Quando pensamos em Modernidade o que lembramos? Tecnologia, velocidade, capitalismo, urbanidade, eletricidade, o cinema. Um verdadeiro turbilhão para onde somos transportados quando assistimos ao curta “Night Mayor” (2008) do canadense Guy Maddin. Misturando o atual estilo do falso documentário (mockumentary) com a linguagem e fotografia do cinema mudo, Maddin nos conta a história de um inventor bósnio que em 1939 descobriu no Canadá que a Aurora Boreal é na verdade constituída por melodias e imagens. E que poderiam ser transmitidas livremente pelas linhas telefônicas através do “Telemelodium”. Mas o governo não vai gostar muito dessa invenção... O curta é uma pequena obra-prima claramente inspirado no inventor croata Nikola Tesla que pagou com a própria vida uma descoberta feita em 1899 que poderia colocar em risco o Capitalismo: a energia livre.
Guy Maddin é um cineasta canadense muito
peculiar: conhecido pela capacidade de fazer filmes que recriam a fotografia e
estilo do cinema mudo (em particular o expressionismo alemão), Maddin conseguiu
inovar, mesmo numa filmografia que parece sempre homenagear o passado.
Com uma extensa filmografia de
curtas e filmes como O Quarto Proibido
(2015), Maddin conseguiu criar um estilo nada nostálgico ou vintage, apesar de
emular o cinema mudo – há um tom de estranheza, surrealismo, como se misturasse
os sci-fis do expressionismo alemão com o cinema surrealista de Buñuel e as
atmosferas de sonhos e pesadelos de Salvador Dali.
O curta Night Mayor (2008) é uma pequena obra-prima. Uma espécie de
mockumentary em uma velocidade vertiginosa com tomadas curtas, fotografia
granulada em preto e branco e ângulos de câmera incomuns. Maddin conta a vida
de um imigrante bósnio chamado Nihad Ademi, cientista e empreendedor, que em
1939 no Canadá descobriu que poderia aproveitar a energia da Aurora Boreal que
domina os céus do Norte.
Junto com seus filhos, Ademi
descobre que a aurora boreal não é apenas uma simples fonte de energia: ela é
formada por melodias – o céu toca músicas que eventualmente se transformam em
imagens. Ademi então constrói um complexo maquinário para capturar essas
melodias e imagens para, mais tarde, também descobrir que pode transmiti-las
para todo o país por meio das linhas telefônicas.
Ademi inventa o “Telemelodium” com
uma proposta bem nacionalista: “mostrar o Canadá para os canadenses”. Claro que
todo esse projeto tecnológico chamará a atenção do governo que enviará
ameaçadores agentes para desligar tudo e confiscar a invenção.
Mídia e unificação nacional
O curta Night Mayor reflete um tema bem nacionalista canadense: a
unificação de um país que sempre foi marcado por movimentos de províncias
separatistas. Mas também aborda dois temas universais: tecnologia e controle
político e uma discussão sobre a própria natureza das tecnologias de
comunicação.
Ao contrário do vizinho do Sul, os
EUA, o Canadá possui vastos espaços preenchidos por uma pequena população. A
necessidade de integração sempre foi um problema crucial para o país dividido
em diversas províncias com línguas e dialetos diferentes. Por isso, sempre as
notícias se espelharam lentamente e, para algumas regiões, nunca chegavam.
Por isso, em muitos aspectos a
questão da comunicação no Canadá é parecida com a brasileira: assim como Ademi
era obcecado em promover o “canadense novo e moderno” compartilhando as imagens
dos céus do país para todos, também no Brasil o papel das redes de comunicação
(em particular da Globo) foi criar um novo brasileiro integrado por imagens da
modernidade e das telenovelas.
Nudez e alucinações
Mas como o leitor observará no
curta, as imagens transmitidas pelo Telemelodium são tão realistas que
tornam-se imprevistas, perturbadoras – misto de nudez e alucinações.
O que lembra o primeiro estágio da
história da fotografia: por ainda não existir uma cultura da pose, as primeiras
fotografias eram tão realistas que assustaram as pessoas. A partir de 1855, na
Exposition Universelle de Paris, quando um fotógrafo alemão espantou a multidão
ao mostrar versões retocadas de uma mesma foto, a invenção finalmente tornou-se
popular. Ironicamente, a fotografia tornou-se popular quando descobriram que
ela poderia mentir...
Telemelodium e a energia livre de Nikola Tesla
Mas também Night Mayor flerta com um tema bem político: claramente a saga do
inventor Nihad Ademi foi inspirada pelo drama do físico croata Nikola Tesla. No
curta, Ademi fala em “colher o éter” para sintetizar sua invenção. Assim como
Ademi, Tesla descobriu em 1899 a energia livre. Enganando seus financiadores
(Westinghouse e JP Morgan), Tesla dizia que a torre que construía em Colorado
Springs, EUA, era para a transmissão de rádio mundial – o que daria para os
financiadores o monopólio das comunicações.
Mas na verdade Nikola Tesla queria
estudar o “éter luminífero” e a transmissão de energia gratuita para todo o
planeta, sem mais fios, tomadas ou torres de transmissão – Tesla descobriu que
o planeta inteiro era um gigantesco transmissor de energia proveniente do éter.
Não é necessário muito esforço para
entender o porquê dos financiadores, após descobrirem os verdadeiros propósitos
de Tesla, terem destruído a vida do inventor e, após sua morte, o governo dos
EUA ter confiscado todos os seus escritos - com a energia livre seria o fim do próprio
capitalismo – mais sobre Nikola Tesla clique aqui.
O analógico e o digital
Mas há também uma outra questão
sobre a própria natureza e sentido da evolução das tecnologias de comunicação:
a natureza da diferença entre o analógico e o digital.
Linhas telefônicas e um aparelho de
TV, por assim dizer, “natural”, capturando e transmitindo sons e imagens
análogos à fonte: o éter. Na essência, assim pode descrita a tecnologia
digital: do negativo fotográfico ao impulso elétrico telefônico e as ondas da
TV, o sinal tenta imitar analogamente a fonte - luzes e sons.
Na fotografia o grão da luz é
capturado pela câmera para depois ser convertida em imagem na revelação; e os
impulsos elétricos e as ondas eletromagnéticas acompanham as frequências da
luz.
O fascínio nostálgico pós-moderno
por discos de vinil, fotografias pb e o primeiro cinema vem dessa percepção que
o analógico está mais próximo da própria natureza do real. Enquanto a
tecnologia digital se afasta porque não quer ser análoga ao real: quer
transcodificar em 0/1. E para quê? Para facilitar transmissão e estocagem de
dados, função puramente econômica e distante do reino qualitativo da estética,
arte e intuição.
Certamente o “Telemelodium” de Guy
Maddin seria impossível na atual tecnologia digital: os sons e imagens da
aurora boreal transcodificados se tornariam sintéticos, com definição pobre em
arquivos mp3, Flac, mp4 ou mkv – sons e imagens fragmentados em bites, cópia
empobrecida de um mundo qualitativo.
Assista ao curta abaixo - legenda disponível em inglês em "CC".
Assista ao curta abaixo - legenda disponível em inglês em "CC".