domingo, março 26, 2017

Curta da Semana: "The Internet Warriors" - o lado oculto dos "haters"


Haters”, “trolls”, “comandantes do caps lock”. Eles são os “guerreiros da Internet”. Depois de uma pesquisa de quatro anos entrevistando-os por todo o mundo, o cineasta e fotografo norueguês Kyrre Lien produziu uma série de documentários curta-metragem chamada “The Internet Warriors”(2017). Lien ouviu usuários que dedicam a maior parte do seu tempo para ficar diante da tela do computador, “opinando” sobre qualquer coisa através de um discurso polarizado, agressivo, intolerante, racista e preconceituoso. O documentário quer entender como pessoas comuns, pessoalmente agradáveis e educadas com seus filhos e esposas, são capazes de ocupar redes sociais e fóruns de discussão com um discurso tão carregado de ódio.

Em um texto provocador chamado “A Opinião Pública Não Existe”, o sociólogo francês Pierre Bourdieu queria questionar dois simples postulados “ingenuamente democráticos” por trás de toda pesquisa de opinião: primeiro, a suposição que todo mundo pode ter uma opinião; segundo, que todas têm o mesmo valor.

Lendo esse pequeno texto, podemos pensar como décadas de identificação da democracia com as pesquisas de opinião levaram todos a acreditar que qualquer um pode ter uma opinião formada sobre qualquer coisa – e que isso é Democracia, sem ninguém questionar o quanto nas perguntas das pesquisas já está embutida a resposta que todos dão como fossem suas.

Esse mito da liberdade de opinião chega ao paroxismo com a Internet e as redes sociais. Depois de anos acreditando que qualquer um pode ter opinião, é como se alguém abrisse a Caixa de Pandora. Facebook, Twitter, blogs etc., abriram a possibilidade de todos colocarem em prática o mito que acreditaram por tanto tempo – finalmente todos podem opinar sobre qualquer coisa sem ter que esperar algum pesquisador bater na sua porta.

E o resultado empurrou a liberdade democrática ao seu limite, resultando num efeito inverso: a própria ameaça da Democracia.


O curta documentário do cineasta e fotografo norueguês Kyrre Lien The Internet Warriors é o resultado de uma investigação sobre o fenômeno mais extremo que saiu dessa caixa de Pandora – os “guerreiros dos teclados”, os “comandantes do caps lock”, os “haters”, ou simplesmente “Trolls”. Usuários que dedicam a maior parte do seu tempo para ficar diante da tela do computador, “opinando” sobre qualquer coisa através de um discurso polarizado, agressivo, intolerante, racista e preconceituoso.

O Documentário


Um metalúrgico inglês que acredita na destruição da Grã Bretanha pelos imigrantes e refugiados – mas a sua esposa é tailandesa; um homem da Pensilvânia que se prepara para uma guerra civil se Hillary Clinton vencer a eleição; uma norueguesa que acha que Hitler errou: se escolhesse matar muçulmanos ao invés de judeus o mundo seria muito melhor; uma usuária do País de Gales que odeia Lady Gaga: “Aquela vadia me irritou muito” /Foda-se SHOWGIRL TIRED ASS, volte para a cidade que lhe pertence/ – tweetou para Lady Gaga.

O documentário apresenta uma verdadeira fauna humana que, a princípio, desperta a mesma curiosidade antropológica que inspirou Kyrre Lien.


Tudo começou quando Lien observava os comentários de um site de notícias: “fiquei fascinado por tanto ódio e ignorância. Comecei a olhar o perfil dessas pessoas para saber quem eram. Muitos pareciam bastante normais. Tinham famílias e pareciam bastante agradáveis, mas os comentários que escreviam publicamente eram extremos. Havia algum tipo de desconexão” (The Guardian), explicou Lien. Daí veio a ideia do documentário The Internet Warriors.

No documentário assistimos aos trolls sendo confrontados com seus próprios comentários impressos, trazidos por Lien para que possam ser lidos e explicados pelos autores. Observamos eles em suas casas, junto aos seus filhos e esposas. São calmos, educados e cordatos. Mas seus comentários extremos, discriminatórios e preconceituosos.


Quatro anos de investigação


A investigação de Lien (que ocupou quatro anos, de 2013 a 2017) o levou através do mundo, dos fiordes da Noruega aos desertos dos EUA. Entrevistou 200 pessoas, racistas, homófobos e toda sorte de intolerâncias e discriminações. E encontrou um paradoxo: embora se exponham diariamente nas redes sociais, muitos deles não queriam falar publicamente em um documentário. Parece que para eles a tela do computador é uma espécie de escudo protetor. Como fala um dos “haters” do documentário, “nada disso vai atingir a minha vida”.

Ao final, Kyrre Lien chegou à seguinte conclusão:
“Muitos deles são solitários. Sentem que a sociedade ou o governo os deixou para trás. E que muitas pessoas foram vítimas de bullying. Mas aprendi que as pessoas são capazes de mudar. Não podemos fechar os olhos e fingir que eles não existem se quisermos mudar a forma de debatermos on-line. É importante ouvir essas vozes agora” (The Guardian).
As pessoas são capazes de mudar, como no caso do balconista norueguês que aparece ao final do documentário: “Eu quero trazer de volta o colonialismo”, defendia Kjell Tislevoll como a única forma de manter “o terrorismo muçulmano sob controle”.



Ele defendia raivosamente essa opinião, até que um centro para refugiados foi construído na sua cidade, coincidindo com a chegada de um homem muçulmano no seu trabalho. Ao conhecer de perto a realidade dos imigrantes, sua opinião rapidamente mudou: “se eu conhecesse meu ex-self em um fórum da Internet provavelmente discutiria com ele. Meus problemas com os imigrantes foram embora”, confessa Tislevoll.

O problema é o tempo dessa mudança. Atualmente, o fenômeno dos “guerreiros da Internet” está deixando de ser uma curiosidade sócio-antropológica para se transformar num fator político – muitos deles transformam-se em profissionais, remunerados e cooptados para ações políticas organizadas seja em campanhas eleitorais ou para desestabilizar governos. Como bem documentado nas diversas “primaveras” que repentinamente surgiram em países como Egito, Ucrânia, Jordânia, Argélia, Iêmen e Brasil.

E o pior é quando essas “opiniões” são traduzidas politicamente em partidos ou movimentos extremistas que chegam ao Poder, confirmando o discurso desses “guerreiros da Internet”.

Assista ao curta abaixo com legendas em inglês. Veja o projeto “The Internet Warriors” completo nesse endereço: http://theinternetwarriors.com/

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