de
filósofo (Adorno tocava violino), via essa natureza transcendente da arte na
“Música Nova” – a música atonal de Schoenberg e o serialismo da nova música
erudita como alternativa à integração da cultura de massas e Indústria
Cultural.
Mas os tempos pós-modernos
do pós-guerra integraram toda qualquer pretensão de “alteridade” ou “tensão” da
arte: virou “intervenção” ou “performance” em exposições que se transformaram
em “instalações artísticas”. Artistas “incompreendidos” ou “rebeldes” passaram
a ter cotação no mercado, assessorados por “marchands” e donos de galerias de
arte.
Então, o que é arte? Qual a
diferença entre um quadro e um pôster publicitário? Ou entre a cópia e o
original, já que tudo é “commoditie”, reprodução, cópia? Filmes como Cópia Fiel (2010) ou Velvet Buzzsaw (2019) são exemplos
cinematográficos dessa desconstrução pós-moderna da arte, ao reduzi-la à
ilusão, simulação, artifício, mentira.
Por isso, nada melhor do que
assistir à comédia argentina farsesca e de humor negro Minha Obra-Prima (Mi Obra
Maestra, 2018) sobre Renzo Nervi (Luis Brandoni), um pintor que já foi
bem-sucedido nos anos 1980 em Buenos Aires, mas hoje não consegue vender um
único quadro. Porém, um inesperado acidente proporciona a oportunidade inédita
(e ilegal) de ganhar dinheiro em um mercado de arte onde o luxo e o esnobismo
concorre com o artifício e a mentira.
Minha Obra-Prima continua com a
visão ácida sobre os intelectuais argentinos do filme anterior (El Ciudadano Ilustre) da dupla de
diretores Gastón Duprat e Mariano Cohn: como a burguesia (e principalmente os
novos ricos em busca do verniz cultural) se movem em ambientes artísticos,
voltando a fazer uma dura crítica ao banal na vida cultural.
Mas há também algo
universal, sobre o destino da arte no mundo pós-moderno: como o processo de
valorização do objeto artístico é uma simulação e não uma dissimulação – não se
trata mais de falsificar uma obra assim como se imprime dinheiro falso. Mas
simular o valor de uma obra como se fosse puramente artística, quando na
verdade é tão vazia quanto um suspiro – resultado de um jogo de especulação,
ausente de escrúpulos ou qualquer de qualquer vocação artística.
O Filme
Arturo Silva (Guillermo
Francella) há décadas dedica-se a venda de obras de arte em sua galeria no
Centro de Buenos Aires. Seu único interesse é lucrar com a arte alheia.
Encantador e sempre com um discurso sedutor e persuasivo, desde vários anos mantém
uma amizade com Renzo Nervi (Luis Brandoni) que se encontra nos últimos anos da
sua vida – depois de uma carreira bem-sucedida, há anos não consegue vender uma
única obra.
Sua paixão pela arte acabou
resultando num estilo de vida prá lá de decadente: amargo, cínico, misantropo e
autoindulgente parece que conscientemente prepara sua própria ruína, com um
final a uma morte trágica parecida com os boêmios pintores impressionistas
parisienses.
Os egos, as mesquinhezas e
as misérias desses dois personagens os unem numa estranha amizade. Arturo tenta
impulsionar novamente a carreira de Renzo até que Arturo logra associar-se a
uma influente colecionadora de obras de arte internacional, Dudu (Andrea
Frigerio).
Conseguem para Renzo uma
encomenda para a confecção de um mural. Mas a autoindulgência e orgulho do
pintor decadente falam mais alto: ele jamais aceitou fazer qualquer tela sob
encomenda, como se sua arte fosse um mero produto. Mas estranhamente aceita,
para depois sabotá-la, como mais um ato de protesto autodestrutivo.
Renzo está à beira da
indigência, sustentado pelo seu único aluno, o espanhol Alex (Raúl Arévalo) – um
personagem contrastante, comparado ao cinismo de Renzo e do seu amigo Arturo.
Alex é idealista e admira a arte do autodestrutivo mentor.
“Argentina é um país singular” – Alerta de spoilers à frente
Tudo caminha para o desfecho
inevitável: a morte trágica – Renzo é atropelado por um caminhão depois de
displicentemente atravessar a rua, quase que pedindo para alguém abreviar seu
sofrimento. No hospital, sugere para seu amigo Arturo a eutanásia.
Mas Arturo acaba tendo uma
ideia muito melhor, seguindo seu instinto de especulador da arte alheia – por
que não simular a morte de Renzo? Afinal, Van Gogh só alcançou a fama e suas
obras o valor de milhões de dólares somente após a sua morte!
Com a ajuda da influência
internacional de Dudu, Arturo da um incrível impulso “pós-morte” para as obras
de Renzo – ganha exposições exclusivas em diversas capitais do mundo.
O marchand e o artista
decadente criam o golpe perfeito: Renzo vive isolado numa região remota,
produzindo cópias que emulam seu ápice criativo dos anos 1980. Tudo quadros
“descobertos” em casas de parentes. Enquanto xeiques novos ricos compram lotes
das suas obras a milhões de dólares.
Nível inédito de especulação
artística: na “pós-morte” Renzo faz cópias “falsas” de si mesmo. De um ápice
artístico do passado que só depois da própria morte passa a ter valor de
mercado.
Se no passado a questão da
arte era o confronto entre a cópia e o original artístico (a arte como um signo
que ainda gozava de uma referência ou legitimidade socialmente sancionada),
hoje o valor se desprende do campo da arte para entrar nas estratégias de
simulação – dizer que existe alguma coisa (a morte de um gênio), quando na
verdade só existe o vazio: o blefe.
A partir daí a narrativa
desdobra esse blefe a um nível que, a certa altura, Renzo afirma: “Argentina é
um país singular”.
A simulação como um blefe é
a própria essência da comédia farsesca. Mas a amizade de um marchand com o
artista é a própria definição do blefe pós-moderno na arte, como uma espécie de
“cinismo esclarecido”, termo cunhado pelo filósofo Peter Sloterdijk: o cínico integrado aos seus postos e privilégios (gerentes, executivos,
professores, jornalistas ou artistas) que mantêm um autodistanciamento irônico
e melancólico sobre o que fazem, um sentimento de “inocência perdida”, de
ironizar e depreciar a si mesmo e ao que faz (“é o que tem prá hoje”, dizem),
uma falsa consciência conformista e sem sonhos diante do sistema de onde tira
seus privilégios – leia SLOTERDIJK, Peter. Crítica
da Razão Cínica, Estação Liberdade, 2012.
É a amoralidade e o
pragmatismo de uma comédia farsesca, cujo gênero parece ser uma especialidade do cinema argentino.
Ficha Técnica
Título: Minha Obra-Prima
Diretor: Gastón
Duprat, Mariano Cohn
Roteiro: Andrés Duprat, Gastón Duprat
Elenco:Luis Brandoni, Guillermo Francella, Andrea
Frigerio, Raul Arévalo
sábado, janeiro 19, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O pensador alemão Karl Marx teve que escrever muitas páginas para demonstrar que por trás da racionalidade do Capitalismo existia uma gigantesca fantasmagoria – mercadoria, capital e dinheiro apareciam como entidades-fetiches autônomas aos nossos olhos. Hoje, o Marketing e a Publicidade, sem maiores rodeios, diariamente nos mostram que a gestão corporativa e o discurso publicitário se tornaram análogos a seitas ou cultos. O Capitalismo sempre foi uma religião, mas hoje ele é “pentecostal” – é o “american way of management”. O filme mexicano “Tempo Compartilhado” (“Tiempo Compartido”, 2018) mostra as férias frustradas de uma típica família de classe média que acreditava ser possível comprar o Paraíso a preços módicos em suaves prestações. Um resort internacional esconde um propósito sinistro: transformar tanto seus “colaboradores” como clientes em membros de um tipo de seita messiânica no qual o Paraíso religioso se confunde com o próprio turismo.
sexta-feira, julho 06, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O sonho tecnognóstico por séculos, desde a Teurgia e Alquimia, foi
transcender a matéria – abandonar os nossos corpos como condição para a
verdadeira evolução espiritual. Mas como Santo Irineu de Lyon alertou no século
II, “O que não é assumido não pode ser redimido”. E o sonho milenar pode se
transformar em pesadelo com uma tecnologia que promete a imortalidade: a
consciência digitalizada em “pilhas cervicais” que podem, a qualquer momento,
serem transferidas para qualquer corpo (ou “capa”). Mas isso acabou provocando
uma sociedade tremendamente desigual e violenta. Essa é a série Netflix
“Altered Carbon” (2018-), um cyberpunk-noir que suscita profundas reflexões
teológicas: se pudermos ser ressuscitados após a morte em uma nova “capa”, a
alma persistirá entre os códigos que transcreveram nossa consciência e
memórias? Ou nos transformaremos em “capas” ocas manipuladas por uma elite
amoral? Uma elite que alcançou a verdadeira imortalidade – fazer backups da
própria consciência via satélite.
sábado, março 24, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um filme obrigatório para estudantes de graduação em Comunicação.
Influenciado pelo cinema “noir” e pelo expressionismo alemão do clássico “Metrópolis”,
o diretor argentino Esteban Sapir fez o filme “La Antena” (2007): uma curiosa
estética inspirada no cinema mudo e metalinguagem das histórias em quadrinhos.
Um filme crítico sobre os meios de comunicação, a imaginação e as palavras. Em
uma cidade escura e invernal todos ficaram sem voz. O Sr. TV, dono de um
monopólio televisivo (o Canal 9) tem um malévolo plano para dominar todos os
cidadãos: sequestrar A Voz, a única pessoa que conservou o dom da fala. Para
transformá-la na atração principal da sua emissora enquanto ele arquiteta outro
plano ainda mais sinistro: roubar as palavras, para completar o seu regime de
Telecracia. “La Antena” é uma provocativa metáfora dos monopólios
latino-americanos de comunicação e de como a mídia é usada como arma para
sustentar regimes totalitários.
domingo, dezembro 24, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que há
em comum entre o filme mexicano “Santa Claus” (1959, aka “Santa Claus vs. The
Devil”) e “Star Wars Holiday Special” (1978), o especial de Natal da CBS,
considerado a pior coisa já feita para a TV? Cada uma dessas produções, na sua
época, traduziu o Natal de acordo com o “espírito do tempo”. O primeiro, na
esteira do início da corrida espacial e Guerra Fria EUA e URSS. E o segundo, no
rastro do sucesso do filme de 1977, já antevendo o computador pessoal e compras
e comunicação através da Internet. Contextos tecnológicos e políticos
diferentes que criaram, cada um no seu tempo, formas diferentes de interpretar
os simbolismos natalinos: o primeiro, global; o segundo, cósmico. Mas os
destinos das produções foram diferentes: “Santa Claus” foi um dos filmes
natalinos mais reprisados da TV norte americana; enquanto “Star Wars Holiday
Special” foi renegado pelos atores, fãs e pelo próprio George Lucas: “eu queria
apenas tempo e um martelo para destruir cada cópia”, lamentou.
sábado, dezembro 16, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Será que
na realidade somos como pobres hamsters prisioneiros de uma roda que gira
eternamente sem nos darmos conta da nossa terrível situação?Será que repetimos sempre os mesmos gestos,
em um mesmo cenário, sempre com os mesmos efeitos e as mesmas consequências?
Poderia ser essa a definição de loucura: tentar resultados diferentes repetindo
a mesma rotina? Duas estórias paralelas com personagens presos em loops
espaço-tempo eternos – um grupo em uma escadaria e uma família prisioneira em
uma estrada infinita na qual o sol nunca se põe. Esse é o filme mexicano “El
Incidente” (2014) do jovem diretor Isaac Ezban. Uma ambiciosa ficção científica
metafísica que aproxima as geometrias impossíveis de M.C. Escher com o universo conspiratória de Philip K. Dick, procurando aproximar a hipótese da existência dos mundos
paralelosda cosmogonia dos diversos
“céus” dos antigos gnósticos.
sábado, maio 27, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine um
diretor fascinado pelos filmes e séries sci-fi e de terror B dos anos 1950 como
“Além da Imaginação” que produz um filme com mix da atmosfera dos filmes noir e
do hotel Overloock de “O Iluminado”. O resultado é um filme estranho, fora da
curva dos atuais thrillers de horror. É o filme “Los Parecidos” do diretor
mexicano Isaac Ezban que vem conquistando prêmios no circuito internacional de
festivais do fantástico e do horror. Em uma noite de forte tempestade, em 1968
no México, um grupo fica preso em uma pequena e remota estação rodoviária, à
espera de um ônibus que nunca chega. Estranhas notícias pelo rádio dão conta
que aquele temporal não é comum: o que cai do céu junto com a chuva provoca
estranhas mudanças comportamentais, e suspeita-se de um fenômeno global. O
filme utiliza elementos do fantástico para discutir um tema muito sério: se a
nossa identidade é o resultado do jogo da percepção (o olhar de um para o
outro), como isso pode ser moldado por influências externas? Mídia? Uma
inteligência alienígena? Ou apenas o resultado da paranoia mútua?
quarta-feira, maio 03, 2017
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme argentino “Tiempo Muerto” (2016) é
mais uma incursão do cinema atual no tema da viagem do tempo, mas por um viés
bem particular – loops temporais e paradoxos como obstáculos para a “segunda
chance” que possa alterar a linha do tempo. Inconformado com a morte da sua
esposa, o protagonista contrata um “tempo morto” – um estranho ritual que
envolve xamanismo, ocultismo e fenômenos quânticos. Tempo, psiquismo e memórias
são contínuos que esbarram em um traço da natureza humana: a compulsão a
repetição. Sem conseguirmos seguir em frente, ficamos neuroticamente fixados em
experiências de prazer ou dor no passado, repetindo a cena do trauma. Quem sabe
pensando que um dia o Titanic não afunde.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Coleção Curtas da Semana
Lista semanalmente atualizada com curtas que celebram o Gnóstico, o Estranho e o Surreal
Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>