terça-feira, março 07, 2017

Curta da Semana: "Night Mayor" - Aurora Boreal, Nikola Tesla e a energia livre


Quando pensamos em Modernidade o que lembramos? Tecnologia, velocidade, capitalismo, urbanidade, eletricidade, o cinema. Um verdadeiro turbilhão para onde somos transportados quando assistimos ao curta “Night Mayor” (2008) do canadense Guy Maddin. Misturando o atual estilo do falso documentário (mockumentary) com a linguagem e fotografia do cinema mudo, Maddin nos conta a história de um inventor bósnio que em 1939 descobriu no Canadá que a Aurora Boreal é na verdade constituída por melodias e imagens. E que poderiam ser transmitidas livremente pelas linhas telefônicas através do “Telemelodium”. Mas o governo não vai gostar muito dessa invenção... O curta é uma pequena obra-prima claramente inspirado no inventor croata Nikola Tesla que pagou com a própria vida uma descoberta feita em 1899 que poderia colocar em risco o Capitalismo: a energia livre.


Guy Maddin é um cineasta canadense muito peculiar: conhecido pela capacidade de fazer filmes que recriam a fotografia e estilo do cinema mudo (em particular o expressionismo alemão), Maddin conseguiu inovar, mesmo numa filmografia que parece sempre homenagear o passado.

Com uma extensa filmografia de curtas e filmes como O Quarto Proibido (2015), Maddin conseguiu criar um estilo nada nostálgico ou vintage, apesar de emular o cinema mudo – há um tom de estranheza, surrealismo, como se misturasse os sci-fis do expressionismo alemão com o cinema surrealista de Buñuel e as atmosferas de sonhos e pesadelos de Salvador Dali.

O curta Night Mayor (2008) é uma pequena obra-prima. Uma espécie de mockumentary em uma velocidade vertiginosa com tomadas curtas, fotografia granulada em preto e branco e ângulos de câmera incomuns. Maddin conta a vida de um imigrante bósnio chamado Nihad Ademi, cientista e empreendedor, que em 1939 no Canadá descobriu que poderia aproveitar a energia da Aurora Boreal que domina os céus do Norte.


Junto com seus filhos, Ademi descobre que a aurora boreal não é apenas uma simples fonte de energia: ela é formada por melodias – o céu toca músicas que eventualmente se transformam em imagens. Ademi então constrói um complexo maquinário para capturar essas melodias e imagens para, mais tarde, também descobrir que pode transmiti-las para todo o país por meio das linhas telefônicas.

Ademi inventa o “Telemelodium” com uma proposta bem nacionalista: “mostrar o Canadá para os canadenses”. Claro que todo esse projeto tecnológico chamará a atenção do governo que enviará ameaçadores agentes para desligar tudo e confiscar a invenção.

Mídia e unificação nacional


O curta Night Mayor reflete um tema bem nacionalista canadense: a unificação de um país que sempre foi marcado por movimentos de províncias separatistas. Mas também aborda dois temas universais: tecnologia e controle político e uma discussão sobre a própria natureza das tecnologias de comunicação.

Ao contrário do vizinho do Sul, os EUA, o Canadá possui vastos espaços preenchidos por uma pequena população. A necessidade de integração sempre foi um problema crucial para o país dividido em diversas províncias com línguas e dialetos diferentes. Por isso, sempre as notícias se espelharam lentamente e, para algumas regiões, nunca chegavam.

Por isso, em muitos aspectos a questão da comunicação no Canadá é parecida com a brasileira: assim como Ademi era obcecado em promover o “canadense novo e moderno” compartilhando as imagens dos céus do país para todos, também no Brasil o papel das redes de comunicação (em particular da Globo) foi criar um novo brasileiro integrado por imagens da modernidade e das telenovelas.


Nudez e alucinações


Mas como o leitor observará no curta, as imagens transmitidas pelo Telemelodium são tão realistas que tornam-se imprevistas, perturbadoras – misto de nudez e alucinações.

O que lembra o primeiro estágio da história da fotografia: por ainda não existir uma cultura da pose, as primeiras fotografias eram tão realistas que assustaram as pessoas. A partir de 1855, na Exposition Universelle de Paris, quando um fotógrafo alemão espantou a multidão ao mostrar versões retocadas de uma mesma foto, a invenção finalmente tornou-se popular. Ironicamente, a fotografia tornou-se popular quando descobriram que ela poderia mentir...


Telemelodium e a energia livre de Nikola Tesla


Mas também Night Mayor flerta com um tema bem político: claramente a saga do inventor Nihad Ademi foi inspirada pelo drama do físico croata Nikola Tesla. No curta, Ademi fala em “colher o éter” para sintetizar sua invenção. Assim como Ademi, Tesla descobriu em 1899 a energia livre. Enganando seus financiadores (Westinghouse e JP Morgan), Tesla dizia que a torre que construía em Colorado Springs, EUA, era para a transmissão de rádio mundial – o que daria para os financiadores o monopólio das comunicações.

Mas na verdade Nikola Tesla queria estudar o “éter luminífero” e a transmissão de energia gratuita para todo o planeta, sem mais fios, tomadas ou torres de transmissão – Tesla descobriu que o planeta inteiro era um gigantesco transmissor de energia proveniente do éter.

Não é necessário muito esforço para entender o porquê dos financiadores, após descobrirem os verdadeiros propósitos de Tesla, terem destruído a vida do inventor e, após sua morte, o governo dos EUA ter confiscado todos os seus escritos -  com a energia livre seria o fim do próprio capitalismo – mais sobre Nikola Tesla clique aqui.


O analógico e o digital

Mas há também uma outra questão sobre a própria natureza e sentido da evolução das tecnologias de comunicação: a natureza da diferença entre o analógico e o digital.

Linhas telefônicas e um aparelho de TV, por assim dizer, “natural”, capturando e transmitindo sons e imagens análogos à fonte: o éter. Na essência, assim pode descrita a tecnologia digital: do negativo fotográfico ao impulso elétrico telefônico e as ondas da TV, o sinal tenta imitar analogamente a fonte - luzes e sons.

Na fotografia o grão da luz é capturado pela câmera para depois ser convertida em imagem na revelação; e os impulsos elétricos e as ondas eletromagnéticas acompanham as frequências da luz.

O fascínio nostálgico pós-moderno por discos de vinil, fotografias pb e o primeiro cinema vem dessa percepção que o analógico está mais próximo da própria natureza do real. Enquanto a tecnologia digital se afasta porque não quer ser análoga ao real: quer transcodificar em 0/1. E para quê? Para facilitar transmissão e estocagem de dados, função puramente econômica e distante do reino qualitativo da estética, arte e intuição.

Certamente o “Telemelodium” de Guy Maddin seria impossível na atual tecnologia digital: os sons e imagens da aurora boreal transcodificados se tornariam sintéticos, com definição pobre em arquivos mp3, Flac, mp4 ou mkv – sons e imagens fragmentados em bites, cópia empobrecida de um mundo qualitativo.

Assista ao curta abaixo - legenda disponível em inglês em "CC".

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