quinta-feira, abril 19, 2018

Ocupação do triplex: pontos para a esquerda na guerra semiótica



Finalmente a esquerda marca pontos na atual guerra semiótica no front do campo simbólico da sociedade (grande mídia + opinião pública): a ocupação do indefectível “triplex do Lula” no Guarujá pelo MTST e a Frente Povo Sem Medo apresentou todas as características de um petardo semiótico: Detonação, Letalidade, Dilema Midiático e Dissonância Cognitiva. Uma ocupação curta (pouco menos de quatro horas), mas o suficiente para a grande mídia viver um dilema e dar uma guinada gramatical no seu discurso, como se sentisse o golpe. Mas o melhor dessa bomba semiótica foi como a mídia corporativa mordeu a isca (o álibi) para a ocupação revelar o seu verdadeiro propósito: a filmagem no interior da verdadeira caixa preta em que se tornou o imóvel. Revelando a dissonância entra as narrativas jurídico-midiática e da oposição. Uma ação simbólica bem-sucedida que revela outras questões. Entre elas, a possível criação de um grupo de inteligência semiótica para multiplicar essa ação prototípica.

segunda-feira, abril 16, 2018

Niall Ferguson: baixa educação e ressentimento alimentam extremismo e guerra híbrida


Historiador escocês, professor de Harvard e nome que esteve na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista “Time”, Niall Ferguson afirmou: parcelas menos educadas da população tendem a aderir a discursos extremistas de direita como solução para crise. Em passagem em evento promovido pelo banco Itaú em São Paulo, Ferguson referiu-se como a baixa qualidade educacional cria a percepção de que “o mundo não funciona” e a fácil aceitação de que pessoas sozinhas com soluções extremistas resolveriam problemas como criminalidade e imigração. Apesar de ser um intelectual muito solicitado como palestrante em eventos corporativos, a fala de Ferguson revelou como a baixa qualidade educacional cria o ressentimento: a matéria-prima psíquica da qual se aproveitou a guerra híbrida brasileira. Mas agora, discursos extremistas de direita brasileiros estão prontos para oferecer novos bodes expiatórios para direcionar o ressentimento de jovens universitários que sentem que o “mundo não funciona”: a distância entre o diploma conquistado com esforço e a realidade profissional precarizada. Pauta sugerida pelo nosso leitor Paulo Manetta.  
  
Niall Ferguson não é apenas um historiador escocês, professor na Universidade de Harvard e palestrante bastante requisitado na Europa e Estados Unidos. E que passou esse mês aqui pelo Brasil no evento Macro Vision, promovido pelo banco Itaú em São Paulo. Ele também é um “think tank” (instituição ou personalidade especializada em influenciar a opinião pública e decisões políticas), que já esteve na lista das 100 pessoas mais influentes da revista americana Time.

Ferguson costuma vender o diagnóstico de que o mundo ocidental está em decadência: a democracia, o capitalismo, o respeito às leis e a sociedade civil estão em crise e que as políticas dos governos dos EUA e Europa só pioram a situação.

Como não poderia deixar de ser, por onde passa diz que a solução é aquilo que as atentas audiências formadas por CEOs e banqueiros já pensam: limitar o governo e desregulamentar o mercado. Em outras palavras, Niall Ferguson é aquele que atira primeiro a pedra na vidraça para depois tocar a campainha da casa para vender seguro – a estratégia da “vidraça quebrada”.

Mas às vezes devemos ficar atentos às falas desses intelectuais insiders que acenam soluções neoliberais para a banca. Muitas vezes apresentam dados cuja interpretação é “invertida”: apontam para tendências e fenômenos sociais muitas vezes verdadeiras, porém não como denúncia de uma realidade que precisa ser mudada. Mas como prospecção de matéria-prima para futuras ações de guerra híbrida.

Niall Ferguson

Baixa educação e populismo de direita


Em declaração ao jornal Valor Econômico, Ferguson apontou que as experiências recentes do Brexit e das eleições americanas de 2016 sugerem que a parcela menos educada da população tende ao populismo de direita como solução para as crises – clique aqui.

“O que vimos é que pessoas de mais baixa educação têm maior probabilidade de votar no populismo de direita. Isso se mostrou verdadeiro em eleições europeias recentes”. Para Ferguson, “pessoas com maior educação tendem ao centro, seja de esquerda ou direita, porque o mundo funciona para essa parcela da população, que por isso é favorável à manutenção do status quo”.

E completou: “As pessoas que não se beneficiam do status quo são atraídas por quem diz que pode mudar o sistema, que pode sozinha resolver o problema, seja de imigração ou criminalidade”.

Segundo Ferguson, sempre após as crises o populismo de direita tende a ter bom desempenho. E alerta os brasileiros: “imagino que o pesadelo de vocês seja, com a ausência de Lula, uma disputa entre Bolsonaro e o substituto de Lula”.


“O mundo não funciona”


Fica claro que o conceito de “baixa educação” não se refere a uma insuficiência de nível escolaridade formal, mas à precarização da qualidade. Por exemplo, conseguir um diploma de ensino superior em faculdades privadas de baixo nível ou em cursos EAD acessíveis ao nível de renda. Como o pesquisador escocês aborda no livro “The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die” – veja “US education and economy are on the skids, says britsh historian” In: Mercatornet, clique aqui.

Isso talvez explique o porquê de Bolsonaro ter melhor resultado entre os mais escolarizados (aqueles que completaram o ensino superior) segundo pesquisa Datafolha (clique aqui e aqui). Além da pesquisa apontar que 60% dos eleitores do parlamentar de direita serem jovens – entre 16 e 34 anos.

Nem tampouco essa “baixa educação” tem a ver exclusivamente com a desinformação que levariam jovens a serem seduzidos pelo canto da sereia dos discursos extremistas – repostas simples baseadas em soluções finais do tipo “subir a Rocinha dando tiros” como defendeu certa vez Jair Bolsonaro.

A chave de compreensão do diagnóstico de Niall Ferguson está na percepção dessas pessoas de que, para elas, “o mundo não funciona”, apesar da escolaridade superior conquistada a muito custo e motivada pela crença da justiça do sistema meritocrático.

A percepção de que “o mundo não funciona” deixa de ser uma questão eminentemente sociológica para entrarmos no campo explosivo psicossocial – campo embrionário do fascismo que sempre esteve vinculado com o ressentimento do indivíduo contra uma sociedade injusta que parece sempre burlar as regras do jogo.

Os anos de governos lulopetistas das políticas de inclusão de estudantes no ensino superior (crescimento de 65%,  e destes 75% em instituições privadas, setor que se tornou um parceiro do governo federal) criaram expectativas para a chamada “Classe C” de que estava entrando no jogo da meritocracia em condições de igualdade. Como reza a boa ideologia do mérito e do empreendedorismo.

Mas essa inclusão quantitativa não foi acompanhada pela qualificação das escolas de ensino superior. O que significa que a conquista do diploma universitário não significou necessariamente a conquista de empregos qualificados ou uma carreira bem remunerada com perspectivas de crescimento profissional.


Ressentimento e precarização


Pesquisadores como Giovanni Alves observaram que o modelo neodesenvolvimentista conduzido pelos governos do PT basearam a inclusão social através do mercado de consumo e da precarização do trabalho. Uma nova geração de trabalhadores cujas noções de cidadania e trabalho passaram muito mais pelas ambições por consumo do que pelos valores de classe social, direitos de trabalho e sindicalização – leia ALVEZ, Giovanni, “Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil” – clique aqui.

E os diplomas conquistados em faculdades com educação também precarizada fechou essa conta que mais ampliou expectativas do que as satisfez. Jovens diplomados foram jogados em um mercado de trabalho que confundiu ícones de softwares, sistemas operacionais e aplicativos como um verdadeiro saber profissional. Quando na verdade não passavam de trabalho simplificado, rotinizado e fragmentado, pronto para ser controlado e monitorado por gestores.

E nesse gap entre o diploma e a realidade precarizada (carreira frustrante de baixa remuneração) está o mal estar psíquico do ressentimento – a humilhação e revolta de que “o mundo não funciona”, a percepção genérica de que “tudo que está aí” está errado.

Pronto! Temos a atmosfera psíquica perfeita que busca bodes expiatórios. Apenas aguardando uma tradução em uma bomba semiótica, em um slogan, em uma guerra híbrida.

Em postagens anteriores este Cinegnose vem apontando que a combinação explosiva de meritocracia com ressentimento motiva a atual guerra simbólica empreendida pelo complexo jurídico-policial-midiático cujo ápice foi a prisão de Lula e a sua tradução cinematográfica: o rebento de José Padilha, a série Netflix O Mecanismo – veja links abaixo.


Para o ressentido, o bode expiatório da corrupção é mais atraente do que as críticas dos  juros altos, das políticas econômicas antinacionalistas, do neoliberalismo ou do sucateamento proposital do patrimônio público para as privatizações serem aceitas como fato consumado – de novo, a “estratégia da vidraça quebrada”.

A vantagem é que a corrupção pode ser midiaticamente personalizada em políticos com rostos, partidos etc. – serem demonizados, caçados, presos em espetáculos de meganhagem policial ao vivo na TV, com armas e carros negros reluzentes. Alívio psíquico regressivo (sádico-masoquista) para o ressentimento.

Crítica ao juros alto ou perda da soberania nacional são abstratas demais para um ressentido.

Com a prisão de Lula (vendida a um preço simbólico muito baixo, sob a égide da “rendição”) como o epílogo ideológico da Lava Jato, restam os discursos extremistas de direita, como o de Jair Bolsonaro, herdarem o ressentimento de uma massa de jovens universitários. Frustrados porque o “mundo não funciona”.

De tudo isso, ficam duas questões que sempre atormentaram pesquisadores como esse humilde blogueiro: por que historicamente a frustração social sempre foi melhor traduzida politicamente como ressentimento pelos discursos extremistas de direita? Por que até aqui o ressentimento nunca foi revertido em frustração que motivasse uma crítica ao verdadeiro mecanismo, o sistema reprodutor da desigualdade?

O fato é que diagnósticos como os de Niall Ferguson não são usados para a transformação social. Mas para a prospecção de novas oportunidades no atual quadro de guerra híbrida em escala planetária. 


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sábado, abril 14, 2018

Filme "Thelma" faz versão muito além do terror de "Carrie - A Estranha"


Em uma nova produção do cineasta dinamarquês Joachim Trier (de filmes cult como “Oslo” e “Mais Forte Que Bombas”), dessa vez o diretor  cria sua própria versão de “Carrie – A Estranha” (1976) do mestre Brian De Palma. Em “Thelma” (2017) vemos o despertar da sexualidade e do desejo de uma jovem educada por toda vida para ser uma cristã devota. Longe de casa, estudando em uma universidade Thelma vê crescer uma atração homoafetiva por uma colega, ao mesmo tempo que crises epiléticas prenunciam poderes paranormais que eventualmente descobrirá. Mas ao contrário do clássico de Brian De Palma, marcado pelo terror, “Thelma” se desloca para o gênero fantástico: o despertar emocional de uma jovem extremamente reprimida cuja luta interior criará emoções tão estressantes que romperão o próprio tecido da realidade. Filme sugerido pelo nosso incansável leitor Felipe Resende.

quarta-feira, abril 11, 2018

Vazamento de áudio de Chico Pinheiro foi um não-acontecimento



Dentro da caixa de ferramentas da guerra semiótica, o dispositivo do vazamento é o mais manjado. Porém, continua eficiente, como demonstraram os vazamentos de Edward Sowden e o papel que desempenharam na guerra hibrida brasileira. Vazamentos sugerem espontaneidade, acidente ou um escorregão de alguém boquirroto. Na verdade, criam dissuasão, cortina de fumaça e, se voltada diretamente para o oponente, desmobilização. Como simulação para conseguir um determinado efeito midiático na opinião pública e um perfeito não-acontecimento. Depois do “vazamento” do áudio do jornalista global Chico Pinheiro no WhatsApp, criticando a cobertura da emissora e elogiando Lula, a esquerda se alvoroçou: Pinheiro detonou a Globo! Uma voz dissonante! etc. Tal como o “vazamento” do vídeo de William Waack, este do Chico Pinheiro tem timing e um conteúdo que ajuda ainda mais a iconificar a figura de Lula, para retirá-lo do campo da guerra simbólica.

domingo, abril 08, 2018

Na prisão de Lula mais uma vez a esquerda perde a guerra semiótica



Do significado da data da prisão de Lula determinada por Moro (06/04, dia da morte do “Patriarca da Independência”, José Bonifácio); passando pelo destino do comboio que levava Lula para a PF no bairro da Lapa (ao invés de Congonhas, evitando que a militância petista entrasse em rede nacional fazendo protestos na entrada do aeroporto); e chegando aos planos de câmera de TV do helicóptero decolando, conduzindo o prisioneiro e no segundo plano prédios com luzes piscando em apartamentos que comemoravam o desfecho. Todos os detalhes revelaram a elaborada guerra semiótica do complexo jurídico-policial-midiático. A resposta de Lula e do PT foi rápida e promissora: se encastelar no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, sugerindo a estratégia de empate e desobediência civil. Para cobrar um alto preço simbólico pela rendição. Mas acabou cedendo à indefectível narrativa da “luta e resistência” e abandonou o campo de batalha semiótico, em rede nacional. Mas os eventos deixaram mais uma vez nu o jornalismo da TV Globo ao dificultarem o acesso da emissora às informações diretas do centro da crise em São Bernardo.

sábado, abril 07, 2018

A última interface da humanidade no filme "OtherLife"


“OtherLife” (2017) é um filme australiano independente (disponível na Netflix) que aborda o tema da realidade virtual, mas não através da perspectiva da simulação através de um software. Mas a realidade virtual como uma ideia química e biológica. Mais precisamente, por meio de um “software biológico”: se as nossas memórias são resultantes de complexas reações químicas, poderiam ser codificadas e transformadas na última interface da história da tecnologia: a bioquímica-digital. Uma droga na qual a realidade virtual comprime o tempo-espaço, lembrando a abordagem de “A Origem” de Nolan: um minuto do tempo real corresponderia a um ano de “férias” virtuais em praias paradisíacas ou nas montanhas nevadas de cartão postal. Para pessoas “sem tempo para ter tempo livre”, como anuncia a startup que promove o produto “OtherLife”. Mas conflitos corporativos, além do drama pessoal da cientista criadora da droga virtual, tornarão a interface “OtherLife” em um jogo perigoso. Filme sugerido pelo nosso emérito leitor Felipe Resende.

domingo, abril 01, 2018

Curta da Semana: "The Kiosk" - a crítica da vida cotidiana


Um curta que é inspirado da própria experiência de vida da diretora, Anete Melece. “The Kiosk” (2013) é um curta de animação sobre a difícil busca do equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. E a ainda mais difícil busca da satisfação no trabalho. Com um raro senso de comédia estética e visual, “The Kiosk” nos mostra uma protagonista literalmente presa no seu local de um trabalho alienante, monótono e sem sentido. Um acidente força a protagonista enfrentar uma jornada que transformará sua vida. Ou será que apenas realizou um sonho dirigido pela mídia e o turismo? O curta aborda temas que envolvem a “sociologia do cotidiano” do francês Henri Lefebvre – a “cotidianidade” como um fenômeno das sociedades modernas: de um lado a rotina, tédio e monotonia dos dias de trabalho. E do outro, as fantasias e compensatórias do que foi outrora o “tempo livre”, hoje chamado “lazer”.

sábado, março 31, 2018

Em "Infinity Chamber" o homem enfrenta a versão mais diabólica de HAL-9000


Desde o duelo mortal entre o astronauta Dave Bowman e o computador HAL-9000 no filme “2001” de Kubrick, o cinema não havia conseguido repetir uma luta tão icônica entre a inteligência humana e a artificial. Isso até o filme “Inifinity Chamber” (2016), na qual o homem enfrenta a nova geração da IA: os aplicativos e algoritmos capazes de aprender até o ponto em que poderiam saber mais sobre nós do que nós mesmos. Um homem é raptado em uma cafeteria, para acordar em uma cela high tech observado por uma câmera de teto: é o olho artificial de um computador chamado Howard. Sua função: mantê-lo vivo, para escanear suas memórias e fazê-lo repetir mentalmente em infinitas vezes o mesmo dia em que foi raptado, para tentar achar a evidência da sua ligação com um grupo terrorista. Um filme sobre tecnologia, sonhos e memória. Uma metáfora de como atuais aplicativos que fazem a mediação dos nossos relacionamentos são apenas pretextos para escanear nossos sonhos e pensamentos.

sexta-feira, março 30, 2018

Episódio "O Mecanismo" revela a inépcia da esquerda com a comunicação


Como era de esperar, a reposta da esquerda a “O Mecanismo” foram denúncias contra o conteúdo factual da série brasileira. Mordeu a isca jogada pelo diretor José Padilha e suas eminências pardas da atual guerra híbrida: de que a série era supostamente “baseada em fatos reais”. E começou a acusar o “assassinato de reputações” ao não respeitar “o tempo que os fatos ocorreram”, condenar a “distorção da realidade” e produzir “fake news”. Foi como se a esquerda levantasse a bola no outro lado da rede para o adversário dar uma violenta cortada. Como uma “obra de ficção”, a série deve ser criticada no seu próprio campo semiótico: a Operação Lava Jato foi um mero pretexto para o roteiro explorar a combinação explosiva de ressentimento com a meritocracia. Combinação que fez recentemente as ruas encherem de camisas amarelas batendo panelas. Como não consegue se descolar da visão conteudística da comunicação, a esquerda é incapaz de lutar no mesmo campo simbólico no qual Netflix milita. Além de oferecer mídia espontânea a uma série tosca e malfeita.

segunda-feira, março 26, 2018

Nietzsche explica "O Mecanismo": série explora o veneno psíquico nacional do ressentimento


O diretor José Padilha rebate às acusações de “Fake News” à série brasileira Netflix “O Mecanismo” alegando que é uma obra de ficção: uma “dramatização” da Operação Lava Jato. Porém, como obra de ficção, Padilha atirou no que viu e acertou no que não viu: sem a prisão de Lula, planejada para a semana do lançamento de “O Mecanismo”, a série foi deixada por si mesma. Sem o apoteótico final que a impulsionaria, a série revelou ser feita do mesmo material de propaganda indireta da atual guerra híbrida brasileira – o envenenamento psíquico pela doença do ressentimento. Como narrativa ficcional, “O Mecanismo” nada mais é do que uma tentativa de transformar ressentimento, ódio e frustração dos protagonistas em valores estoicos, nobres e patrióticos. A grande “virtude” de “O Mecanismo” é ser uma prova de como a “doença do ressentimento”, a “condição mais perigosa do homem” para Nietzsche, transformou-se em matéria-prima de propaganda política indireta.

sábado, março 24, 2018

"La Antena", um filme sobre como o monopólio midiático nos rouba a voz e as palavras


Um filme obrigatório para estudantes de graduação em Comunicação. Influenciado pelo cinema “noir” e pelo expressionismo alemão do clássico “Metrópolis”, o diretor argentino Esteban Sapir fez o filme “La Antena” (2007): uma curiosa estética inspirada no cinema mudo e metalinguagem das histórias em quadrinhos. Um filme crítico sobre os meios de comunicação, a imaginação e as palavras. Em uma cidade escura e invernal todos ficaram sem voz. O Sr. TV, dono de um monopólio televisivo (o Canal 9) tem um malévolo plano para dominar todos os cidadãos: sequestrar A Voz, a única pessoa que conservou o dom da fala. Para transformá-la na atração principal da sua emissora enquanto ele arquiteta outro plano ainda mais sinistro: roubar as palavras, para completar o seu regime de Telecracia. “La Antena” é uma provocativa metáfora dos monopólios latino-americanos de comunicação e de como a mídia é usada como arma para sustentar regimes totalitários.

domingo, março 18, 2018

Sapos verdes e a execução de Marielle: sobe o grau da guerra semiótica brasileira


Em um dia o industrial sem indústria e rentista Paulo Skaf lançava a campanha “Chega de engolir sapo” (ironicamente contra os juros altos) em frente ao prédio da Fiesp diante de um enorme batráquio verde inflado. E no dia seguinte a vereadora do PSOL/RJ Marielle Franco era executada com quatro tiros certeiros na cabeça. Intensifica-se a guerra semiótica com a ocupação do campo simbólico da sociedade pela direita. No primeiro caso, principalmente pela ironia dos autores da campanha, uma mensagem prá lá de ambígua que ainda tenta surfar na onda anti-PT/Lula, pela proximidade do “grand finale” da sua prisão. E no trágico episódio do Rio, uma vítima exemplar, escolhida a dedo, para detonar a “bomba identitária”, ato inaugural (assim como o “laboratório” da intervenção no Rio) para “melar” a eleição desse ano através do discurso da ameaça de um inimigo interno: o crime organizado. Fator até aqui ignorado pelos analistas políticos, mas que tem parte importante na guerra semiótica brasileira, desde os ataques de 2006.

sábado, março 17, 2018

Em "Corpo e Alma" a gnose possível através de um sonho lúcido


À primeira vista, o filme húngaro “Corpo e Alma” (Teströl és Lélekröl, 2017), indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é um conto bizarro e brutal sobre amantes em um matadouro de gado: um casal de funcionários que consegue se encontrar apenas quando dormem, no mundo dos sonhos. Mais exatamente, em um sonho recorrente: um veado e uma corça procurando folhas verdes em uma paisagem de inverno coberta pela neve. A diretora Ildikó Enyedi faz uma incursão no dualismo gnóstico Corpo/Alma: a matéria como uma prisão do espírito. E o sonho como o meio para superar essa divisão. Sem incorrer nos clichês hollywoodianos e motivacionais do tipo “todos os sonhos são possíveis!”. Mas através da imersão em um tipo especial de sonho: o sonho lúcido. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

quarta-feira, março 14, 2018

" La Casa de Papel", segunda temporada: crítica brasileira não quer entender a série



Enquanto a crítica europeia sobre a série da TV espanhola “La Casa de Papel” (2017) é diversificada, a crítica brasileira da mídia corporativa rejeita em bloco a produção do canal Antena 3. “Arremedo de Tarantino”, “série absolutamente ridícula” etc. dão o tom, enquanto para os espectadores brasileiros a série se transformou em um fenômeno. Os críticos da grande mídia descontextualizam a atual safra de produções espanholas que tematizam as consequências sócio-econômicas da crise do euro e da especulação financeira no país, para ficarem no confortável discurso do “gosto ou não gosto”, tomando como termo de comparação para análise os próprios clichês que Hollywood faz das produções fora do seu eixo. Principalmente na segunda temporada, a série assume o manifesto político contra o rentismo, a especulação e o fetichismo do dinheiro. Talvez porque seus patrões também sejam rentistas, os críticos tentam exorcizar de “La Casa de Papel” o fantasma do mal-estar que paira sobre a Globalização: com a financeirização, as fronteiras entre legal e ilegal, crime e virtude ou bem e mal desapareceram.  

quinta-feira, março 08, 2018

Do futebol argentino, uma lição de guerra semiótica para as esquerdas brasileiras


O “hit de verão” começou nos estádios argentinos, como protesto contra suposto favorecimento do Boca Junior na Federação de Futebol pela influência do presidente Mauricio Macri. Um canto ofensivo que ultrapassou o futebol e nos últimos dias se propagou para eventos culturais, shows de rock, memes e redes sociais. Se há apagão ou um trem do metro quebra, indignados os argentinos começam a cantar o “hit do verão”, canalizando o descontentamento. Um pequeno conto sobre guerra simbólica na política: como o protesto transcende o futebol e se transforma numa bomba em potencial. Enquanto isso no Brasil, um apagão de quase uma hora no Pacaembu fez crescer um coro anti-Globo da torcida do Santos, ao vivo na TV. Prontamente retalhado com a demonização da organizada “Torcida Jovem” nos telejornais da emissora. Apenas a esquerda brasileira não percebe esses sintomas simbólicos do descontentamento e como a grande mídia contra-ataca sempre ganhando por WO a guerra semiótica. “Somente se ataca símbolos a partir do simbólico”, afirma o pesquisador argentino Javier Bundio. Mas nunca as esquerdas pensaram em ocupar esse plano da sociedade. Será que o papel da derrota e da vitimização sempre lhes cai bem na velha narrativa de luta e resistência?  

segunda-feira, março 05, 2018

Curta da Semana: "The Walk Home" - Gnose e Política após a morte


Um dos trunfos do blog “Cinegnose” para demonstrar as conexões que envolvem o Gnosticismo e a Política é o curta “The Walk Home” (2014) do animador e ilustrador inglês Steve Cutts. Sim! A gnose é um ato político. Principalmente após a morte quando conseguimos dissolver as ilusões que nos prendem à órbita terrestre e que nos capturam em um novo ciclo de reencarnação e esquecimento. Um jovem desperta em uma grande cidade violenta e dominada pelo crime organizado. Mas é também uma sociedade na qual a elite parece tirar vantagem dessa desordem e caos. Numa perigosa jornada noturna, o jovem tem uma revelação estarrecedora. Mas também libertadora.  

domingo, março 04, 2018

Globo une gestão de imagem de Neymar com bomba semiótica da intervenção militar


Assim como na Copa de 2014, mais uma vez Neymar sofre uma contusão que o retira de uma cena catastrófica: lá atrás, livrou-se dos humilhantes 7 X 1 contra a Alemanha; hoje, escapa de mais uma possível derrota para o Real Madrid que tiraria o PSG da Champions League. O que tornaria ainda mais pesado o clima do craque com a imprensa francesa. Mas parece que os interesses dos gestores da imagem do jogador (o “Neymarketing”) estão se alinhando à estratégia diversionista da grande mídia num momento de intervenção militar no Estado do Rio – ponto de inflexão que representa o “laboratório” para “melar” as eleições desse ano pela criação de inimigos internos: favelas e crime organizado. No dia da cirurgia do jogador em Belo Horizonte, o veterano repórter esportivo Mauro Naves protagonizou ao vivo uma desajeitada tentativa para criar um suposto clima de comoção popular na frente do hospital. Sem um evento real, restou a mise-en-scène e o não-acontecimento tautista: jornalista entrevistando outro jornalista e as indefectíveis crianças com camisetas amarelas.

sábado, março 03, 2018

O estranho senso de justiça no filme "O Sacrifício do Cervo Sagrado"


Os deuses exigem de nós sacrifícios para que provemos nossa devoção. Mas, e se for exigido um sacrifício pessoal a eles? Um cirurgião bem sucedido e respeitado parece pairar como um Deus sobre a vida e a morte, até que encontra com um garoto que o faz se confrontar com algum tipo de justiça cósmica, que exigirá dele o sacrifício de um membro da sua família. “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (“The Killing of a Sacred Deer”, 2017), do diretor grego Yorgos Lanthimos (“The Lobster” e “Dente Canino”), segue a tendência atual de filmes estranhos dirigido por gregos que misturam horror, violência, amor e culpa em thrillers com situações bizarras. Aqui, Lanthimos lança seu olhar para os mundos assépticos dos hospitais e condomínios suburbanos que vendem para as massas as ilusões de controle patrocinado pela Ciência e racionalidade tecnológica. E, como em todos os filmes de Lanthimos, consegue extrair desses universos o estranho e o incontrolável.

sábado, fevereiro 24, 2018

A canastrice como fator subliminar na política


Temer, Rodrigo Maia, Dória Jr., Lula, FHC, Mário Covas. O que esses políticos têm em comum com as evoluções e regressões da teledramaturgia, principalmente da Globo, que moldou o imaginário coletivo brasileiro? Partindo da premissa de que por décadas a percepção do brasileiro médio foi moldada pela teledramaturgia, será que a performance dos políticos refletiria as mudanças das técnicas de atuação dos atores nas novelas? Ou em outros termos: será que a verossimilhança e a credibilidade dos discursos e performances que levaram esses políticos à cena pública é tirada do realismo ou do melodrama da linguagem das telenovelas? A canastrice entra em cena na política e torna-se um fenômeno pouco discutido pela ciência política ou propaganda. Um elemento subliminar: até que ponto políticos canastrões, caricaturas de caricaturas, ganham força não por ideologias ou virtudes, mas pela semelhança com a canastrice original do cinema e TV?

domingo, fevereiro 18, 2018

Cinegnose e Savoir Cursos & Palestras promovem workshop "Guerra Híbrida e Bombas Semióticas"


O Blog “Cinegnose” e a “Savoir Cursos e Palestras” promovem o workshop “Guerra Híbrida e Bombas Semióticas”. Este humilde blogueiro desenvolverá o workshop no dia 10 de março, no Hotel São Paulo Inn, no Centro de São Paulo. A partir da Guerra Híbrida implementada por uma inédita estratégia política midiática no período de 2013-2016 que culminou com o impeachment e a atual crise política, o workshop descreverá as diversas ferramentas de ação na opinião pública que vão muito além das fake news: Engenharia Social, Bombas Semióticas, Jornalismo Metonímico, Agenda Setting e Espiral do Silêncio, Estratégias Virais etc. E as perspectivas de ações políticas antimídia em um ano eleitoral... se tivermos eleições.

Em "The Man From Earth: Holocene" aquilo que o homem mais teme: o niilismo


“The Man From Earth: Holocene” (2017) é a continuação da saga iniciada com o primeiro filme em 2007 com um mix de ficção científica e especulação religiosa: John é um homem que diz ter vivido 14 mil anos, imortal. Um homem erudito que a cada dez anos se muda para ninguém perceber que nunca envelhece. Se no primeiro filme, John faz um embate filosófico e teológico com um grupo de cientistas, nesse segundo filme ele enfrentará duas ameaças: as novas tecnologias invasivas que ameaçam revelar sua identidade; e a busca desesperada do homem em busca de sentido para a existência que vê na imortalidade de John a resposta. O problema é que John Young na verdade é o espelho daquilo que o homem mais teme: o niilismo, a inexistência de qualquer propósito na vida terrestre.  

sábado, fevereiro 17, 2018

"Bomba Semiótica!": resposta à postagem de Fernando Horta no jornal GGN



O articulista Fernando Horta, do Jornal GGN, publicou a postagem “Bomba Semiótica?” na qual questiona o conceito como “um tremendo erro” ao colocar “a semiótica na frente do material”. Como “uma teoria maravilhosa” na qual se “esconde fracassos no sucesso de alguém”, ao fazer referência à repercussão política do desfile da Paraíso de Tuiuti. Como o termo “bomba semiótica” foi criado por este “Cinegnose” a partir do cenário da Guerra Híbrida no qual o Brasil foi alvo desde 2013, este humilde blogueiro faz algumas correções em uma interpretação errônea do conceito.

quinta-feira, fevereiro 15, 2018

Cinegnose participa de debate sobre guerra antimídia e carnaval na TV 247


        Respondendo ao convite do jornalista e editor-responsável pelo Brasil 247, Leonardo Attuch, esse humilde blogueiro participou de uma discussão no canal YouTube TV 247 sobre a repercussão do desfile da escola Paraíso do Tuiuti. O debate foi ontem à tarde (14/02), enquanto acontecia a apuração das notas do Grupo Especial do Carnaval do Rio.

        O que, junto com a participação dos comentários dos internautas, rendeu um bom debate sob o calor dos acontecimentos.

        Na verdade, o convite foi um desdobramento da última postagem deste Cinegnose sobre a guerrilha semiótica que representou esse último carnaval (" Guerra Antimídia no sambódromo, zumbis no carnaval e Grau Zero na Política... mas não conte prá esquerda" - clique aqui), desde " trolagens" e acontecimentos involuntários para jornalistas que faziam a cobertura da folia (repórteres pegos de surpresa com manifestações políticas etc.) até o ápice da bomba antimídia (contra-semiótica) das alas e carros alegóricos da Tuiuti.

        Um debate proveitoso, porque pude explicar de uma forma mais detalhada os conceitos de bomba semiótica, guerra híbrida, a evolução da cultura midiática em três fases (propaganda-repetição; publicidade-sedução; e a atual cultura de disseminação viral) e as lições para uma ação política antimídia.

        Confira o vídeo abaixo:


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