domingo, abril 29, 2012

Somos todos Estrangeiros no filme "O Homem Que Caiu na Terra"

Um filme desafiador, abstrato e místico de uma época em que diretores idiossincráticos procuravam fazer grandes filmes. “O Homem Que Caiu na Terra” (The Man Who Fell To Earth, 1976) do diretor Nicolas Roeg estrelado por David Bowie é o ápice de uma cena pop onde grandes bandas de rock como Van Der Graaf Generator, Genesis e King Crimson (e o próprio Bowie de personagens musicais como Star Man e Ziggy Stardust) construíam longas suítes místicas e de inspiração ocultista, que expressavam a condição humana do “Estrangeiro”: tal como o protagonista no filme, o homem sente-se nesse mundo como um exilado, um alien que sonha em retornar para o seu verdadeiro lar, mas é desviado dos seus propósitos por meio do poder entorpecedor da TV e do gin.

O personagem do Estrangeiro é um dos temas arquetípicos da nova mitologia pop a partir do pós-guerra: Rebeldes sem causa, “heroin heroes”, punks gritando “no future”, ácido e música techno em “raves” associadas ao “trance” (transe) com conotações espiritualista ou “new age” são representações midiáticas dessa sensação de alienação, estranhamento e deslocamento em relação ao país, família e amigos.

O Estrangeiro é aquele que não se sente em casa em lugar algum. Procura sempre esquecer o seu passado, sua história, o que é. Passa a maior parte do tempo em silêncio, fechado no seu drama, tenso, crispado. Quieto observa o mundo cair em pedaços. 

Esse verdadeiro arquétipo contemporâneo é o núcleo espiritual de toda tendência midiática que explora a melancolia adolescente nas mais variadas tendências em moda, comportamento, filmes e videoclipes: dark, punk, gótico, emo etc.

A cultura pop e o rock’roll irão celebrizar o personagem do estrangeiro, tornando-o o motor da criatividade poética que destila desde as dores do amor incompreendido até o sentimento de estranhamento em um mundo frio e cruel. Dos rebeldes sem causa da década de 1950 aos rebeldes com causas políticas dos anos 1960, o centro espiritual é o mal estar do jovem em uma sociedade que prolonga a adolescência o máximo possível por causa de um mercado de trabalho que não consegue absorver a todos rapidamente. O resultado é um jovem que não é criança e nem adulto, à margem e alheio aos controles sociais.

Mas é na década de 1970 que esse sentimento de estrangeiro ganha suas expressões mais refinadas na cultura pop quando o rock começa a se inspirar no ocultismo e misticismo para criar letras, músicas e marcantes álbuns conceituais. Compositores como Peter Hammil do Van Der Graaf Generator (longas suítes místicas como em “The Plague of the Lighthouse Keepers” onde o homem é comparado a um guardião de um farol perdido no fim do mundo) ou a longa composição de Peter Gabriel do Genesis chamada “Supper is Ready” (todo um lado de um LP) sobre a eterna luta espiritual entre o Bem e o Mal.

sexta-feira, abril 27, 2012

Uma trilogia do Tempo no cinema

O tempo como uma falha cósmica responsável pela inércia e entropia, o tempo como um hipertexto, o tempo como interface para universos paralelos manipulado por uma máquina antiterrorismo e, finalmente, o tempo como uma prisão criada pela ilusão de ralidade de um programa computacional militar. Essas são as diferentes facetas sobre o tempo no cinema em três produções cinematográficas: "O Feitiço do Tempo" (Groundhog Day, 1993), "Déjà Vu" (Déjà Vu, 2006) e "Contra o Tempo" (Source Code, 2010). Nesses três filmes um ponto temático comum: a luta do protagonista em fugir da ilusão da flecha temporal que permita criar um tempo/espaço alternativo e alterar o destino. Mas nem sempre o cinema mostrou a questão do Tempo dessa maneira.


Até a década de 60 temos a visão clássica da viagem no tempo onde apenas podemos testemunhar os eventos do passado e futuro sem poder alterá-los. Podemos até ser mortos, mas jamais conseguiríamos alterar a seta do tempo. Por exemplo, na cultuada série de TV “O Tunel do Tempo” (The Time Tunnel, 1966-67) isso é marcante: os dois protagonistas (Phillip e Doug) tentam alterar eventos do passado, mas, no último momento, fatos providenciais impedem a mudança da História. Seria a providência divina?
A partir da clássica trilogia “De Volta para o Futuro” (Back to The Future, 1985) temos a definitiva mudança dessa concepção clássica do tempo. Podemos voltar ao passado, alterar os fatos para, simultaneamente, alterar o presente. Mais do que isso, em filmes como “O Efeito Borboleta” (The Butterfly Effect, 2004) ou o “O Exterminador do Futuro” (The Terminator, 1984) o tempo transforma-se em um hipertexto onde cada opção cria um futuro ou um passado alternativo, configurando um complexo tempo/espaço com uma série de universos paralelos que, potencialmente, poderiam se tangenciar ou interagirem-se.

quarta-feira, abril 25, 2012

Scorsese faz crítica à cultura das celebridades no filme "O Rei da Comédia"

O filme mais injustiçado da carreira do diretor Martin Scorsese, “O Rei da Comédia” (The King of Comedy, 1983) na época foi um fracasso de bilheteria. Ao contrário da sexualidade e violência de personagens dos filmes anteriores “Taxi Driver” e “Touro Indomável”, o diretor apresentou ao público um Robert De Niro contido e o comediante Jerry Lewis enfadado e amargo. Scorsese mergulha fundo na cultura da celebridade contemporânea ao nos mostrar um fã que vive até o extremo a fantasia de tornar-se um astro da TV. Como? Sequestrando o próprio ídolo. À frente do seu tempo, Scorsese antecipa o atual interesse mórbido pelas celebridades onde elas são mais invejadas do que admiradas. E por trás da inveja escondem-se a solidão e o ressentimento.
O solitário é aquele que tem tempo de sobra para pensar em sua total insatisfação, o infeliz é aquele que jamais terá essa oportunidade. (Alfred Adler)
Para ser feliz, é preciso ser conhecido? Em um mundo atual onde o número de “seguidores” no twitter ou de “amigos” no facebook cada vez mais se torna a medida da própria identidade do indivíduo, parece que sim. Essa medida de felicidade se insere na chamada “cultura da celebridade” onde a vida real acabou misturando-se com categorias do entretenimento como a “fama”, “sucesso”, “desportividade”, “passatempo”, “escapismo” etc.

E a busca dessa celebrização de si mesmo implica em um novo ascetismo, dessa vez mundano: esforço diário em cultivar uma rede de “amigos”, esforços logísticos em criar acontecimentos que atraiam a atenção de todos (e se possível da própria mídia), dedicação e esforço em focar seu pensamento ao sucesso, capacidade em desprezar fatos reais que entrem em contradição com a imagem que o indivíduo quer criar para todos etc. Tudo isso cria uma luta brutal contra si mesmo, em negar a própria solidão e insatisfação através da hiperatividade voltada ao mundo exterior.

O diretor Martin Scorsese vai a fundo nessa espécie de psicologia da moderna cultura da celebridade em “O Rei da Comédia” (The King of Comedy, 1983), um filme árido e doloroso ao representar tão bem a miséria interior de um protagonista que faz de tudo para alcançar a celebridade para escapar de uma vida vazia e infeliz. Depois de Scorsese apresentar personagens repletos de violência e sexualidade nos filmes anteriores “Taxi Driver” (1976) e “Touro Indomável” (1980), em “O Rei da Comédia” vemos personagens agonizando na solidão e raiva, porém, contidos e emocionalmente estéreis. O diretor conseguiu arrancar performances contidas e sutis de um comediante (Jerry Lewis) e um ator (Robert De Niro) que, até então, notabilizaram-se por representar personagens urgentes e intensos.

sábado, abril 21, 2012

Jerry Lewis, o riso e o horror


Todo riso está próximo do horror que o prepara”, disse certa vez Theodor Adorno, destacado membro da chamada escola de Frankfurt, ao homenagear o 75° aniversário do seu amigo Charles Chaplin. Jerry Lewis, legítimo decendente da comédia “slapstick” de Chaplin e Buster Keaton, tornou explícita essa proximidade com o seu projeto de 1972 que hoje tornou-se uma lenda no meio de cinéfilos e pesquisadores: o filme “The Day The Clown Cried” (O Dia em que o Palhaço Chorou), um projeto não concluído, jamais exibido e apenas assistido por um grupo restrito de críticos e produtores hollywoodianos cuja opinião foi unânime na época – “isso é simplesmente errado!”.

Um filme cuja sinopse poderia ser assim resumida: um decadente palhaço de circo — interpretado pelo próprio Jerry Lewis — no começo da Segunda Guerra Mundial, é despedido e preso por zombar de Hitler. Acaba parando em um campo de concentração para presos políticos em Auschwitz. E sendo um palhaço com algum sucesso entre as crianças, ele arranja um trabalho por lá: levar as crianças quietas e comportadas enquanto se divertem com o palhaço, sem suspeitar que estão, na verdade, indo para a câmara de gás.

O roteiro de 164 páginas sobre a estória de um palhaço que leva criança para fornos em Auschwitz virou objeto de lenda, lido e partilhado através de uma rede de cinéfilos pelo mundo. Desde o filme de 1968 de Mel Brooks “Primavera para Hitler”, ninguém do mundo do cinema poderia imaginar que seria possível outra comédia envolvendo a Alemanha nazista.

quinta-feira, abril 19, 2012

O Fascismo Espiritual no filme "Ink"


Uma espécie de organização fascista, os Incubus, habita o plano astral da humanidade, instigando pesadelos relacionados com humilhação e ressentimentos nos humanos no plano físico. Isso faz dois personagens, simultaneamente nos diferentes planos, serem consumidos pela vaidade e orgulho colocando em perigo a alma de uma criança raptada pelos Incubus. Ela será defendida por "Storytellers", guardiões dos bons sonhos. Esse é o filme independente "Ink" (2009) que revoluciona as tradicionais representações do cinema sobre as relações entre os mundos espiritual e físico. Fiel ao moderno hermetismo, o filme mostra a interpenetração entre os dois planos, com consequências que lembram a psicologia do nazi-fascismo tal como discutida por Alfred Adler e Erich Fromm.

domingo, abril 15, 2012

O Homem Diante da Queda no Filme "Dublê de Anjo"

Em plena era dos efeitos especiais digitais no cinema, o indiano Tarsem Singh (veterano diretor de videoclipes e filmes publicitários) resolveu fazer um filme de fantasia baseado unicamente em figurinos, fotografia e locações buscadas em 28 países que acreditamos serem impossíveis. Aparentemente somente poderiam ser imagens geradas em computador.  Mas são reais! Com as escadas infinitas e labirintos sem saída que mais parecem gravuras saídas da imaginação de M.C. Escher, o filme "Dublê de Anjo" (The Fall, 2006) narra a tentiva de suicídio de um amargo dublê de cinema hospitalizado após um acidente em filmagens. A improvável amizade com uma menina de quatro anos cria um mundo imaginário, uma simbólica narrativa da Queda e Redenção humanas.

Tarsem Singh Dhabdwar arriscou quase tudo que tinha para fazer um filme que durante anos ninguém estava disposto a financiar. Tarsem fez muito dinheiro como diretor de filmes publicitários e videoclipes de bandas como Green Day e REM (por exemplo, o videoclip “Losing My Religion”) e via o projeto do filme “Dublê de Anjo” (The Fall, 2006) como a realização de “um sonho de todos no meio publicitário, o de um dia fazer um grande filme”.

Por quatro anos Tarsem capturou imagens de 28 países em locais que, acreditamos, não seriam possíveis. O diretor afirma que não usou computadores para criá-los: eles existem. Planos subaquáticos de um elefante nadando graciosamente enquanto carrega homens nas costas, pátios de palácios construídos a partir de escadas interligadas que parecem ter saído de gravuras de M.C. Escher, uma aldeia agarrada a uma montanha onde os prédios parecem ter sido individualmente pintados em tons sutilmente diferentes de azul.

São imagens surpreendentes porque reais, com detalhes que escapariam até de um artista digital. Diferente do seu filme anterior, “A Cela” (The Cell, 2000), Tarsem decidiu fazer um filme baseado unicamente na fotografia, locações e figurino.

Por isso, o filme é quase impossível de descrevê-lo. Podemos dizer o que acontece, mas não conseguimos transmitir o espanto de como isso acontece. Para um dos produtores do filme, o diretor David Fincher (“O Clube da Luta” e “A Rede Social”), o filme é um cruzamento de “O Mágico de Oz” com Tarkowsky.

sábado, abril 14, 2012

Por Que os Pais Desapareceram do Imaginário Infantil?

Animações para o publico infantil apontam para uma característica recorrente: o desaparecimento dos pais no imaginário infantil. Dos "Flintstones" dos anos 1960 aos atuais "Backyardigans" ou "Charlie e Lola" encontramos o progresssivo desparecimento simbólico e literal dos pais nas narrativas. É o sintoma do anacronismo da família como agência sociaizadora, suplantada pela indústria cultural das celebridades e entretenimento que oferecem modelos mais atraentes de "superpais".

Nessa semana discutia com os alunos do curso de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi algumas ideias da Escola de Frankfurt. Mais precisamente, discutia a atualidade dos famosos “Estudos sobe a Autoridade e a Família” que Theodor Adorno e Max Horkheimer empreenderam na década de 1950. 

Nesses estudos os autores encontraram uma tensão dialética no interior da família no capitalismo tardio: de um lado, a família podia ser vista como a terrível matriz dos mecanismos de internalização da submissão (agência psicológica da sociedade), mas, do outro, a possibilidade de se tornar uma oposição crítica ao Estado Totalitário.

Principalmente no momento atual em que a chamada Indústria Cultural esvazia a autoridade e competência da família, tornando-a um suplemento supérfluo já que toda a indústria das celebridades e entretenimento suplantaram a figura paterna ao oferecer novas figuras de “super-pais” como modelos de internalização da autoridade.

Exatamente nesse momento em que a função de socialização da família desaparece para transformar-se em meras imagens paródicas em filmes publicitários de cereais matinais e margarinas (imagens congeladas de felicidade), a instituição familiar pode tornar-se uma instância “negativa”: libertar a inteira estrutura familiar da sua tradicional função repressiva e “realizar o princípio do amor”, como afirmava Adorno.

sexta-feira, abril 06, 2012

O Sabor Gnóstico dos Muppets

A longevidade dos Muppets, que resistiram à concorrência das modernas animações digitais, parece apontar para uma mudança da sensibilidade infantil em relação aos universos ficcionais: muito mais metalinguística, reflexiva e irônica. A percepção de que a realidade não é mais estável e perene, mas uma construção artificial, plástica, que pode a qualquer momento ser alterada pela força da imaginação. Mas os Muppets parecem atribuir um valor a mais a essa força, um sentido místico.

Nessa Páscoa resolvi inovar. Ao invés de dar ovos de páscoa para meus filhos, resolvi dar dois DVDs clássicos dos Muppets: “Os Muppets: o filme” de 1979 e “Os Muppets Conquistam Nova Iorque” de 1984. Para quem não conhece, a série “Os Muppets” é um universo ficcional criado por Jim Henson que iniciou na TV norte-americana nos anos 1970. A principal característica das narrativas é que os diversos personagens que compõem o universo Muppets (Caco, Miss Piggy, Gonzo, Urso Fozzie etc.) convivem com humanos de uma forma natural. O que já é suficiente produzir uma série de situações cômicas e inusitadas.

Assistimos juntos aos filmes: o primeiro que narra a ascensão dos Muppets, do anonimato de Caco, o Sapo, nos pântanos até o sucesso em Hollywood e o outro onde eles tentam fazer um musical de sucesso na Broadway.

A primeira questão levantada por eles: por que ninguém no mundo humano preocupa-se com o fato de os Muppets serem diferentes dos seres humanos?  A questão levantada chamou-me a atenção de uma espécie de sensibilidade metalinguística ou irônica das crianças contemporâneas em relação aos filmes e animações.

terça-feira, abril 03, 2012

Religião e a Origem do Totalitarismo Moderno

O livro “The New Inquisitions” do professor da Michigan State University Arthur Versluis localiza as origens do Totalitarismo moderno e das práticas de controle do pensamento no século II com a institucionalização da Igreja Católica e o surgimento da ortodoxia que iria identificar heresias e hereges. As primeiras vítimas foram os gnósticos, herdeiros de uma anterior tradição religiosa pluralista. Se no passado os Impérios dominavam exclusivamente recursos naturais e escravos, a partir da Igreja Católica em II DC surge também a necessidade do controle do pensamento, aprimorado até chegar à Inquisição no século XII. Hoje não são mais necessárias câmaras de torturas já que a Internet e redes sociais tornaram os pensamentos mais acessíveis do que nunca.

A institucionalização da Igreja historicamente se fundamentou na ortodoxia que criaria figura do “herege” e a identificação das “heresias”. Mas antes do Cristianismo institucionalizado havia outro modelo bem diferente. 

Olhando para o cristianismo oriental e, mais a leste, para as religiões da Índia, China e Tibet havia toda uma tradição muito mais pluralista: o Hinduísmo abrigava uma variedade de tradições (vedanta, védica, tântrica etc.); o pluralismo chinês onde budismo, taoismo e confucionismo conviviam lado a lado.

No Cristianismo primitivo havia também um modelo pluralista fundamentado nas antigas tradições da Ásia (Platonismo, Hermetismo, misticismo judaico etc.) que foi denominado “Gnosticismo” porque a sua unidade não era dada por uma forma externa – organização burocrática ou histórica – mas por um conhecimento interior, a “gnosis”.


Mas tudo mudou com a institucionalização da Igreja no século II DC: os padres da primeira Igreja como Tertuliano de Cartago pressentiram a necessidade de racionalizar os dogmas da religião através de termos como “ortodoxia” oposta da “heresia”. Pela primeira vez surge a necessidade do controle do pensamento por meio de uma forma de Poder. Além de conquistar terras, escravos e riquezas, pela primeira vez as estratégias políticas de dominação passaram a ter necessidade de reprimir por diversos instrumentos qualquer pensamento divergente da norma. Essa é a origem das modernas formas de Totalitarismo como o fascismo, nazismo até instrumentos contemporâneos da “nova inquisição” como as redes sociais na Internet e teorias conspiratórias como a “illuminatifobia”.

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