Mais um atentado, desta vez em Londres com
atropelamento em série de civis e invasão dos jardins do Parlamento Britânico
por um homem armado com duas facas. O local é ao mesmo tempo icônico e
sincrônico: escolhido pelos roteiristas para as cenas mais espetaculares do
filme “V de Vingança”, cuja famosa máscara foi inspirada em Guy Fawkes, líder
da “Conspiração da Pólvora” no século XVII – considerada a primeira “False
Flag” da História, que pretendia mandar pelos ares o rei junto com o
Parlamento como parte de uma propaganda de guerra. Novamente o ataque revela as mesmas recorrências e anomalias dos
atentados desde o ataque ao WTC em 2001: a execução final do vilão, o “lobo
solitário”, as conclusões rápidas da mídia e da polícia e a “coincidência” de
72 horas antes do ataque exercícios antiterror foram realizados no rio Tâmisa,
com lanchas rápidas, resgatando hipotéticas vítimas civis. Assim como aconteceu
no atentado “real”. Mais uma vez, o atentado “não aconteceu”: foi uma forma de
meta-terrorismo para irradiação midiática.
“Detenha os suspeitos de sempre!”, ordenava o
chefe de polícia capitão Renault aos guardas depois que seu amigo Rick
(Humphrey Bogart) baleou mortalmente o nazista Major Strasser, permitindo que o
avião com os fugitivos da resistência, Ilsa e Victor Laslo, partisse. Era a cena
final do filme Casablanca (1942),
famosa pela renuncia do amor de Rick (“... e nós sempre teremos Paris...”) por
Ilsa, em troca da vitória da Resistência.
Essa cínica ordem do capitão Renault
(tributária da tradicional visão de mundo corrosiva do Filme Noir) é
emblemática por representar a crônica cotidiana das histórias policiais na qual
a verdade revelada é sempre aquela mais cômoda aos interesses dos
protagonistas.
Com o passar das décadas essa busca pelos
“suspeitos de sempre” foi muito além da crônica policial – transformou-se em
negócio de Estado, nos intrincados jogos geopolíticos que evoluiriam da guerra
para a luta contra o terrorismo internacional.
"Casablanca": "Detenha os suspeitos de sempre" |
Mas o princípio continua o mesmo: “detenha os
suspeitos de sempre”. O que resultou na concretização de um script com poucas variações, mas de
qualquer maneira atraente para a grande mídia pela sua plasticidade, iconismo,
timing, senso de oportunidade a criação de um terrorismo autoconsciente das
coincidências, lacunas e sincronismos – o que chamamos de meta-terrorismo.
No mundo acadêmico, pesquisadores como
Umberto Eco, Jean Baudrillard e Daniel Boorstin pressentiram essa crescente
hegemonia da ficção sobre a realidade, de eventos auto-conscientes e trágicos se sobrepondo aos eventos espontâneos e fatais. Respectivamente, conceituaram esses
episódios como “eventos-encenação”, “não-acontecimentos” e “pseudo-eventos”.
Já entre os analistas geopolíticos e
conspiracionistas os termos são mais diretos: “Falsa Bandeira” (False Flag) e “Trabalho Interno” (Inside Job).
Mais uma vez, esse script de poucas variações
se repete no incidente em Londres: um homem espalhou terror na região de
Westminster e arredores do Parlamento Britânico - primeiro atropelando vários
pedestres e, depois do carro bater nas grades do Parlamento, atacar com duas
facas agentes de segurança da casa parlamentar. Até ser executado a tiros,
deixando um rastro de cinco mortos e outras 40 pessoas feridas.
E lá dentro do parlamento estava a
Primeira-Ministra Theresa May na sessão semanal de perguntas à chefe de
governo. Como não poderia deixar de ser, o tema era o polêmico Brexit. E mais
um detalhe: advogados do ex-presidente Lula também estavam no Parlamento, à
convite, para expor abusos e violações na Operação Lava Jato.
Porém, o script atual da guerra ao terrorismo
tem uma pequena variação em relação a Casablanca:
o suspeito de sempre (noticiado de início como um “asiático” para, depois, em
closes fotográficos, vermos um icônico rosto muçulmano com a típica barba
salafista) agora não é mais preso, mas executado como resposta policial a ações
de resistência.
Mais uma vez, um episódio com anomalias, recorrências e
sincronismos:
(a) O vilão morre no final
É a síndrome de “mortos não falam”. Se um
evento terrorista fosse real e as autoridades determinadas a eliminar essa
ameaça ao Ocidente, policiais fariam todo possível para capturar o terrorista
vivo para interrogá-lo e, com possíveis delações, desbaratar a rede terrorista
internacional. Mas o que acompanhamos é absurdamente contrário: os supostos
terroristas são abatidos como cães raivosos, sem nenhuma tentativa de salvar
suas vidas numa clara suspeita de estarmos acompanhando a eliminação de
arquivos vivos.
No caso particular do recente atentado em
Londres, não seria difícil treinados agentes de segurança neutralizarem um
homem armado apenas com duas facas.
(b) Lobos solitários e conhecidos
Como sempre, os terroristas são apresentados
como alguém que agiu isoladamente. No caso do atentado de Londres, alguém já
conhecido e investigado pelo MI5 (Serviço Britânico de Informações), mas, que segundo a premiê britânica, “era uma
figura secundária e não fazia parte do atual cenário da inteligência” – ooops! Acho
que ocorreu um pequeno deslize do MI5...
E mais: para Theresa May, a ação solitária de
alguém supostamente tão pouco importante, pode ter “se inspirado no terrorismo
internacional”. Nas entrelinhas, May sugeriu um evento “copycat” – efeito de
imitação no qual o psiquismo vulnerável de sociopatas, psicóticos, suicidas
etc. são influenciados pelos eventos midiatizados – sobre isso clique aqui.
De fato, o “atentado” ocorreu exatamente no
dia em que se fazia um ano dos ataques de homens-bomba em Bruxelas, matando 35
pessoas. Assim como o mês da morte do nascimento de Hitler (abril) costuma inspirar
ataques como Massacre de Columbine (1999, EUA) ou à escola em Barcelona
(Instituto Joan Fuster) em 2015.
O curioso é a ambiguidade sempre presente na
descrição do suposto terrorista: alguma coisa entre um solitário sociopata e
desequilibrado ou um ardiloso agente do ISIS que planejou tudo meticulosamente
com apoio logístico do terrorismo internacional.
(c) Conclusões rápidas
O que nos conduz ao item (c): apesar dessa
descrição ambígua, em questão de minutos a grande mídia e a polícia qualificam
o incidente rapidamente como “ataque terrorista”, com todas as conotações dos
“suspeitos de sempre” – muçulmanos sujos, feios e malvados; a ameaça ao
Parlamento Britânico, um símbolo da democracia Ocidental; o terrorista frio e
calculista e assim por diante.
Como sempre, a grande mídia opta rapidamente
pela versão que confirma sua pauta interna subliminar. Assim como no acidente
aéreo do ministro Teori Zavascki em Paraty: mesmo com as investigações apenas
começando, rapidamente uma massa de elegantes infográficos comprovavam uma
triste fatalidade meteorológica – aliás, a quantas andam as investigações da
Aeronáutica e Polícia Federal, esquecidas por jornalistas e políticos?
(d) Por que treinamentos antiterror antecedem atentados?
Uma curiosa recorrência para incendiar a
imaginação conspiratória: como sempre, dias antes (às vezes no mesmo dia, como
no atentado à casa de show Bataclan em Paris) registram-se exercícios de
treinamento antiterror nos quais são simulados ataques e socorro a vítimas
civis.
No dia 19 de março houve um exercício como
noticiou o Dailymail: “centenas de
policiais armados em lanchas rápidas zarparam pelo rio Tâmisa como parte de um
exercício antiterrorista em Londres. Envolveu oficiais especialistas vestidos
com uniformes pretos e metralhadoras, serviço de ambulância de Londres e a
brigada de bombeiros” (clique aqui).
Exercícios antiterror no Rio Tâmisa 72 horas antes do atentado |
Coincidentemente, no ataque do dia 22 um dos
graves feridos vítima do atropelamento em série caiu no rio Tâmisa. Repetindo-se
a mesma cena hipotética do exercício de 72 horas antes.
Desde os atentados no EUA em 2001, ataques
são antecedidos por simulações de combate ao terror e socorro a vítimas: nos
atentados em Madrid em 2004, nas explosões no metrô de Londres em julho de
2005, nos atentados em Paris ao Bataclan e Nice etc. E, mais surpreendente
coincidência, aguns meses antes dos ataques com mochilas explosivas na Maratona
de Boston em 2013, realizou-se a operação policial Escudo Urbano, simulando
explosões de mochilas ao redor de Boston e o socorro paramédico de civis – clique aqui.
(e) O lugar icônico e sincrônico
Além da data, o próprio lugar dos trágicos
acontecimentos é icônico: o Parlamento Britânico, com o Big Ben ao fundo, é o
local que os roteiristas do filme V de
Vingança escolheu para as cenas mais espetaculares.
Mas há um elemento mais além, sincrônico: o
protagonista desse filme (e sua emblemática máscara perpetuada em manifestações
por todo o planeta como símbolo de revolta) foi inspirado no radical católico
do século XVII Guy Fawkes. Teve participação da chamada “Conspiração da Pólvora" na qual pretendia matar o rei protestante Jaime I da Inglaterra e membros do
parlamento durante uma sessão em 1605, para dar início a um levante católico.
A conspiração foi descoberta. Fawkes foi
interrogado sob tortura, enforcado e esquartejado por traição. Fawkes havia
montado uma bateria de barris de pólvora debaixo do parlamento.
Muitos historiadores acreditam que essa ação
teria sido a primeira operação False Flag
ou Inside Job da História – uma ala
do governo acreditava que àquela altura seria economicamente vital uma
perseguição aos católicos. No ano anterior, Jaime I tinha feito um acordo de
paz com a Espanha. O atentado de um radical católico contra o rei e o parlamento
seria uma boa propaganda objetivando despertar o ódio e promover novamente a guerra.
Fawkes foi estimulado a seguir em frente com
a conspiração para depois ser traído e sua cabeça entregue de bandeja ao rei.
Quem ganha sempre com false flags e inside jobs?
Aqueles que promovem a guerra, seja a religiosa no passado e ou na antiterror
atual.
(f) A ambiguidade do Meta-terrorismo
Meta-terrorismo é uma forma de ação autoconsciente
na qual, de forma deliberada, deixa lacunas e ambiguidades em eventos cobertos
extensivamente pela mídia.
Desde os estudos feitos por
Gordon Allport e Leo Postman em 1947 (leia A Psicología del Rumor,
Psique, 1988), o fator ambiguidade é considerado o fator mais importante na
transformação de uma informação em boato ou, na atualidade, em meme. A dúvida
entre a realidade e a mentira dá ainda mais alcance à notícia, produzindo uma
espiral especulativa. O relato midiaticamente ambíguo do atentado se torna mais
uma arma letal.
Primeira ambiguidade: identidade e motivação
do “terrorista”: primeiro foi descrito como solitário fora do alcance do interesse do
MI5. Agora, segundo o noticiário, o “atentado” foi reivindicado pelo Estado
Islâmico.
A primeira identidade do “terrorista” foi Abu
Izzadeen, um britânico convertido ao islamismo. Mas alguém ligou para a
produção da emissora BBC, avisando que ele encontra-se preso, por crime de
incitação ao ódio. Depois, a Scotland Yard informou que se tratava de Khalid Massod. Os suspeitos de sempre: britânicos convertidos ao islamismo.
Assim como no ataque em Nice e outros
atentados, sempre são “lobos solitários” cujas investigações preliminares nunca
apontaram para ligações com o terror internacional. Embora os ataques sejam
imediatamente reivindicados pelo Estado Islâmico.
Segunda ambiguidade: No momento em que o
atacante entrou nos jardins do parlamento, o portão principal estava
estranhamente aberto e ninguém guardava a entrada. Pelo menos quatro
funcionários ficam constantemente de guarda: dois fora e dois dentro.
Terceira ambiguidade. Essa, mais uma vez,
capaz de incendiar a imaginação conspiratória: nas fotos da ponte de
Westminster, em meio a ambulâncias, paramédicos e policiais atendendo feridos,
vê-se um homem com um kipah na cabeça
segurando um “pau de selfie” posicionando-se para tirar fotos.
Desumanidade? Frieza? Assim como policiais
fotografados conversando animadamente na cena da tragédia no ataque de Berlim
no ano passado? – um caminhão invadiu uma feira de Natal também atropelando
pedestres.
Inside job entre OTAN e Israel? Essa foto de um suposto
judeu tirando selfies em meio à tragédia tem um destinatário certo: teóricos da
conspiração que acreditam numa cena de tragédia montada cenograficamente...
(g) Quem ganha?
Na maioria das vezes ações como essa em
Londres são atribuídas a “radicais muçulmanos”. Mas difícil entender o que
ganham esses radicais, cujo objetivo é expulsar os “imperialistas ocidentais”
das suas terras. O efeito parece ser o contrário: ataques a civis ocidentais
proporcionam um enorme impulso com gastos militares contra os “radicais
muçulmanos”. E mais ações militares sobre seus territórios.
Quem ganha então com essa hiper-militarização
do Ocidente e um constante estado de vigilância e exercícios antiterror, que
coincidentemente resultam em atentados reais?
Talvez a resposta esteja lá no passado, na
primeira false flag da história do
Ocidente: a “Conspiração da Pólvora” que inspirou a máscara do V de Vingança, presente em nove de cada
dez “primaveras” de manifestações em países como Egito, Ucrânia, Argélia,
Iêmen, Jordânia e... Brasil.
Com informações do El País, Dailymail,
Skeptoid, Aangirfan e VeteransToday.
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