Quem ganhou o debate da Band? Lula? Bolsonaro? Não, foi o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que salvou o dia com um timing perfeito: depois de uma live de Bolsonaro no início da madrugada, rouco e consternado, horas antes do debate domingo o ministro determinou a exclusão do vídeo do “pintou o clima” e de que os petistas “se abstivessem de novas manifestações”. Tudo que a mídia hegemônica quer é manter um contexto de estabilidade e que os debates apenas retroalimentem a agenda dominante (pandemia, corrupção etc.), sem intromissões ou surpresas. Como o “efeito Janones”, por exemplo. Manter um quadro de estabilidade com números de pesquisas que pouco mudem. É bom ficarmos atentos ao jogo de freios e contrapesos para manter um quadro diversionista de uma suposta estabilidade. Desviando a atenção das anomalias que levaram a eleição ao segundo turno... e que poderão se repetir.
Debates políticos na TV pode se tratar de tudo, menos de aprofundar propostas ou um livre debate de ideias. Pelo menos não quando alguém tem um minuto e meio para responder uma pergunta feita por jornalistas ou correr contra o cronômetro para tentar reverter bordões, silogismos falaciosos, acusações e bravatas do adversário. Especialmente quando se tem pela frente estratégias de comunicação alt-right, especializadas em desautorizar o interlocutor através do cinismo.
As fórmulas dos debates televisivos são especialmente criadas para favorecer franco atiradores, com suas lacrações e mitadas, matéria-prima para posteriores clipes que serão repercutidos nas redes sociais. Mas principalmente, as fórmulas são criadas para desgastar o primeiro colocado nas pesquisas eleitorais. Principalmente num segundo turno, quando todas as expectativas estão voltadas em saber se aquele que está atrás nas pesquisas poderá virar o jogo.
Em outras palavras, debate na TV é torcida e “secação” do adversário.
E para a grande mídia, a oportunidade de manter o controle da narrativa, escolhendo perguntas ou dividindo o debate em blocos de temas que, por fim, retroalimentam tautisticamente a agenda imposta pelo próprio jornalismo corporativo. As únicas “surpresas” toleradas em debates são gafes (incapacidade do candidato de lidar com a linguagem televisiva) ou falácias articuladas como fossem graves denúncias.
No todo, deve manter intocada a narrativa. Principalmente num momento em que o PT está sob o “efeito Janones” desafiando a grande mídia: passou a jogar no mesmo campo simbólico da extrema direita, saindo dos trilhos do “PT parlamentar” ou do “PT jurídico” - o trilho da ideologia midiática de que o único antídoto contra fake news é a informação, a “verdade”, e o combate institucional contra as mentiras através dos canais legais.
Por isso, o grande vencedor do debate na Band foi o ministro do TSE Alexandre de Moraes. Com o The Last Minute Rescue de mandar retirar das redes o vídeo postado pelo PT que sugeria pedofilia na fala de Bolsonaro sobre venezuelanas menores de idade, “Xandão” evitou que a narrativa do debate fosse deixada nas mãos do imponderável. Isto é, de que a Band (e de resto, o jornalismo corporativo) perdesse o controle da narrativa – perda dos mecanismos de freio e contrapeso através da agenda restrita aos temas da Pandemia, Corrupção, Responsabilidade Fiscal, Orçamento Secreto e Fake News.
Certamente a equipe de Bolsonaro temia o descontrole do candidato no debate: o tema poderia dominar com um efeito desestabilizador para o chefe do Executivo. A live que ele fez no início da madrugada desse domingo, rouco e com a fisionomia crispada, tentando se defender de um “ataque feito com um vídeo que pega um pedaço e inverte tudo isso”, já prenunciava um debate na TV em que o presidente já entraria em desvantagem.
Mas o ministro Alexandre de Moraes (notório pelos seus coreografados telecatchs com o presidente para tocar o terror da “crise entre podres”), no final da tarde (timing prfeito!), deu sua decisão, diminuindo o estrago da fala e fazendo o candidato entrar autoconfiante no cenário de estilo metaverso do debate da Band.
Moro e as pastas de Collor
Mas não ficou por isso. Em vingança, a equipe de Bolsonaro leva o ex-juiz e ex-desafeto de Bolsonaro eleito ao senado, Sérgio Moro, como uma espécie de assessor para temas relativos à corrupção do PT – lembram do controle da narrativa?
Parece que a presença de Bolsonaro teve o mesmo efeito daquelas famosas pastas verdes e amarelas (recheadas de folhas em branco) que Collor levou ao debate da Globo de 1989, sugerindo que poderia disparar a qualquer momento uma bala de prata. Para desestabilizar emocionalmente o oponente.
Criados os freios e contrapesos, foram garantidas as condições seguras para a grande mídia manter o controle da narrativa.
Se não, vejamos. Como sempre, o rescaldo do debate foi polissêmico: a extrema direita diz que Bolsonaro ganhou, e por nocaute. Os progressistas mais pessimistas dizem que deu empate. E a esquerda mais otimista afirma que Lula ganhou, mas por pontos.
Assim como as mais de 700 pesquisas desse ano sempre apontaram para números estáveis, sugerindo um leitor já decidido (para tudo virar do avesso nos resultados do primeiro turno, depois de uma série de anomalias – clique aqui), também todos os debates promovidos até aqui renderam interpretações polissêmicas.
Pudera! Sempre os temas mais palpitantes para a opinião pública são deixados de fora para ficar na narrativa monofásica com os temas listados acima. Ou, no máximo, colocar um padre fake como estratégia diversionista.
Assim como, horas antes do debate, um acontecimento palpitante que revelava muito do modus operandi e caráter da extrema direita (a bucha de canhão do “Projeto de Nação” do PMiG – Partido Militar Golpista) foi deixado de fora pela ação do “Xandão do telecatch” que, dessa maneira, salvou o dia.
Colonistas uníssonos
Enquanto no espectro político dominava a polissemia, no campo dos “colonistas” do jornalismo corporativo a interpretação foi, ao contrário, uníssona: Lula ganhou no bloco sobre a pandemia, empatou nas perguntas dos jornalistas e perdeu de goleada no bloco sobre corrupção – supostamente Lula não soube aproveitar seu banco de minutos, deixando mais de cinco minutos livres para Bolsonaro fazer um monólogo. Essa foi a interpretação de dez em cada dez.
Acredito que isso foi deliberado na estratégia de Lula: tentou reverter os previsíveis argumentos de corrupção (mensalão, petrolão etc.) com poucas interrupções, contando ao final com a esperada desarticulação de Bolsonaro em falas longas (frases desescosturadas recheadas de ofensas) que poderiam render pedidos de repostas – Lula ficou frustrado, pois esperava pelo menos dois pedidos aprovados. Apenas contou com um direito de resposta.
Afinal, por que a interpretação dos “colonistas” ficou tão uníssona? Porque o debate rendeu o feedback tautista que mantém a grande mídia no controle narrativo: confirmou a agenda – Lula ganhou no primeiro bloco porque fez o “match” com a as críticas ao negacionismo feitas pela mídia corporativa contra Bolsonaro durante toda a pandemia.
E perdeu para Bolsonaro no bloco sobre corrupção porque, por sua vez, o presidente fez o “match” com todos os bordões criados pela grande mídia no período do jornalismo de guerra: “mensalão”, “o petrolão”, “o maior esquema de corrupção da história” etc. A fala de Bolsonaro, como sempre, foi um pot-pourri fragmentado e apoplético daquilo que a mídia ceivou com muito esmero.
Nesse tema, Lula está condenado a nunca mais ser inocente. Não importa se a Justiça, a ONU, o Papa o absolvam. Não importa o que fale ou a estratégia que utilize: depois de anos de guerra híbrida, “corrupção do PT” virou um meme autoimune, isto é, blindado a qualquer contra-argumento. Porque um meme autoimune não é um argumento: já está no campo da pós-verdade, é evidente por si mesmo.
Ou seja, Alexandre de Moraes foi o freio. E o tema da corrupção (depois os colonistas reclamam que não se discute “propostas”) o contrapeso.
Está claro que o plano geral com esses freios e contrapesos é manter um cenário estático e conter quaisquer surpresas que por acaso surjam – como o “efeito Janones”, o bateu-tomou como cura contra fake news, ao invés da “informação profissional” do jornalismo corporativo.
Mas porque a grande mídia quer tanto manter o cenário de estabilidade, sempre com uma pequena vantagem para Lula nas pesquisas? Será uma estratégia diversionista? Levando-se em conta as estranhas anomalias no primeiro turno por trás da verdadeira ducha de água fria no PT.
É bom ficarmos atentos ao jogo de freios e contrapesos que objetiva manter um quadro diversionista de uma suposta estabilidade. Desviando a atenção das anomalias que levaram a eleição ao segundo turno... e que poderão se repetir.