Imagine um expert em Publicidade que enxergasse muito mais do que promoção, preço, produto e ponto de venda no Marketing. Um expert que descobrisse que a guerra das marcas pelo mercado e pela mente dos consumidores não é meramente retórica através de símbolos, imagens e estímulos visuais – é uma gigantesca batalha travada por monstros gelatinosos em forma de balões em um invisível plano astral da humanidade. O Marketing Paranormal! Esse é apenas um dos temas levantados pelo filme “Branded” (2012), co-produção Rússia/EUA que mistura temas teosóficos com a provocativa tese de que Lênin teria inventado o Marketing em 1918: o Comunismo teria sido o produto e a KGB a “polícia da marca”.
Uma constelação em forma de vaca
se forma no céu para disparar um raio sobre um garoto que, no futuro, será um
expert em Marketing que posteriormente participará de uma guerra entre marcas
corporativas na qual gigantescos monstros invisíveis parecidos com balões
gelatinosos emitindo sons estranhíssimos lutam pelo domínio global dos
mercados. Mas tem um detalhe: esses monstros somente podem ser vistos depois do
ritual antiquíssimo de sacrifício de uma vaca vermelha!
Se você precisar reler o confuso
parágrafo acima para compreender o sentido, não se preocupe. Você estará
recriando a experiência de assistir ao filme “Branded” que, segundo a crítica
especializada, é “um dos filmes mais inexplicáveis já feitos e que inspira uma
série de perguntas”.
De fato, essa co-produção Rússia/EUA
não é fácil de ser assistida: com uma narração que em momentos se entrega ao
condescendente estilo dos comerciais de TV para, de repente, alternar para
insanas digressões (por exemplo, inesperadamente a tela alterna de widescreen
para o formato 4:3) com uma misteriosa voz feminina em off que narra o bizarro destino do protagonista Misha (Ed Stoppard)
em um Rússia pós-comunismo onde ele começará a prestar serviços de espionagem
em Marketing para uma agência norte-americana interessada em trazer novas
marcas para o país.
Misha se torna o cérebro por
trás de grandes ações de marketing no país até se envolver afetiva e
profissionalmente com Abby Gibbons na produção de um reality show chamado
“Extreme Cosmetics” onde uma jovem obesa será submetida a uma intervenção
radical: uma cirurgia plástica ao vivo na TV que promete transformá-la do dia
para a noite numa modelo. Tudo dá inesperadamente errado e a jovem entra em
coma. Imagens dela chorando angustiada antes da cirurgia vazam nos telejornais
e o caso transforma-se em escândalo na opinião pública. Misha e Abby são presos
e suas carreiras quase terminam.
Nesse meio tempo vemos o ator Max Von Sydow interpretando um misterioso guru do Marketing que mora em uma paradisíaca ilha retirada no Pacífico. A ele recorrem os donos das maiores redes de fast food do planeta desesperados com a queda nos lucros e à procura de um milagre de marketing. E o guru dispara: “Vou propor um plano... algo que excede o marketing tradicional... algo que vai mudar o mundo. Juntos vamos tornar o gordo bonito novamente. Mas primeiro uma pergunta: quão longe estão dispostos a ir?”.
A partir daí entra em ação toda
uma engenharia de opinião pública que se inicia nos “mercados de Terceiro Mundo
do Quênia, Brasil e Rússia” com o objetivo de tornar a obesidade dotada de sex appeal e transformar os gordurosos
hambúrgueres transbordando em queijo cheddars e maionese como o verdadeiro
objeto do desejo.
Fora da cadeia, Misha descobre, chocado,
que a entrada em coma da jovem no reality show e o escândalo na opinião pública
foram partes dessa gigantesca conspiração onde ele foi entregue como bode
expiatório ao sacrifício: a jovem em
coma torna-se a mártir de um novo mundo onde ser sexy é tornar-se gordo
consumindo hambúrgueres em redes fast food.
Misha abandonará esse mundo
orwelliano onde todos somos vítimas do bombardeio subliminar das marcas e se
autoexilará em uma distante fazenda no interior da Rússia para ser pastor... de
vacas. A partir daí a narrativa avançará em um vertiginoso surrealismo que
apenas mostrará o destino místico de Misha, traçado desde a infância quando foi
atingido por um raio que veio de uma constelação em forma de vaca!
Marketing Paranormal
Sem pretender fazer um spoiler, após o ritual de sacrifício de
uma vaca vermelha, Misha adotará um estranho poder paranormal que o tornará um
invencível herói do Marketing: descobre que a guerra das marcas pela conquista do mercado e pelas mentes dos consumidores não é meramente retórica através de símbolos, imagens
e estímulos visuais – é uma gigantesca batalha travada por monstros gelatinosos
em forma de balões em um invisível plano astral da humanidade.
Os autores do roteiro, a dupla
norte-americana/russa Jamie Bradshaw e Aleksandr Dulerayn, parecem seguir à
risca a descrição que a Teosofia faz sobe as chamadas “formas-pensamento”, cuja teoria parte do princípio de que o homem seria dotado de dois corpos além do físico (o
mental e o emocional) que formam um combinação sutil no plano astral. Vejamos
essas diversas passagens do livro “Formas de Pensamento” escrito por Annie
Besant e C.W. Leadbeater em 1901, um clássico dos estudos teosóficos:
"Cada pensamento produz uma forma. Quando visa outra pessoa, viaja em direção a essa. Se é um pensamento pessoal, permanece na vizinhança do pensador. Se não pertence nem a uma, nem a outra categoria, anda errante por um certo tempo e pouco a pouco se descarrega, se desfazendo no éter. (...) Cada um de nós deixa atrás de si, por toda parte onde caminha, uma série de formas-pensamentos. Nas ruas flutuam quantidades inumeráveis. Caminhamos no meio deles. (...) Quando o homem momentaneamente faz o vácuo em sua mente, os pensamentos que lhe não pertencem o assaltam; em geral, porém, o impressionam fracamente. Algumas vezes, todavia, um pensamento surge e atrai a sua atenção de um modo particular. O homem comum se apodera dele e o considera como coisa própria, fortifica-o pela ação de sua própria força, e, por fim, o expele em estado de ir afetar outra pessoa. (...) O homem não é responsável pelo pensamento que lhe atravessa mente, porquanto pode não lhe pertencer. Porém, torna-se responsável quando se apodera de um pensamento e o fixa em si e depois o reenvia fortalecido." (BESANT, Annie e LEADBEATER, C.W,. Formas de Pensamento. Editora Pensamento, 1995).
Acima imagem de forma-pensamento por Besant e Leadbeater e abaixo cena de Branded onde as "marcas-pesamento" saem do alto do prédio de uma corporação |
Pois Misha retorna a Moscou depois do autoexílio e começa a
ver essas entidades astrais saindo dos prédios das corporações, meios de
comunicações e acompanhando transeuntes, principalmente crianças, cujos desejos
alimentam essas entidades que apontam para a marca correspondente.
Formas-pensamento brotam como bolhas das cabeças das pessoas e as arrastam para
as redes fast food, soltando assustadores guinchos, urros e gemidos de um desejo
que nunca se satisfaz.
Se os corpos mentais e emocionais de pessoas são capazes de
criar um oceano de pensamentos, imagina essas entidades astrais amplificadas
por um contínuo atmosférico midiático. Leadbeater e Besant mostram uma imagem
de uma forma-pensamento sendo amplificada por uma igreja pela ação dos seus
fiéis em seu interior – veja figura.
Como pensaríamos esse fenômeno oculto dentro das ondas
concêntricas e gigantescas das mídias? Pois é essa questão que o filme “Branded”
coloca para nós: talvez a ação subliminar das gestões de marcas e as táticas do
Marketing não sejam apenas forças retóricas e ideológicas. Se os pensamentos
são coisas, imagine-os articulados e irradiados por dispositivos tecnológicos.
Se como Marx sugere no primeiro livro de “O Capital” que o
mecanismo de base do funcionamento do Capital e da equivalência geral por meio
das mercadorias é regido pelo “feitiço” (o enigmático conceito de “fetichismo
da mercadoria”), talvez seja o momento de toda a teoria da comunicação,
linguística e semiótica convergirem de forma multidisciplinar com as
disciplinas ocultistas e teosóficas. Assumirem que o objeto dessa áreas vai
além do encadeamento de signos: a ampliação das formas-pensamentos.
Lênin inventou o Marketing?
Outro ponto provocativo em “Branded” é a afirmação de Misha
que, como historiador de formação, defende no filme que Lênin foi o inventor do
Marketing em 1918 ao criar uma forma absolutamente única de divulgar o
Comunismo. Ele teria feito o produto prometer algo (terra para os camponeses,
fábrica para os trabalhadores e paz para os soldados): “Lênin com o Comunismo
prometeu Felicidade. E isso é Marketing! Os melhores designers... as marcas
oficiais de cor... o vermelho, o logotipo com a estrela de cinco pontas. A
super-marca. A KGB veio depois, como uma polícia da marca”, argumenta Misha
diante dos cartazes da estética realista socialista em preto, branco e vermelho
.
Essa ideia não é nova. O sociólogo inglês Richard Barbrook
em seu “Manifesto Cibercomunista” de 1999 defendia que Lênin e Stalin teriam se
instalado no Vale do Silício: toda a utopia californiana de celebração do
neoliberalismo americano e da ideia do final da história com a globalização e
novas tecnologias se apropriam de muitas premissa teóricas do leninismo e
stalinismo, como pode ser constatado nas seguintes correlações:
Partido de
vanguarda/literatos digitais
Plano quinquenal/o "novo paradigma" Garoto conhece trator/nerd conhece Internet Terceira Internacional/Terceira Onda Moscou/Vale do Silício "Pravda"/"Wired" linha partidária/pensamento único democracia soviética/"Câmaras Municipais eletrônicas" Sociedade-fábrica/sociedade-colméia Novo homem soviético/pós-humanos Quebra das regras stakhanovistas/profissionais temporários, sobrecarregados de trabalho Expurgos/"downsizing" (demissões em massa) (....). |
“Branded”
vale a pena ser assistido. O seu surrealismo e alucinante narrativa tem uma
relação direta com as questões instigantes e provocativas que devolve para nós.
Ficha Técnica
- Título: “Branded”
- Diretor: Jamie Bradshaw e Aleksandr Dulerayn
- Roteiro: Jamie Bradshaw e Aleksandr Dulerayn
- Elenco: Ed Stoppard, Jeffrey Tambor, Leelee Sobieski, Max von Sydow
- Produção: Mirumir, TNT
- Distribuição: Roadside Attractions
- País: EUA/Rússia
- Ano: 2012
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