Assistir ao filme
“Saló ou os 120 Dias de Sodoma” (Salò o Le 120 Giornate di Sodoma,
1975) de Pasolini é uma experiência no mínimo incômoda, mesmo hoje quando a
nossa sensibilidade diante do Mal se tornou apática com tanta exposição de sexo
e violência na indústria do entretenimento. Por que 36 anos depois as cenas de
“Saló” ainda nos causam repulsa e horror? Talvez porque tenham sido as cenas que
melhor conseguiram expressar em uma narrativa fílmica a radicalidade do Mal exposta
pela obra de Marquês de Sade – o Mal transparente, aquilo que não pode ser explicado ou deduzido,
porque originado da própria Razão e dos seus instrumentos que deveriam
impedi-lo de existir.
A primeira vez que assisti ao filme “Saló ou os 120 dias de
Sodoma” de Pasolini foi dentro da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
no extinto cine Paramount (hoje Teatro Abril) lá pela década 1980. Naquela
noite, enquanto o filme era exibido, vi espectadores correndo para o banheiro
com as mãos levadas à boca, aparentemente com ânsia de vômito; muitos
simplesmente se levantando e indo embora e os demais com os rostos crispados de
horror e repugnância (o meu, inclusive). Resultado: restaram ao final das quase
duas horas de projeção eu e mais quatro espectadores.
Em meio a “snuff movies”, “slasher movies”, “pornôs hardcore”,
“nazi-exploitation” etc. atuais que acabaram moldando uma sensibilidade mais
fria e apática diante do Mal, Saló permanece um filme instigante, provocativo e
chocante. Por que? Olhando em perspectiva o conteúdo das diversas cenas,
encontramos até muitos cenas que se tornaram clichês presentes nos gêneros
cinematográficos citados acima. Mas, mesmo assim, as sevícias, torturas e
mutilações em “Saló” ainda horrorizam, mas de uma forma radical: certamente
este filme de Pasolini foi o que melhor soube representar a radicalidade do Mal
proposta pela obra de Marquês de Sade – a reversibilidade do Mal e o Inumano.
Isto é, o Mal que não pode ser racionalizado, explicado,
deduzido, porque originado da própria Razão e dos seus instrumentos que
deveriam impedi-lo de existir.
O filme segue fielmente a obra “Os 120 dias de Sodoma” de
Marquês de Sade, associando a narrativa sadeana ao momento histórico da criação
de uma nova república fascista na cidade setentrional de Saló em 1943 por
Mussolini após sua deposição do governo do país com a invasão das tropas
aliadas e a revolta popular.
Em Saló, quatro poderosos (o Duque, representando a nobreza;
o Bispo, a Igreja; o Presidente, o Estado laico; o Magistrado, a corrupção e a
parcialidade da Justiça) decidem juntar sua fortunas para realizar a maior
orgia já concebida pela mente humana: em um castelo isolado é formado um grupo
de 8 garotos, 8 garotas, 4 narradoras, 4 putas velhas, 8 garanhões, 4 criadas,
6 cozinheiras e as 4 filhas dos libertinos, casadas entre eles.