domingo, fevereiro 18, 2018

Em "The Man From Earth: Holocene" aquilo que o homem mais teme: o niilismo


“The Man From Earth: Holocene” (2017) é a continuação da saga iniciada com o primeiro filme em 2007 com um mix de ficção científica e especulação religiosa: John é um homem que diz ter vivido 14 mil anos, imortal. Um homem erudito que a cada dez anos se muda para ninguém perceber que nunca envelhece. Se no primeiro filme, John faz um embate filosófico e teológico com um grupo de cientistas, nesse segundo filme ele enfrentará duas ameaças: as novas tecnologias invasivas que ameaçam revelar sua identidade; e a busca desesperada do homem em busca de sentido para a existência que vê na imortalidade de John a resposta. O problema é que John Young na verdade é o espelho daquilo que o homem mais teme: o niilismo, a inexistência de qualquer propósito na vida terrestre.  

Um ser que vive fora do tempo? Um louco? Ele diz a verdade? É uma mutação biológica? Ou será algum tipo de divindade? Dez anos depois do primeiro filme de 2007, O Homem da Terra (clique aqui), as questões em torno do personagem John continuam as mesmas e em aberto na continuação The Man From Earth: Holocene.

A saga de John, um homem que supostamente vive há 14 mil anos, desde a era paleolítica, sem envelhecer e com a mesma aparência de 35 anos, continua. Se no primeiro filme ele organiza uma festa de despedida de improviso com amigos professores em uma casa de campo (sua estratégia de sobrevivência consiste em se mudar a cada 10 anos para que ninguém perceba que nunca envelhece), nesse filme de 2017 ele tenta fugir da suspeita de alunos que veem no melhor professor da universidade uma pessoa com um estranho mistério.

Em 2007, John Oldman revelou seu segredo para um grupo seleto de professores (biólogo, antropólogo, uma especialista em textos bíblicos, um historiador e um psicólogo) para iniciar discussões teológicas, metafísicas e existenciais. Mas agora em 2017, ele é John Young, um professor no norte da Califórnia. Desta vez morando com uma mulher chamada Carolyn e considerado pelos alunos como o melhor professor na sua especialidade: história das religiões.

Mas em The Man from Earth: Holocene, as discussões filosóficas do primeiro filme foram deixadas para trás, para jogar o suposto ser milenar em confronto com dois inimigos: as novas tecnologias de informação (celulares, Internet e câmeras de vigilância) que torna praticamente impossível manter o seu segredo; e o drama da luta humana contra o niilismo na procura de qualquer sentido ou propósito para a existência.


E, simplesmente, a recusa humana de que um homem que tenha vivido tanto tempo não traga nenhuma sabedoria ou não seja uma espécie de salvador enviado por Deus. Mas apenas um homem que luta para sobreviver.

É nesse momento que a continuação do filme cult de 2007 deriva das discussões filosóficas para um thriller com final aberto.

O Filme


Professor universitário de Religião Comparada, John Young (David Lee Smith) vive com a companheira e também professora Carolyn (Vanessa Williams) e é reconhecido como um erudito brilhante e bem quisto entre os alunos e outros membros do corpo docente.

Mas John também é decididamente excêntrico: costuma desaparecer de casa para fazer acampamentos solitários e estranhamente parece resistir aos anos que passam – mantém a mesma aparência. Com a proximidade do Natal, John pressente que todos ao redor já estão começando a perceber isso, e sabe que é hora de mais uma vez partir, e sem deixar rastros na sua jornada como um ser aparentemente imortal.

Aparentemente, porque, para sua surpresa, ele começa a perceber nele mesmo pequenos indícios de envelhecimento e regeneração de lesões mais demoradas do que de costume.

Porém, desaparecer sem deixar rastros está se tornando uma tarefa cada vez mais árdua com a onipresença das modernas tecnologias de comunicação como a Internet e dispositivos móveis: resiste a ser fotografado, proíbe celulares em suas aulas e se esconde das câmeras de vigilância. John começa a constatar as dificuldades de um ser milenar manter em segredo a identidade numa sociedade que cada vez mais invade a privacidade de todos.


Talvez, os primeiros indícios de envelhecimento em milhares de anos sejam simbólicos:  nem um ser milenar pode fazer frente à atual onisciência tecnológica.

A figura enigmática do professor chamada a atenção de um grupo de alunos: Tara (Brittany Curry, que vive um amor platônico pelo professor), Isabel (Akemi Look), Liko (Carlos Knight) e o fundamentalista cristão Philip (Sterling Knight).

Isabel se depara com o livro chamado “The Longest Night” do outro respeitável arqueólogo Dr. Arthur Jenkis – após a publicação do livro que descreve toda a noite de discussões dos professores com um homem da caverna imortal de 14.000 anos, Jenkis foi ridicularizado e sua carreira destruída.

Uma pesquisa em sites de busca na Internet e um telefonema para a Dr. Jenkis já são o suficiente para levantar fortes suspeitas do grupo sobre a verdadeira identidade de John Young.  É uma corrida contra o tempo: enquanto as investigações dos jovens alunos fecha o cerco, John terá que às pressas se despedir da sua companheira de anos e encerrar suas atividades docentes na universidade.


Do quê John foge?


The Man From Earth: Holocene mantém o excêntrico mix de ficção científica com especulação religiosa. Porém, nessa continuação não temos mais as discussões e os jogos intelectuais que marcaram o embate de um grupo de cientistas com um homem supostamente milenar. Mas uma espécie de thriller com um final aberto. O que desagradou muitos espectadores e críticos.

Todavia, o mais importante nessa continuação é que é revelado o porquê de John viver fugindo, escondendo sua identidade e ao longo dos milhares de ano ter se tornando muito mais um sobrevivente do que algum tipo de divindade sábia: ele foge da compulsão de todos ao redor de cobrarem dele algum tipo de conhecimento secreto ou revelação religiosa que finalmente desse à humanidade um sentido e propósito.

No primeiro filme, foi deixado bem claro que John, apesar de imortal, sempre foi prisioneiro do horizonte de conhecimentos de cada época em que viveu – sua percepção cognitiva sempre foi fragmentada, sem conseguir criar uma síntese, sabedoria ou alguma revelação bombástica.

Que é exatamente isso que o grupo de jovens espera sobre a identidade secreta de John Young: um homem que seja alguma espécie de messias, um enviado das estrelas ou a própria volta de Jesus Cristo... Ou, o mais fantástico: Jesus jamais morreu, e John é o próprio messias.

Claro que essas conjecturas são heresias para o jovem Philip, um fundamentalista cristão nascido em uma família cujos pais pertencem a uma igreja pentecostal. Atormentado por dúvidas teológicas e existenciais, Philip vive numa infernal polaridade: John pode ser Cristo... mas também o próprio Anti-Cristo, tal como previsto no livro bíblico do Apocalipse.


Não é necessário muito esforço para adivinhar que todo fundamentalismo inspira a violência e John poderá esperar de Philip uma ameaça a sua própria vida.

Enquanto o primeiro filme focou mais nas discussões intelectuais de um grupo de cientistas, aqui nessa continuação vemos John exposto ao mundo cotidiano das novas tecnologias e do comportamento humano imprevisível pela busca de um sentido para a existência.

O problema é que John Young é o espelho daquilo que o homem mais teme: o niilismo, a inexistência de qualquer propósito na vida terrestre. Tudo que John ensina na universidade é aquilo que já conhecemos nos livros. Ele foi apenas uma testemunha privilegiada de importante fatos históricos. O pouco que aprendeu, tentou revelar certa vez para o povo na antiga Galiléia, em um monte de oliveiras. Para, assustado com o efeito, fugir da multidão que começou a vê-lo como Cristo, messias e congêneres.

Por isso, a principal ironia dessa sequência é que aquilo que John mais teme ter surgido em um grupo de jovens alunos: como, em pessoas tão jovens, se manifesta um comportamento bipolar tão velho como a própria humanidade – de um lado, a busca desesperada por algo (messias, ETs etc.) que lhe dê algum sentido para a vida; do outro, a reação violenta diante daquele que lhe nega. É a base psíquica de toda a violência, ódio e intolerância que acompanha toda história humana.

Logicamente, um ser imortal passaria sua existência fugindo dessa trágica recorrência.


Ficha Técnica 

Título: The Man From Earth: Holocene
Diretor: Richard Schenkman
Roteiro: Emerson Bixby, Jerome Bixby
Elenco:  David Lee Smith, Brittany Curran, Sterling Knight, Akemi Look, Vanessa Williams
Produção: Falling Sky Entertainment
Distribuição: Parade Deck Films
Ano: 2017
País: EUA

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