Mostrando postagens com marcador Freud. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Freud. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, março 10, 2022

As tiranias tecnológicas da empresa moderna na série "Ruptura"




Chega de tentar equilibrar as exigências do trabalho com a vida pessoal. Chega de estresse e burnout. Chega de levar problemas para casa. Chega de ficar depressivo no domingo com medo da segunda-feira. Na série Apple TV+ “Ruptura” (“Severance”, 2022- ) esses problemas terminaram. Ou aparentemente. Afinal, como o bom e velho Freud dizia, o reprimido sempre retorna. Em um futuro próximo uma revolucionária técnica neurocirúrgica chamada “Ruptura” cria dois selfs totalmente incomunicáveis em funcionários de uma misteriosa corporação: o eu da vida pessoal não lembra do eu que trabalha na empresa. É como vender parte de si à corporação. A série “Ruptura” é uma espécie de “The Office” hipo-utópico: revela desde as suaves tiranias dos escritórios modernos até o grande projeto de engenharia social do Capitalismo: controlar o tempo livre dos indivíduos através do esquecimento.

quinta-feira, fevereiro 24, 2022

'Moonfall': um filme-catástrofe para a nova era da Guerra Fria 2.0 e da pandemia global


“Moonfall: Ameaça Lunar” (2022), do mestre dos filmes-catástrofe Roland Emmerich (“Independence Day”, 2012), é um exemplo do mais recente pico de produções do gênero, sincrônico à crise pandêmica global e à Guerra Fria 2.0 consolidada com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Dessa vez, acompanhamos o que aconteceria se a Lua saísse de órbita e entrasse em rota de colisão com a Terra. Esse novo pico de produções de filmes-catástrofe (basta pesquisar o banco de dados do Internet Movie Data Base – IMDB) confirma a tese do sociólogo Ignácio Ramonet: os filmes catástrofes são uma operação psicológica de deslocamento, ao criar um objeto fóbico que fixa a angústia coletiva suscitado em situações de crise. Fixar o vetor da crise como uma calamidade de ordem natural para, dessa maneira, despolitizar os acontecimentos. Freud explica.

Roland Emmerich é o mestre dos filmes-catástrofe. Principalmente pela maneira como consegue combinar paranoia e teorias conspiratórias que sempre apontam para uma iminente destruição do planeta.

Em Independence Day (1996), a conspiração governamental para ocultar o segredo alienígena na Área 51; em Godzilla (1998), testes nucleares secretos criam um lagarto mutante gigantesco que, claro, vai querer destruir Nova Iorque; em O Dia Depois de Amanhã (2004), a conspiração para ocultar as consequências apocalípticas das mudanças climáticas; em 2012, tendo como pano de fundo a profecia Maia que supostamente previa o fim do mundo naquele ano, a conspiração das elites mundiais para ocultar a catástrofe geológicas que matará grande parte da população – enquanto a elite, com informação privilegiada, pagava fortunas para um lugar na Arca de Noé high tech.

E agora, Moonfall: Ameaça Lunar, com uma teoria da conspiração tão velha quanto a do pouso da Apollo 11 na Lua dirigido por Stanley Kubrick – a teoria de que a Lua é uma megaestrutura alienígena oca, criada por uma antiga raça para algum propósito não muito claro.

Dessa vez o “mestre do desastre” ao mesmo tempo nos aterroriza e nos fascina (com os espetaculares efeitos especiais CGI) descrevendo o que aconteceria se a Lua saísse de orbita e entrasse em rota de colisão com a Terra.

O filme é lançado num momento em que transforma esse típico exemplar do gênero filme-catástrofe num sintoma: as consequências econômicas globais da pandemia somadas à escalada da crise política no Leste Europeu com o desfecho final da invasão russa na Ucrânia.

Moonfall é um típico filme de um gênero bem particular, que não pode ser confundido com a tendência atual da “Covid Expoitation”, série de filmes que exploram as mazelas humanas em meio à pandemia global: Corona Zombies (mortos pela Covid viram zumbis vingativos), Coronavirus: The Movie (produção hindu), Corona: Fear is a Virus (em meio à pandemia, um grupo fica preso num elevador no Canadá), A Casa da Praia (uma pandemia que vem do oceano), a série Slborn (uma pequena comunidade numa ilha observa indiferente a pandemia global pela TV) ou o curta Apocalypse Norway (um grupo de adolescentes numa área costeira remota ignora a chegada de um vírus apocalíptico na Europa), entre outras inúmeras produções.

Roland Emmerich pega uma carona num gênero que ao mesmo tempo é um sintoma psicossocial e uma operação ideológica de Hollywood – uma tendência que cresceu principalmente no pós-guerra da década de 1950.



Historicamente, os filmes-catástrofes começaram operando um fenômeno de deslocamento no psiquismo coletivo, onde a ansiedade e medo coletivo da guerra nuclear e da guerra fria eram transferidos para um “objeto fóbico” representados por invasores alienígenas, formigas gigantes ou até pássaros assassinos – Os Pássaros, de Hitchcock.

Esse conceito de objeto fóbico é muito mais complicado do que a paranoia criada pelo medo de um inimigo externo. não se trata simplesmente de medo a um objeto. O próprio medo e o objeto, em si, já são sintomas. Como Freud afirmava em 1909, “aquilo que é hoje o objeto de uma fobia, no passado deve ter sido também a fonte de um elevado grau de prazer” (Cf. FREUD, S. “Análise de uma fobia de um menino de cinco anos”, Capítulo III parte II).

Segundo Ignácio Ramonet, esse gênero de blockbuster teria o papel habitual de “deslocamento”: as calamidades fílmicas teriam a função de “criar um objeto fóbico que permitiria ao público localizar, circunscrever e fixar a formidável angústia ou estado de aflição real suscitado pela situação traumática da crise” (Veja RAMONET, Ignácio. Propagandas Silenciosas. Petrópolis: Vozes, 2002, p.86).




Se acompanharmos a produção dos filmes desse gênero veremos que os picos de produção se localizam exatamente em contextos históricos de crise econômica ou política. Trabalhando com o banco de dados do IMDB (Internet Movie Data Base) referente à produção de disaster movies entre 1920-2021, percebe-se nitidamente essa tendência - veja gráfico com esses dados adiante.

Mas antes, vamos falar um pouco sobre a nova produção de Roland Emmerich.

O Filme

Os astronautas Jo (Halle Berry) e Brian (Patrick Wilson) testemunham um acidente bizarro enquanto fazem a manutenção de um satélite em órbita, causado por uma massa ondulante de matéria negra. 

Quando eles voltam à Terra sem um membro da tripulação (morto no episódio), ninguém acredita neles; Brian é culpado e colocado na lista negra da NASA. 

Corta para dez anos à frente, para conhecermos KC Houseman (John Bradley de Game of Thrones ), um blogueiro solitário com um gato chamado Fuzz Aldrin. Na verdade, um teórico da conspiração que vê antes de qualquer pessoa que a Lua saiu de órbita e seus detritos destruirão o planeta dentro de semanas. 




Cabe a Brian e Jo retornarem ao espaço e derrotar o que eles chamam de “o enxame”, a misteriosa matéria negra que causou o acidente orbital na abertura do filme – de alguma forma, aquela estranha forma de inteligência alienígena está conectado com o estranho comportamento do nosso satélite “natural”... ou não tão natural assim!

O ator Donald Sutherland está fascinante e assustador como o personagem guardião dos mais sombrios segredos da NASA: um deles, o de que a Lua é um artefato alienígena que parece ter sido hackeado por alguma forma sinistra de IA alienígena que pretende riscar a humanidade do Universo.

Moonfall é um filme-catástrofe vintage, que parece querer retornar aos tropos clássicos dos anos 1990: no meio da catástrofe, com a Terra sofrendo anomalias gravitacionais que destrói cidades com terremotos e tsunamis, há espaço para piadas sem graça, discussões de relacionamentos entre casais e famílias que tentam juntar os cacos de casamentos rompidos. Junto ao combo, crianças que se perderam dos pais e mulheres frágeis à espera do herói.

Mas, como uma pitada de contemporaneidade dos tempos de privatização das viagens espaciais: A NASA é retratada por um viés extremamente negativo, enquanto Elon Musk e suas empresas são mencionados com uma regularidade de arregalar os olhos, a ponto de parecer uma estratégia mercadológica de inserção de produtos – product placement.




O objeto fóbico dos filmes-catástrofe

Acompanhando o gráfico abaixo, podemos observar a confirmação da tese de Ignácio Ramonet: os filmes-catástrofe correspondem imaginariamente ao efeito de deslocamento, isto é, fixar o vetor da crise como uma calamidade de ordem natural para, dessa maneira, despolitizar os acontecimentos.

O primeiro pico de produções está no ápice da guerra fria com a ameaça nuclear dos anos 1950 e começo da década de 1960.

Nos anos de 1970 vemos a consolidação do gênero com Filmes sobre catástrofes (incêndios, maremotos, terremotos, panes tecnológicas, enchentes etc.) que surgiam de repente e abalavam a harmonia de uma comunidade começam a se multiplicar desde o filme Aeroporto (1970). Seguem-se O Destino de Poseidon (1972),Terremoto (1974), Inferno na Torre (1974), Heat Wave (1974), Aeroporto 1975Flood! (1976) entre outros.




Depois de décadas de crescimento e estabilidade econômica no pós-guerra, os anos 1970 foram marcados pela aceleração da inquietude com a crise do petróleo associado às sucessivas derrotas norte-americanas do Vietnã, conflitos raciais, o escândalo de Watergate e a moratória disfarçada de Nixon ao romper o acordo de Breton Woods e decretar o fim do lastro-ouro para o dólar.

Após as crises dos anos 1970, segue-se a era de ouro das políticas neoliberais da era Reagan e Thatcher nos anos 1980 e a estabilidade econômica mediante a socialização dos prejuízos pela dilapidação do Estado. Em uma década triunfante coroada com a queda do Muro de Berlin e o início da ordem global, despenca a produção de filmes desse gênero. O gênero será retomado na segunda metade dos anos 1990, época das primeiras grandes crises financeiras sistêmicas e globais: a crise do México em 1995, a crise das bolsas asiáticas em 1997-98 e o calote russo em 1998.  

A retomada dos filmes-catástrofes vem com filmes como IndependenceDay (1996), Daylight (1996), Twister (1996), Titanic (1997), Volcano (1997), O Inferno de Dante (1997), Impacto Profundo (1998) entre outros.




E na segunda metade dos anos 2000 com uma nova onda de instabilidade pela explosão da bolha especulativa imobiliária dos EUA em 2008 e o derretimento da Zona do Euro a partir de 2009, experimentamos um novo pico de filmes catástrofes: Cloverfield – Monstro (2008), Fim dos Tempos (2008), A Estrada (2009), 2012 (2009), A Epidemia (2010) etc. E a onda de filmes continua na década de 2010 como reflexo da demora da retomada da economia mundial: Invasão do Mundo: a batalha de Los Angeles (2011), Ataque ao Prédio (2011) ou O Impossível(2012).

E os anos 2020 começam com a pandemia global e, agora, o ressurgimento da Guerra Fria com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Porém, para haver essa operação psíquica de deslocamento descrita por Ramonet, é necessário o motor imaginário do objeto fóbico. Como Freud observou, esse objeto particular passa a ter uma característica fóbica – aquilo que no presente tem uma característica fóbica, significa que no passado foi fonte de prazer.

O fascínio pelos filmes-catástrofe se origina justamente dessa ambiguidade imaginária das crises: assim como Freud observou que o objeto de uma fobia foi fonte de prazer no passado, crises e instabilidades vislumbram a inesperada possibilidade de libertação com a destruição de uma ordem. Crises e desordens podem produzir desobediências civis e, no âmbito político, possibilidade de novos discursos críticos emergirem. Por isso a necessidade da o cinema transformar a crise em um objeto fóbico (assustador, repugnante etc.), para afastar do horizonte qualquer esperança de mudanças.

Em síntese, o filme-catástrofe explora de uma maneira peculiar o clichê mais geral da indústria de entretenimento de quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem  - não importa o gênero ou tema, esse clichê está sempre presente como uma forma de elaborar a fantasia e as expectativas do espectador: ir ao cinema para quebrar a rotina e o desprazer do cotidiano ao ver, de forma ritualizada a ordem social, política etc. ser quebrada – bancos sendo roubados, terroristas explodindo coisas, a desordem da sociedade à beira do fim do mundo etc. 

E, chegando ao final, prepará-lo para retornar às suas obrigações diárias, como se nada tivesse ocorrido, com o retorno à ordem. 


 

Ficha Técnica


Título: Moonfall: Ameaça Lunar

Diretor: Roland Emmerich

Roteiro: Roland Emmerich, Harald Kloser, Spenser Cohen

Elenco:  Haller Berry, Patrick Wilson, John Bradley, Charlie Plummer

Produção: Centropolis Entertainment

Distribuição: Diamond Films

Ano: 2022

País: EUA

 

Postagens Relacionadas


Covid exploitation: o Mal e o demasiado humano em “Host” e “Safer at Home”



Por que Nova York precisa ser destruída?



Por que o mundo tem que acabar?



O fim do mundo não foi televisionado


 

quarta-feira, fevereiro 23, 2022

No futuro impostos e anúncios invadirão nossos sonhos no filme 'Strawberry Mansion'


Michel Gondry se encontra com Freud. E “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” descobre a “Interpretação dos Sonhos”. Esse é o filme indie “Strawberry Mansion” (2021). Em um futuro próximo o Neuromarketing alcança o estado da arte: sem permissão, poderosos algoritmos dirigidos ao consumidor se infiltram nos sonhos das pessoas, construindo anúncios com o próprio material onírico. Além disso, todos os objetos dos sonhos são tributáveis e auditados através de um “stickair”. Um auditor fiscal vai investigar o caso de uma contribuinte que há anos vem sonhando, sem pagar impostos. Auditar seus sonhos será a chave para uma terrível descoberta sobre a natureza gnóstica da própria realidade.

quinta-feira, janeiro 20, 2022

O medo e a culpa alimentam o terror demasiado humano no filme 'O Páramo'



Chegamos a esse mundo fisicamente dependentes dos nossos pais e cercados por terrores reais e imaginários que reforçam os nossos laços familiares, tanto pelo amor, medo e culpa. Essa é a matriz edipiana que será replicada da família até a sociedade, na qual o medo se transforma em matéria-prima da dominação. O terror espanhol Netflix “O Páramo” (El Páramo, 2021) re-encena esse drama atávico ao acompanharmos uma pequena família isolada em uma extensa planície desértica, vivendo em exílio para fugir dos horrores da guerra. Mas a distância não é o suficiente para o horror deixar de acompanhá-los. Um horror invisível de alguma besta que está à espreita. Que parece surgir de algo demasiado humano que alimenta todo o terror.

sexta-feira, novembro 19, 2021

Teoria da Estupidez de Bonhoeffer explica por que o Brasil deu nisso


“A estupidez é um inimigo mais perigoso do que o mal. Diferente da estupidez, o mal tem as sementes da sua própria destruição”. A Teoria da Estupidez, descrita pelo teólogo, pastor e membro da resistência anti-nazista, Dietrich Bonhoeffer, explicaria perfeitamente o Brasil atual: a estupidez seria um fenômeno que está na raiz de todos os problemas. Diferente da canalhice e do mal-intencionado, a estupidez não é uma falha no caráter ou súbita suspensão da razão: é uma categoria sócio-psicológica, bem objetiva, com origens no funcionamento heurístico da nossa mente, sempre em busca de atalhos por meio de vieses cognitivos. E de todos os vieses, o efeito de rebanho é o mais proeminente. Por isso, a estupidez é orgulhosa de si mesma: tem a chancela do grupo, da “maioria”. Para Bonhoeffer, conhecer a natureza da estupidez é urgente porque, ao contrário do mal, contra a estupidez não temos defesa.

segunda-feira, setembro 27, 2021

Édipo, culpa e fantasia-clichê no terror do filme 'We Need to Do Something'


Tudo começa promissor em “We Need to Do Something” (2021): um tornado aproxima-se de um bairro de subúrbio e a família abriga-se no banheiro, para ficar prisioneira depois que uma árvore caiu e bloqueou a porta. Mas parece que há algo de mais terrível lá fora. Um terror indie sintonizado com as ansiedades da atual pandemia e que minuciosamente constrói um horror psicológico baseado na linguagem extracampo com a câmera e montagem. Porém, acaba caindo na velha armadilha da matriz edipiana da psicanálise dos cânones do gênero terror hollywoodiano: desejo e culpa que alimentam a velha fantasia-clichê da “quebra-da-ordem-e-retorno-à-ordem” – o Mal como remédio amargo para redimir a ordem do núcleo familiar, mesmo que seus membros estejam despedaçados em ressentimentos uns com os outros. 

quarta-feira, setembro 15, 2021

"Três Estranhos Idênticos": será que Hitler ganhou a guerra?


Tudo começou como um típico final feliz de um melodrama midiático: três gêmeos idênticos, separados aos seis meses de vida e adotados por famílias diferentes, por acaso se reencontram no campus de uma universidade norte-americana. Nos anos 1980 viraram celebridades e objetos de uma insaciável curiosidade do público em talk shows e programas de auditório. Circo midiático que pretendia ocultar uma realidade sombria: uma obscura pesquisa científica liderada por um psiquiatra austríaco, cujos resultados jamais foram publicados, os financiadores são mantidos no anonimato e os registros originais estão judicialmente trancafiados no acervo da biblioteca da Universidade de Yale. É o que descreve o documentário “Três Estranhos Idênticos” (2018, disponível na Netflix) que sugere as conexões entre a American Eugenic Society (“eugenia”, termo usado para tornar a expressão “limpeza racial” menos forte) e os campos de concentração nazistas. O que nos leva a suspeitar que a sociedade norte-americana atual seria a versão triunfante do modelo que Hitler queria implantar. 

quinta-feira, setembro 02, 2021

'Não Vamos Pagar Nada' infantiliza crise brasileira com medo, culpa e ressentimento



Nos tempos que a Globo atuou como partido de oposição até o golpe de 2016, a teledramaturgia foi uma das principais armas: novelas e séries para ativar os principais gatilhos imaginários: judicialização e justiçamento. Agora, a teledramaturgia está a serviço da blindagem da política econômica neoliberal apoiada pelos patrocinadores da emissora: banca financeira, agronegócio e exportadores de commodities. A produção Globo Filmes “Não Vamos Pagar Nada” (2020) é exibida na TV aberta no momento quando a política neoliberal cobra seu preço: inflação, desemprego e crise energética. Desempregadas e sem ter como comprar o básico, um grupo de donas de casa saqueia um mercado local. Para depois se confrontarem com seus maridos e a polícia. Uma perfeita peça ideológica em forma de comédia: com uma narrativa infantilizada, explora o medo e sentimento de culpa. Que no adulto se transformam em ressentimento.

terça-feira, agosto 31, 2021

Em 'True Stories' Freud encontra a América Profunda


É uma coincidência significativa o filme de David Byrne e Talking Heads, “True Stories” (1986) ter sido relançado pela Criterium Collection, em DVD e Blu-Ray, em 2018. Assim como o seu relançamento ocorreu em meio do governo de extrema-direita de Donald Trump, seu lançamento nos anos 1980 foi no meio do governo também conservador de Ronald Reagan. Naquele momento, reeleito. Byrne vai ao encontro de personagens inspirados em histórias de tabloides dos EUA: tipos da América Profunda na cidade fictícia de Virgil, Texas. Uma espécie de Vale do Silício texano, na qual o futurismo das novas tecnologias não é o suficiente para alterar a moralidade e a cultura conservadora de pessoas que não querem saber de justiça ou liberdade – tudo que querem é serem “dignas do amor”. “True Stories” ilustra o principal insight freudiano de “Psicologia de Massas e Análise do Ego”: mais do que a morte, o que mais tememos é não sermos amados.

sábado, maio 29, 2021

'Senhor das Moscas', Rousseau e Elon Musk vão para o espaço em 'Voyagers'


Desde que William Golding publicou “O Senhor das Moscas” em 1954, seu plot passou a ser um dos mais adaptados ao cinema e audiovisual (Lost, The Hundred, A Praia etc.). Porém, a ficção científica “Voyagers” (2021) acrescenta um toque de modernidade com a ideologia Elon Musk que parece dominar o gênero na atualidade. Mas também leva a ideia iluminista de contrato social de Rousseau para o espaço sideral. Diante de um cataclismo climático que ameaça a espécie, uma tripulação de adolescentes é enviada em uma missão de 86 anos para um distante planeta na qual seus filhos e netos viverão. Mas o maior inimigo será mesmo a natureza humana que transformará aquela espaçonave no microcosmo das mazelas políticas deixadas na Terra, a ponto da ruptura dos limites entre Natureza e Civilização. Porém, a ideologia Elon Musk não permite o filme abordar uma questão gnóstica que o filme suscita: a missão para salvar a humanidade foi elaborada através da mentira, ilusão e amoralidade. 

sexta-feira, maio 28, 2021

Sexo, fascismo, o "pênis" da Fiocruz e Alan Moore


Qual o sincronismo de assistir ao documentário “The Mindscape of Alan Moore” e acompanhar uma semana que começa com a carreata de Bolsonaro acompanhado de possantes motos da militância alt-right e termina com a confirmação da depoente bolsonarista Mayara Pinheiro na CPI da Pandemia confirmando áudio dela sobre ter visto “um pênis na porta da Fiocruz”? Moore (conhecido escritor de HQs) explica o argumento do gibi “Lost Girls”: como os adultos, via repressão sexual e moralismo, canalizam as energias sexuais dos jovens para a guerras e assassinatos. Argumento que ecoa as teses de Wilhelm Reich sobre a psicologia de massas do fascismo, basicamente em torno de duas teses principais: preocupação exagerada (seja pela repressão ou ansiedade) em relação à sexualidade e erotismo e representações do poder e da rudeza - importância exagerada em relações assimétricas de poder-submissão. Principalmente a relação com o simbolismo fálico através da ostentação, paranoia e angústia da castração.

quinta-feira, maio 20, 2021

Freud e Jung encontram-se com o Gnosticismo em 'Super Me'


A produção Netflix chinesa “Super Me” (“Qi Huan Zhi Lv”, 2019) é um didático exemplo da complexidade atual dos produtos de entretenimento, muito além dos algoritmos da plataforma de streaming. O filme acompanha um roteirista insone, sem sorte e quase um sem-teto. Até que descobre, nos sonhos, uma forma de trazer tesouros para o mundo real, tornando-se super rico. Porém, hedonismo e ressentimento poderão destruí-lo. Uma fantasia que combina realismo fantástico, romance e comédia com uma narrativa bem adaptada às exigências ideológicas do  atual capitalismo chinês moderno e global. Porém, para não se tornar mais uma narrativa-clichê vazia, faz um mix de Jung e Freud dentro de uma cosmogonia PsicoGnóstica: somos prisioneiros nesse mundo e os sonhos seriam uma forma de libertação. Mas, em todos nós, há uma Sombra que sem misericórdia nos vigia e pune.

terça-feira, maio 18, 2021

Objetofilia: a atração amorosa por objetos como espírito do tempo em "Jumbo"


Uma francesa casou-se com a Torre Eiffel. Mais tarde, divorciou-se do famoso monumento e, atualmente, vive um relacionamento com um guindaste. Uma norte-americana casou-se com uma roda gigante na Flórida, depois de um longo namoro de décadas. Esse é a estranha subcultura do “objectum” ou “objetofilia”: pessoas atraídas amorosamente por objetos. O filme francês “Jumbo” (2020) se inspira nesse universo ao acompanhar uma jovem que se apaixona pela nova atração de um parque temático de um vilarejo: uma enorme roda giratória multicolorida em neon com cadeiras cheias de turistas aos gritos. Um filme estranho que mergulha no psiquismo do desejo e do erotismo com placas de metais e óleo viscoso. Como todo filme estranho, é um sintoma do atual zeitgeist: uma sociedade mercadologicamente organizada para explorar neuroticamente nossas fantasias e desejos mais profundos. No caso, o animismo do chamado “objeto transicional” descrito pela psicanálise de Winnicott.

sexta-feira, abril 16, 2021

Guerra Híbrida: engenharia do caos cria o pseudo-evento da 'Vacina Prozac'


Em um teatro de operações de guerra semiótica híbrida, todos os atores funcionam no piloto automático, sob o loop OODA (Observação-Orientação-Decisão-Ação), retroalimentando o cenário caótico planejado pela operação psicológica. O melhor exemplo é a narrativa e o imaginário da vacina Covid-19. Tudo começa com a deliberada sabotagem do Governo Federal (negacionismo, omissão etc.) para hipervalorizar a vacina (através da escassez) como solução individual em detrimento de ações coletivas. Ato contínuo, governadores e prefeitos respondem com a corrida (maluca) das vacinas e se esmeram para criar pseudo-eventos de vacinação em conta-gotas ao estilo dos SACs corporativos. Enquanto a grande mídia vende imagens de “alegria” e “esperança” com imagens de felizardos sendo vacinados. No mercado do imaginário hiper inflacionado, a vacina vira a varinha de condão para um alívio meramente individual (a “vacina Prozac”) enquanto a sociedade afunda no caos, sem soluções coletivas.

sábado, fevereiro 27, 2021

Nos abismos metalinguísticos e gnósticos da série 'WandaVision'


Não fosse a vinheta que abre cada episódio, com o logotipo da Marvel Studios e o desfile da galeria de super-heróis acompanhado de uma orquestração épica, acharíamos que estamos assistindo à série errada – saem super-heróis esculpidos de forma épica, violência bombástica e música enfática sinalizando alguma reviravolta catastrófica, e temos agora elementos gnósticos e psicanalíticos para narrar os traumas interiores de um super-herói. A série “WandaVision” (2021- ) coloca, dessa vez, dois super-heróis do Universo Marvel (a  Feiticeira Escarlate e Visão) nos abismos metalinguísticos de um pastiche das sitcoms dos anos 1950 e 1960, explorando altos conceitos já vistos em produções como “A Vida em Preto e Branco” (“Pleasantville”) e “Show de Truman”.

terça-feira, janeiro 26, 2021

A fé é uma bomba semiótica da guerra híbrida na série "Messiah"


Certamente a série “Messiah” (2020), produção original da Netflix, é uma das produções audiovisuais recentes que melhor detalha o fenômeno de psicologia de massas de como fé, religião e propaganda podem intencionalmente convergir numa bomba semiótica capaz de aglutinar as dores individuais em um denominador comum, criando um sentido coletivo: o acontecimento comunicacional. Surge um homem misterioso em pleno ataque do Estado Islâmico na Síria, que a pessoas acreditam ser o verdadeiro Messias. Ganha as manchetes internacionais para reaparecer nos EUA e provocar comoção cultural e política. Uma farsa? Um terrorista cultural? Mas se for verdade, é um Messias do quê? Católicos, Evangélicos, Muçulmanos, Judeus, CIA, FBI, governos de Israel, EUA, Estado Islâmico, Hamas, cada qual cria interpretações numa espiral alucinante. Provocando polarização, confusão e caos político e social. Os reais objetivos de uma Guerra Híbrida. Mas de quem? Da Rússia? De algum trabalho interno do próprio governo norte-americano? Ou será mesmo o final dos tempos?

sábado, janeiro 23, 2021

Iconografia da posse de Biden revela símbolos do Deep State X simulacros midiáticos


Eram visíveis os rostos aliviados de apresentadores e analistas do jornalismo corporativo ao cobrir a cerimônia de posse de Joe Biden e Kamala Harris. Eles tinham um script pronto para a cobertura: narrar o retorno da “maior democracia do mundo” à normalidade, os EUA como reserva moral e exemplo para o planeta com a “agenda progressista” do novo governo que enxotou Trump: uma administração que supostamente preza pela inclusão, diversidade, atenta às mudanças climáticas e sustentabilidade. Tudo muito bonito! Porém, uma análise iconográfica e semiótica revela contradições entre esse script e as imagens e símbolos de um evento criado exclusivamente para a TV – já que Washington DC estava sitiada com mais militares do que Iraque e Afeganistão juntos. Enquanto o discurso era “progressista”, as imagens mostravam a onipresença de símbolos fálicos, patriarcais, marciais e imperiais confirmando aquilo que sempre foi: o abismo entre o “Deep State” e o simulacro da Democracia nas telas de TV.

segunda-feira, janeiro 11, 2021

Nietzsche, Gnosticismo e Teocídio no filme 'Matando Deus'


O que você faria se Deus aparecesse? E se Ele não fosse como Morgan Freeman em “O Todo Poderoso” (2003), uma divindade bondosa que pacientemente dá lições morais para Jim Carrey. Não, e se Deus aparecesse como um anão sem-teto, alcoólatra, desbocado e de saco cheio da própria Criação? Pior, com um plano de exterminar a humanidade. Essa é a comédia de humor negro “Matando Deus” (“Matar a Dios”, 2017): o Todo-Poderoso invade a noite de Ano Novo de uma família disfuncional que é o microcosmo de todas as mazelas do demasiado humano. Depois de muitos dilemas morais, o grupo chega a uma conclusão: eles precisam matar Deus. Uma narrativa que combina humor negro com o melhor do slasher dos filmes B. E suscitando leituras tanto nietzschianas como gnósticas.

domingo, setembro 20, 2020

Curta da Semana: 'Lady Gaga: 911" - o esotérico airbag mental diante da morte


Basicamente a estética videoclipe consiste na passagem de significante a significantes (alusões, referências etc.), sem apresentar significados, criando jogo para as referências culturais presentes no repertório do espectador. Essa é a chave do sucesso da cultura pop:  a metonímia no lugar do aprofundamento de metáforas. O novo videoclipe de Lady Gaga, “911” (faixa do seu novo álbum “Chromatica”) confirma essa lógica, mas vai além ao aproximar a fórmula metonímica pop da linguagem freudiana dos sonhos e do fenômeno esotérico da “tela mental” criada no momento da morte – o “airbag” emocional criado pela mente como proteção diante do medo da morte, do mergulho no desconhecido. Dos filmes de Jodorowsky (“El Topo” e “A Montanha Sagrada”) o videoclipe pega inúmeros simbolismos cristãos, budistas, zen, magia negra, paganismo etc. E dos filmes “The Wave” e “A Passagem”, o tema do fenômeno da “tela mental” no momento da morte. Criando um final ambíguo: Lady Gaga foi ressuscitada pelos paramédicos ou está morta num limbo entre vida e morte?

segunda-feira, agosto 10, 2020

Por que comemos pipoca no cinema?

 

Por que o impulso de comer pipoca no cinema? Ou em casa, assistindo a um filme em uma plataforma de streaming com um balde de pipoca ao lado? Por que a experiência do cinema é acompanhada pela pipoca? A história social da pipoca e a psicanálise do cinema nos ajudam a entender que essa conexão não é assim tão natural como imaginamos. No início, os cinemas resistiram à ideia de comer pipoca dentro da sala de projeção, enquanto espectadores escondiam os saquinhos nos bolsos. Desde as origens da sociedade do espetáculo (circos e feiras no século XIX) a pipoca tornou-se sinônimo de entretenimento. O impulso voyeurista de olhar para o que é exibido acompanhado pelo prazer oral da pipoca é um fenômeno psíquico que tem a ver com a própria lógica mercadológica da sociedade de consumo. A psicanálise do cinema pode ajudar a entender por que essa dupla cinema/pipoca funciona tão bem. 

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review